Soluções para o polo gesseiro do Araripe, no Sertão, estão no horizonte

*Por Rafael Dantas

O Polo do Araripe abriga a maior jazida de gipsita do Brasil. Matéria-prima para a produção de gesso, a extração e o beneficiamento do mineral são alguns dos carros-chefes da economia da região que está no extremo oeste do território pernambucano. Apesar dos potenciais, o arranjo produtivo local sofre por falta de energia, pelas dificuldades de logística e com a informalidade. A perspectiva de chegada do gás natural e a demanda aquecida do agronegócio pelo produto são alguns combustíveis para animar o setor.

O presidente do Sindugesso, Jefferson Duarte, afirma que o polo registra cerca de 250 indústrias calcinadoras, 500 fábricas de pré-moldados e 50 empresas de mineração (que realizam a extração do minério). Pela alta informalidade da região, ele estima que o setor deve ter números ainda maiores mas de difícil mensuração. As companhias que integram esse arranjo produtivo estão nas cidades de Araripina, Trindade, Ipubi e Ouricuri.

A energia para fazer a indústria de beneficiamento da gipsita é um dos gargalos que gera dois problemas. O primeiro é o preço, pois o setor precisa comprar lenha que vem de longe para uso nos fornos dessa atividade. O outro é ambiental, pois há ainda a atividade clandestina de desmatamento da caatinga para essa finalidade.

“O maior desafio para a sustentabilidade do polo hoje é o consumo energético. Existe uma demanda de biomassa, lenha para mover as calcinadoras (que fazem a queima da gipsita para ser transformada em gesso) que são o coração do Polo Gesseiro. Sem calcinação, não tem gesso. Hoje há um custo elevado para trazer lenha de 400 a 450 km do polo gesseiro. Nas redondezas não há disponibilidade. Ela vem do Piauí, Ceará ou do Maranhão. Todo o traslado é feito por caminhões”, afirma o engenheiro químico, consultor de indústrias e desenvolvedor de produtos em gesso, Lincoln Silva.

A boa notícia para o polo é que esse problema tem uma solução no radar do curto prazo. Segundo o prefeito de Araripina Raimundo Pimentel, a governadora Raquel Lyra tomou a decisão de fazer o investimento, via Copergás, para a construção de duas unidades de regaseificação, o que levaria o gás natural para o polo produtivo.

“Serão implantadas duas unidades de regaseificação, uma em Trindade e outra em Araripina, para garantir o fornecimento do gás natural para as indústrias do polo gesseiro. Teremos gás com preço competitivo a tal ponto de estimular as empresas a deixarem de queimar lenha. Com isso teremos ganhos econômicos e ambientais extraordinários”, anima-se o prefeito.

A governadora deverá revelar os detalhes dos investimentos, incentivos fiscais e da infraestrutura durante esta semana. O gás natural liquefeito seguirá para a região por caminhões até as unidades de regaseificação. Essa é uma alternativa mais viável que o gasoduto que foi discutido no passado para o Araripe.

INFORMALIDADE E OUTROS INCÔMODOS

O representante do Sindugesso considera que um dos maiores obstáculos reside no próprio empresariado. Apesar da riqueza do produto, caracterizado pela pureza e qualidade, o gesso ainda é tratado como um subproduto, carecendo de reconhecimento como fonte primária de recursos na região e sendo comercializado a preços muito reduzidos.

“Ainda não conseguimos agregar um valor merecido ao nosso produto que não é respeitado e nem reconhecido como fonte primária de recursos da região. Eu acredito que um dos nossos primeiros gargalos é o próprio empresário e, em seguida, é uma tecla que a gente já vem batendo há muito tempo: a informalidade”.

A utilização da capacidade industrial instalada no Sertão do Araripe, no terceiro trimestre de 2024, foi de apenas 61,3%. O indicador revelou uma ociosidade da produção de aproximadamente 40%, segundo os dados do Panorama Industrial publicado nesta semana pela Fiepe (Federação das Indústrias de Pernambuco). A produção reduzida é justificada pelos especialistas pelo fato de o setor da construção civil, o maior cliente do polo, estar ainda desaquecido no País. A maior parte da produção de gesso e dos pré-moldados segue para a região Sudeste e também para o Sul, segundo o consultor e engenheiro de minas, João Lucas Barbosa.

“O gesso é ‘puxado’ majoritariamente pela alta da demanda na construção civil. Se o setor estiver em alta, a produção de gipsita e gesso acompanha esse crescimento. Não vimos no ano passado crescimento dos investimentos pelas construtoras. Consequentemente, a produção vem se mantendo mais baixa”, afirmou João Lucas Barbosa.

Há um pessimismo identificado na pesquisa que tem relação com questões bem diversificadas. Quando questionados sobre os maiores problemas enfrentados pelas indústrias do Sertão do Araripe, os empresários citaram a competição desleal (71%). Os respondentes indicaram que suas empresas são muito oneradas por conta da informalidade existente na região, conforme mencionou o presidente do Sindusgesso. As reclamações sobre a elevada carga tributária (35,5%), a inadimplência dos clientes (35,5%) e a falta ou o alto custo de energia (16,1%) apareceram na sequência das dificuldades que atrapalham o desenvolvimento do setor. Todos esses problemas tiveram uma piora entre o segundo e o terceiro trimestre do ano passado, segundo a percepção indicada na pesquisa.

GESSO AGRÍCOLA E O MERCADO DO AGRONEGÓCIO

Além do mercado da construção civil, o agronegócio é outro comprador do polo. De acordo com o Sindugesso e os especialistas que atuam no setor, a demanda e venda pelo gesso agrícola está numa crescente. Esse produto não passa pela calcinação, mas apenas por uma etapa de trituração.

“O ano de 2023 foi bastante desafiador, principalmente pela incerteza política que se instalou no País, mas, ao mesmo tempo, pela falta de investimento na área da construção civil, o que afeta diretamente o setor. Porém, o gesso é um produto maravilhoso. Além da construção civil, ele está sendo muito bem aceito na Bahia como aditivo para correção de solo. Então, é uma nova esperança para o setor gesseiro”, afirma Jefferson Duarte.

Diferente dos mercados do Sul e Sudeste, que são muito distantes do Sertão do Araripe, a região produtora do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) está bem mais próxima do Polo Gesseiro. O engenheiro Lincoln Silva, no entanto, alerta para o fato de o gesso agrícola ser um produto apenas extraído e moído, sem um beneficiamento que agregue mais valor, e de ter uma concorrência regional.

“O entrave para o Matopiba é que há o Polo Gesseiro do Maranhão. Como estão mais próximos, levam uma vantagem do frete. A não ser que seja criado um ‘porto seco’ (uma espécie de estação aduaneira no interior, terminal intermodal conectado por uma rodovia ou ferrovia) para colocar esse produto para vender a partir de lá. Mas para isso precisaria ter forte interesse empresarial”.

O professor da UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco) em Serra Talhada, Geraldo Eugênio, ressaltou que a própria Chapada do Araripe poderia ser beneficiada com a adição de gesso agrícola em seus solos, para potencializar a agricultura local.

“O contraditório é ter gesso e calcário na região e termos a Chapada do Araripe ao lado dessas minas com solos ácidos. Para corrigir esse problema precisaria de calcário e gesso. Até o momento esse uso tem sido irrisório. É preciso tecnificar a agricultura da Chapada do Araripe, que precisa de fertilizante. Mas o fertilizante não é aplicado em uma área cujo solo não é corrigido”, sugeriu o pesquisador.

Geraldo explica que a principal cultura da região é a mandioca para o pequeno e médio produtor, mas há outros produtos que podem ganhar escala. “Nos últimos dois anos, já têm havido experimentos com grãos, principalmente milho, extremamente exitosos. Como as tecnologias, além do milho, poderiam ser cultivados soja e sorgo”.

O prefeito Raimundo Pimentel afirmou, inclusive, que o poder municipal está montando um plano de estruturação da mandiocultura para a região. “Hoje temos algumas fábricas de fécula. Isso transforma a atividade em agroindústria, abre o mercado para produção da mandioca, que antes dependia das casas de farinha. Mas atualmente temos uma grande fábrica, o que dá uma perspectiva diferente. Precisamos tecnificar e aumentar a produtividade. Isso passa pela correção do solo e o gesso agrícola é um dos principais corretivos”.

Um desafio mais distante, mas que agregaria valor ao Polo Gesseiro, na avaliação de Geraldo Eugênio, seria desenvolver a cadeia produtiva para transformar a gipsita em fertilizantes, com aditivo de outros nutrientes. “Esse é um componente que pode ser valorizado, não vendido apenas como commodity, mas como fertilizante, com outros nutrientes. Para isso, precisaríamos trazer outros produtos que não temos na região e ter fornecedoras. É um negócio mais sofisticado envolvendo micronutrientes, o que exige mais conhecimento e tecnologia”, afirmou Geraldo Eugênio.

Mesmo para a cadeia produtiva da construção civil, os especialistas entrevistados informaram que há muitos produtos que podem ser feitos com o gesso que ainda não são fabricados ou têm escala pequena na região. Estão no portfólio de utilidades desenvolvidas a partir do minério o gesso cola, o drywall, a argamassa colante, o gesso processado, o contrapiso autonivelante e o gesso para textura. Poucas empresas trabalham em paralelo com essas variedades.

LOGÍSTICA NA CONTA

As longas distâncias da região até os consumidores exigem investimentos na logística para reduzir os custos do frete. O modal que está no radar, mas envolve anos de espera, é o ferroviário, por meio da Transnordestina. Embora o projeto não chegue a Araripina, ele aproxima muito o polo de uma alternativa sobre trilhos que será conectada aos principais portos do Nordeste.

“É consenso que a questão logística é um dos maiores desafios. Temos as principais reservas do País, as principais operações, mas o custo com transporte do gesso é alto. A logística dificulta a expansão do polo”, afirmou o engenheiro de minas João Lucas. Ele avalia, no entanto, que há algumas dúvidas sobre a operacionalidade da ferrovia para o setor.

“Alguns colocam a ferrovia como ponto chave para melhorar a logística. Mas não só a ferrovia, existem outros investimentos a serem feitos que envolvem a saída do produto da fábrica, o transporte da região para chegar na ferrovia, depois para chegar ao porto e seguir a outro porto do Sudeste, desembarcar o material até chegar ao consumidor final. São várias etapas para vencer e muitos custos inseridos nisso”.

Enquanto não existe a ferrovia, nem esse cálculo para uma logística competitiva, o engenheiro avalia que a melhoria da competitividade do transporte pelos caminhões poderia reduzir o custo do frete e facilitar o escoamento. O engenheiro destaca que o aumento dos custos operacionais para os caminhoneiros têm elevado o custo logístico e piorando os resultados das empresas do Polo Gesseiro.

O presidente do Sindugesso considera a Transnordestina uma infraestrutura importante para o polo, mas compartilha da mesma dúvida de viabilidade.

“O único gargalo que teria em relação à ferrovia hoje seria a questão da cabotagem. Porque teríamos que transportar o minério daqui da região para Suape e destinar para outro porto. Aí a gente precisa ter esse estudo e, inclusive, já foi pedido esse levantamento para verificar se vale a pena transportar o gesso pela Transnordestina, devido à cabotagem, ou então de forma direta pelo transporte rodoviário. Isso está em estudo ainda”, disse Jefferson Duarte.

Mesmo sem o gás natural e sem uma logística competitiva, do ouro branco do Sertão foi gerado um arranjo produtivo relevante para o desenvolvimento regional. A aguardada chegada de infraestrutura energética, a conexão ferroviária e a abertura de novos mercados constroem um novo horizonte de oportunidades para o polo.

*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)

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