Arquivos Bruno Moury Fernandes - Página 5 de 6 - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

Bruno Moury Fernandes

Terceirização: muita calma nessa hora! (por Bruno Moury Fernandes)

É momento de dar uma pausa nas croniquinhas metidas a engraçadas que escrevo aqui na coluna para falar de um assunto sério: a terceirização. A imprensa anda a propagar que com o advento da Lei 13.429/17, sancionada pelo presidente Temer, passamos a ter no Brasil a possibilidade da terceirização irrestrita. Não é bem assim! Empresários e empreendedores em geral: devagar com o andor! A norma não diz ser possível a terceirização da atividade-fim. Afirma tão somente que não se configura vínculo empregatício entre trabalhadores da empresa prestadora de serviços e a empresa contratante. Talvez alguém entenda que isto acabe por significar a mesma coisa (tenho cá minhas dúvidas), mas a própria norma traz no seu bojo uma série de requisitos de validade para que a terceirização seja considerada válida e, portanto, se pelo menos um desses requisitos não estiverem cumpridos, evidentemente que a Justiça do Trabalho poderá reconhecer o vínculo sim! Notadamente quando estiverem presentes os elementos caracterizadores da relação empregatícia, tais como subordinação, pessoalidade, onerosidade. Em outras palavras: a regra da impossibilidade de reconhecimento de vínculo cai por terra quando os requisitos para a terceirização, previstos nessa mesma norma, não forem atendidos. Ou tentando ser mais claro: é falsa a afirmativa de que a partir de agora “poderei terceirizar tudo o que bem entender, da forma que eu quiser, pois jamais o trabalhador será considerado meu empregado”. Para que a terceirização seja considerada lícita, de acordo com a norma, devem ser cumpridos os seguintes requisitos: a) os serviços contratados devem ser determinados e específicos; b) a empresa deve ser uma prestadora de serviços determinados e específicos, ou seja, não pode ser a famosa empresa “faz tudo”; c) a empresa prestadora de serviços a terceiros deve ter capital social compatível com o número de empregados; d) deverá existir um contrato de prestação de serviços contendo qualificação das partes, especificação do serviço a ser prestado, prazo para realização do serviço e o valor; e) a empresa prestadora de serviços é quem dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, não podendo a tomadora fazê-lo diretamente. Aliado a tudo isso, há uma inegável carga ideológica por parte de alguns magistrados trabalhistas contrários à terceirização. A Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas posiciona-se veementemente contra a terceirização irrestrita. O ativismo está mais vivo do que nunca e a ideologia de alguns se fará presente nas decisões a serem proferidas em casos concretos. Tenho conversado com doutrinadores e magistrados e pude ver e ouvir: não é bem assim como esse governo quer. Enfim, estou convencido de que quem definirá o quão (ir)restrita será a terceirização, será a Justiça do Trabalho. Assim, tenho opinado, a todos os nossos clientes, quando me perguntam: posso, a partir de agora, adotar a terceirização largamente na minha empresa? Respondo, sem titubear: muita calma nessa hora! Por enquanto, apenas aguarde e observe! *Bruno Moury Fernandes é advogado, cronista e colunista da Revista Algomais

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Péricles, o estagiário

A primeira audiência realizada por Péricles, um grande amigo, foi traumática. Ele ainda era estagiário. O escritório onde trabalhava o designou para que realizasse uma audiência inicial na Justiça do Trabalho. Chegou lá nervoso, suado. Tremia mais que vara de bambu. O juiz pediu os documentos pessoais das partes, incluiu as informações iniciais na ata de audiência, perguntou se havia possibilidade de acordo, obtendo resposta negativa dos dois lados. Em seguida, olhou para Péricles e pediu a contestação que lhe foi prontamente entregue, em mãos. Naquela época os processos eram físicos. O juiz perguntou, dirigindo-se a Péricles: - Quantas laudas, doutor? - Hã? - Quantas laudas? - Como assim, excelência? Aumentando o tom de voz, irritado, o juiz praticamente gritou: - Quantas fooooolhas, doutor? Quantas fooooolhas tem a sua contestação? Me diga! - Pois não, excelência. Enquanto Péricles contava as folhas, mais perguntas: - Você é estagiário ou advogado? - Estagiário. - É inscrito na OAB? - Não, excelência. - Mas então você sequer poderia estar sentado aqui. - Mas, excelência... - Mas nada! Levante-se! Será possível!? - Gostaria de consignar os protestos... - Você não pode protestar nada, meu filho. Você simplesmente não está nesta audiência! - Estou sim. Olha eu aqui! - Você está em carne e osso, mas não está t-e-c-n-i-c-a-m-e-n-t-e nesta sessão!! - Como posso não estar tecnicamente aqui? Eu sou eu. Eu estou aqui. Seja em carne, seja em osso, seja espiritualmente, seja tecnicamente. - Você quer que eu chame a polícia judiciária para lhe tirar daqui à força? - Posso pelo menos pedir prazo para juntada de documentos? - Meu amigo, você aqui não pode pedir N – A –D – A!!! - Pelo amor de excelência, Deus. Digo, pelo amor de Deus, excelência, me deixe pelo menos assistir, então, quietinho aqui a audiência. O preposto pode conduzir o restante, não é mesmo!? - A propósito, qual o seu nome? - Péricles Lindoso Amado. ...pausa de uns dez segundos... - Você “é o quê” de Eduardo Lindoso Amado? - Filho! - Sou amigo de infância do seu pai. - Poxa...que sorte a minha. - Ele roubou minha namorada quando éramos adolescentes. - Poxa...que azar o meu. - Mas gosto muito do seu pai. - Ahã...imagino. - Ele me fez um grande favor quando eu estava na faculdade. Arranjou-me o meu primeiro estágio. Eu era assim, inexperiente que nem você. Qual o seu período? - Terceiro. - Tinha que ser. Nem Direito Processual do Trabalho I você pagou ainda. Sente ali e assista a audiência quietinho, meu filho. Mande um abraço para o seu pai. - Ah...vou mandar sim, excelência. Sinto muito pela sua namorada. Meu pai às vezes faz umas besteiras. - A namorada a que me referi, rapaz, casou com o seu pai e hoje é a sua mãe. E a única besteira, pelo que vejo, foi você ter nascido. - Excelência, acho melhor eu ir embora mesmo. Bateu a porta e saiu. Hoje Péricles é parecerista tributário e, traumatizado, nunca mais fez audiência na vida.

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Espinhas

E se não tivesse acenado para mim, da janela do seu apartamento, quando passei em frente ao seu prédio, naquela manhã de terça-feira? Eu estaria longe de qualquer risco, mas não teria vivido, aos 16 anos, meses de intenso prazer. Ela morava no primeiro andar de um prédio caixão, numa rua movimentada, em Boa Viagem. Eu morava em outro prédio, uma quadra adiante. Todos os dias passava na frente da sua casa, mas nem a conhecia. Nunca tinha notado, sequer tinha visto aquela morena de lábios carnudos. Mas neste dia escutei um “Ei, gatinho!”. Gatinho é foda, odeio isso. Mas me vi a procurar de onde vinha aquela doce voz. “É comigo mesmo?”, pensei. Olhei para cima e lá estava Débora com aquele sorrisinho escroto de canto de boca, fazendo assim com o dedinho, me chamando para subir. “Olhe que eu subo, viu!?”, respondi. “É para subir mesmo”, ela gritou. Obedeci. Casada, logo vi pela aliança na mão esquerda. Nem me conhecia. Mas disse que me via passar todos os dias. Era o trajeto do meu colégio. Ela era muito gostosa. Estava com uma blusinha, dessas de ficar em casa, sem sutiã, com os peitos agudos, como se estivesse com frio. Bronzeada, a marca do biquíni se confundia com o fio estreito da peça que usava. Não era magra, mas também não era gorda. Tinha carne. Muita carne. Jamais perguntei-lhe a idade. Mas certamente não tinha menos que 35. Corpo escultural, tipo sedutora mesmo. Já experiente e, eu, um pivete de 16, em plena ebulição hormonal. Pediu que eu deixasse a mochila do colégio no sofá. “Quero te mostrar meu quarto”. Puxou-me pelas mãos. Não tinha trocado mais do que duas palavras. A casa era bagunçada, pequena. Sentou-se na cama, de frente para mim. Estava no comando, dando ordens, ensinando-me tudo. Só quando terminamos me dei conta do perigo. Mesmo assim, passei seis meses da minha vida nessa rotina de, pelo menos duas vezes por semana, visitar minha “professora”. Até que um dia, a placa de “vende-se” na janela do seu quarto. Dona Sheila, uma senhora de seus 70 anos, vizinha de Débora, chegava com sua cesta de frutas. “Seu parque de diversões já se mudou, garoto”. “Bem feito, a casa caiu pra ela!”, disse a velha que ainda alfinetou, cortando meu coração: “De todos os que vinham aqui, você era o mais jovem”. Calei-me e fui embora. Foram seis meses intensos. Mas Débora não foi leal aos meus sentimentos. Sua chama não era só minha e do seu marido. Era de muitos. Sequer se despediu. Aos 16 anos eu pensava que Débora e minhas espinhas eram eternas. Estava hipnotizado e viciado. Agradeço todos os dias por ter sido convocado por aquele furor uterino numa manhã ensolarada de 1990. Para minha surpresa, encontrei-a numa livraria, em Casa Forte, dias atrás. Acenei de longe, mas não me reconheceu. Ou fez de conta que não. Sei lá, já se foram 25 anos. Deve estar beirando os 60. Usava um vestido longo com estampa florida, rosto envelhecido, magra, cabelo curto, e certo ar de tristeza. Claro que o tempo também chegou para Débora – e para mim -, mas ainda se percebe as curvas generosas que a natureza lhe emprestou. Segurava a mão de uma lindo garotinho que aparentava ter 6 anos e lhe chamava de “vó”. Tive vontade de ir lá e, respeitosamente, dizer o quão grato sou. Mas achei inapropriado. Fiquei com medo de ouvir um “Débora não, por favor, dona Débora. De onde lhe conheço?”. As espinhas cicatrizaram. O tempo voou. Eu era apenas um fedelho sortudo a se divertir. E Dona Débora era apenas Débora, a adúltera que me abduziu.

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A morte é um dia que vale a pena viver

Vira e mexe meu irmão faz a mesma proposta, há anos: “Vamos jogar tudo pro alto, construir uma casinha numa praia deserta, levar toda a família e viver da caça e da pesca?” Romantismos, brincadeiras e devaneios à parte, no fundo no fundo, o desejo é real, não obstante pareça ser de praticidade utópica. Li um livro na última semana que me fez ligar para ele, assim, do nada: “E aí, Mamá? A proposta está de pé?” Expliquei-lhe que acabara de ler A Morte é um dia que vale a pena viver, da médica Ana Cláudia Quintana Arantes, pela editora Casa da Palavra. O livro, conquanto fale da morte, é, na verdade, uma lição de vida. Simplesmente impactou-me. Falamos pouquíssimo da morte, ou quase nada. Sendo essa a única certeza que temos, caro leitor, deveríamos conversar mais sobre o evento que se aproxima. Perdoe-me a franqueza, mas não há como negar. Ela vai chegar para ti também. Pensar na morte é um tabu. Mas Ana Cláudia é uma médica que especializou-se em cuidados paliativos e nos traz uma surpreendente reflexão sobre o assunto. A morte anunciada traz a possibilidade de um encontro veloz com o sentido da vida. Os cuidados paliativos não são apenas aqueles que aliviam o sofrimento físico e as sequelas do tratamento agressivo. Quando fecha-se o prognóstico de uma doença incurável e anuncia-se a proximidade da morte, a medicina costuma dizer que “não há mais o que fazer”. Cláudia prova no livro que a medicina sempre esteve errada. Sim, ainda há muito o que fazer. Porque muito embora não haja mais tratamento disponível para a doença, há muito mais a fazer pela pessoa que tem a doença. Sempre atrelei cuidado paliativo à sedação. Estava enganado. A narrativa nos convence que é possível ter uma morte natural, lúcida. Assim como existe o parto normal, pode existir a morte normal. Aquela que é sentida e vivenciada pela pessoa até o seu último suspiro, de forma consciente, digna. Existem meios adequados para que se alivie a dor, o sofrimento, permitindo à pessoa que vá embora despedindo-se de cada um dos seus, de forma serena, calma, tranquila, consciente. Cláudia especializou-se em ajudar as pessoas a morrer. A ter uma boa morte. A ter qualidade de vida na finitude humana. “A morte é um laboratório incrível”, diz ela. Especialmente porque, nesse corredor final, as pessoas costumam se despir de toda e qualquer vaidade, futilidade ou mentira. E, assim, as pessoas falam com a alma. Quer um conselho sábio sobre a vida? Peça a alguém que está morrendo. Esse sopro vital de sabedoria, bem perto da hora da saída, emerge para a consciência e ilumina os pensamentos com uma luz divina, uma lucidez absurda. E é neste ponto que Cláudia, através do seu trabalho, nos dá uma lição de vida ao falar dos arrependimentos dos seus pacientes. E eles são sempre os mesmos, amigo leitor. Seja qual for a sua situação financeira ou status social. Seja a pessoa um gari, médico, advogado, engenheiro, servente, carpinteiro ou psicólogo. O maior dos arrependimentos é sempre o de não ter realizado os seus próprios desejos. De não ter priorizado suas próprias escolhas e de ter feito escolhas para agradar os outros. Pode ser o mais poderoso ou o mais humilde dos seres humanos, ele estará arrependido no seu leito de morte se não fez aquilo que queria ter feito. O que deveria nos assustar não é a morte em si, mas a possibilidade de chegarmos ao fim da vida sem aproveitá-la. Sem fazê-la do nosso jeito. Não há motivo para temer a morte. Só há uma coisa a temer: não usar o nosso tempo da maneira que gostaríamos. O que estás a fazer com o tempo que tens? O que farás do tempo que te resta? Por sinal, quais são suas escolhas para 2017? Bom Natal e feliz Ano Novo!

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Oncinha pintada e o mínimo ético

Você entra no banheiro da biblioteca da universidade para satisfazer corriqueiras necessidades e encontra uma nota de R$ 50, no chão, estendida ao lado da privada. O local está fechado, obviamente. Ali, na solidão da intimidade, você e a onça. E agora? O que fazer? Como primeira opção, você poderia se dirigir à coordenação da biblioteca ou ao setor de achados e perdidos, interpelar o funcionário, dizendo: “Senhor, com sua licença, acabo de achar um animal que anda em extinção na minha carteira, esta onça. Estou a devolvê-la, por favor, tente localizar o proprietário deste pobre animal”. Como segunda opção você poderia prender a onça na jaula do seu bolso, afinal ninguém está vendo, não é mesmo!? Há uma terceira opção: fazer de conta que não viu a fera e dar as costas, evitando tentações, dúvidas, problemas e, sobretudo, tornando desnecessária a tomada de decisão. Ou seja, acovardando-se, você poderia sair correndo antes que a onça abocanhasse sua consciência. E se você for esquerdista anarquista, puto da vida com o estrago que o capitalismo direitista causou ao mundo, ainda há a opção de limpar suas partes íntimas com o pelo felpudo da felina pintada, jogando na privada todo o ódio que emana da sua consciência político-econômica, afinal dinheiro é mesmo uma merda, o mal do mundo. Ocorre que você permanece em plena dúvida. Sentado ao trono, cotovelos nas coxas, mãos no queixo, como na famosa pose da escultura de Rodin, você pensa. Pensa. E pensa. Fecha os olhos, lembra dos ensinamentos do pai e da mãe. “Menino, isso não está certo”. “Não faça isso”. “Olhe, Deus tá vendo!” “Deus castiga!” Você chega a escutar a voz da sua vó, dizendo: “Nada é melhor do que o sono dos justos”. Você pensa em inúmeras coisas ao mesmo tempo, desde o episódio do Sítio do Pica Pau Amarelo, onde Emília, Narizinho, Visconde e todos os outros procuravam pela onça pintada, até a palestra do Leandro Karnal com seus ensinamentos filosóficos sobre ética. O tempo passa. Você sentado ali, suando frio. Então escuta o barulho da porta e os passos de um alguém adentrando ao banheiro. “Toc-toc” e uma voz rouca: “Com licença, você viu se deixei cair do bolso da minha calça uma nota de R$ 50?”. Pronto, você está a salvo! O dono do animal apareceu. “Deixe-me ver se está por aqui”, você responde, disfarçando a verdade de quem esteve trancafiado amorosamente com a onça, na mesma jaula fedorenta, durante a eternidade daqueles minutos anteriores. “Ah, sim, está aqui”. E entrega a felina por debaixo da porta, com sua face virada para cima, enquanto as costas se arrastam pelo límpido e brilhoso piso de porcelanato. Naqueles milésimos de segundo você mira os olhos da onça, chegando a sentir as garras a segurar suas mãos, como num balé da triste despedida. Adeus, oncinha pintada! Titubear é humano, mas com ética não se pode transigir. Aquilo que você faz quando ninguém está vendo chama-se ética. Quando há dúvida entre o certo e o errado é porque já se perdeu a dignidade. É porque a ética já deixou de ser um valor. Ainda existem pessoas honestas no mundo. Tudo bem, estão em extinção, assim como a onça. Mas são nelas que devemos nos espelhar. Em tempos de crise de valores, aplausos para quem, ao menos, devolve aquilo que não lhe pertence. É o mínimo ético sendo apreciado.

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Desculpem o transtorno, preciso perdoar a Cármen

Alento mesmo foram as paraolimpíadas. Que maravilha aquela abertura. Melhor ainda a cerimônia de encerramento. Só mesmo o esporte para levantar a autoestima dos nossos heróis. Mesmo a TV aberta não transmitindo nada. Ainda bem que pago a TV a cabo em dia. Até que veio o Ministério da Educação e pá...tornou a educação física eletiva. Até que veio o Joaquim e pediu para mudar o canal. Até que veio a autoridade máxima de um dos poderes desta nação, em entrevista à Globo News, e afirmou que a sociedade poderia esperar o empenho dos integrantes do STF, porque eles não eram autistas, e sim cidadãos – e, por isso, queriam rapidez nos julgamentos. Pera aí! Para tudo! Oi? E os autistas não são cidadãos? E não querem rapidez nos julgamentos? Os microfones são inimigos dos ministros do Supremo. Vez ou outra danam-se a falar demais, assim mesmo, na frente das crianças. Entrevista de ministro deveria ser proibida para menores de 18 anos. Seria maravilhoso os ministros compreenderem que as pessoas com deficiência, incluindo os autistas, desejam - e muito - a celeridade processual. Não só aqueles que brigam na Justiça, por exemplo, contra as empresas de saúde privada para que o tratamento seja coberto pelo plano, como também os que litigam contra a União para que o SUS cumpra o papel de se aparelhar com profissionais capacitados para tratamento adequado. Ou aqueles que pretendem ter simplesmente diretos básicos de cidadania respeitados. Dizia a reportagem ser ela mestre em direito constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais. Não quer ser chamada de presidenta, mas sim de presidente. Senhora distinta, cabelos brancos. Séria, culta, honrada. Acredito em tudo isso apesar de não conhecê-la pessoalmente. Só a vi na TV. Seu nome é Cármen Lúcia. Quero perdoá-la. Não bastassem todas as irresponsabilidades do poder público que é flagrantemente omisso, ouvir a presidente do Supremo Tribunal Federal falar isso, assim, na lata, dentro da minha casa, sem pedir licença, parecia brincadeira. Mas não era. Foi de perder a esperança, confesso. Sim, era mais relaxante assistir ao Amigãozão no Discoveykids. É um elefante azul que nos agride bem menos. Fizemos uso do controle remoto. Logo em seguida, a ministra veio a público pedir desculpas, de forma protocolar, e dizer que não deveria mais fazer uso dessa palavra – autista - para definir algo negativo. Não deve ter sido sua intenção, como guardiã da Constituição Federal, afrontar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana com Deficiência, amparado pela Carta Magna. Na verdade, o Brasil é que nos deve desculpas, ínclita ministra. Aliás, a mim, a V. Exa. e a todos os outros brasileiros. Este é um país que jamais se preocupou verdadeiramente com a pessoa com deficiência. Trata-se de uma nação que não preparou a mim, nem a V. Exa., a conviver com pessoas ditas especiais. Conquanto tenhamos uma legislação avançada acerca da matéria, nunca houve política pública adequada em prol dessa minoria. Sua declaração é reflexo da completa ausência do que chamamos de educação inclusiva, douta julgadora. A senhora jamais foi incluída. Eu também. As pessoas sem deficiência precisam ser incluídas. Somos vítimas da anestesia geral que assombra a sociedade. Somos humanos. Quero perdoá-la. A Lei Brasileira de Inclusão, que entrou em vigor em janeiro deste ano, trouxe a obrigatoriedade do Poder Público capacitar servidores que atuam no Poder Judiciário quanto aos direitos das pessoas com deficiência. Asseverou que devem ser oferecidos, por exemplo, todos os recursos de tecnologia assistiva disponíveis para que a pessoa com deficiência tenha garantido o acesso à justiça, sempre que figure em um dos polos da ação. Preciso perdoá-la ministra, mas que tal V. Exa. estimular, no âmbito do poder que ora chefia, o cumprimento da lei? Seria um belo início de gestão, não acha? Corra, Excelência! Antes que meu amigãozão mude de canal novamente.

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Sobre coragem

Medo de tomar decisões todos temos. Mas coragem vale a pena. Lembro daquela disputa de pênaltis nos jogos internos do Colégio Atual. O ano era 1990. Éramos 8ª série. Nem sei como chama isso hoje. Acho que é “nono ano”. Ninguém quis bater o último. “Deixa que eu bato”, gritei. A perna tremia. Mas fui lá e... Se você acha essa decisão fácil é porque nunca jogou uma partida na quadra do colégio repleta de gente, estando ali todos os seus amigos, professores, paqueras, familiares e adversários. Aos 15 anos, meu universo era aquele. Minha decisão, portanto, era do tamanho do meu mundo. Talvez a mais importante por mim já tomada, até aquele momento. Quantas bolas na marca do pênalti nos deparamos ao longo da vida? Ter outro filho. Abrir aquele negócio. Mudar de endereço. Convidá-la ou não para jantar. Fazer aquele mestrado em outro país. Entrar naquele avião. Terminar aquela sociedade. Parar de fumar. Fazer aquela cirurgia. Mudar de profissão. Morar sozinho. A vida requer coragem. Se não tomarmos decisões importantes nessa vida, em qual vida tomaremos? Eu não tenho lá tanta certeza de que haverá outra chance. O importante é ser quem realmente somos. Ou você quer passar o resto da vida sendo quem as pessoas querem que você seja? Puxa, acabo de me dar conta que este é um texto de autoajuda. Daqueles que são vendidos em livraria de aeroporto. Quem sabe não ganhe um dinheirinho com isso. Dizem que a literatura mais frutífera é essa. Mas a tentativa era falar sobre vida. Graciliano Ramos dizia que para escrever você tem que fazer igual às lavadeiras de Alagoas, que contorcem, esfregam e batem a roupa sobre a pedra, dezenas e dezenas de vezes, até atingir o ponto ideal. Aqui parece que contorci pouco, porque me sai um texto de autoajuda, ora bolas! O intuito era falar sobre essa coisa que acontece entre o dia em que você nasce e o dia em que você morre. Felicidade era sobre o que tentava escrever. Mas lembrei que até para ser feliz é preciso tomar decisões. Para ser feliz é preciso ter coragem. Não conheço covarde feliz. Abandonar tudo aquilo que te põe para baixo ou que te tira o sagrado sono. Livrar-se de tudo o que faz mal à saúde. Afastar-se de quem te arranca a autoestima. Mudar hábitos que te prejudicam. Largar coisas e pessoas que te diminuem. Tudo isso requer coragem. São bolas na marca do pênalti que precisam ser chutadas. Há decisão mais corajosa, por exemplo, do que resolver ter hábitos simples na vida? No mundo do consumo considero-a revolucionária. Daquela que pode nos libertar das armadilhas mundanas. Lembro de conversa que tive com meu pai. Um médico bem-sucedido que recebeu o convite de um partido político para concorrer a cargo parlamentar. Pronto, a bola na marca do pênalti. O cabra aperreado para decidir. Abandonar uma carreira bem-sucedida para entrar para a política? Quantas pessoas já se depararam com situações análogas? Aparentemente, errou meu pai. Elegeu-se vereador e perdeu a clientela. Mais tarde, os mesmos “parceiros” que fizeram o convite fritaram o coitado. Assim é a política. Assim é a vida. Ora peixe-vivo, ora peixe-frito. Mas meu pai não se arrependeu nenhum dia da decisão que tomou. Seu sonho era a política. Sonho realizado. Ah! A propósito daquele pênalti no colégio, meti a bola na trave. Ter coragem também é isso. Tomar decisões e errar. Mas, quer saber? Não me arrependo nem um segundo. Jamais me arrependerei da coragem que tive.

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Conexão Recife-Hoorn

Horácio, amigo querido, foi passar as férias com as crianças na Holanda. Hospedou-se na casa da cunhada brasileira, casada com um holandês de nome russo, Kiril. Filho de mãe francesa – que criou-se na Venezuela –, de pai holandês e neto de russos. Enfim, Kiril é fruto da globalização. Uma mistureba danada. Apaixonado pelo Brasil, treina capoeira, gosta de samba-rock, bossa-nova e fala português fluente com sotaque nordestino. A estadia de Horácio nos Países Baixos serviu para obter informações e matar a curiosidade acerca da imagem que o Brasil possui por lá. Horácio é curioso e gosta de saber o que pensam sobre nós. Conversou com holandeses, amigos do Kiril, e com brasileiros que lá tentam a vida. Sua “pesquisa” in loco se concentrou em cidade do “interior”, Hoorn. Com grande importância histórica, não é cosmopolita como Amsterdam e Roterdam. Mas estar lá nas entranhas interioranas de um país pitoresco permitiu a Horácio compreender, por alguns dias, como o típico holandês vive e pensa. Mas o meu amigo descobriu, para a sua decepção, que os loiros estão pouco se lixando para a terra brasilis. A maior decepção foi saber que eles desconhecem o período holandês em Pernambuco. “Meu Deus!”, abismou-se Horácio. Como podem não saber que estiveram a construir pontes sobre os rios que formam o oceano atlântico? Como podem ignorar a terra que possui a maior avenida em linha reta do mundo? Abatido esteve quando soube que sequer somos mencionados nos livros laranjas de história. Quem é do Recife sabe como a indiferença fere. Kiril tentou consolá-lo oferecendo uma cerveja belga. Horácio aceitou e resolveu ouvir mais dos amigos que conhecera há pouco. Alguns disseram-lhe que as brasileiras andavam nas ruas de biquíni. Outros tinham a certeza que falávamos espanhol. Demonstraram paixão pela nossa natureza e disseram estar curiosos em saber como se constrói cidades em meio às selvas. Afirmaram que merengue e salsa eram nossas danças típicas. Unanimemente elogiaram a beleza da nossa capital federal, o Rio de Janeiro. Ouviram na televisão que nosso país é corrupto e que ladrão julga ladrão, afastando uns aos outros do poder. Também ficaram abismados com um palhaço ter sido eleito ao parlamento, sendo o mais votado. Lamentaram a morte de um jovem líder em queda de avião, no último ano, notícia também veiculada na imprensa local. Foram veementes em dizer terem receio em fazer negócios com brasileiros, ante notícias de corrupção. Foram categóricos em afirmar que o nosso futebol não é mais o mesmo, e que o maior jogador estrangeiro que já vestiu uma camisa de time holandês foi Romário, no PSV. Horácio passou o resto das férias com raiva daquele lugar. Pelas mentiras e verdades que ouvira. Ora, mas quem mandou abrir boca e ouvidos? Saber que o mundo não gira em torno do seu umbigo foi mesmo uma paulada. Isso não está nos planos de um recifense. “Como esses branquelos ousam não saber tudo de nós?”, perguntava-se Horácio. Satisfeito mesmo só quando viu, nas prateleiras do supermercado, mangas do Vale do São Francisco e melões de Mossoró. Quem salvou a viagem foi Kiril que, apesar de pensar que as frutas eram da Indonésia e de dizer que a impontualidade de Horácio era tipicamente brasileira, não parava de falar do Recife e do Brasil um só segundo, fazendo perguntas como: “É verdade que Vinícius e Toquinho tinham um caso?”. “Sim”, respondeu Horácio já puto, “um caso de amor com o Brasil”. E Kiril, com a alma mais brasileira do que muitos brasileiros, mais nordestina do que muitos nordestinos e mais pernambucana do que muitos pernambucanos, tentou acalmar o pobre Horácio, adaptando com rara presença de espírito, frase de Vinícius: “amigo, morar no Brasil é ruim, mas é bom demais...especialmente se for no Recife”.

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Até o íntimo do íntimo

Dom Helder Câmara pediu audiência com um importante empresário (e também político) por quem tinha admiração e amizade. Indagado sobre do que se tratava, o Dom respondeu que o mote era o estilo de vida do amigo. Ao encontrá-lo, demonstrando preocupação, o pai dos pobres disse ao bem sucedido que a correria escondia, sem ele notar, um medo de encontrar-se com si mesmo. No texto em que narra esse episódio, Dom Helder afirma com sabedoria: “Tenho visto pessoas que parecem dinâmicas, decididas, fortes, sabendo pensar, sabendo querer, mas na hora de pensar em si, de olhar até o íntimo do íntimo, mil pretextos surgem, mal escondendo o meio pavor ou o pavor e meio de olhar de cheio para o próprio eu...”. Isso foi escrito na década de 70. Acrescente agora 40 anos e chegarás à conclusão que o mundo mudou. Para pior! Além do trabalho em demasia, nos foi adicionado um ingrediente perigoso: tsunami de informações sem filtro algum. Tudo ao nosso alcance. Tenho refletido sobre o nosso ritmo frenético de cada dia, causado pelo excesso de trabalho e de conteúdo. Rapaz, as informações têm chegado em quantidade tão avassaladora que Tico e Teco andam se estranhando. Férias aos neurônios, exijo! Ócio para o cérebro, reivindico! Feliz de quem consiga represar o conteúdo da sociedade moderna. Mais feliz ainda quem filtra ou ignora. Notícias chegam em velocidade estonteante. Depois de meia hora aquilo já não é novidade. Você chega naquela roda de amigos para contar o que ninguém sabe e, surpresa! Sim, todo o mundo já sabe. Tudo está na palma da mão. A informação democratizou-se em demasia. Banalizou-se. Entre as vinte e uma horas do jornal televisivo e as seis horas do dia seguinte, dois ministros já caíram. Quando o zelador entrega o jornal impresso, bem cedinho, já verbaliza que a manchete está desatualizada porque “saiu na internet, doutor, que...”. Criei dependência psicológica da tríade jornal-café-banheiro. Talvez por isso não abandone nem tão cedo a tinta suja do impresso. Teria que fazer terapia para atitude tão corajosa. Mas não bastasse o jornal, tem também o Facebook, o Whatsapp, o podcast do Murilo Gun, os sites especializados em matérias jurídicas. Tudo contribui para hemorroidas. O que antes se fazia em dez minutos, agora leva-se uma hora, sentado ao trono. É o rei escravizado pelo excesso de informação. A vida exige que eu saiba mais e trabalhe mais. Cada vez mais. Então, produtividade, eficiência e conhecimento é o que querem de mim. Run Forrest, Forrest Run! Com informação, estudo e trabalho em demasia, cuidado, o AVC se avizinha. A vida é atropelo, correria. Não vou deixar essa armadilha me pegar. Continuarei valorizando o trabalho. Ele é fundamental à vida como o próprio ato de respirar. “Sem o seu trabalho, o homem não tem honra e sem a sua honra se morre e se mata”, cantou Gonzaguinha. Mas decidi que, a partir de agora, o tempo é o meu. A batida é a minha. Escravizar-se pelo mundo dos negócios 24 horas por dia é afastar-se de si mesmo. É preciso encontrar o ponto de equilíbrio. Estou com 40 anos e com tesão enorme pela minha profissão. Mas, na mesma proporção, com muito desejo de me conhecer melhor. Animado para olhar, como disse o Dom, “até o íntimo do íntimo”. Doar tempo ao “eu” de quem tanto me afastei.

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Bucho de piaba (junho)

Minha sogra diz, com toda razão, que sou bucho de piaba. Sabe o que isso significa? Segundo o dicionário de pernambuquês, pessoa fofoqueira. Aquele que não guarda segredo. Verdade! Minha sogrinha querida tem razão. Se você tiver algo secreto não me conte, de jeito nenhum. Sinto coceira na língua e vontade incontrolável de passar adiante a coisa proibida. Saboroso é deter o sentimento de poder durante aqueles valiosos minutos. Sim, sustento somente por alguns instantes. Nada mais além disso. Meu recorde foi de três sufocantes horas. Pensava que ia morrer entupido. Até que vomitei o sigilo para o primeiro que apareceu na minha frente. Ufa! Que alívio! Se a fofoca é da boa, ligo imediatamente para mãe: -Não sei se conto. -Vai menino, diz logo. -Não sei se não conto. -Vai menino. -É uma bomba, mãe! Tu não tem noção. -Conta looogooooo! Por sacanagem, antes de contar, desligo na cara dela, só para apimentar o mistério. Logo o telefone toca: Bruno, conteeee...eu sou sua mãe...estou mandando. - Não sei se conto. - Vai! Filho da mãe! - Não sei se não conto. - Ah, menino danado! Vou desligar! - Tá bom! Tá bom! Eu contoooo! Dano-me a dividir a confidência com mãe. Tive a quem puxar. Ali gosta de “dois dedos de prosa”, viu!? Meu pai não era diferente. Pense num macho fofoqueiro. Quando sabia de alguma novidade, entrava em casa assoprando. Quando era história de chifre gritava: “é gaaaaaiaaa”! E a gente pulava feito pipoca atrás dele: “Quem? Quem foi? Quem é o corno? Conta logo!” É bom demais isso de falar da vida alheia. Desde que seja sem maldade, claro. Sem diminuir ninguém. Só para divertir e colocar cadeira na calçada. Confesso que sinto remorso, mas se o proprietário do segredo não o segura, por que o farei? Só guardo segredo meu. Segredo dos outros compartilho. Afinal, quando o senhor possuidor da reserva me revela aquilo que não deveria relatar, perdeu, naquele exato momento, a propriedade sobre a confidência. A intimidade deixa de ser alheia e passa a ser própria. Vira patrimônio meu. A partir daí, faço o que bem entender. Se és o legítimo proprietário de um bem valioso chamado segredo, por favor, não o divida comigo. Não arrende, empreste, doe, alugue, venda, enfim, não pactue com este bucho de piaba o seu tesouro porque, certamente, descumprirei o acordo avençado. Ademais, não terás como cobrar multa, em razão da incontestável ausência de previsão contratual. Falando nisso, vocês não sabem o que me contaram ontem... Não sei se digo... ...Conto? - Alô, mãe!?...

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