Máquina do tempo (Por Bruno Moury) - Revista Algomais - a revista de Pernambuco
Ninho de Palavras

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Bruno Moury Fernandes

Máquina do tempo (Por Bruno Moury)

Não é preciso nenhuma engenhoca construída por um cientista maluco para voltar no tempo (sim, eu também assisti De volta para o futuro). Minha máquina do tempo é um Graham’s Twany Port de 30 anos. Vinho do porto do bom! Foi ele que me trouxe até aqui. Estou em 1992. Tenho 17 anos. Acabo de chegar na Rua Bruno Veloso, em Boa Viagem, aqui mesmo no Recife.

O Graham’s me trouxe, em sexta marcha, ao paraíso: uma gaiola de 150 metros quadrados. O apartamento 602 do Edifício Sérgio Godoy. Aqui guardei felicidade. Vejo a sala de estar. A varanda mais adiante. Reconheço os móveis. Olha lá, o bar da sala! Não se usa mais, em 2017. Dobro à direita, percorro o corredor e entro no quarto de Edmar, meu irmão. Escolho um disco de vinil, do Queen. Ponho Don’t Stop me Now para tocar na radiola, com Freddy botando pra foder.

Saio do seu quarto e entro no meu. Abro meu guarda-roupas. Vejo, colado na porta, pôsteres do Legião, Paralamas, Guns e R.E.M. A cama desarrumada. O quarto está uma bagunça.

Entro no quarto dos meus velhos. Lá está meu pai. Deitado na sua cama. O calcanhar rachado. Me aproximo com cuidado para não acordá-lo. Beijo o seu rosto e aliso o seu cabelo. Sussurro no seu ouvido: “obrigado, por tudo”! Minha mãe está ao seu lado. Estão descansando após o cozido. É um domingo. Deito entre eles. Abraço-os. Sinto o cheiro. Beijo-os novamente.

Levanto. Retorno à sala. Abro a porta. Chamo o elevador. Estou no pilotis. Falo com Aderbal, o porteiro, que olha com cara de quem desconfia me conhecer. Desço as escadas. Estou na rua. Escondo-me atrás de uma árvore e fico espiando a escadaria do Almeida Garret, o prédio em frente. Lá, reunidos, estamos todos nós: eu, Paulo Gordo, Macaxeira, Forminha, Breno, Marne, Patão, Pitoquinha, Alessandra, Ana Paula, Maguinho, Arroz, Pompéia, Zéconha, Fifa, Mamá e mais um bando de amigos. Olha eu lá no meio da turma. Como sou magrinho. Olha como estamos felizes! Meu Deus! Quero ir lá abraçar a todos, mas não posso.
Ah, Rua Bruno Veloso! Que saudade! Que prazer voltar aqui. Localização estratégica para um jovem com testosterona: uma esquina depois do Sampa Night Club e uma antes do Holliday. A lot of teachers!

Jogar bola na praia, tomar Coca-cola na barraca do Gordo, comer e beber na picanha no Tio-Dadá, ir para festinhas de prédios vizinhos, jogar Playtime, Atari, andar de skate, surfar em frente ao Acaiaca (ainda não tem tubarão...). Delinquência juvenil perdoada pelo tempo.

Saudade do caralho. Desculpe-me por escrever sobre meu infinito particular sob o efeito do Porto. Choro. Agora estou rindo. Estou eufórico. Escuto Stones. Sinto o cheiro da minha infância. Percebo que já retornei a 2017. Preciso dormir. Amanhã acordar. Quem sabe alugar uma fita de vídeo ou assistir aula no Colégio Atual. Sentar ao lado de Nilo. Meu amigo Nilo. Morto num acidente de carro. Vivo. Vivíssimo. Intacto em minha memória.

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