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William Serrano Smethurst 1

Entrevista com William Smethurst: "Não nascemos para ficar sentados"

O corpo humano é dependente do movimento. O professor de educação física da UPE explica por que a evolução da espécie nos moldou para manter nosso corpo em atividade. Aborda como o exercício físico contribui para prevenir e tratar doenças, como câncer e Alzheimer, e informa qual a atividade oferece melhores benefícios: correr ou caminhar. Exercitar-se é uma atividade que vai muito além do desejo de emagrecer. Na verdade, o movimento faz parte da natureza do ser humano, desde os tempos em que nossos ancestrais viviam nas cavernas. O educador físico e professor da UPE (Universidade de Pernambuco), William Smethurst, explica, nesta entrevista a Cláudia Santos, como as necessidades do Homo Sapiens por alimentação e sobrevivência, durante o processo de evolução, levou-o a uma intensa atividade física que estruturam o formato do seu corpo, a expansão do seu cérebro e da sua capacidade cognitiva. Se hoje não já corremos para caçar nossa comida e, no conforto do sofá, com simples toques no celular, obtemos alimentação por delivery, não significa que prescindimos de exercícios físicos. Nosso organismo, tal qual o do nosso longínquo parente pré-histórico, continua dependente do movimento. Estudos científicos, segundo William Smethurst, comprovam como a prática regular de exercícios físicos contribuem para manter o organismo saudável e para prevenir e tratar doenças, como câncer e Alzheimer. O educador físico também comenta a grande adesão dos brasileiros às corridas, mas – para a satisfação dos que preferem caminhar – afirma que as caminhadas oferecem os mesmos benefícios para a saúde do que correr. E o melhor: sem provocar riscos ao praticante, como pode acontecer com os corredores.  No início de sua evolução, o ser humano não tinha comportamento sedentário. Como essa característica ancestral impacta no corpo humano hoje? Há cerca de 5 a 7 milhões de anos, uma certa espécie ancestral, ainda não bem definida pela ciência, dividiu-se em duas linhagens. Uma delas evoluiu para os grandes símios, como chimpanzés e gorilas, com corpos musculosos e compactos, adaptados à vida em bosques e florestas, onde encontram sua alimentação e sobrevivência. A outra linhagem deu origem aos Homo sapiens, caracterizados por corpos esguios, pelo andar sobre as duas pernas, um cérebro bem desenvolvido e com uma fisiologia adaptada à intensa atividade física que os constantes deslocamentos para a caça e a coleta de alimentos exigiam para a sobrevivência na vida terrestre.     Portanto, nossos parentes mais próximos – os símios – têm níveis baixos de atividade física que não causam efeitos nocivos à saúde. Já nos seres humanos, pesquisas revelam que à medida que a anatomia e o comportamento mudaram nos últimos milhões de anos, a fisiologia também mudou de tal modo que passamos a precisar de níveis muito mais altos de atividade física para sermos saudáveis. Para equilibrar a relativa fragilização do seu físico durante a evolução da espécie com as demandas de sobrevivência, o ser humano necessitou fazer uso extensivo do seu corpo, aprimorar habilidades percepto-motoras para realização de movimentos corporais cada vez mais complexos e precisos, além de desenvolver tolerância a esforços repetitivos e prolongados. Para dar conta dessa diversidade de novas demandas, o cérebro foi pressionado a expandir suas capacidades durante seu curso evolutivo.  Assim, pode-se afirmar que foram principalmente os movimentos corporais, cada vez mais sofisticados e eficientes, dentro de um estilo de vida fisicamente muito ativo, que induziram as adaptações estruturais do sistema nervoso central. O que permitiu ao Homo sapiens diversificar e aprimorar suas relações com seus semelhantes, com o ambiente e outras espécies, desenvolver sua capacidade criativa e alcançar o nível hierárquico mais elevado na escala evolutiva. Portanto, não nascemos para ficar sentados. Outro aspecto importante é que nosso coração é uma bomba que precisa ser poderosa para fazer o sangue circular por todo o corpo. Sabemos que o lado esquerdo do coração é muito mais robusto, mais volumoso, mais musculoso que o lado direito, que é menor. Mas, veja: a circulação sanguínea é um sistema fechado.  Como é que o sangue circula se, de um lado, há uma bomba poderosa para empurrá-lo, mas no outro lado a bomba que “puxa” é mais débil? Então, há algo ajudando esse lado menos forte que é a musculatura dos membros inferiores, do quadril, que deve estar em constante movimento ou em movimento tonificado, contraindo e relaxando, para manter a postura e ajudar o coração a bombear o sangue.  Então, quem costuma fazer exercício de manhã, depois passa o restante do dia sentado, não tem uma vida muito saudável? Michael Mosley, jornalista e médico, fez estudo em que comparou um escritor – que diariamente fazia duas horas de academia mas passava o restante do dia sentado – com uma moça que passava o dia em pé trabalhando e nunca foi a uma academia. Ele mostrou que todos os indicadores de saúde desse escritor eram piores do que os da moça.  Por isso, é recomendado inserimos na nossa rotina os breaks, a cada 50 minutos para que possamos levantar, durante 5 a 10 minutos, para então voltar e depois sentar novamente. Se nascemos para o movimento, quais os prejuízos causados pelo comportamento sedentário? Para que tenhamos um correto funcionamento do nosso organismo faz-se necessário que ele seja constantemente exposto às mesmas condições que proporcionaram seu desenvolvimento e aprimoramento no processo evolutivo. Do contrário, ele pode tornar-se disfuncional, o que, em médio ou longo prazo, degenera para condições patológicas crônicas.  Está muito bem documentada a associação da inatividade física com o aumento do risco para câncer, doença coronariana, acidente vascular cerebral, diabetes, demência, dentre outras de caráter degenerativo e crônico. Do mesmo modo também está comprovado o quanto a prática regular de atividade física, juntamente com uma alimentação balanceada, é o principal fator de redução de riscos para essas doenças. Como a prática de exercícios físicos ajuda a prevenir e tratar o câncer? O corpo humano possui mecanismos autônomos de, digamos, “autorreparo” para, na hora que houver um distúrbio, esse sistema fazer o reparo antes que aquilo se torne catastrófico. Todos estamos sujeitos a ter alterações espontâneas no

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Diego Ramos: “Nosso tempero secreto é a cultura de colaboração”

Em entrevista exclusiva durante o Startup Summit, Diego Brites Ramos, presidente da Acate (Associação Catarinense de Tecnologia), detalha como a capital catarinense construiu em quatro décadas um dos maiores polos de inovação do Brasil — um caminho que dialoga com os desafios e conquistas do Porto Digital, em Pernambuco. Durante a cobertura da participação das startups pernambucanas no Startup Summit, a Algomais também voltou os olhos para outro protagonista da cena nacional de inovação: Florianópolis. A capital catarinense tem hoje na tecnologia o setor responsável por 25% do seu PIB, resultado de um processo de organização que começou ainda nos anos 1980 e que hoje se desdobra em um ecossistema com quase 30 mil empresas espalhadas pelo estado. Na entrevista a seguir, Diego Ramos, presidente da Acate (Associação Catarinense de Tecnologia), explica ao repórter Rafael Dantas como uma cidade que não podia depender da indústria de transformação ou de um turismo sazonal reinventou sua matriz econômica. Ao relatar a importância da cultura de colaboração, das incubadoras e do fortalecimento de polos regionais, Ramos oferece pistas que dialogam diretamente com os desafios enfrentados em Pernambuco, onde o Porto Digital também busca ampliar conexões com setores tradicionais e fortalecer a presença das empresas locais no cenário global. Por que Florianópolis está “bombando” em tecnologia e inovação? O que esse polo tem feito impulsionar o sistema?  Eu sempre falo, o que a gente está vivenciando agora não é algo que foi construído da noite para o dia. É algo que a gente vem construindo há muito tempo, praticamente há quatro décadas. Em Florianópolis, vivemos em uma ilha, onde mais da metade do território é de preservação ambiental. Logo, a cidade não pode comportar a indústria de transformação.  Então, lá atrás, pensamos: poxa, não dá para depender só do turismo, que diferente do Recife, que vocês têm oportunidade, tem calor o ano inteiro. Aqui não temos. Nosso turismo é muito sazonal. Também não podemos depender só do poder público.  Entendeu-se que deveríamos focar numa nova matriz econômica. E foram se construindo as bases para tudo isso. Uma dessas foi a Acate, a Associação Catarinense Tecnologia. Essa foi uma forma de as empresas se organizarem. Mas tem o nosso tempero secreto, que a gente fala, que é essa cultura de colaboração que a gente construiu. Por exemplo, eu e esses tantos aqui – diretores da associação – somos voluntários. A gente busca um propósito maior de construir um ecossistema em que todos possam se beneficiar dentro desse espírito de colaboração.  E crescemos bem acima da média geral em 2024, fazendo com que passássemos do sexto para o quinto faturamento do Brasil, ultrapassando o Rio Grande do Sul. Isso é representativo, porque estamos falando de forma absoluta. Nosso Estado é pequeno, tem apenas 1,1% do território e 3,4% da população brasileira. Sermos o quinto maior polo de faturamento é bem representativo. Qual é o tamanho da Acate? A CAT tem 39 anos, ela começou com menos de 10 empresas associadas. Hoje já são 1.800, o que nos faz ser uma das maiores entidades de tecnologia do País, embora tenhamos atuação somente regional. Como é que funciona esse ecossistema local?  As empresas estão localizadas no estado inteiro. O número total é de quase 30 mil empresas de tecnologia. Então, obviamente, o setor é muito maior que os nossos associados.  Uma característica importante de Santa Catarina é que a tecnologia tem a força do Polo da Grande Florianópolis, que hoje tem se destacado bastante, mas temos mais sete polos espalhados pelo Estado. A gente busca sempre fortalecer cada vez mais esses polos.  Nós temos em Florianópolis a Incubadora Miditec há 27 anos, mantida com parcerias com o Sebrae. A incubadora é um de sucesso, eleita por três vezes uma das cinco melhores do mundo. Uma estrutura que graduou grandes empresas, com 95% a taxa de sobrevivência de quem participa desse programa. A gente estruturou uma metodologia e vamos replicar isso em todo o estado.  Em termos de participação na economia, qual o tamanho desse ecossistema de tecnologia? Hoje nós temos Florianópolis com uma capital que se destaca com 25% do PIB da cidade do setor de tecnologia. E falando em termos de estado, são 7,75% do PIB. Então, a gente tem bastante pista ainda para percorrer.  Como é o relacionamento desse setor de tecnologia com os demais setores produtivos do estado? Ele é muito bom, mas a gente precisa explorar um pouco mais. Isso é o desafio que a gente tem, principalmente de aproximar, o que a gente chama de indústria tradicional da nossa indústria, que é uma indústria mais digital. Ainda temos uma indústria que é muito conservadora e a Acate tem esse trabalho de atuar, por exemplo, com a Federação das Indústrias, de conseguir apoiar as empresas. Temos um programa de inovação aberta, que é o LinkLab, que é uma forma também de a gente conectar essa indústria com o setor de tecnologia. Hoje em Pernambuco, temos algumas dificuldades também nesse sentido.  Às vezes uma empresa de tecnologia local tem mais conexões até com o mercado exterior do que às vezes com o mercado local. Isso parece um desafio comum na área de tecnologia. Hoje, das atividades das empresas locais de tecnologia há alguma característica principal em que esses negócios estão mais conectados? Aqui nossas empresas de tecnologia atuam muito no B2B (Business-to-Business, negócios que vendem para outras empresas).  Diferente de grandes centros, como São Paulo e Rio de Janeiro, que acaba sendo muito B2C (Business-to-Consumer, venda para o consumidor final). Então, temos essa característica, mas elas atendem os mais diferentes setores. Tanto que a Acate hoje tem 13 verticais de negócio: agro, fintech, educação, manufatura, entre outros. Então acaba tendo clientes de diversos setores, mas são a maior parte B2B e também é a maior parte SaaS também, desenvolvimento de software como serviço. Em geral, esses polos têm muitas empresas, mas algumas gigantes que ancoram o setor. Quais são as grandes empresas do polo tecnológico de Santa Catarina?  Como é um ecossistema já de

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"Atualmente não se trabalha tratamento oncológico sem saber a genética do câncer."

Além de atender a mais de 50% dos pacientes oncológicos em Pernambuco, o Hospital do Câncer realiza pesquisas de ponta para testar medicamentos. O superintendente de ensino e pesquisa do HCP, Felipe Bonifácio, afirma que a instituição também investe em laboratório para pesquisar terapias que empregam o sequenciamento do DNA e que atuam no sistema imunológico para combater o tumor. Muita gente sabe que o Hospital de Câncer de Pernambuco é um centro de referência para tratamento de doenças oncológicas que atende a pacientes do SUS. Mas, o que poucos pernambucanos têm conhecimento é que o HCP é uma instituição também valorizada pelas pesquisas que realiza. Seus pesquisadores avaliam a eficácia de novos medicamentos, numa parceria com a indústria farmacêutica, que oferece ainda a vantagem de ofertar gratuitamente a seus pacientes os tratamentos inovadores pesquisados.  Ao completar 80 anos em novembro, o HCP prepara-se para dar um salto e incrementar sua atuação na chamada pesquisa translacional. É um campo que permite que as descobertas e o conhecimento gerados em laboratório nas pesquisas básicas sejam aplicados diretamente na prevenção, diagnóstico e tratamento no leito do paciente. Trata-se de um processo mais acelerado do que as pesquisas clínicas tradicionais que costumam levar muitos anos. Um passo importante foi dado neste sentido com o financiamento de RS 13,2 milhões oriundos do edital do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação para implantar o Centro Integrado de Pesquisa Clínica e Translacional em Oncologia do HCP. Entre outras aplicações, os recursos garantem a criação de um laboratório onde serão pesquisados tratamentos em que o próprio sistema imunológico do paciente é estimulado para ter uma ação antitumoral. Também vai garantir a realização do sequenciamento genético do tumor para conduzir a terapia. “Doze instituições brasileiras foram contempladas no edital, três do Nordeste, entre elas, o HCP” comemora Felipe Bonifácio, superintendente de ensino e pesquisa do hospital.  Nesta entrevista a Cláudia Santos, ele aborda o crescimento do número de casos de câncer no Brasil e no mundo, os avanços no tratamento da doença, que caminham para as áreas imunológicas e genética, além do uso da inteligência artificial. Também fala sobre o desenvolvimento de pesquisas no hospital e a atuação da instituição na área de ensino. “A assistência é nosso carro-chefe, mas o que subsidia a assistência? É o ensino e a pesquisa”, justifica Bonifácio. O câncer é uma das principais causas de morte no mundo e vem afetando mais os jovens. Há alguma explicação científica para esse panorama? Hoje, no mundo, 32% das pessoas morrem por doenças cardiovasculares que é a principal causa de mortalidade. Mas, acredita-se que, em breve, o câncer vai ultrapassar as doenças cardiovasculares. Porém, não há uma resposta definitiva sobre o porquê dessa situação. Existem especulações de que as causas estejam nos alimentos com muita química e na poluição do ar. É uma situação preocupante. Estamos desenvolvendo novas abordagens terapêuticas, novos tratamentos, mas os avanços para reverter o quadro de mortalidade do câncer ainda são lentos.  Trabalhamos muito, principalmente em termos de pesquisa. No Brasil, por exemplo, já conseguimos editar um gene. Ou seja, se um determinado gene codifica uma doença (isto é, sofre uma mutação que provoque uma enfermidade), é possível corrigir um pedaço desse gene que causa essa mutação. Também é possível modificar células do sistema imunológico para melhor detectar e atacar o câncer. Isso futuramente vai promover a cura de alguns tipos de tumor. Mas ainda é preciso popularizar essas descobertas científicas para que possamos cobrir um número cada vez maior da população, porque o tratamento é caro.  Alguns imunobiológicos (medicamentos que usam o próprio sistema imunológico do paciente para combater o câncer) são caríssimos e não conseguimos utilizar em unidades de saúde que atendam o SUS, como o HCP, cujo limite orçamentário é significativo. Se não for por meio das pesquisas, não conseguimos ofertar tratamento de ponta. Mas, graças ao trabalho do nosso Centro de Pesquisa Clínica, conseguimos.  Temos orgulho desse trabalho. O fato de atendermos um elevado número de pacientes e de trabalharmos com qualidade é um atrativo para a indústria farmacêutica no teste de novas drogas. É interessante para a indústria ter um campo de experimento bom, cumprindo todas as regras da bioética. Cerca de 56% dos pacientes oncológicos de Pernambuco estão no HCP.  Nessas pesquisas, eles têm uma assistência minuciosa, com acesso a terapias que não conseguiria via SUS. São medicamentos que estão em fase de estudos clínicos, que têm quatro fases, a maioria dos nossos está na fase 3, é aquela pré-comercialização. Se o resultado do estudo for positivo, nosso paciente recebe a droga gratuitamente até o óbito ou à cura.  Como são realizados os trabalhos de pesquisa no Hospital de Câncer? Há muitos casos de sobrevida?  Sim. Geralmente há sobrevida livre de eventos em cinco anos. São casos em estágio avançado do câncer, drogas desenvolvidas para estado de metástase, a fim de melhorar a qualidade de vida e aumentar a sobrevida do paciente. Em 2018, o HCP criou esse centro – numa iniciativa da Dra. Leuridan Torres, junto com o Dr. Marcelo Salgado – que, a cada ano, vem crescendo. Conseguimos dobrar nosso faturamento e hoje ele é autossustentável. De 2024 para 2025, o faturamento do centro aumentou em 119%. A meta de crescimento para este ano é de mais de 30% e estamos quase alcançando. Esse centro é vantajoso tanto para o hospital, quanto para os pacientes e para o avanço das pesquisas. Convidamos os pacientes a participarem do estudo, explicamos como funciona, eles assinam um termo de consentimento. Ao assinar, eles saem da assistência do hospital, ou seja, passam a ser atendidos pelos médicos que fazem parte do Centro de Pesquisa Clínica. Assim, conseguimos desafogar a fila de atendimento do HCP. O paciente do centro de pesquisa, por exemplo, não compete com a tomografia do paciente da assistência, porque a tomografia do centro é terceirizada. Além disso, esse paciente terá acesso a tratamentos inovadores. Também há vantagem para a sustentabilidade do hospital. Todo protocolo, via centro, tem um overhead de 25% que fica

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"Com a LPUOS, miramos num Recife mais humano, mais resiliente, plural e inclusivo."

Secretário de Desenvolvimento Urbano e Licenciamento, Felipe Mattos, explica as mudanças introduzidas pela Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo do Recife, que tramita na Câmara Municipal, fala dos seus benefícios e rebate as críticas de que as novas regras eliminariam as conquistas da Lei dos 12 Bairros. O Recife é a capital do Nordeste que possui menos empreendimentos do programa Minha Casa Minha Vida. A grande maioria das unidades construídas pelo MCMV na região metropolitana localizam-se em outros municípios, como Camaragibe e Paulista. Sem condições de adquirir um imóvel na capital pernambucana, muitos recifenses têm mudado de endereço para essas localidades. Esse movimento foi registrado pelo Censo de 2022 que detectou uma redução de 3,17% na população do Recife. A nova Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo tem como um dos objetivos oferecer às pessoas de baixa renda a condição para adquirir a sonhada casa própria na capital. Em entrevista a Algomais, o secretário de Desenvolvimento Urbano e Licenciamento do Recife, Felipe Matos, explica como a LPUOS vai incentivar a moradia de interesse social na a cidade, fala de outros benefícios proporcionados e rebate as críticas de que a normatização contraria a Lei dos 12 Bairros. Essa lei estabelece condições de uso e ocupação do solo dos bairros Derby, Espinheiro, Graças, Aflitos, Jaqueira, Parnamirim, Santana, Casa Forte, Poço da Panela, Monteiro, Apipucos e parte do bairro Tamarineira. Para preservar o patrimônio histórico e paisagístico dessa região, suas regras são mais restritivas em comparação ao restante da cidade. Felipe Matos afirma que a LPUOS estendeu para os demais 82 bairros do Recife os padrões da Lei dos 12 Bairros. “Buscamos ampliar vários desses parâmetros para toda a cidade e preservar muito daquilo que já foi conquistado para essa área”, esclarece o secretário. Antes de falarmos sobre a nova Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo do Recife, gostaria que o senhor explicasse os motivos que levaram à sua criação. Primeiro, o Plano Diretor, aprovado em 2021, já estabelece que todo o regramento de uso e ocupação do solo deve ser unificado e hoje no Recife temos três leis, já bem antigas: a Lei de Uso e Ocupação do Solo de 1996; a Lei de Parcelamento, de 1997 e a Lei dos 12 Bairros, de 2001. Portanto, são leis com quase 30 anos, a mais nova tem 24 anos e estão desatualizadas, inclusive, frente a vários conceitos de urbanismo que passaram a estar em voga, além de estarem desalinhadas com o Plano Diretor. Surge daí a necessidade de atualização e unificação. Quais as principais mudanças trazidas pela nova LPUOS? São muitas. É uma lei de 150 páginas, mais de 200 artigos. Mas podemos estruturar os principais ganhos em cinco eixos. O primeiro deles é a Cidade Para Todos. Isso significa incentivar a habitação de interesse social no Recife, permitir que um potencial construtivo em uma determinada área da Zona Sul seja liberado, desde que seja feito retrofit para habitação e com um bônus, se for habitação social, nos sítios históricos do Centro. Dessa forma, vamos oportunizar a cidade para pessoas de várias rendas. No Recife, o Minha Casa Minha Vida não emplacou. É a capital do Nordeste que menos tem unidades do programa. Em contrapartida, a Região Metropolitana possui muitos empreendimentos do Minha Casa Minha Vida comprados, muitas vezes, por recifenses que não conseguem acessar esse tipo de habitação ou uma habitação a esse preço na capital. Trata-se de um efeito perverso, porque a residência do Minha Casa Minha Vida que a pessoa de baixa renda do Recife consegue comprar, muitas vezes, está em locais como Guabiraba, Passarinho, que deveriam ter um perfil de área de preservação ambiental. São também territórios muito precários, do ponto de vista de acesso viário e de acesso a serviços. Buscamos fazer com que os empreendimentos do Minha Casa Minha Vida, possam se viabilizar para a população vulnerável, senão em área nobre, mas em bairros como Cordeiro, Iputinga, Imbiribeira, Santo Amaro, São José no entorno da Rua Imperial. Ou seja, locais com infraestrutura, próximo a oportunidades de emprego. O segundo eixo é o Cidade Melhor, no qual buscamos inspiração na Lei dos 12 Bairros, que tem vários parâmetros qualificadores de lote que ampliamos para toda a cidade. Isso significa que os novos empreendimentos não vão poder ter muros fechados, terão que apresentar a faixa de amenização – que é uma faixa de ajardinamento frontal – serão obrigados a fazer alargamento de calçada, vão ser estimulados e em alguns casos até obrigados a implantarem a fachada ativa (edifícios cujo pavimento térreo têm usos comerciais e de serviços). Lotes muito grandes, que tenham frente para duas ruas, terão de criar uma faixa de fruição pública. Talvez o mais famoso exemplo disso no Recife seja o Beco do Estudante, que conecta o antigo Colégio Nóbrega com a Av. Conde da Boa Vista. Do contrário, o pedestre teria que dar uma volta, na altura da Igreja da Soledade, para chegar numa parada de ônibus. O terceiro eixo é o Cidade das Águas. Estamos falando de incorporar os preceitos do Parque Capibaribe – do qual surgiu o Parque das Graças – para toda a cidade. Qual foi a grande dificuldade que tivemos ao implantar o Parque das Graças? Tivemos praticamente que pedir ou negociar com aqueles prédios situados na borda d’água para que recuassem os muros para implantar o parque. Com a nova lei, fica estabelecido que toda construção à margem dos rios com mais de 500 m² de área construída ou com mais de 500 m² de área de terreno terá de ceder a faixa não edificável para a cidade do Recife. Então, no futuro, isso tudo vai estar à disposição para que a prefeitura possa instalar um parque linear, e os cidadãos tenham acesso à borda dos rios. O quarto eixo é o Cidade Preservada, que prevê mais do que triplicar as áreas de preservação de sítio histórico. Saímos de uma condição de cerca de 5 km² para 17 km² de área preservada, chegando

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"O Brasil é hoje o único grande emergente com risco geopolítico perto de zero"

O economista Ricardo Amorim analisa o impacto do tarifaço,as oportunidades para Pernambuco e destaca o papel estratégicodo País no cenário internacional. Durante o Startup Summit, realizado na semana passada em Florianópolis, o economista Ricardo Amorim concedeu entrevista exclusiva ao jornalista Rafael Dantas. Conhecido por sua análise direta e pela capacidade de traduzir tendências globais para o contexto brasileiro, Amorim abordou os efeitos do tarifaço imposto pelos Estados Unidos, avaliando seus reais impactos sobre o PIB nacional e apontando caminhos de adaptação para empresas e setores estratégicos. O economista também trouxe a discussão para a realidade nordestina, destacando as oportunidades que Pernambuco pode aproveitar nesse cenário de rearranjo global. Do fortalecimento do Porto Digital e da indústria de tecnologia ao potencial de agregar valor às cadeias produtivas tradicionais, como frutas e açúcar, Amorim defende que o Estado tem condições de ampliar sua inserção internacional. Além disso, analisou os riscos e oportunidades que o Brasil carrega como um dos poucos mercados emergentes considerados estáveis no contexto geopolítico atual. O senhor compartilha da visão de que o tarifaço deve ser encarado mais como oportunidade do que como ameaça? Eu tenho uma postura construtivista em relação a qualquer coisa. O que isso significa? O otimista é ingênuo, é aquele cara que saltou do precipício e no começo acha que está caindo um ventinho gostoso, mas vai se esborrachar. Então, eu não acredito em otimismo ingênuo. Acredito que em qualquer situação podemos olhar para os problemas mas, também, para o que há de oportunidade. O tarifaço tem impactos muito reais, significativos, negativos, específicos. Se você tem uma empresa que exporta muito para os Estados Unidos e que está sujeita à tarifa de 50%, o tarifaço é um problemão, ponto final. Mas também significa que você precisa mudar o que está fazendo. Será que existem outros mercados para os quais você pode vender? Será que pode vender no Brasil? Será que há uma forma de reduzir o custo e mesmo com o tarifaço continuar exportando para os Estados Unidos e ganhando dinheiro? Enfim, é preciso buscar alguma alternativa. Mas o caso mais comum é quando a gente olha para o impacto da economia brasileira, as pessoas ficaram desesperadas por algo que não vai ser tão grande assim. Por quais razões o senhor avalia que o impacto será menor? O impacto direto do tarifaço é relativamente pequeno por algumas razões. A primeira é que a economia brasileira é fechada. O Brasil exporta só o equivalente a 15% do PIB. Países como Singapura, em relação ao tamanho da economia, exportam seis vezes mais. Segundo, os Estados Unidos são um parceiro comercial importante, mas está longe de ser o mais importante, que é a China, com 28% das exportações brasileiras. Depois vem a União Europeia, com 18%, e aí vem os Estados Unidos, com 12%. Então, se eu falar que o Brasil exporta 15% do PIB e 12% vai para os Estados Unidos, o que nós exportamos para os Estados Unidos equivale a 1,8% do PIB. E nem todas as exportações estão atingidas pelo tarifaço… Do que a gente exporta aos Estados Unidos, 55% não está sujeito ao tarifaço. Há uma alíquota para o Brasil de 10% de exportação, com um detalhe: a alíquota média americana hoje é de 15%. Então, nesse 55%, as empresas brasileiras estão melhores que as outras. Não é problema. Tem mais 19% que é sujeito ao que é chamado de tarifa externa comum. O que significa isso? Que esses produtos, não importa de que país eles são exportados, todo mundo paga a mesma tarifa. Sobraram 36%. Esses 36% têm o tarifaço de 50%. Esses têm um problema. É pouco mais de 1/3 das exportações brasileiras para os Estados Unidos. O impacto máximo que o tarifaço pode ter, se tudo que é exportado, sujeito à tarifa de 50% deixar de ser produzido daqui para frente, coisa que não vai acontecer, será 0,6% do PIB. O que deve acontecer com esses setores impactados? Tem uma parte que mesmo com 50% de tarifa vai continuar sendo exportada. Tem uma parte que não vai para os Estados Unidos, mas exporta para outro lugar. Tem uma parte que será vendida no Brasil. Mas vamos exagerar, vamos pegar o 0,6%. O tarifaço começou em agosto. Então, significa que seriam cinco meses neste ano. Então, o máximo que o tarifaço pode tirar do crescimento do PIB brasileiro em 2025 é 0,25%. Só que quando você olha, inclusive para o que está acontecendo com as expectativas de crescimento, elas estão subindo mesmo com o tarifaço. O que significa que o impacto é muito pequeno. Havia uma segunda possibilidade que era um impacto indireto, que é o seguinte, “Pô, vai ter tarifaço no Brasil”. O pessoal fica preocupado, pega o dinheiro que está no Brasil e manda para fora. Não está acontecendo. Como é que eu sei? Desde a data que o tarifaço foi anunciado, o real foi a moeda que mais se apreciou no mundo. O que isso significa? Que está entrando dinheiro no Brasil, não está saindo. Então não vai ter um impacto adicional. O resumo da ópera é: sim, pontualmente o tarifaço é relevante, mas para economia como um todo, o impacto negativo é muito menor do que as pessoas acham. E tem um impacto positivo. Qual é o impacto positivo? Eu estava falando da produção nova, mas tem uma segunda situação, que é o que já foi produzido na expectativa de ser vendido para os Estados Unidos. O produto que já está feito. Se os americanos não comprarem, alguma coisa o produtor terá que fazer: ou vender para outro país – mas achar um novo mercado externo rápido não é coisa fácil – ou, a maior parte será vendida dentro do Brasil. Então, o que significa? De uma hora para outra, vão colocar um monte de produto a mais no Brasil, resultado, os preços caem. A gente já viu isso no número de inflação que foi divulgado na semana passada, que foi uma deflação. A inflação pelo IPCA

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"A UPE já nasceu interiorizada", entrevista com a reitora Socorro Cavalcanti

A Universidade de Pernambuco completa 60 anos e a sua reitora aborda a trajetória dessa instituição de ensino superior que apresenta a maior capilaridade do Estado. Ela também ressalta a robustez do complexo de saúde para formação de alunos e o atendimento gratuito da população, e fala dos desafios e dos projetos futuros. A Universidade de Pernambuco chega aos 60 anos de fundação como a instituição de ensino superior com mais capilaridade do Estado. Uma característica que vem desde a sua origem, quando faculdades do Recife, de Nazaré da Mata, de Petrolina e Garanhuns se uniram para formar a Fesp (Fundação de Ensino Superior de Pernambuco) que depois se converteu na UPE. Nessas seis décadas de atuação no ensino, pesquisa e extensão, a UPE se destaca também por ter construído um complexo de saúde robusto, composto pelo Cisam (Centro Universitário Integrado de Saúde Amaury de Medeiros), o Hospital Universitário Oswaldo Cruz, com tradição no tratamento das doenças infecto-parasitárias (foi o primeiro no Estado a receber um paciente com Covid) e de câncer, e o Procape (Pronto Socorro Cardiológico), o único hospital do Norte e Nordeste específico para tratar doenças do coração (só existem dois no Brasil). Atualmente, a universidade conta com mais de 1.200 docentes, mais de 4.700 servidores e mais de 20 mil estudantes, distribuídos nos cursos de graduação e de pós-graduação. Para falar da trajetória e dos planos da instituição, a reitora Maria do Socorro Mendonça Cavalcanti conversou com Cláudia Santos e Rafael Dantas. A professora também abordou os desafios que a UPE – assim como as demais universidades públicas do País – enfrenta, como o orçamento insuficiente e a redução no número de alunos. Problemas que a reitora acredita que serão solucionados e que não vão atrapalhar os projetos da Universidade de Pernambuco para ampliar o número de cursos e de campi no futuro. A Universidade de Pernambuco (UPE) está completando 60 anos, e a senhora é a primeira reitora empossada. Qual a importância dessa presença feminina na reitoria de uma das instituições de ensino mais relevantes do Estado? A presença de mulheres em espaços de decisão é essencial para uma sociedade mais justa e igualitária. Esse tema vem crescendo bastante. Com certeza, a presença feminina, nesses espaços, não só garante uma representatividade mais ampla, mas também traz perspectivas e experiências diversas que podem enriquecer as decisões tomadas e promover um desenvolvimento mais equitativo. Hoje, no ensino da graduação na UPE, aproximadamente 53% são ocupados por mulheres, 60% dos cargos de gestão da universidade também são, e 70% da força de trabalho da Universidade de Pernambuco é feminina. Além da presença feminina, a história da UPE é marcada por outro fator relevante que é a interiorização desde a sua fundação. Fale um pouco dessa trajetória e contextualize em que circunstâncias a universidade foi criada? A UPE iniciou suas atividades em 1965, como Fesp (Fundação de Ensino Superior de Pernambuco), uma instituição privada criada a partir da união de faculdades isoladas que existiam em Pernambuco: a Faculdade de Ciências Médicas, a Escola Politécnica, a Faculdade de Odontologia, a Faculdade de Administração, entre outras. Em meados de 1969 e 1970, a Faculdade de Formação de Professores de Petrolina, a Faculdade de Formação de Professores de Nazaré da Mata e a Faculdade de Formação de Professores de Garanhuns agregaram-se à Fesp. Então, costumamos dizer que a UPE já nasceu interiorizada. Em 1990, a Fesp foi estadualizada e tornou-se Universidade de Pernambuco, no entanto, os alunos ainda pagavam uma mensalidade. A expansão do ensino superior, ou seja, o maior crescimento, deu-se a partir de 2005, quando tivemos o primeiro curso interiorizado, que foi em Caruaru, o curso de Administração e Marketing. Na época, era Marketing, Moda e Sistema de Administração. Atualmente, temos 66 cursos de graduação. A partir daí, a expansão para o interior foi ocorrendo e foram criados os campi de Serra Talhada, Arcoverde, Mata Sul e, mais recentemente, Ouricuri e Surubim. Em 2009, um decreto deu a gratuidade total à Universidade de Pernambuco e, em 2020, esse decreto transformou-se em lei, garantindo, de fato, que hoje a universidade seja pública e gratuita. A UPE é a universidade com maior capilaridade no Estado. Qual a importância dessa interiorização dos cursos de ensino superior para o desenvolvimento das pessoas e de Pernambuco? A UPE é a universidade que está mais distribuída no Estado de Pernambuco, indo do Sertão ao litoral. Atualmente são 17 unidades de educação e 12 campi, dois estão na capital, que é o Campus Santo Amaro e o Campus Benfica, e 10 campi, no interior. Essa interiorização do ensino superior dá às pessoas que não moram no Recife a oportunidade de cursarem uma universidade pública. Muitas delas jamais teriam essa chance de frequentar esses cursos. Outro aspecto importante, na história da universidade, foi a expansão da pós-graduação, a partir de 2013. Hoje temos 16 programas de doutorado e 28 mestrados, dos quais, 13 estão também em unidades da UPE do interior do Estado, dando oportunidade às pessoas que jamais pensariam em fazer uma pós-graduação, em função das dificuldades de deslocamento ou da necessidade de deixarem suas casas ou seus empregos para estudar na capital. Assim, além de oportunidades para as pessoas e de proporcionar maior integração entre diferentes áreas do conhecimento, a interiorização também contribui para o desenvolvimento do território. Com a mão de obra mais capacitada, mais qualificada, aumentam também o mercado de consumo. Além disso, a presença da universidade no interior reflete-se em pesquisas voltadas para as particularidades de cada região, como estudos sobre a Caatinga, por exemplo, no Sertão e no Agreste. Muitos dos programas de pós-graduação que estão no interior trabalham numa visão voltada à realidade, e as teses buscam resolver ou apontar soluções para problemas locais, próprios do território. Outro aspecto importante nesse sentido são nossos programas de extensão que possibilitam o diálogo com a sociedade para que as pessoas da localidade tenham acesso a atividades e serviços oferecidos pela universidade. Além do ensino e pesquisa, a UPE também se destaca pelas

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Sandro Prado

"Seguimos no ranking como o estado com o maior número de desemprego"

​​As causas que colocam o Estado com o maior percentual de desempregados no País são analisadas pelo economista Sandro Prado, da Fcap/UPE, que também aponta as possíveis soluções. Ele defende a qualificação da mão de obra e faz um alerta sobre os impactos da uberização no mercado de trabalho e a tendência de aumento de desocupados entre a população 50+.  Brasil, segundo o IBGE, atingiu no segundo trimestre deste ano, a menor taxa de desocupação desde o início da série histórica da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), em 2012. O índice ficou em 5,8% e Pernambuco acompanhou a queda ao registrar o percentual de 10,4% contra a taxa de 11,6% aferida no primeiro trimestre de 2025. Apesar da boa notícia da recuperação, o Estado, porém, amarga a incômoda posição de ter o maior nível de desemprego em todo o País. Cláudia Santos conversou com o economista Sandro Prado, professor da Faculdade de Ciências da Administração de Pernambuco (UPE) para analisar os motivos que levam o Estado a figurar no indesejável topo desse ranking. Ele também apontou as políticas públicas necessárias para elevar o número de vagas no mercado de trabalho, em especial para os jovens – grupo mais afetado pelo desemprego – e também para população 50+. São pessoas que esperavam se aposentar, mas, surpreendidas pela Reforma da Previdência, terão de atuar por mais 10 anos num mercado de trabalho que as rejeitam devido ao etarismo. Resultado: recorrem ao Bolsa Família, sem perspectiva de sair do benefício.  Prado também analisou o impacto da uberização, que seduz homens jovens com a ilusão de um trabalho sem patrão, mas também sem sustentabilidade no longo prazo. Em consequência, muitas vagas destinadas à população masculina começam a ser preenchidas por mulheres.  “O deslocamento delas para atividades ocupadas culturalmente por homens pode ser um caminho sem volta”, estima o economista.  Embora tenha apresentado quedas ao longo dos meses, a taxa de desemprego em Pernambuco, segundo o IBGE, foi de 10,4% no segundo trimestre de 2025. É a maior do Brasil e a única com dois dígitos. O que vem ocasionando esse desempenho? O fato de Pernambuco liderar o ranking – sempre disputando com a Bahia – do maior índice de desemprego do Brasil, foi muito trabalhado por alguns candidatos oposicionistas ao Governo de Pernambuco. Com a entrada desse novo governo, houve esforços, como a criação de uma secretaria específica para empreendedorismo e empregabilidade. Já no âmbito nacional, considerando o recorte do Governo Lula, o desemprego, no Brasil, cai drasticamente, temos a menor taxa dos últimos tempos (5,8%) e isso fez com que o desemprego diminuísse também em Pernambuco.  Porém, nosso crescimento na diferença entre empregos de novos contratados e de pessoas demitidas não foi suficiente para Pernambuco sair dessa incômoda posição. O Governo do Estado, como todos os governos, tem trabalhado na redução, fez a lição de casa e evoluiu na criação de emprego, devido ao crescimento econômico do Brasil. Mas, além de sustentarmos o último lugar na taxa de emprego, estamos mais distantes da Bahia, que é o segundo colocado negativo, depois vem o Distrito Federal.  Por meio do nosso polo industrial, com Suape, Hemobrás, Stellantis, criamos e conseguimos atrair muitas vagas de empregos na indústria que pagam melhor. Mas hoje as plantas são muito enxutas, têm baixa empregabilidade e não temos ainda o número suficiente de fábricas. O agribusiness, uma agricultura com muita tecnologia, também cresceu muito com a irrigação do São Francisco, gerando uma boa empregabilidade a partir da produção de uva e manga que, embora elevada, é também sazonal. Mas o padrão típico aqui é viver muito de serviços por causa do turismo, das praias e das grandes festas, como São João e Carnaval. A maioria da população vive dessas vagas de emprego que são voláteis e pagam menos.  O setor não possibilita a criação de vagas sustentadas com média salarial mais elevada a ponto de termos um desempenho melhor do que o restante da Federação.  Portanto, por mais que tenham existido esforços do Governo do Estado e da Prefeitura do Recife, que é o município que cria o maior número de oportunidades com muitos postos de trabalho, ainda não há uma interiorização dessa empregabilidade. Essa interiorização poderia ter ocorrido se a Transnordestina tivesse evoluído, por exemplo. Porém, nosso Estado ainda é muito dependente da criação polarizada de postos de trabalho na Região Metropolitana do Recife e, infelizmente, seguimos no ranking como o estado com o maior número de desemprego.  Isso é horrível, porque não somos o estado mais pobre, nem com menor infraestrutura, pelo contrário, somos uma grande potência no Nordeste, mas não conseguimos fazer o básico que é dar emprego às pessoas. Esse ranking mostra que estamos muito mal em termos de emprego. Evoluímos, crescemos, mas cabe ao Governo do Estado e aos municípios a criação de postos de trabalho para que Pernambuco evolua e saia dessa horripilante posição. Um dos principais problemas seria a ausência de descentralização de oportunidades de emprego? Sim. Claro que há outros fatores. O comércio varejista sentiu muita dificuldade por causa do e-commerce, dos grandes marketplaces. Há também reconfigurações diante do avanço tecnológico, pois o emprego tem mudado de cara. Profissionais como porteiros de edifícios, por exemplo, são substituídos por portarias eletrônicas. Contudo, ao mesmo tempo, criam-se outras oportunidades, no serviço, como é o caso do turismo. Então, tem-se o desempenho estrutural do desemprego, que não é só em Pernambuco. Se outros estados brasileiros estão com números de desemprego muito menos incômodos do que os nossos, há sinalização de que realmente o poder público tem que fazer mais, o papel do estado é fomentar emprego e o empreendedorismo, é fomentar situação de renda para a população.  A partir do momento que se consegue isso, melhora-se, inclusive, a tributação, a receita, menos pessoas passam a depender de programas assistencialistas. Percebe-se que há um esforço, tivemos uma evolução, por exemplo, no número de creches, condição essencial para que as mulheres possam trabalhar fora.  Mas ainda é necessário haver preparação da mão

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pesquisadora mel caatinga

"Manter a Caatinga de pé é essencial para proteger as abelhas e a produção de alimentos"

Ecóloga e pesquisadora do Cemafauna Caatinga, ligado à Univasf, Aline Andrade fala do projeto que trabalha as abelhas como bioinsumo, com o objetivo de aumentar a produção alimentícia do Vale do São Francisco. O intuito é preservar a Caatinga e gerar renda para apicultores e meliponicultores. Um projeto piloto está sendo implantado na empresa Agrodan. Pequenas notáveis. É dessa forma que a pesquisadora e ecóloga Aline Andrade se refere às abelhas. E não há nenhum exagero em empregar essa denominação, por um motivo crucial: esses insetos são responsáveis por nada menos que 70% dos alimentos produzidos no mundo. Essa produtividade toda é realizada por meio da polinização. Mesmo com todo avanço tecnológico ocorrido no campo, nenhuma técnica artificial conseguiu alcançar a superprodução desses animais.  No maracujá, por exemplo, a abelha mamangava faz a polinização de 400 flores por minuto. “A mão humana não chega a 13% dessa produção. Já tentaram também polinizar de forma mecânica, vibrando a flor com um equipamento, mas a eficiência não passa de 20%”, compara a pesquisadora que atua no projeto Pollinnova que visa utilizar a abelha como um bioinsumo para impulsionar a produção agrícola da região do Vale do São Francisco. É realizado pelo  Cemafauna Caatinga (Centro de Conservação e Manejo de Fauna da Caatinga), ligado à Univasf (Universidade do Vale do São Francisco). Realizada por uma equipe exclusivamente feminina, em parceria com a Agrodan – maior exportadora de manga do Brasil – a pesquisa vai introduzir abelhas em parte da plantação da empresa e verificar se houve aumento de produção ao comparar com as áreas cultivadas que não receberam os insetos. Caso os resultados sejam positivos, a ideia é capacitar apicultores e meliponicultores a fornecerem abelhas para as fazendas produtoras de frutas. “Seria uma forma de terem uma outra fonte de renda, além do mel”, ressalta Aline Andrade.  Nesta entrevista a Cláudia Santos, a ecóloga explica o projeto de pesquisa, fala da importância das abelhas e da urgência de manter e reflorestar a Caatinga. Isso é essencial não só para preservar a biodiversidade mas, também, para não prejudicar a produção de alimentos no bioma, como a fruticultura. Vocês fazem uma pesquisa interessante sobre o emprego de abelhas como bioinsumo. Mas antes de falar do projeto, gostaria que a senhora informasse qual a importância desses insetos no mundo?  Elas são muito necessárias. Tanto que, em 2009, a ONU decretou a abelha como o animal mais importante do planeta. Por meio da polinização, elas são responsáveis pela produção de frutos e, como consequência, de sementes, que são basicamente a nossa dieta. Tirando o que é proteína de origem animal, no mais, são vegetais, frutas e sementes que a gente acaba consumindo. Então, essas pequenas notáveis sozinhas são responsáveis por 70% dessa produção de alimentos no mundo e realizam isso por meio da polinização.  A polinização é um serviço ecossistêmico que acontece quando as abelhas vão, de flor em flor, coletar néctar, pólen e resina. Pólen e néctar são usados como alimento, néctar é recurso energético e pólen é proteína. A resina é utilizada para construir as suas células, onde vão colocar os seus ovos, as suas larvas ou então produzir os favos, que é aquela cera. A polinização também facilita a fecundação das flores, já que as abelhas fazem com que os órgãos reprodutivos das flores, masculino e feminino, se encontrem. Consequentemente, existe o desenvolvimento, que gera o fruto e, dentro desse fruto, a semente. Das 141 culturas principais no Brasil, entre elas manga, acerola, goiaba, coco, café, 70% da responsabilidade de produção desses frutos é das abelhas. É um percentual muito alto. Nas unidades de conservação, em áreas naturais, chega-se a 80%. É bom destacar que os frutos ainda alimentam os animais silvestres que, porventura, também alimentam as comunidades tradicionais que estão dentro das áreas preservadas. E qual a importância das abelhas para a Caatinga? Para Caatinga, que é o único bioma exclusivamente brasileiro, as abelhas são ainda mais importantes. Resta apenas 11% do território da Caatinga original. Os animais estão declinando sem antes serem conhecidos. Por isso é urgente que os estudos sejam feitos nas áreas ainda preservadas e também nas de cultivo. Precisamos saber, por exemplo, em qual período do ano as abelhas são mais abundantes, se há variação no período seco e chuvoso. Na Caatinga, é esperado que haja uma densidade menor de abelhas do que em outros biomas em razão da degradação.  Mas mesmo sendo menor, só aqui no nosso Museu de Fauna da Caatinga, temos 216 espécies de abelhas levantadas na região do Vale do São Francisco. Dessas, apenas uma não é nativa, que é a conhecida como italiana, africanizada ou europeia. Aqui, 83% dessas abelhas levantadas são solitárias, ou seja, não formam colmeias, não existe rainha, nem operárias. É aquela abelha como a mamangava, que chamam erroneamente de besourão. Ela funda o seu ninho sozinha, põe os ovos e sai ou morre antes das crias nascerem. Como não há interação mãe e filha e nem formação de sociedade, são chamadas solitárias.  São espécies importantíssimas para a polinização. De acordo com o monitoramento que fizemos, 96% das abelhas que estão nos cultivos de manga são solitárias. E elas são invisíveis. Por quê? Quando se fala no problema de mortandade de abelhas no Brasil, geralmente pensamos naquelas que estão nas colmeias porque, como estão em caixas artificiais que produzem mel, própolis, cera, é possível quantificar. Mas essa quantificação não é possível de ser feita com a solitária e, por isso, o prejuízo é maior para a Caatinga.  É preciso manter a Caatinga de pé, reflorestá-la, porque não é só a biodiversidade que será impactada pelo declínio de polinizadores como as abelhas, mas as áreas de produção sofrerão primeiro. Não adianta ter a melhor tecnologia, o melhor fertilizante, o melhor pesticida para combater as pragas, se o principal fator de produção, que é o animal polinizador, desaparecer. É preciso manter a Caatinga de pé porque as populações de abelhas tendem a declinar com o desmatamento e impactar a produção de alimentos.

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Catharina Machado Ferreira

"Nossas iniciativas de sustentabilidade não começaram com essas três letrinhas – ESG. Está na nossa ancestralidade"

As ações de ESG do Grupo Cornélio Brennand são abordadas por sua diretora de Pessoas & Sustentabilidade, Catharina Machado. Ela explica as iniciativas inovadoras na área de governança, os avanços e metas no uso de energias renováveis, além dos projetos sociais que incentivam a educação e auxiliam organizações a obterem recursos financeiros. Respeito à cultura ancestral da empresa. Conexão com as tendências e o futuro dos negócios. Cuidado socioambiental. Esse tem sido o segredo da trajetória de sucesso do GCB (Grupo Cornélio Brennand) nestes 108 anos de atuação no mercado.  O que começou como uma fábrica de cerâmica, expandiu-se em três grandes operações: Vivix, fábrica de vidros planos; Atiaia Renováveis, uma das pioneiras na geração de energia limpa no Brasil, e Iron House, empresa especializada na concepção, planejamento e gestão imobiliária, a partir de projetos urbanísticos que valorizam o território, o meio ambiente e a convivência humana. Essa preocupação do GCB com o social e a preservação ambiental, segundo Catharina Machado Ferreira, diretora de Pessoas & Sustentabilidade do grupo, esteve presente desde os seus fundadores. Ao longo do tempo, foi tomando uma dimensão maior. O que pode ser constatado no Relatório de Sustentabilidade que o GCB acaba de divulgar. O documento revela também os cuidados e as inovações destinadas à governança, de modo a manter os valores, como empresa familiar, afinados com uma gestão profissional. Na entrevista a seguir, concedida a Cláudia Santos, a diretora de Pessoas & Sustentabilidade detalha as ações de ESG (relativas a meio ambiente, ao social e à governança) do Grupo Cornélio Brennand. No relatório de sustentabilidade, vocês prestam homenagem a Cornélio Coimbra de Almeida Brennand. Qual a importância do empresário para o grupo? Ele faleceu este ano. Por isso, a homenagem. Nossas iniciativas de sustentabilidade não começaram com essas três letrinhas que vieram para o mercado (ESG). É algo que está na nossa ancestralidade, desde sempre, e Cornélio Coimbra teve influência fundamental na construção do nosso legado. Tinha visão empreendedora, coragem, ética e foco no longo prazo. O legado deixado por ele está muito forte na nossa cultura e decisões empresariais. Reconhecemos essa força da ancestralidade, da cultura, do que ele acreditava, como guia para a construção do nosso futuro.  A família Brennand está na quinta geração, e a nova geração mantém viva a missão de seu Cornélio, que é gerar valor econômico e social nos territórios onde atuamos. Nossas decisões equilibram-se no crescimento econômico com responsabilidade socioambiental. Talvez seja esse legado nosso maior aprendizado: o cuidado com a comunidade do nosso entorno, o equilíbrio econômico, o desenvolvimento dos nossos fornecedores, a integridade na relação com os nossos colaboradores. Tudo isso está ancorado no papel social da nossa governança. Nesse quesito governança, o grupo conta com um programa de formação de acionista. Como ele funciona? Chama-se Proa (Programa de Desenvolvimento dos Acionistas) e visa desenvolver os talentos de cada um dos familiares da melhor forma. Esse processo trabalha fortemente o dom de cada um porque alguns integrantes da família têm mais afinidade e conseguem contribuir melhor, por exemplo, com ações relacionadas ao legado familiar. Já outros podem contribuir mais para os negócios.  O programa existe para manter a família próxima do GBC, do entendimento do que é o grupo e do seu desenvolvimento. A ideia é obter o melhor de cada um e não encaixar todos no mesmo padrão. Em 2024, como consta no relatório, foi lançado o Proinha, que é esse mesmo programa mas voltado para os membros da família de até 15 anos.  O grupo também possui Comitês de Legado e de Formação e ainda conta com a Academia Governança. A senhora poderia explicar cada uma dessas iniciativas? A Academia de Governança é como se fosse a trilha de desenvolvimento, são os programas formais para desenvolver os membros da família e os executivos sêniores da organização, isto é, os presidentes e os diretores. São abordados diversos assuntos, como compliance, o impacto da inteligência artificial dos negócios etc. O Comitê de Formação é direcionado aos membros da família que estruturam as raias de desenvolvimento que o Proa vai oferecer, ou seja, quais os temas que os familiares terão que conhecer. No Comitê de Formação entram os processos dos critérios seletivos. Isto porque, para cada um dos fóruns de governança, há uma seleção, quase como um programa seletivo que uma pessoa participa quando vai trabalhar em alguma empresa, na qual ela tem que cumprir determinados requisitos. O Comitê de Legado funciona para não deixar a história da empresa morrer. É muito importante o grupo contar com membros da família de diversas gerações, inclusive dos mais novos, com esse papel, para que a empresa não se distancie da sua história e dos valores dos nossos fundadores. Temos que honrar nossa história, sem perder nossos valores, nossas raízes, mas olhando para o desenvolvimento, para o futuro, para o mercado, para as tendências. E é importante ressaltar que se cada novo membro da família quiser gerir o grupo do seu jeito, acaba fragilizando a organização por não ter governança, nem esse arcabouço de diretrizes, de acompanhamentos que fazem uma empresa que tem mais de 100 anos estar no mercado.  Inclusive, hoje na nossa estrutura organizacional, todas as posições de gestão, ou seja, diretoria e presidência, são ocupadas por executivos de mercado. Os membros da família integram as posições dos fóruns de governança que atualmente são ocupados por membros da terceira e da quarta geração.  Estamos num contexto de preocupação com a preservação ambiental. Como o grupo atua nesse sentido? A questão ambiental está consolidada na nossa cultura de sustentabilidade e, a cada relatório, isso vai amadurecendo. Ano passado, de forma transversal para todo o grupo, tivemos um plano de estratégia climática e o aperfeiçoamento dos inventários de emissão de gases de efeito estufa. Então, 100% das operações do grupo realizam esse inventário.  Na Vivix, em 2024, fizemos uma revisão do planejamento estratégico, incluindo um pilar climático que busca soluções de combustível mais limpo para nosso processo produtivo. Também aumentamos nossa circularidade, aproveitando mais os cacos de vidro

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montezuma

"É preciso pensar a casa como parte da cidade e seus espaços públicos"

O atual modelo brasileiro de habitação destinado às populações mais pobres é contestado pelo arquiteto, professor da UFPE e coordenador-geral do Projeto Recife Cidade Parque, Roberto Montezuma. Ele defende que não basta oferecer a casa. É preciso integrá-la à cidade e promover o acesso dos moradores a infraestrutura, serviços, lazer e áreas verdes. O tema será debatido em seminário nesta semana. á décadas, o Brasil tenta resolver o problema da habitação para os mais pobres erguendo conjuntos habitacionais nas periferias das cidades. São casas com acesso deficitário a infraestruturas, distantes dos locais de trabalho dos moradores e de serviços como escolas, atendimento médico, e de áreas verdes e de lazer. Além de impactar a qualidade de vida dessas populações, esse modelo resulta em problemas na mobilidade e repercute em prejuízos para toda a cidade.  Para contrapor a visão de conceber a residência sem estar articulada ao meio ambiente, às infraestruturas e às maneiras adequadas de uso e ocupação do solo, surgiu o conceito de habitabilidade que defende uma concepção de moradia integrada à cidade.   Nos próximos dias 6 e 7 de agosto, arquitetos, urbanistas, gestores públicos, representantes de moradores de comunidades vulneráveis e agentes financeiros vão debater a habitação popular sob esse prisma durante o II Seminário Recife Cidade Parque – Os Desafios da Habitabilidade no Recife. Será no auditório do Espaço 235 e a realização é do Projeto de Pesquisa de Desenvolvimento e Inovação Recife Cidade Parque (fruto de um convênio entre a Universidade Federal de Pernambuco e a Prefeitura do Recife) em parceira com as Secretarias Municipais de Desenvolvimento Urbano e de Habitação. Nesta conversa com Cláudia Santos, o arquiteto, urbanista e coordenador geral do projeto, Roberto Montezuma, contou como serão as discussões do seminário que vai apresentar experiências exitosas de habitação popular no Recife, no Brasil e no exterior. Montezuma também defendeu na entrevista um planejamento habitacional inclusivo, que não seja apenas voltado para as classes mais favorecidas, e criticou os condomínios murados com cercas elétricas. “São uma anticidade, é uma cidade medieval, não uma cidade contemporânea”. O II Seminário Recife Cidade Parque vai debater os desafios da habitabilidade no Recife. De que se trata esse conceito? Habitabilidade é qualidade do habitar. O conceito não se restringe apenas à moradia, é perceber o habitar de forma mais complexa e ampla, que é a própria cidade. Para formular um Recife mais democrático, um projeto de toda a população, três campos são fundamentais: meio ambiente, uso e ocupação do solo – que é como as casas, os comércios e espaços públicos são organizados – e as infraestruturas (água, luz, saneamento etc.). Nessa perspectiva, as habitações  de interesse social precisam se reorganizar levando em consideração esses campos. É preciso também pensar a casa como parte da cidade e seus espaços públicos, próxima de serviços como escolas, comércio, parques, tudo isso articulando a cidade com um organismo vivo. O modelo em que se acreditava que o problema da habitação social era apenas a casa já foi descartado desde a época do BNH (Banco Nacional da Habitação, instituição financeira pública brasileira criada em 1964). Construía-se a casa na periferia, a quilômetros de distância do centro da cidade, sem infraestruturas necessárias, de água, luz, esgoto, coleta de lixo. Um modelo que interfere inclusive na mobilidade. Como é que as pessoas circulam nessa cidade, já que residem tão distante? Nesse padrão de se pensar a casa de forma isolada, muitas pessoas que foram transferidas para residências na periferia retornaram ao local onde moravam ou, então, ocuparam novos espaços próximos ao seu trabalho.  Por isso, não é mais possível pensar a cidade apenas como um planejamento da classe média e da classe mais privilegiada. Porque, para ela funcionar, tem que contemplar as várias classes sociais, a própria espacialização tem que responder a esse conjunto amplo que forma a cidade, sem excluir a habitação social.  Também não se pode simplesmente construir, na periferia, conjuntos habitacionais bloqueados por muros, cercas elétricas, como é comum no Minha Casa Minha Vida, por exemplo. Esse modelo de condomínio para classe mais vulnerável não resolve o problema porque foi pensado para a classe média, que segue a perspectiva de viver dentro de um muro lacrado, de isolar-se da cidade, do meio ambiente, criar uma bolha autônoma e isso é muito ruim para a cidade. É preciso interagir, a cidade é um tecido que tem que ser oxigenado de forma total, em seus diferentes pontos. Quais os problemas advindos desse modelo de cidade cercada por muros?  Essas muralhas urbanas, cercadas, fechadas, opacas e protegidas por cercas elétricas são uma anticidade, é uma cidade medieval, não uma cidade contemporânea. Quando esse tipo de condomínio cercado é construído para as classes mais vulneráveis, em vez de ser um elemento que interage com a cidade, passa a ser algo hostil a ela. Não há interação nem transparência interior e exterior, não há continuidade da malha urbana articulada aos espaços públicos. Isso é muito ruim. Ou seja, esse modelo comum para a classe média, que visa se isolar, vem sendo o modelo tradicional da habitação nas comunidades, nas ZEIS (zonas especiais de interesse social). É um grande engano pensar que o problema da habitação de interesse social é apenas a casa isolada. Se pudéssemos fazer um grande resumo da lógica urbana, poderíamos dizer que o meio ambiente, isto é, o sistema ambiental, tem que estar articulado ao sistema das infraestruturas e também ao sistema de como se ocupa a cidade, como é que se constrói nessa cidade, como se permite que a moradia seja articulada com o espaço público de qualidade.  Por isso, a habitação não pode estar simplesmente jogada no morro, porque pode sofrer deslizamentos, não pode estar nas margens dos rios sem nenhum tratamento de esgotamento sanitário e ficar vulnerável à elevação das águas. Mas, a necessidade faz com que essa população vá ocupar esses lugares com fragilidades ambientais, geralmente espaços públicos de matas, de frentes d'água, sem infraestrutura. A habitação de uma maneira geral, tanto social e quanto a das classes mais

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