Soluções para a crise de representatividade

Em junho de 2013 milhares de brasileiros foram às ruas declarando que o sistema político brasileiro não os representava e protestaram por serviços públicos no padrão Fifa. Quatro anos depois, a descrença dos cidadãos pela política se acentuou. Um estudo da Edelman Trust Barometer 2017 apontou que 62% da população não acredita que as instituições de governo do País são capazes de atender as demandas sociais. Outra pesquisa recém-publicada pelo Instituto Ipsos revela que 94% dos brasileiros não se sentem representados. Especialistas avaliam o cenário atual e apontam saídas para a crise de representatividade.

O desapontamento pela democracia representativa não é exclusividade brasileira e está intrinsecamente ligada ao momento econômico do Brasil na avaliação do cientista político e professor da Universidade Católica de Pernambuco, Juliano Domingues. “Esse fenômeno é identificado em outros países e costuma estar associado à economia. Quando ela vai bem, o cidadão tende a demonstrar confiança nas instituições democráticas. Em intervalos de crise, observa-se o inverso”. Domingues explica que vários motivos podem explicar essa desilusão e que o sistema político-partidário é um deles. “O que se verifica no caso brasileiro é um ambiente de cultura política autoritária historicamente construída, em que o comportamento predatório e pouco republicano acaba predominando”, avalia o especialista.

O presidencialismo de coalizão associado ao fisiologismo político-partidário e a burocratização dos sindicatos compõem um cenário que afastou a população da vida política por dentro das instituições do País na avaliação da professora do departamento de sociologia da UFPE, Maria Eduarda Rocha. “Temos partidos que são propriedades de lideranças políticas, fisiológicos, sem doutrina. Esse fisiologismo é um problema global, mas o caso brasileiro é agravado pelo presidencialismo de coalização, que se desenhou a partir da Nova República e resultou num conjunto quase infinito de partidos. A dificuldade de compor maioria resulta nessa política do toma lá dá cá”.

Ronnie Duarte, presidente da OAB-PE, vê com preocupação a apatia dos brasileiros com a atual conjuntura, a qual, segundo ele, gera um pensamento coletivo de que as soluções para o País não virão pela política. “Não há solução fora da política. Devemos chamar atenção para que a sociedade seja capaz de diferenciar os maus políticos dos bons. Há muita gente ruim, mas há uma série de exemplos de pessoas comprometidas com a vida pública”.

Dessa ojeriza ao sistema político, ganham corpo no Brasil e no mundo novas organizações, movidas principalmente pelas redes sociais. O caso pernambucano mais conhecido foi o Ocupe Estelita. Iniciativas dessa natureza explodiram mundo a fora, como no movimento Occupy Wall Street (EUA), dos Indignados (Espanha) e nas manifestações da Tunísia que ocorreram em 2010.
Maria Eduarda afirma que essas organizações são fortemente marcadas por um caráter autonomista, que nega qualquer forma de institucionalização, abominam a participação de seus membros em órgãos de governo e pelo fato de não se associarem às bandeiras partidárias. “O dilema desses movimentos é fazer a passagem dessa mobilização social para interferir no que está acontecendo no Congresso, que exige uma atuação contundente e mais rápida. Essas organizações chamam a atenção para a necessidade de abertura de brechas no cotidiano das pessoas para uma experiência mais libertária e autônoma”.

O impulsionamento dessas novas formas de reivindicação, mobilização e debate político teve um grande impulso com a popularização das novas tecnologias da comunicação, na avaliação de Juliano Domingues. “Trata-se de uma tendência diante de uma sensação de esgotamento das ferramentas tradicionais de representação política. Indivíduos interconectados passaram a exercer poder de pressão antes praticamente restrito às esferas tradicionais de representação. A ação coletiva adquiriu uma nova dinâmica a partir do uso massificado das mídias sociais”, afirma. O cientista político avalia que os resultados desses movimentos são visíveis, mas seria difícil de imaginá-los sem essa dinâmica digital.

REESTRUTURAÇÃO
Frente a toda contestação popular, a reforma política é uma discussão que já tem consistência dentro dos movimentos sociais, mas que ainda não ganhou as ruas. Para o presidente da OAB-PE, já existem alguns consensos para uma reestruturação do sistema político. “Um consenso é de que a multiplicação de partidos e coligações presta um grande desserviço à democracia. A OAB defende também que o voto distrital misto seria a melhor opção para a reforma”. Ele ressalta também um posicionamento contrário ao financiamento público de campanha. O advogado afirma que só com a campanha o País gastaria mais de R$ 5 bilhões com o pleito eleitoral.

Defensora da reforma política, Maria Eduarda é enfática ao afirmar que as mudanças no sistema não virão pelas mãos dos atuais congressistas. “As propostas que temos, vindas de organizações progressistas, são a antítese desse Congresso, que é fruto das campanhas eleitorais mais caras do mundo. Como eles vão solapar as bases do seu poder?”

A socióloga afirma que a única maneira de promover mudanças de interesse nacional é via manifestações da sociedade civil nas ruas. “É um debate extenso, que tem que começar bem antes, que é sobre a socialização política. Afinal, como os brasileiros e brasileiras estão sendo educados para a vida pública?” questiona. Ela defende que para uma participação política mais madura da população é preciso uma formação educacional mais ampla do que apenas preparar os jovens para o mercado de trabalho. “As pessoas precisam ser preparadas para serem capazes de exercer a sua função de cidadão”.

*Por Rafael Dantas, repórter da Revista Algomais (rafael@revistaalgomais.com.br)

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