Lições do passado para a gestão da metrópole

Criada constitucionalmente em 1973, em pleno Regime Militar, a Região Metropolitana do Recife já era alvo dos estudos de Antônio Baltar pelo menos duas décadas antes. Ele já havia detectado que o fenômeno do crescimento das metrópoles no Brasil foi fruto do acelerado processo de urbanização. Em todo o País era grande a quantidade de pessoas que se deslocavam nas zonas rurais para as cidades. Em Pernambuco, a população urbana saltou de 34,4%, em 1950, para 54,5%, em 1970, de acordo com o Censo do IBGE. Atualmente esse percentual é de 80,2%.
Um fenômeno que levou o governo militar a criar órgãos técnicos para planejar esse crescimento. O esforço de gestão, no entanto, foi desconstruído com a Constituição de 1988. Apesar de ser reconhecida por todos os seus avanços em relação aos direitos do cidadão, a nova Carta, por outro lado, acabou por fortalecer o poder das prefeituras, induzindo a diminuição da capacidade de administração dos territórios metropolitanos. As discussões sobre a organização das grandes manchas de ocupação urbanas do País, que não se detêm aos limites municipais, voltou ao debate com a recente aprovação do Estatuto da Metrópole.
Há quase 70 anos, Antônio Bezerra Baltar defendeu a óbvia necessidade de uma organização integrada do território da capital pernambucana com os municípios do seu entorno. “O caráter nitidamente metropolitano da cidade, por imperativo geográfico e sociológico, é centro de atração de uma vasta zona do Nordeste brasileiro (…). É indispensável, portanto, considerar no planejamento da cidade futura a área metropolitana de que Recife atual é o centro indiscutível (…). A conurbação de Recife, Olinda e Jaboatão (…) é já um fato consumado e que começa a se estender aos outros dois municípios cuja fusão com a capital preconizamos – os de Paulista e São Lourenço”, escreveu Baltar.
Outro pensador que sugeriu uma organização metropolitana para o Recife e as cidades do seu entorno foi o Padre Louis Joseph Lebret. Ele visitou o Recife em 1954 a convite da Codepe (Comissão de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco) e considerou como “Grande Recife” a área que abrange a capital e os municípios de Olinda, Paulista, Jaboatão, São Lourenço da Mata, Cabo e, parcialmente, Moreno.
A metrópole pernambucana nasceu com nove cidades, mais do que as preconizados por Baltar ou por Lebret. Atualmente possui 14, tendo possivelmente no futuro a inclusão de Goiana. “Nessa época, 1973, o Brasil era uma ditadura e os regimes militares tinham medo das cidades, que é onde existe a cultura, que era onde fervilhava a questão política. Então, eles conceberam as regiões metropolitanas e determinaram que os estados – que eram governados por pessoas nomeadas pelos militares – é que iriam administrar essas regiões”, informa o arquiteto e urbanista Jório Cruz.
Nesse contexto nasce em 1973 a Fidem (Fundação de Desenvolvimento da Região Metropolitana do Recife) e é criado o Fundo de Desenvolvimento Urbano. Trata-se de financiamento a fundo perdido da União aplicado na região. Jório, que foi um dos seus presidentes, explica, porém, que havia exigências técnicas para que os recursos fossem adquiridos. “Deveria haver um plano e os projetos seriam organizados segundo esse planejamento maior”.

O funcionamento da Fidem foi um grande diferencial da experiência pernambucana de gestão da sua metrópole. Juntando competência técnica e recursos disponíveis através do fundo, o órgão conseguiu aprovar diversos projetos relevantes para a integração da RMR, como o TIP e o Porto de Suape. Laudo Bernardes foi o escolhido para montar a equipe da Fidem. A princípio, apenas com poucos servidores que vieram da Codepe e da Secretaria de Planejamento do Estado a fundação chegou a reunir, ainda nos anos 70, mais de 120 técnicos de nível superior, 80 pessoas de nível médio, dando suporte aos primeiros, além de 60 funcionários administrativos. “A seleção era baseada na competência profissional. Recrutamos gente nas universidades, órgãos setoriais, contratamos consultorias para fazer projetos. Isso nos deu grande capacidade de mobilizar recursos”, diz Laudo.

Na gestão da RMR, a Fidem foi uma das pioneiras do País na criação de um Plano de Desenvolvimento Integrado que era submetido a discussões públicas, a exemplo das audiências públicas atuais. De acordo com Laudo, após essa experiência no Recife, as demais RMs passaram a adotar esse procedimento. “O plano era algo ousado, trabalhávamos com um horizonte de 25 anos. Pensávamos como seria a Região Metropolitana no ano 2000”. Muitos projetos desse planejamento, porém, como a Via Costeira – que seria uma linha rodoviária rápida que cortaria quase toda a costa da RMR, entre o Janga e Candeias – e o plano que objetivava conter as enchentes da cidade não vingaram.

No relato de Laudo, havia uma sinergia com os municípios. “Quem tinha a capacidade de planejar, que era nosso caso, planejava. Quem tinha de executar, executava. Tínhamos uma filosofia de responsabilidade compartilhada”. Além da execução dos projetos ficarem sob as prefeituras ou outros órgãos executores, a exemplo do Departamento de Estradas de Rodagens (DER), a parceria também era em redor da capacitação de recursos humanos. “Treinávamos servidores municipais, contratávamos cursos. Assim, criou-se uma empatia em torno da Fidem”, lembra o primeiro presidente.

Para Fátima Guimarães, arquiteta que atuou na equipe inicial do órgão e hoje é sócia do INTG, a perspectiva de integração do território foi um diferencial da instituição. “O principal legado da Fidem foi o tratamento da Região Metropolitana como uma cidade formada por várias cidades. Ou seja, valorizar a integração. Havia uma visão estruturadora do espaço metropolitano e de longo prazo”. Fátima lembra que a partir desse Plano de Desenvolvimento da RMR nasceram uma série de projetos e programas que são considerados como referência até hoje, como o Plano de Preservação dos Sítios Históricos, além de outros que trataram de temas como transporte e assentamentos sociais.

Uma discussão muito atual, que é a de tornar a RMR como uma metrópole policêntrica, já era debatida pelo geógrafo Manoel Correia de Andrade. Isso significa induzir o desenvolvimento de outros polos de emprego e renda, que não apenas o Recife. “O planejamento para o desenvolvimento da Região Metropolitana do Recife não poderá ter aplicação real, efetiva, (…) se não se disphttp://portal.idireto.com/wp-content/uploads/2016/11/img_85201463.jpg a fazer uma redistribuição das atividades urbanas no espaço da própria área metropolitana, visando atender às necessidades de uma população em constante crescimento e com condições de vida cada vez mais deterioradas”, sugeriu o estudioso em fins da década de 70. Ele defendia que o bom funcionamento das atividades urbanas pressupõe um maior equilíbrio da distribuição das atividades econômicas e sociais entre o centro e a periferia.

Nesse momento em que o Estatuto da Metrópole determina que a RMR e as demais regiões metropolitanas terão que recriar compulsoriamente o conselho e fundo metropolitano, além da construção do Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI), há uma expectativa de recriação de um órgão executor desse trabalho, a exemplo do que foi a Fidem no passado. “Será preciso ter algo que funcione como uma secretaria executiva do conselho, para operacionalizar as decisões que forem tomadas. Avalio que existe competência técnica aqui em Pernambuco, desenvolvida durante várias gerações. Por isso, é possível recriar um órgão de excelência para tratar a questão metropolitana”, considera Fátima Guimarães.

Na próxima reportagem desta série, Algomais vai abordar o Estatuto da Metrópole. Também vai analisar a sua implantação e a proposta de funcionamento desse órgão gestor da metrópole, elaborada por especialistas do CAU e INTG.

(Por Rafael Dantas)

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