Estado investe em reflorestamento da Caatinga e da Mta Atlântica com parcerias público e privadas, mirando metas climáticas e socioeconômicas.
*Por Rafael Dantas
Nem só do combate às queimadas e ao desmatamento vive a luta pelas florestas brasileiras e pernambucanas. Além de conter os crimes ambientais que avançam sobre a flora e comprometem o habitat da fauna silvestre, há também um esforço significativo voltado à restauração ambiental. Esse movimento, cada vez mais robusto, reúne instituições com foco ecológico, empresas sensibilizadas pela pauta da sustentabilidade, o poder público e uma diversidade de organizações populares. Em Pernambuco, essas iniciativas ganham corpo nos biomas da Caatinga e da Mata Atlântica.
Em meio ao debate do aquecimento global e das mudanças climáticas, a ONU convocou os países em 2021 para vivermos a Década da Restauração de Ecossistemas. No ano em que o Brasil recebe a COP-30 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), é estratégico o fortalecimento das iniciativas que não apenas preservam mas agem pela regeneração do meio ambiente. E Pernambuco tem várias experiências de destaque.
“Desde 2021, as ações de restauração estão se intensificando muito no Brasil inteiro. Pela primeira vez, inclusive, a gente está tendo um aporte de recursos para trabalhar a restauração no semiárido. Em 2025, temos visto bastante oportunidades de restauração aparecendo, seja por meio de edital público ou pelo ambiente privado”, afirmou Joaquim Freitas, coordenador geral no Cepan (Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste).

"Pela primeira vez, a gente está tendo um aporte de recursos para trabalhar a restauração no semiárido. Em 2025, temos visto bastante oportunidades de restauração aparecendo, seja por meio de edital público ou pelo ambiente privado." Joaquim Freitas
Neste semestre, por exemplo, o Governo Federal anunciou que o País contará com R$ 1,44 bilhão para promover a restauração florestal e ampliar o uso de soluções baseadas na natureza. O investimento faz parte do Plano de Investimento do Programa Natureza, Povos e Clima do Fundo de Investimento Climático.
Em Pernambuco, o Governo do Estado lançou no ano passado o Edital Caatinga com aporte de R$ 16 milhões para o plantio de 500 mil espécies nativas. O projeto está em execução, com 45 mil já plantadas em seis unidades de conservação, como a APA Chapada do Araripe e o Parque Nacional do Catimbau. Outro edital foi o Plantar Juntos Manguezal, com R$ 600 mil para plantio de 10 mil mudas de mangue. Ao todo, os planos anunciados por Raquel Lyra são de 4 milhões de árvores plantadas.
Além dos aportes do poder público estadual, o bioma da Caatinga teve o anúncio do investimento de R$ 8,8 milhões, do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e do Banco do Nordeste, que lançaram o edital Caatinga Viva no final de 2024. A iniciativa está apoiando projetos de restauração ecológica em até quatro áreas de no mínimo 100 hectares no bioma. A iniciativa integra o programa Floresta Viva, que deve investir R$ 60 milhões nos próximos anos. Há ainda investimentos privados, de iniciativas municipais e outros recursos internacionais no cenário de investimentos restaurativos.
DESAFIOS NO HORIZONTE
No Estado, Joaquim destaca que um dos principais focos de atuação está relacionado às áreas nas fronteiras de desertificação que acontecem principalmente na Caatinga. “Em Pernambuco temos mapeados focos de desertificação e também de desmatamento. As ações de restauração têm que ser voltadas para conseguir recuperar minimamente a capacidade dos ecossistemas de gerar serviços ecossistêmicos”, afirmou o coordenador geral do Cepan. “A ideia é que a gente consiga impedir esse avanço ao recuperar as áreas (de fronteira), porque uma vez que a desertificação se estabelece, a gente perde áreas agricultáveis, além de perder também água, potencialidade de solo e, principalmente, capacidade de manter os modos de vida da população”.
Os núcleos de desertificação no Estado estão identificados em municípios como Cabrobó, Araripina e Exu. Mesmo em regiões próximas a Petrolina, como Belém do São Francisco, os sinais de alerta já estão ligados. O desmatamento ocorre nessas mesmas regiões mas, também, em vários outros focos espalhados pelo território pernambucano. “A gente tem um desmatamento difuso”, destacou Joaquim.
A secretária da Semas-PE (Secretaria de Meio Ambiente, Sustentabilidade e de Fernando de Noronha de Pernambuco), Ana Luiza Ferreira, ressalta que há um olhar estratégico do Governo do Estado de restauração no PERBH (Programa Estadual de Recuperação de Bacias Hidrográficas). “Sempre refletimos muito sobre a melhor forma de alcançar o Plano de Governo de 4 milhões de árvores, para atingir o maior impacto. No PERBH (uma iniciativa liderada pela Apac, Agência Pernambucana de Águas e Clima) foi apontado o diagnóstico de cinco bacias prioritárias e o que deve ser feito para promover nelas a recuperação de 2.780 hectares dentro das reservas legais e áreas de proteção permanentes”.

Ana Luiza Ferreira informa que o governo tem a meta de plantar 4 milhões de árvores e planos de recuperar 2.780 ha em cinco bacias hidrográficas dentro de reservas legais e áreas de proteção permanentes, além de ações em assentamentos rurais da agricultura familiar.
A secretária destacou que nos próximos dois meses serão anunciadas muitas novidades com foco no restauro dessas bacias hidrográficas, bem como em iniciativas restaurativas em assentamentos rurais da agricultura familiar, que é outro desafio. Um estudo recente, publicado pelo Instituto Escolhas, revelou que 57% das Áreas de Preservação Permanente nos Assentamentos de Reforma Agrária de Pernambuco foram desmatadas.
O investimento na recuperação apenas dessas áreas por sistemas agroflorestais (SAFs) poderia remover 2,1 milhões toneladas de CO² da atmosfera. Esse volume representa 8% das emissões brutas dos gases de efeito estufa em Pernambuco.
Os investimentos necessários para essa recuperação nos assentamentos, porém, seriam na ordem de R$ 504 milhões nos três próximos anos. Em 30 anos, o investimento seria de R$ 1,92 bilhão. Apesar dos aportes elevados, o instituto estima que a recuperação produtiva de 20,7 mil hectares de APPs (àreas de preservação permanente) resultaria em uma receita líquida de R$ 5,91 bilhões, mais de três vezes o valor investido.
Além de contribuir nesse aspecto das emissões, a recuperação dessas áreas poderia gerar 91,3 mil novos empregos e produzir mais de 5,5 milhões de toneladas de alimentos. “Enquanto as matas crescem, protegemos a água e cuidamos do clima, empregos são gerados e alimentos produzidos. Ganha o meio ambiente e a economia”, justifica Rafael Giovanelli, gerente de Pesquisa do Instituto Escolhas.

"Enquanto as matas crescem, protegemos a água e cuidamos do clima, empregos são gerados e alimentos produzidos. Ganha o meio ambiente e a economia". Rafael Giovanelli
Mais que apenas plantar ou arborizar, os esforços de restauração ambiental têm a perspectiva de auxiliar o restabelecimento de um ecossistema que foi degradado ou mesmo destruído. Um esforço que engloba também a proteção de áreas ainda não destruídas, o manejo sustentável e a formação de coletivos ou indivíduos nas comunidades que possam atender as demandas de mão de obra desse serviço.
INICIATIVA PRIVADA TAMBÉM NA RESTAURAÇÃO
No setor privado, há várias instituições que desenvolvem projetos voltados tanto para a compensação de impactos quanto para o fortalecimento da responsabilidade social corporativa. Em Pernambuco, há esforços de grandes empresas, como a Stellantis, em Goiana, com um robusto programa de biodiversidade da Jeep, o Grupo EQM, na Mata Sul, a Baterias Moura, em Belo Jardim, entre outras.

No tradicional setor sucroalcooleiro, uma das empresas pernambucanas que tem sólida trajetória de restauração é a Usina Petribu, na Zona da Mata Norte. O agrônomo Cloves Rodrigues explica que o objetivo do serviço de restauração florestal é resgatar a floresta que originalmente existia e trazer de volta suas funções originais. “Essa restauração vem sendo feita diariamente na Usina Petribu, principalmente nas áreas de nascentes, mananciais e nas margens dos rios (mata ciliar). Nesses reflorestamentos são utilizadas árvores nativas da Mata Atlântica, com mudas produzidas no viveiro da própria empresa”, esclarece.
A recuperação das matas ciliares, nascentes e mananciais promovida pela usina tem como principal objetivo regularizar os ciclos hidrológicos dessa região. Nesse esforço restaurativo, a Petribu dispõe atualmente de 3.679,95 hectares de mata preservada em suas área. A empresa possui ainda um viveiro onde produz 5 mil mudas por mês e são desenvolvidas espécies como Caesalpinia ferrea (Jucá), Hymenaea courbaril( Jatobá), Ziziphus joazeiro (Juazeiro), Handroanthus serratifolius (Ipê-Amarelo).
Juntamente com a volta da flora nativa, há um retorno em paralelo da fauna. “Com a recuperação florestal e a criação de corredores ecológicos é normal que haja um aumento das áreas de habitat para a vida animal, devido à recuperação do potencial de disponibilidade de alimento e água” , destacou Cloves.
O agrônomo revela que esse cenário de aumento de biodiversidade é notório na usina. “Espécies que haviam reduzido as suas populações estão cada vez retornando a um patamar em que já é possível vê-las com mais frequência”. Entre as espécies que estão crescendo, Cloves cita como exemplos a volta da população de tamanduás–mirins, de bichos-preguiças, de cutias e até de jacarés.
Para Ana Paula Batista Kanoppa, coordenadora de Políticas Florestais e Bioeconomia da Ibá (Indústria Brasileira de Árvores), a iniciativa privada pode desempenhar um papel crucial no desenvolvimento sustentável e na promoção do reflorestamento, integrando suas operações, investimentos e políticas às metas ambientais. “As árvores são a melhor tecnologia para estocar carbono e, por isso, as empresas privadas podem atuar na criação de soluções baseadas na natureza, tais como restauração ecológica e reflorestamento com espécies nativas, integrando-se ao mercado voluntário de créditos de carbono”.

"As árvores são a melhor tecnologia para estocar CO2, por isso as empresas privadas podem atuar na criação de soluções baseadas na natureza, como restauração ecológica e reflorestamento com espécies nativas, integrandose ao mercado voluntário de créditos de carbono." Ana Paula B. Kanoppa
Ela ressalta que tanto a recuperação de pastagens degradadas, como a restauração de vegetação nativa, representa um desafio ambiental e econômico significativo para o País. Embora os investimentos sejam elevados, a expectativa de retorno é ainda maior. “O Planaveg (Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa) tem por meta restaurar 12 milhões de hectares de florestas até 2030. Estimativas (do Instituto Escolhas) indicam que o Brasil precisará investir R$ 228 bilhões. Por outro lado, o mesmo estudo aponta que esse investimento pode ter como retorno a geração de R$ 776,5 bilhões em receita líquida, a criação de 5,2 milhões empregos, a produção de 1 bilhão de m³ de madeira para comercialização, a produção de 156 milhões de toneladas de alimentos e a remoção de 4,3 bilhões de toneladas de CO2 da atmosfera”, explica Ana Paula.
Nesse sentido, a incorporação de metas ambientais e de reflorestamento em relatórios de sustentabilidade e planejamento estratégico, tornou-se uma forma de integrar desafios globais em oportunidades locais. Um cenário que tem resultado no nascimento de empresas dedicadas a essas atividades, criando modelos inovadores que geram bons resultados para economia, sociedade e meio ambiente.
O programa Plantar Juntos, criado pela Semas-PE, tem funcionado como uma ponte entre o poder público e a iniciativa privada para impulsionar ações de restauração ecológica no Estado. A proposta é viabilizar a participação de empresas interessadas em contribuir com a meta de plantio de 4 milhões de árvores até 2026. Por meio do programa, organizações privadas podem apoiar financeiramente ou com insumos projetos de reflorestamento em áreas estratégicas, muitas vezes em parceria com entidades da sociedade civil. Assim, o Plantar Juntos complementa os grandes editais, como o Edital Caatinga, e fortalece uma governança ambiental multissetorial.
“O Plantar Juntos é o nosso instrumento de articulação com a iniciativa privada. Empresas que queiram plantar, que queiram investir em ações de restauração em Pernambuco têm essa possibilidade, mesmo que fora de um edital. Isso tem sido muito importante, porque nos permite abrir portas e dialogar com diferentes atores que querem somar”, explica Ana Luiza Ferreira. A Semas já registrou a adesão de 56 empresas ao programa.
MODELO AINDA EM CONSTRUÇÃO

Para Sérgio Xavier o desafio para ampliar o reflorestamento é romper com o paradigma tradicional de mercado e construir modelos de negócio que possibilitem a sustentação financeira dos empreendedores, mas garanta a capacitação inclusiva e a regeneração ambiental.
Para Sérgio Xavier, ex-secretário de Meio Ambiente de Pernambuco e coordenador do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima, o setor de restauração florestal no Brasil ainda está em construção. Entretanto, começa a ganhar fôlego com o avanço de políticas públicas, marcos regulatórios e iniciativas privadas. Ele destaca a recente aprovação da Lei do Mercado de Carbono (Lei nº 15.042/2024) como um impulso fundamental.
“Tivemos a aprovação dessa lei que cria o Sistema Brasileiro de Economia do Carbono, responsável por estabelecer a precificação e estruturar o mercado. Isso vai impulsionar o setor, já que a regeneração florestal contribui diretamente para a captura de carbono.” Segundo Xavier, o fortalecimento das Unidades de Conservação, os investimentos de fundos filantrópicos internacionais e as parcerias público-privadas em estruturação também fazem parte dessa engrenagem. “Existe uma série de coisas acontecendo. Eu diria que está ainda em processo de estruturação. A gente precisa realmente dar uma atenção maior aos instrumentos financeiros e aos modelos de negócios.”
O grande desafio para favorecer o surgimento de mais projetos de restauração, segundo Xavier, é romper com o paradigma tradicional de mercado e construir modelos de negócio alinhados com os desafios do século 21. “Hoje, os modelos de negócios são criados para ter lucro e fazer com que as empresas se fortaleçam e cresçam. Eles não são pensados para resolver problemas sociais e ambientais. A gente precisa, no Século 21, criar modelos de negócios que olhem para a sustentação financeira dos empreendedores mas, também, garanta que no próprio modelo esteja ali a capacitação inclusiva, a regeneração ambiental.”
O desenvolvimento de uma abordagem híbrida, que reúna a força do empreendedorismo com o compromisso das causas socioambientais, é a proposta do ex-secretário de Meio Ambiente. Os Laboratórios de Economia Regenerativa em Fernando de Noronha e no Rio São Francisco, idealizados por Xavier, são exemplos de organizações voltadas para criar novos modelos do Século 21, que nem são os empresariais convencionais, nem os das ONGs.
Além de garantir aportes financeiros, outro desafio da restauração florestal é a estruturação da rede produtiva necessária para viabilizar sua execução. A formação de coletores de sementes nativas, viveiristas, além de profissionais especializados no preparo do solo e na semeadura, representa apenas uma parte desse ecossistema de trabalho que sustenta as ações de recuperação ambiental.
“Temos o desafio de estabelecer uma cadeia produtiva da restauração, com qualidade, nos locais de implementação. Isso permite ter uma repartição dos benefícios socioeconômicos gerados pela atividade de restauração”, ressalta Joaquim Freitas.
CABO DE GUERRA CONTRA DESMATAMENTO
O avanço dos esforços de restauração não anulam a necessidade de enfrentar ainda a supressão que acontece em todos os biomas do País. Nos últimos anos, houve uma redução significativa do desmatamento. O RAD (Relatório Anual do Desmatamento) divulgado pela rede MapBiomas nesta semana, avaliou que a queda foi de 32,4% em 2024. Na Caatinga, a redução foi de 13,4%. Mesmo assim, o País perdeu 1.242.079 hectares de vegetação nativa.
“É preciso tentar ao máximo minimizar problemas relativos a perdas de floresta pelas atividades irregulares, como queimadas. Isso é muito forte na região amazônica, mas na Caatinga não é diferente”, afirmou Joaquim Freitas. O coordenador do Cepan conta que no final do ano passado, a Chapada do Araripe, no território cearense, perdeu 140 hectares por incêndio.
No caso da Mata Atlântica, que tem seu maior fragmento preservado na Região Metropolitana do Recife, as ameaças recaem sobre grandes projetos públicos, como o Arco Metropolitano e a Escola de Sargentos do Exército, ambos na região de Aldeia. Pesquisa desenvolvida pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), UFRPE ((Universidade Federal Rural de Pernambuco) e UFAL (Universidade Federal de Alagoas), publicada no Journal for Nature Conservation, alertou que esses novos empreendimentos na região podem levar à remoção de mais de 335 mil árvores. Nesse caso, há uma intensa mobilização social para encontrar uma solução que evite a supressão de mata.
A restauração ambiental em Pernambuco tem-se consolidado como uma resposta estratégica à crise climática, à perda de biodiversidade e à desigualdade socioeconômica. O avanço das ações de reflorestamento, aliado à formação de redes produtivas locais e ao fortalecimento de políticas públicas e privadas, revela um modelo promissor de desenvolvimento sustentável. Ainda que os desafios persistam, a continuidade desses esforços e o avanço da sensibilização ambiental na sociedade apontam para uma perspectiva regenerativa.
*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Pernambuco Antigamente e Gente & Negócios (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)