Sandra Mattos: “Estamos doentes, numa escala muito maior do que a Covid-19.”

As pressões sobre a saúde pública brasileira são muito maiores que o novo coronavírus. Essa é a análise da médica Sandra Mattos, diretora da Unidadade de Cardiologia Materno-Fetal no Real Hospital Português de Beneficência em Pernambuco e pesquisadora do Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami (LIKA/UFPE). Além dos milhões de pacientes que o SUS atende atualmente, as perspectivas para o Pós-Pandemia são de tratar também uma parcela significativa da população com sequelas da doença e de uma multidão de doentes crônicos que adiaram tratamentos e exames entre 2020 e 2021.

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Temos um sistema de saúde bastante pressionado pela pandemia, mas que já tinha uma demanda muito elevada antes da Covid-19. Há uma expectativa que cresça em muito o número de pacientes crônicos pós-pandemia, a partir de sequelas da doença, entre outros fatores. O sistema de saúde deve fazer para enfrentar também essas consequências da pandemia?

É verdade. Estamos vivendo um momento complexo onde questões relacionadas à saúde física, mental, político-econômica e psicossocial das pessoas se entrelaçam e constituem um grande desafio para a continuidade dos atuais sistemas de saúde, em todas as sociedades. Naquelas, como a nossa, onde já existia uma fragilidade prévia, os efeitos são e serão ainda maiores. A pandemia trouxe uma nova demanda para os setores públicos e privados, que já limitados, precisaram focar no “aqui e agora” da Covid-19, limitando ainda mais capacidade sua de lidar com outras necessidades.
Soma-se a isto o medo da doença, que levou e ainda leva muitos pacientes a não procurarem os serviços de saúde numa fase inicial dos sintomas (de outras doenças) pelo medo da contaminação.
O isolamento social, as incertezas em relação ao futuro, o impacto econômico da diminuição ou até ausência do trabalho, as notícias tristes de perdas, além de inúmeras informações apocalípticas divulgadas nas mídias sociais, diuturnamente, agravam sobremaneira a saúde mental das pessoas.
E como se tudo isso não bastasse, aqueles que “governam”, desgovernam mais do que tudo, com informações conflitantes que misturam ciência com política com interesses muitas vezes escusos, dando margem e até incitando a discórdia entre as pessoas e induzindo à falta de credibilidade nos pesquisadores e profissionais de saúde, que deveriam conduzir o processo durante e após a pandemia.
Em resumo: Estamos doentes, numa escala muito maior do que a Covid-19. Como enfrentaremos as consequências da pandemia dependerá prioritariamente de como orquestraremos a resposta à condução do processo.
Se (uma parte de mim ainda espera dizer “quando”) políticos realizarem as orientações dos cientistas da saúde, se/“quando” as pessoas respeitarem as normas estabelecidas, se/“quando” aporte financeiro chegar às mãos daqueles de verdadeiramente tratam os pacientes e daqueles que verdadeiramente pesquisam e monitoram a pandemia e outras demandas da saúde: se ou quando esse momento chegar, controlaremos a pandemia e nos prepararemos melhor para os próximos desafios.
Infelizmente, se continuarmos no rumo atual, continuaremos com os resultados semelhantes.

Que lições da pandemia podemos tomar para o Sistema de Saúde? Há algum legado desse período que a Sra destacaria?

Muitas, acima de tudo a pandemia nos mostra a necessidade de orquestramos melhor as respostas do sistema de Saúde, dando e respeitando as reponsabilidades para os especialistas de cada setor.
Acredito que a pandemia evidenciou ainda outras fragilidades em relação à nossa relação como seres humanos, com nós mesmos e com a realidade à nossa volta. Os valores estabelecidos ao longo de muito tempo estão sendo questionados. A inter-relação entre todos os membros do planeta está sendo evidenciada.
Essa é uma oportunidade para uma grande aprendizagem. Se entendermos melhor o sentido das nossas atitudes diante de nós mesmos e do planeta e nos modificarmos, teremos a chance de um futuro melhor. Caso contrário, a pandemia só terá trazido sofrimento e tristeza sem que nada de bom floresça após o seu término.

Para que tenhamos um sistema de saúde mais qualificado no médio e no longo prazo, que medidas ou diretrizes estratégicas a Sra considera que devem ser tomadas?

Planejamento, divisão de responsabilidades, respeito. O SUS é um sistema extremamente bem desenhado e com um potencial enorme de beneficiar a população – o que acontece muito bem em alguns setores, ao exemplo das nossas campanhas de vacinação. Mas no meio de uma pandemia, ter esse sistema e “não ter vacinas” demonstra a falta de empoderamento do sistema.
Precisamos usar o LEGOS: Liderar, Empoderando Grupos para Otimizar Soluções.

Temos visto na Pandemia muitas experiências de uso de novas tecnologias na saúde. Desde a gestão dos sistemas de saúde, medidas simples como um agendamento da vacina pelo celular, até no próprio atendimento, como várias experiências de novos equipamentos de suporte aos hospitais, como no caso dos respiradores desenvolvidos pela USP, com Tecnologia nacional e muito mais baratos. Como as inovações tecnológicas podem contribuir de forma mais efetiva nesse esforço em prol da saúde pública?

Sim, novas tecnologias podem ajudar. Redes de telemedicina, tecnologias portáteis disponíveis em todos os pontos do País. Muitas medidas simples podem ser implementadas para obter resultados em grande escala. Assim como pesquisas inovadoras podem esclarecer detalhes importantes sobre as novas doenças e apontar caminhos para enfrentá-las mais eficazmente.
O Brasil é muito rico em sua capacidade intelectual e inovadora. Mas precisamos empoderar os líderes e executores de projetos e disseminar as condições de desenvolvimento de trabalhos inovadores para diversas partes do País.
Precisamos valorizar o currículo dos profissionais que se propõem a dar respostas a um determinado problema independente de em que local do País se encontram. Precisamos trabalhar por resultados e não por processos. Precisamos de agilidade: pesquisas inovadoras não podem esperar longos períodos para terem verba liberada, tornando-se obsoletas antes mesmo de começarem.
Precisamos de “maestros” e “músicos” que se entendam e que decidam tocar uma mesma partitura, em uníssono. Precisamos somar esforços. Precisamos parar de brigar ou de querer mostrar que somos uns melhores que os outros. Precisamos aprender a trabalhar em equipe em todas as esferas. Precisamos educar, respeitar, valorizar pesquisadores e executores e confiar a eles os trabalhos de enfrentamento da pandemia Covid-19 e de tantos outros crescentes desafios da saúde.

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