Isenção de impostos para importações até US$ 50 preocupa indústria e comércio

*Por Rafael Dantas

A entrada em vigor da Remessa Conforme tem gerado intensas preocupações entre os players da indústria e do comércio pernambucanos. A medida, que zera a alíquota de importação para compras até US$ 50 e reduz o ICMS para 17% para empresas estrangeiras, foi concebida com o objetivo de regulamentar e controlar as operações. No entanto, a percepção da classe empresarial é que ela pode trazer desvantagens para a atividade econômica do País. Entidades setoriais criticam a medida, apontando um desequilíbrio ainda maior na concorrência. Enquanto o Governo Federal defende a busca por maior fiscalização e dados confiáveis, analistas alertam para o risco de evasão de divisas e redução do impacto econômico nacional.

A iniciativa tem um caráter voluntário e o objetivo de atingir as principais plataformas de comércio digital, como a Shein, Amazon, Shopee, Mercado Livre e AliExpress. As empresas que aderirem ao programa deverão fornecer de forma antecipada os detalhes das compras internacionais. Esses dados serão transmitidos aos Correios e às empresas autorizadas para o desembaraço aduaneiro. Com a medida, a expectativa do governo é de que a Receita Federal possa agilizar o fluxo das remessas internacionais e garantir a quitação antecipada dos tributos devidos.

Convertendo para a moeda nacional, o valor da isenção concedida é para compras de aproximadamente R$ 250. Uma pesquisa recente da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) indica que mais da metade das compras no País (52,4%) é de itens com preços finais até esse valor.

“Entendemos que essa medida é um absurdo. Defendo que a camisa vendida no Recife pague os mesmos tributos de uma que venha de fora. Não entendo a razão do Governo Federal não taxar. É preciso que tenhamos as mesmas condições de impostos de qualquer mercadoria do mundo. É a questão de igualar tributariamente todos”, reclama o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas do Recife, Fred Leal.

A apreensão do representante da CDL Recife, que é compartilhada pelos integrantes da Fiepe e da Fecomércio-PE, tem fundamento, na análise do economista André Morais, do Corecon-PE (Conselho Regional de Economia). Ele avalia que a medida criou condições desiguais, com graves prejuízos para os empresários brasileiros.

“A preocupação é muito legítima. Veja bem, uma coisa é abrirmos mais o mercado para a concorrência, outra, completamente diferente, é darmos certas vantagens para determinados segmentos. E é isso que, aparentemente, a proposta apresenta, com a justificativa de arrecadar mais. Precisamos ter uma certa equidade e isonomia para com o setor industrial brasileiro também. Senão você acaba desestimulando a indústria local. Imagina você pegar alguns setores já fragilizados e promover um certo desbalanceamento concorrencial? O efeito pode ser extremamente negativo para a economia, além de injusto”, critica o economista.

Ninguém tem uma previsão de quanto deve ser o impacto em volume no faturamento das empresas brasileiras. Mas como 9 de cada 10 brasileiros pesquisam no Google antes de realizar uma compra, segundo dados da Offerwise, a queda nas vendas com o anúncio da medida pode ser intensa. “Para Pernambuco, os prejuízos envolvem desde uma forte redução no volume de vendas e nas receitas das empresas até o aumento no desemprego no curto prazo. Em outras palavras, o Remessa Conforme pode comprometer a tendência de melhoria das condições econômicas, que vinha ocorrendo nos últimos meses, tal como apontam pesquisas conduzidas pela CNC e pelo Instituto Fecomércio PE. A medida contradiz o quadro de boas expectativas derivado da recente redução da taxa Selic, pois sinaliza um desincentivo ao empreendedorismo no Estado”, desaprova o presidente da Fecomércio-PE, Bernardo Peixoto.

Apesar da ausência de uma previsão mais concreta sobre os impactos futuros da Remessa Conforme no comércio e na indústria, já foram realizadas estimativas dos efeitos das importações isentas de bens de consumo de pequeno valor (até US$ 50) no passado. A Confederação Nacional da Indústria calculou que apenas no último ano houve uma queda de US$ 13,1 bilhões nas vendas de mercadorias produzidas por empresas nacionais. A CNI ressalta que essa redução nas vendas desencadeia uma subsequente diminuição na produção e no crescimento do País e associa a chegada dessas mercadorias importadas, com isenção, a uma redução de 0,7% no PIB no ano anterior.

OUTROS PREJUÍZOS

Além da esperada evasão de recursos para outros países, a medida cria outros problemas para o cenário econômico local, que ainda não está plenamente recuperado do baque da pandemia. “A evasão de divisas para outros países significa, literalmente, um vazamento de renda para o exterior. Ou seja, um dinheiro que poderia ser utilizado no Brasil e passa a se destinar para o estrangeiro. Isso não afeta apenas a atividade econômica nacional, como também diminui as perspectivas de arrecadação de receitas do governo. Outros efeitos podem ser encadeados a partir disso, como as dificuldades de acesso a crédito para empresas brasileiras, a redução dos investimentos e das contratações e a diminuição da produção”, enumera Bernardo Peixoto.

Muitos analistas ainda duvidam que as gigantes do comércio eletrônico internacional embarquem no Remessa Conforme. Isso porque há muitas exigências para adesão ao programa. Além disso, essas empresas passaram a ser mais fiscalizadas pelo governo brasileiro. Todos os analistas citaram que dois dribles mais recorrentes que as empresas estrangeiras fazem para não pagar impostos nas transações que ultrapassam o valor dos US$ 50, por exemplo, são fracionar os produtos adquiridos pelos brasileiros e realizar a venda como pessoas físicas.

A expectativa do Governo Federal de que a medida vai proporcionar dados mais confiáveis sobre compradores, exportadores e produtos é muito otimista, na análise de Bernardo Peixoto. “Outra perspectiva é que, ainda assim, vão se criar outros métodos de burlar o controle alfandegário para evitar o pagamento integral de tributos. Em qualquer caso, a medida torna as condições concorrenciais mais difíceis para as empresas nacionais”.

A motivação de que a medida reforce a capacidade de fiscalização do Governo Federal é questionada pelo presidente da CDL Recife. “Entendemos que é um absurdo que, apesar de toda tecnologia que temos hoje, a razão da concessão dessa isenção seja um problema de fiscalização. Não vejo nada disso. Há muita tecnologia que pode reforçar esse trabalho de fiscalização das compras internacionais”, questionou Fred Leal.

MAIOR IMPACTO NO SETOR TÊXTIL

Embora a Remessa Conforme deva acirrar a concorrência com produtos de qualquer setor, alguns tendem a ser mais prejudicados que outros no cenário de curto prazo. A atividade de confecções, do Agreste pernambucano, por exemplo, é uma das que está na mira. “Haverá um impacto direto no Brasil inteiro. Mas nos parece evidente que o setor de confecções é que terá uma concorrência mais brutal, com mercadorias vindas da China e do Vietnã. É difícil competir quando não se paga imposto nem lá e nem aqui. Além do ICMS, temos vários impostos, o chamado Custo Brasil, que é alto. A sensação de não pagar impostos pode também incentivar esse tipo de compras pelo consumidor”, afirmou Ricardo Essinger, presidente da Federação das Indústrias de Pernambuco (Fiepe-PE).

“Esperam-se grandes impactos no setor têxtil formal, pois são exatamente os que recolhem tributos, porém sabemos que também existem muitos informais. Principalmente se tivermos instalação dessas empresas na região, como no caso do Rio Grande do Norte, que está recebendo a primeira fábrica da Shein no Brasil”, afirmou André Morais.

Nos primeiros dias, ao menos dois dos maiores players já aderiram: a Shein e AliExpress. A Shein, por exemplo, no ano passado já faturou no Brasil R$ 7 bilhões, de acordo com estimativas do BTG Pactual, ultrapassado a Marisa. A gigante chinesa, no entanto, iniciou uma produção nacional a partir de uma parceria com a Coteminas, que está fabricando vestuário no Rio Grande do Norte. De acordo com o ministro da Fazenda Fernando Haddad, a corporação informou que deve nacionalizar até 85% das vendas no Brasil no horizonte de quatro anos.

QUALIDADE COMO CONTRAPONTO À CONCORRÊNCIA

André Morais lembra que o Polo de Confecções de Pernambuco já é conhecido por sua produção de roupas e tecidos de qualidade. “Com mão de obra especializada e infraestrutura adequada, o polo possui vantagens competitivas em relação a empresas como a Shein. E essas características podem ser cruciais para manter a relevância nesse mercado. A indústria local precisará ficar ainda mais atenta às tendências do mercado e continuar investindo em qualidade e inovação. Assim como pode ser fundamental contar com apoio governamental e de incentivos para fortalecer a indústria têxtil local. Até porque é responsabilidade do governo promover um ambiente econômico justo, competitivo, equilibrado e promissor para todos os brasileiros que lutam para empreender”.

Em recente entrevista ao Estadão/Broadcast, o presidente do grupo Malwee, Guilherme Weege, também pediu uma isonomia tributária aos produtos importados. Mas, além disso, destacou a importância do amadurecimento dos consumidores sobre a sustentabilidade do seu consumo. Mesmo com o avanço da concorrência, a corporação, que tem sede em Santa Catarina, dobrou de tamanho no pós-pandemia e faturou R$ 1,5 bilhão em 2022. As expectativas são de crescer ainda na casa dos dois dígitos em 2023.

À medida que os primeiros passos da Remessa Conforme se fazem sentir, um turbilhão de interrogações e queixas inunda os setores da indústria e do comércio pernambucanos. Enquanto uns clamam por igualdade tributária, outros erguem vozes de alerta sobre os riscos iminentes de recuo do otimismo que se criou em 2023 sobre a economia nacional. Buscar um equilíbrio tributário, de capacidade de fiscalização e de benefícios para a atividade econômica e para o consumidor é o desafio que permanece nas mãos do Governo Federal.

*Rafael Dantas é jornalista e repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com)

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