A arte e as impressões de mundo nas telas Hava Ramalho

*Por Rafael Dantas | Fotos: Alexsandro Leite (especial para a Algomais)

Os temas e as referências nas telas parecem a expressão de um artista mais velho, mas sua autora tem apenas 17 anos. Um pouco de histórica, umas pinceladas de filosofia e os traços que nascem da inspiração da Hava Ramalho vão formando um acervo de pinturas que ainda está restrito à família, mas que ela deseja expor ao mundo. Autista, a jovem pintora se interessa pela arte desde a infância, mas há dois anos se dedica regularmente às aulas e a experiência de levar para o pincel as imagens que nascem nos seus sonhos, reflexões e incômodos, especialmente sobre questões sociais.

Hava Ramalho é filha do artista plástico Marram Med (que integrava a Sociedade Pernambucana de Artistas Plásticos), que faleceu há 13 anos, quando ela era criança. Nascida no Recife, mas tendo passado a infância no município de Tracunhaém, ela se mudou com a mãe, a assistente social Nane Medeiros, há 4 anos para Camaragibe e, em seguida, de volta para a capital pernambucana. No entanto, as manifestações culturais que conheceu quando era pequena estão entre os maiores destaques da sua obra. As telas preferidas dela envolvem os caboclinhos de lança. As suas inspirações, entretanto, atravessam em muito os limites das referências que aprendeu na zona da mata pernambucana.

A jovem artista plástica acaba de concluir o ensino médio na Escola Técnica Estadual Professor Alfredo Freyre, localizada no bairro de Água Fria, na Zona Norte do Recife. Durante esse período, teve a oportunidade de realizar, em paralelo ao ensino médio, o curso técnico em artes visuais. Além de sua dedicação à pintura, ela é uma leitora voraz, explorando desde a literatura brasileira e as histórias de Machado de Assis até a filosofia de pensadores como o alemão Friedrich Nietzsche, o romeno Emil Cioran e o russo Fiódor Dostoiévski. Entre os autores pernambucanos, destaca-se o clássico ‘Sobrados & Mucambos’, do sociólogo Gilberto Freyre, que serviu de inspiração para uma de suas pinturas.

Pintura “Teatro Gilberto Freyreinspirada na obra Sobrados e Mucambos

Como uma apaixonada pela arte, ela também tem um repertório extenso para uma adolescente, estudante da rede pública de ensino e que nem foi para tantas exposições. Entre os artistas plásticos que mais a inspiram estão o surrealismo do espanhol Salvador Dali, do português Cruzeiro Seixas, do pernambucano Cícero Dias, além também as obras do seu pai. Embora suas pinturas passeiem entre diferentes estilos, ela gosta de dizer que sua arte é “super naturalismo”, que bebe nas fontes do surrealismo e do impressionismo.

“Eu misturo um pouco do surrealismo e do impressionismo. O professor já diz que eu misturo. Tenho esse conceito que sou super naturalista. Não gosto de me conectar muito a uma ou a outra”, conta Hava. Entre os traços do surrealismo, ela diz que tem a prática de pintar sonhos. “Sou meio que surrealista, ao acordar tento pegar meus sonhos e transformar em obras. Algum conceito do meu sonho. Salvador Dalí fazia isso, anotava sonhos e transformava em alguma coisa. Vou colocando também a consciência na folha. Penso em uma coisa e vou conectando com outras”.

A temática da desigualdade social está expressa de forma direta ou indireta em vários de suas pinturas. A diferença social, a necessidade de nascimento de um novo Brasil e as expressões de dor e de sofrimento estão colocados nas telas. Das imagens da cultura e paisagens locais estão os caboclinhos da zona da mata, estão as periferias da Região Metropolitana do Recife, algumas figurações que parecem os bonecos de barro – típicos de Caruaru e de Tracunhaém.

Em uma de suas obras, uma bandeira do Brasil se forma a partir da gema de dois ovos que foram quebrados. Hava faz mistério ao contar o que cada inspiração significava, mas nesse quadro ela conta: “É uma pessoa quebrando o ovo e saindo a bandeira do Brasil, porque eu sinto que o Brasil precisa renascer de novo”. O Palácio do Planalto, com uma multidão de pessoas, tendo o sinal da diferença marcando o prédio desenhado por Oscar Niemeyer, é outra obra que não passa despercebida e que traz um diálogo muito forte com as questões sociais do País.

Para conhecer mais da trajetória da jovem pintora, é possível segui-la no seu perfil do Instagram, onde expõe suas pinturas mais recentes (@havaramalho). Hava acabou de encerrar o ensino médio, tem sonho de vender suas obras e segue sua caminhada de formação artística, pintando e refletindo. Tem potência de expor uma arte que vai além do que é belo, mas da que provoca, incomoda e abre a possibilidade de diferentes interpretações. Como a maioria dos artistas, ela não gosta de explicar o que pintou. Ela deixa essa missão aos olhos que contemplam suas telas.

*Rafael Dantas é jornalista e repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)

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