*Por Houldine Nascimento Pouco antes de a entrevista coletiva sobre o filme “Bacurau” – realizada em um hotel na Zona Sul do Recife, neste sábado (24) – chegar ao fim, a atriz Sônia Braga fez um apelo sobre as queimadas que atingem a floresta amazônica: “Eu queria que todos se colocassem em alerta sobre a Amazônia. A gente está passando por esse momento muito sério. A gente está falando sobre cinema e sobre arte, mas também sobre nosso futuro.” Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), as queimadas na Amazônia dispararam em agosto: são 31.375 focos de incêndio apenas neste mês e 78.383 até o momento em 2019. Os números superam em 84% todos os dados referentes ao ano anterior. Em 1994, Sônia havia feito uma antropóloga no premiado telefilme “Amazônia em Chamas”, pelo qual foi nomeada ao Emmy e Globo de Ouro. A produção versava sobre a trajetória do ambientalista Chico Mendes. Coincidência ou não, em “Bacurau”, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, também é possível enxergar uma mensagem ecológica numa passagem envolvendo a professora Ângela (Clebia Sousa), que cultiva uma horta dentro da carcaça de um ônibus escolar. Em linhas gerais, a trama é ambientada em um vilarejo homônimo no oeste de Pernambuco, que some do mapa após a morte de uma matriarca (Lia de Itamaracá). A partir daí, a população assiste a estranhos acontecimentos e um clima de tensão vai aumentando, numa história que trafega por diversos gêneros: suspense, comédia, faroeste, ação, fantasia, terror e ficção científica. É também uma produção com forte presença de povo e na qual há um protagonismo dividido entre várias personagens. Além de Sônia e da dupla de realizadores, participaram da coletiva: a produtora Emilie Lesclaux, o montador Eduardo Serrano, a figurinista Rita Azevedo e nomes importantes do elenco, como Bárbara Colen, Thomás Aquino, Luciana Souza, Rubens Santos, Clebia Sousa, Márcio Fecher, Jr. Black, entre outros. . A equipe tratou de diversos assuntos: OSCAR - Os diretores falaram sobre a possibilidade de “Bacurau” ser escolhido como o representante brasileiro na disputa por uma vaga no Oscar de melhor filme internacional – novo nome da categoria melhor filme estrangeiro. “Neste ano, ‘Bacurau’ é o filme que está carregando o maior prestígio internacional e local para representar o Brasil. A comissão [da Academia Brasileira de Cinema, responsável pela escolha] é autônoma, formada por pessoas do setor, diferentemente do que já ocorreu”, declarou Dornelles. “’Bacurau’ será o único filme brasileiro no Festival de Cinema de Nova York, que é incrivelmente prestigioso e frequentado por muitos membros da Academia. Eu acho que a gente poderia representar muito bem o Brasil, como poderíamos ter representado com ‘Aquarius’”, completou Mendonça. GOVERNO FEDERAL - O filme esteve na mostra competitiva do Festival de Cannes, em maio deste ano, e foi agraciado com o Prêmio do Júri. De acordo com Emilie, não houve menção do governo federal sobre essa conquista. “Não houve contato do governo federal. Quando ‘Bacurau’ foi anunciado na seleção oficial, o comentário foi de que a Ancine demorou bastante para parabenizar todos os filmes brasileiros que estavam em Cannes, por ser um ano histórico, mas no final das contas teve uma nota no site. Foi a única manifestação do governo a respeito. Alguns deputados federais prophttp://portal.idireto.com/wp-content/uploads/2016/11/img_85201463.jpgam moção de aplauso no Congresso, mas não foi aceita”, relatou a produtora. “Na verdade, estamos em território desconhecido. Há pouco tempo observamos um desrespeito pelo papel do artista no país e a gente tem que ver o que vai acontecer porque isso não é democrático e não é normal”, disse Mendonça, que antes ressaltou estar aberto ao diálogo com a gestão atual: “O filme foi feito com dinheiro público, acho que o governo federal tem todo direito de pedir para ver ‘Bacurau’”. APOIO NO NORDESTE - Em contrapartida, os governadores de Pernambuco e do Rio Grande do Norte prestigiaram o filme. “Antes de irmos para Cannes, o governador Paulo Câmara e o secretário de Cultura, Gilberto Freyre Neto, nos receberam. Foi uma conversa muito boa, tranquila e sem artificialismos, mostrando respeito por nós que somos pernambucanos”, realçou Kleber Mendonça. “A própria sessão em Barra [comunidade de Parelhas (RN), onde o filme foi rodado] foi feita com apoio muito importante do governo do Rio Grande do Norte”, seguiu Juliano Dornelles. CINEMA PERNAMBUCANO - “Sou muito orgulhoso de fazer parte da comunidade que se convencionou chamar de cinema pernambucano. Acho que há grandes artistas, homens e mulheres. Eu venho fazendo meus filmes, mas há talvez 25 nomes muito interessantes. Isso é muito importante para a cultura do país e há uma tendência de que o Funcultura [edital de fomento do governo de Pernambuco] dê continuidade e eu espero que a gente continue produzindo”, destacou Kleber. DIÁLOGO COM A ATUALIDADE – Quando perguntado sobre a recepção obtida nas sessões de pré-estreia, Dornelles pontuou: “É um filme sobre história também, além de ser um filme de ação no Nordeste, bem aberto a trabalhar ideias absurdas. A gente tem visto gente acreditando, por exemplo, que a Terra é plana. O mundo está meio pirado e o Brasil comete os mesmos erros.” “É como alguém que tem amnésia, encontrando várias vezes a escova que colocou em cima da pia. ‘Aquarius’ teve uma coisa muito parecida: quando a gente estava filmando, eu achava que um golpe não era possível e que a democracia brasileira era mais sólida. E aí o filme estreou em 1º de setembro e Dilma foi expulsa do Palácio no dia 30 de setembro. Considerando que é a história de uma mulher que tem que enfrentar uma ação quase de despejo da própria casa e agora se repete de outra forma. Zeitgeist [sinal dos tempos]”, descreveu Mendonça. ELENCO – Os atores se pronunciaram sobre a mistura de gêneros. Sônia Braga vive a médica Domingas e falou do primeiro contato com a obra: “Quando eu recebi o roteiro, comecei a trocar mensagens com Kleber. Era algo diferente e a emoção era grande. Eu via aquilo tudo: O disco voador, as pessoas tomando