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Joca Souza Leão lança novo livro de crônicas amanhã

“A vida não é o que você viveu, mas, sim, suas recordações e como se lembra para contá-la”. É com essa citação de Gabriel García Márquez, espécie de declaração de amor à crônica colocada já na epígrafe, que o cronista Joca Souza Leão dá o tom do seu quarto livro, A Primeira Vez. Crônicas e 101 Diálogos (Im)prováveis. Editado pela Cepe, o livro será lançado no dia 12 de novembro, terça-feira, no Bar Real, em Casa Forte, às 19h. Ao longo de suas 236 páginas, o livro divide-se em duas partes. Na primeira, o colunista da Revista Algomais escreve 70 crônicas com prefácio de Everardo Maciel. Na outra, encontram-se os 101 diálogos com prefácio do jornalista, escritor e compositor Aluízio Falcão. As crônicas de Joca, tanto neste livro quanto nos anteriores, traduzem o que se pode chamar de ethos pernambucano: gostos, costumes e valores de personagens anônimos e famosos. Quando não pernambucanos, vistos com um olhar pernambucano ou, pelo menos, a partir de Pernambuco. O cronista registra as passagens de sua época, com um olhar especial e bem-humorado, produzindo testemunhos documentais da micro-história cotidiana. Joca define seu ofício de cronista como “um escriba de coisas miúdas”, resume citando Machado de Assis. Perguntado se os 101 diálogos (im)prováveis são, de fato, prováveis ou improváveis, o cronista não titubeou. “As duas coisas. Prováveis e improváveis”, deixou no ar. “Alguns são literais, ipsis litteris. Outros, mezzo a mezzo. E em alguns, os personagens talvez não tenham falado exatamente o que anotei; mas que pensaram, pensaram (risos). No livro, eu explico tudo direitinho”, esclarece. Joca é um observador atento do cotidiano, além de leitor voraz e tudo isso faz parte do seu processo criativo, marcando sua escrita. “Pincei esses diálogos de romances, poemas, livros de história, entrevistas, mesas de bar, ouvir dizer... e de tudo mais que você possa imaginar.”, detalhou. “Por exemplo: o governador da Paraíba João Suassuna foi inaugurar um hospital psiquiátrico e reconheceu um doido que estava empurrando um carro de mão emborcado. ‘Gaudêncio, eu vou lhe ensinar como se usa o carro de mão’. E ouviu como resposta: ‘Saber eu sei, governador; mas se usar direito, eles me botam pra carregar pedra’. Assim foi a conversa do governador com o doido que, como se vê, nem era tão doido assim, né?”, afirmou dando uma “degustação” do livro. “Também juntei e colei séculos e continentes; gente que nunca, sequer, teve notícia uma da outra. Mas o que dizem nos ‘diálogos’ tem tudo a ver com suas personalidades e convicções. Por isso, os diálogos são prováveis e improváveis; ou seja, ‘(im)prováveis’, como grafado no livro”, justificou. Já o repertório das crônicas é variado: política, assunto inevitável nesses tempos atuais, a cidade em si, questões urbanas sobre as quais o cronista se permite sugestões concretas, pequenos dramas e comédias do cotidiano, reminiscências pessoais para além do meramente nostálgico, futebol, cultura, e tudo o mais que se passar na mente inquieta do cronista. Quem procurar uma característica comum nas crônicas de Joca encontrará esta: a inteligência com que os assuntos são tratados. Se estiver buscando uma leitura leve, agradável, bem humorada e atual, tenha certeza de que é o livro certo pra você. As crônicas de Joca traçam um panorama da realidade pernambucana, por vezes cobrando melhorias na cidade, outras apenas rememorando divertidas histórias. O antigo publicitário encontrou nas crônicas uma nova função, em que passa a impressão de que nasceu fazendo isso. A verdade é que se a publicidade perdeu um grande redator, o público pernambucano foi agraciado com seu talento de contar histórias. Serviço: Lançamento livro: A Primeira Vez. Crônicas e 101 Diálogos (Im)prováveis, de Joca Souza Leão, dia 12 de novembro, no Bar Real, Av. Dezessete de Agosto, nº 1.761, às 19h.

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Lorota boa

Por Joca Souza Leão Oh, oh, oh! Que mentira, que lorota boa E não é que, caminhando na Jaqueira outro dia, ouvi uma menininha cantando Lorota Boa? Não resisti. “Vocês são de onde?” “De Consolação, sul de Minas” – disse o pai. “Pra lá de Itajubá e pra cá de Pouso Alegre.” “Sei” – disse eu, sem nenhuma convicção. E comentei: “A música que ela tava cantando é do tempo qu’eu era menino.” “Ela aprendeu com o vô, pai da minha esposa, que é pernambucano” – esclareceu o mineiro. “Já tenho meia crônica”, saquei na hora. “Só preciso de uma lorota atual, contemporânea, pra fechar.” Pois aí a tem, leitor. Lorota boa e atual: “(...) Tenho uma vivência pelo mundo, já fiz intercâmbio, já fritei hambúrguer nos Estados Unidos, no frio do Maine, estado que faz divisa com o Canadá. Aprimorei o meu inglês, vi como é o trato receptivo dos norte-americanos para com os brasileiros.” Ipsis litteris, caro leitor. Do jeito que o sr. Eduardo falou sobre suas qualificações para, indicado pelo pai, ser embaixador do Brasil nos Estados Unidos. O rapaz também postou uma entrevista que deu a um canal de TV americano. E a julgar pelo vídeo, seu inglês tá longe, muito longe do que se poderia, ainda que com alguma boa vontade, chamar de “aprimorado”. Fluência capenga, vocabulário elementar e erros primários. Ah, se eu fosse senador! Na sabatina, faria apenas uma pergunta. Uma só: “O sr. diz que fritava hambúrguer numa loja do Popeye´s. Como essa rede de fast-food não serve hambúrgueres, mas frango frito, não teria o sr. se enganado? Não teria sido numa lanchonete da mulher do Popeye, a Olívia Palito?” Quem lembra do finalzinho da música de Gonzaga? O meu primo Zé Potoca mente tanto que faz dó Me contou que pegou água, enrolou e deu um nó Oh, oh, oh! Que mentira, que lorota boa Que mentira, que lorota boa.

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Crônica: Calma bença

Nós, brasileiros, somos os melhores em rirmos de assuntos sérios que, de tão sérios, acabam virando piada. Porém, a polarização política que vivemos – aliás, diga-se de passagem, estrategicamente alimentada pelo atual governo – tem o poder de destruir até mesmo laços familiares e antigas amizades. Remédio para isso tem, minha gente: o bom humor. Vamos levar a vida na base do sorriso, pessoal. Alegria, meu povo! Quando seu primo postar em defesa do trabalho infantil, manda uma foto dele, de fralda, empurrando um carrinho e diz que ele tem experiência na função de flanelinha desde sempre. Quando a tia defender a nomeação do filho do presidente como embaixador nos EUA, envia foto dela fritando hambúrguer e diz que ela também merecia o cargo. Emende com o convite para uma cerveja porque você quebra o tenso clima. Ninguém resiste a uma gelada. Nem sua tia. Defendi a Reforma da Previdência e fui atacado por amigos esquerdistas com agressividade. Critiquei a política de educação do governo e fui agredido verbalmente por familiares direitistas. Saibam todos vocês, amigos do coração, que não tenho lado neste FLA x FLU. Defendo ideias que acho positivas para o Brasil. Não esqueçam as palavras de Millôr, queridos: “O capitalismo é a exploração do homem pelo homem. O socialismo é o contrário.” A intolerância com ideias antagônicas tem invadido até mesmo os processos judiciais. Como atuo na área jurídica, evidentemente, que a argumentação é minha matéria- prima. Ferramenta de trabalho. Mas o jurista nasce vaidoso, na sua grande maioria. Então, se escreves algo contrário aos pensamentos – interesses, sejamos claros – de outrem, pronto! Acabou-se o mundo! Assim tem sido. Não há data vênia que impeça a ira do contrariado. Seja ele o advogado, a própria parte contrária ou o Juiz que viu sua decisão, despacho ou ordem contestada. Dias desses, em debate, defendi o direito de o trabalhador escolher se deseja uma relação autônoma ou empregatícia. Aliás, sobre isso, assistam ao excelente documentário Estou me Guardando para Quando o Carnaval Chegar, escrito e dirigido por Marcelo Gomes. Mostra a vida, o trabalho, sonhos e desejos do povo de Toritama, capital do jeans, que prefere caminhos autônomos e independentes em suas atividades, geralmente exercidas em pequenas confecções instaladas no quintal da própria casa, também conhecidas como facções. Lá todos parecem trabalhar incessantemente, exceto no Carnaval. Voltando, quase apanhei ao vivo no debate! Escutei até um “idiota” vindo da plateia. E um “fuleiro” também. Essa doeu. A primeira nem ligo. Já me habituei. Defenderei até a morte o direito da exposição das ideias do outro, em qualquer situação, ainda que não concorde com sua linha de pensamento. Espero que façam o mesmo comigo. O nome disso é democracia. Calma, bença!

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Vende-se apartamento (por Joca Souza Leão)

Triste e chorosa, a viúva foi ao balcão de classificados do jornal providenciar o anúncio fúnebre. “Pequenininho e na página mais baratinha” – recomendou ela. “Meu marido era um homem simples.” Da parte dela, economizou nas palavras. Nome, só citou o do morto. “Sua esposa, filhos, parentes e amigos comunicam...” Como sobrou espaço, ela aproveitou: “Vendo Chevette 1970. Ótimo estado de conservação. Único dono. Preço de ocasião.” Assim tô eu aqui, mano, aproveitando o espaço da crônica pra vender o meu apê. Excelente apartamento no Espinheiro (com vista, ainda que discreta e distante, para o oceano). Grande (pra mim, que moro sozinho, enorme). Varanda (de casa grande). Jardineira (na verdade, jardim). Quatro suítes (com armários e maleiros). Dois closets. Três salas (de uma pra outra, dá pra passear de patinete). Copa, cozinha e área de serviço formidáveis (formidável é adjetivo antigo; mas o fato é que não se constrói mais apartamentos como este). Duas dependências de empregada. Um por andar. Três vagas na garagem (mas, com jeitinho, cabem quatro carros). Preço de ocasião! Se alguém aí, leitor, leitora, estava pensando em comprar o Chevette, saiba que o anúncio fúnebre funcionou. A viúva o vendeu no velório mesmo. Pois é, meus caros, se a viúva vendeu o Chevette aproveitando um anúncio fúnebre, porque não haveria eu de vender o meu apê com esta crônica, publicada em página nobre, na maior e melhor revista impressa e eletrônica do Norte/Nordeste? O corretor diz que é a crise. Que crise? Quem nunca ouviu falar que, em mandarim, o ideograma crise é representado por perigo + oportunidade? E a China taí, gente boa, a segunda maior economia do mundo, caminhando pra primeira. Ou seja, conjugando crise com oportunidade. E que tal aproveitar a promoção, exclusiva para os leitores da Algomais? Apartamento supimpa, com Corolla seminovo na garagem.

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A cadeirinha de seu Aldo (Por Joca Souza Leão)

Nunca tinha pensado nisso. Achava que era invenção de Fernando Sabino num conto. E que tudo tinha acontecido porque o personagem era um sujeito grandalhão e morava num edifício com elevador pequeno e escada estreita. Mas não. Nem tudo, no conto, era invenção de Sabino. O elevador do meu prédio, mesmo, era de bom tamanho e a escada bastante larga. E seu Aldo, meu vizinho, nem era tão grande assim. Eu tinha uma reunião às nove. Se o trânsito estivesse ruim, chegaria atrasado. “Parado para manutenção”, dizia a plaquinha na porta do elevador social. Fui para o de serviço. Toquei no botão várias vezes. Bati na porta com a chave do carro. E nada. O bicho não descia. Já ia interfonar pra portaria, quando a porta se abriu. Dois homens e seu Aldo, morador do 16º, estavam no elevador. Seu Aldo de pijama e cabeça baixa, como se estivesse dormindo, sentado numa cadeira. Os homens tinham suas mãos sobre os ombros de seu Aldo. “Está morto” – disse-me um deles. E a porta se fechou. Elevador e escada de edifício são só para gente viva. Caixão de defunto não cabe em elevador nenhum. E, pela escada, em pé bate no teto; deitado não faz as curvas entre os andares. “Daqui não saio, daqui ninguém me tira; daqui só saio sentado na cadeirinha de seu Aldo.” Disse eu no dia em que me mudei pra cá, há mais de 20 anos. Não há nada que perturbe mais o juízo do que mudança. Em casa nova, você é hóspede. Só vira sua com o tempo. E bota tempo nisso! Quer um conselho? Não pinte sua casa. Ela correria o sério risco de parecer nova. E, com a pintura, eles tirariam aquele prego que está na parede há um tempão, não pendura mais nada, mas já pendurou. E toda vez que você olha pra ele, pensa em pendurar alguma coisa. E seus livros, recortes e anotações? E os endereços e telefones que você ia (ia mesmo?) passar para a agenda? Nunca mais. E a tesourinha de unha? Adeus! A parede do meu corredor tem uma mancha que já foi várias coisas, elefante, urso e, agora, é Karl Marx (enquanto não virar Trump nem Temer, fica lá). Trocar a mobília? Nem pensar! Veja só que coincidência, caro leitor. Esta crônica já estava alinhavada, quando recebi um e-mail de Everardo Maciel com uma crônica de Machado de Assis que eu nunca tinha lido nem ouvido falar. Diz Machado num trecho: Eu guardei um exemplar da folha (jornal) para acudir às minhas melancolias, mas perdi-o numa das mudanças de casa. Oh! não mudeis de casa! Mudai de roupa, mudai de fortuna, de amigos, de opinião, de empregados, mudai de tudo, mas não mudeis de casa! Mudar de morada, Everardo, só sentado na cadeirinha de seu Aldo.

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