Paulista de Araraquara, jornalista, romancista e crítico mordaz do governo federal, Ignácio de Loyola Brandão abre hoje (10), às 17h, a terceira etapa do Circuito Cultural Digital de Pernambuco. Aos 84 anos, o imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) participa da live O professor pode criar um escritor, que tem mediação do jornalista Fellipe Torres. Na conversa, ele vai falar sobre o papel do professor na formação de leitores e escritores, os mestres que contribuíram para sua formação e o descaso do ministro Milton Ribeiro com a Educação. O Circuito Cultural é uma iniciativa da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) com curadoria da Fundação Gilberto Freyre e apoio de mais de 20 livrarias, editoras e instituições. As atividades oferecidas são gratuitas, com atrações para todas as idades, e podem ser acompanhadas pelo portal www.circuitoculturalpernambuco.com.br. Confira a entrevista concedida por Ignácio de Loyola, autor com 46 livros publicados, traduzido para diversos idiomas e vencedor do Prêmio Jabuti de Melhor Ficção com o livro O Menino que Vendia Palavras, em 2008, e do Prêmio Machado de Assis da ABL pelo conjunto da sua obra, em 2016. Há pouco mais de um mês, na coluna que assina no jornal O Estado de São Paulo, o senhor sugeriu que o ministro da Educação pedisse desculpas aos professores pela lamentável declaração dada (“Hoje, ser um professor é ter quase uma declaração de que a pessoa não conseguiu fazer outra coisa”). As desculpas não vieram… O que esperar de um governo que não tem a educação como prioridade e de um ministro que demonstra não conhecer a realidade educacional do País, referindo-se dessa forma aos mestres? Ignácio - As respostas não vieram por duas razões, por arrogância e por não haver respostas. Toquei na ferida, na chaga exposta que apodrece, gangrena. O ministro, que pertence a uma das mais respeitáveis instituições de ensino e São Paulo, conservadora ao extremo, é também pastor religioso. Quando eu disse que ele jamais percorreu o País, jamais conversou com secretários de educação, jamais soube da real situação dos professores, e prega inclusive o castigo físico aos alunos, ele nada disse, porque nada tem a dizer. É um burocrata fechado numa sala do bairro de Higienópolis, um dos mais elitistas e São Paulo. Bairro que recusou uma estação de metrô, porque iria denegrir a imagem local com o povo transitando por ela. Desde que assumiu, o presidente – presidente? – pouco se incomodou com a Educação. Odeia ensino, porque é ignorante, analfabeto. Faz dois anos que não existe ministério, ministros, projetos, discussões. Zero sobre Zero. Achincalhou as universidades, “pontos em que se planta maconha”. Cancelou verbas, combate pesquisas. É um trator que passa sobre tudo que forma um país. Átila, aquele rei dos hunos, que conquistava e deixava terra devastada. Para que educar, se o ensino o cidadão abre a cabeça, forma o pensamento? Quem quer formar cidadãos? Estes pensam, raciocinam, conhecem, protestam, manifestam e portanto incomodam. Quanto mais ignorante um povo, mais fácil de ser manipulado, enganado, traído. Em breve chegaremos à Idade Média. Não bastasse tudo, no final de quarta-feira passada (4), Bolsonaro tirou R$ 1,8 bilhão da verba da Educação, passando para obras. Eleitoreiras. Em função do isolamento social imposto pela pandemia do novo coronavírus, professores tiveram de aprender de uma hora para outra uma nova forma de dar aulas: virtualmente. Ao mesmo tempo, o ministro da Educação, faz uma declaração desse tipo. Com um ministro que tem esse pensamento e leva o País ao caos educacional, qual o futuro da educação brasileira? O senhor crê em mudanças positivas? Ignácio - Há muitos anos o ensino vem sendo esquecido. Desde a ditadura (talvez) se montou um projeto de acabar com ele, que neste momento chega ao máximo da derrocada. Também o ensino privado, uma indústria, vem trabalhando subterraneamente para isso. Há quanto tempo se abandonou a formação de professores, preparando-os para um ensino moderno? Desde os anos 80 o digital vem crescendo, se impondo em todos os setores. Quando algum ministério pensou na modernização do ensino? Quantas escolas têm computadores e professores preparados com tecnologia para trabalhar com eles? Entre a população mais pobre, quantos têm computadores em casa? Com a pandemia, de um momento para o outro, todos se recolhem e as aulas são on-line. O professor não sabe dar aulas on-line, porque é uma situação inteiramente nova, súbita, o aluno não sabe frequentar, os pais não querem ou não têm tempo de ajudar, a internet é de quinta categoria, falha. O que esperar? E há dois anos um Ministério inerte, incompetente, burro fica lá... Olhando, talvez rindo… Mudanças? Sim. Com pessoas preparadas pedagogicamente, conhecendo o País, as diferenças regionais, as necessidade locais. Do ministro ao secretário estadual, ao municipal, aos diretores de escolas, ao professor. Mudar toda a estrutura e colocar dinheiro nisso e não nos desejos do Centrão ou dos filhos do presidente vai e vem, fala hoje, desmente amanhã. Em Araraquara, minha terra, no interior, dizia-se, um homem que caga para trás toda hora... No Brasil, professores são mal remunerados e não têm o devido reconhecimento por parte do governo federal pelas atividades que desempenham. O senhor já viajou por vários cantos do País e já viu professores que se desdobram para dar boas aulas com poucos recursos. Ser professor no Brasil, num governo que não investe em educação, é um ato de resistência? A paixão pelo ensino consegue superar as dificuldades? Ignácio - Já falei nisso em minha carta ao Ministro sem resposta. O que existe de professor bom, dedicado, maluco, inventando, criando, renovando por este Brasil afora não está escrito. Professores que têm paixão e professores que sentem necessidade, a custas de sacrifícios pessoais enormes, de levar adiante o projeto Educação. Sim, eles praticam a resistência, ainda que os salários sejam assim ó ... Lembram o gesto de Chico Anysio na Escolinha do Professor Raimundo com os dois dedos quase grudados. Os apaixonados, os que não desistem, sim existem. Mas por quanto tempo? Porque há professores que passam fome. Quero