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Terça Negra homenageia o Manguebeat

No início, era apenas uma movimentação de artistas e agitadores culturais, interessados em evidenciar a rica diversidade musical do Recife e do estado. Até que a coisa foi evoluindo e acabou sendo batizada de movimento pela imprensa local. Por meio de bandas como Chico Science & Nação Zumbi, o Manguebeat bebeu de fontes musicais de raízes afro - e contribuiu, assim, para dar mais visibilidade a ritmos como o maracatu, coco e ciranda. A Terça Negra deste mês de agosto homenageia a iniciativa que conquistou corações e mentes Brasil e mundo afora. Na noite desta terça (20), o Pátio de São Pedro recebe, a partir das 19h, os grupos Okado do Canal, Ó tem som de U?, Etnia e Plugins. Os shows são gratuitos e abertos ao público. A Terça Negra acontece há 19 anos no Pátio de São Pedro, como ação de representatividade e participação da população negra do Recife. O evento, gratuito e aberto ao público, tem realização do MNU (Movimento Negro Unificado), com apoio da Prefeitura do Recife, por meio do Núcleo de Cultura Afro-Brasileira, mantido pela Secretaria de Cultura e Fundação de Cultura Cidade do Recife. Sobre as atrações: Okado do Canal O rapper Okado do Canal iniciou a carreira em 2004, arriscando passos de breaking - dança de rua que integra as bases do movimento hip hop. Dois anos depois, a convite do DJ Big, participou da coletânea "Ato Periférico" sendo acompanhado pelo grupo Pé no Chão. A boa repercussão desse trabalho levou os rapazes a se apresentaram em Londres, no Festival Freedom for Creativity Prize, e em Viena, em 2009. Okado também mostrou suas rimas em festivais como o Natal Black, Ecos da Periferia e Festival de Inverno de Garanhuns. Este ano, ele participou da cerimônia de abertura do Carnaval do Recife. Ó tem som de U? Amor, política e o dia a dia do cidadão brasileiro formam as bases das letras e do discurso do Ó tem som de U? Inicialmente chamado Geração Mangue, o grupo voltou em 2017 com o atual nome. O repertório é formado apenas por músicas autorais, com ampla influência do manguebeat. Etnia Criada em 1997 a banda Etnia nasceu no bairro de Peixinhos em Olinda, no auge do Manguebeat. O grupo foi fundado por Canhoto, ex-integrante da Banda Chico Science & Nação Zumbi. Hoje é liderada por Fekinho, que além de cantor e compositor, também é produtor cultural, executivo e fonográfico. A banda participou dos principais eventos no Estado e fora dele, a exemplo do FIG, Rock na Praça, Rec Beat, PE no Rock, Porão do Rock (DF), Feira da Musica e Ceará Music (CE). A Etnia tem dois CDs gravados. Pluguins Rap, new metal e hardcore são os principais ingredientes do caldo sonoro da Pluguins. A banda lançou o primeiro disco, "Resistência", há dez anos. O álbum contou com participações de Cannibal (Devotos) e Tiger (ex-integrante do Faces do Subúrbio). Depois vieram "Quem é de verdade" (2011) e "O ontem já passou" (2016). Plugins já levou o peso do seu som a plateias de eventos como FIG, Pernambucano Nação Cultural e Cena Peixinhos. SERVIÇO Terça Negra - Homenagem ao Manguebeat Data: Terça-feira (20 de agosto) Horário: A partir das 19h Atrações: Okado do Canal, Ó tem som de U?, Etnia e Plugins Local: Pátio de São Pedro, Bairro de Santo Antônio Aberto ao público

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25 anos depois: qual a herança da cena mangue?

*Por Rafael Dantas Modernizar o passado / É uma evolução musical / Cadê as notas que estavam aqui? / Não preciso delas! / Basta deixar tudo soando bem aos ouvidos / O medo dá origem ao mal / O homem coletivo sente a necessidade de lutar / O orgulho, a arrogância, a glória / Enche a imaginação de domínio / São demônios os que destroem o poder / Bravio da humanidade. O monólogo provocativo de Chico Science dava início ao álbum da Nação Zumbi Da Lama ao Caos. No mesmo ano, o Mundo Livre S/A lançava também seu primeiro disco Samba Esquema Noise. Era o som dos “caranguejos com cérebro” tirando do mangue a diversidade cultural que caracterizou o movimento musical, que se espraiou para o cinema e até para a relação dos recifenses com a cidade. Um quarto de século depois, perguntamos a protagonistas, mangueboys e especialistas: o manguebeat morreu ou se metamorfoseou? Hugo Montarroyos, 44 anos, não tinha nem 20 quando o mix de sons do manguebeat explodiu. Ele era fã do primeiro momento, quando os shows de Chico Science e Nação Zumbi e do Mundo Livre S/A juntavam pouco mais de 100 pessoas. “A banda e o público se misturavam. Eles terminavam de tocar e desciam para tomar umas cervejas com a gente. Sou de uma geração privilegiada que viveu aquele momento”. . . Frequentador do Circo Maluco Beleza, da Soparia e de outros espaços onde as bandas tocavam, Montarroyos se envolveu muito com aquela cena. “O Recife era um deserto cultural nos anos 80 e 90, principalmente para quem gosta de rock. A cultura forte de raiz estava restrita às periferias. A classe média não tinha se apropriado do maracatu. Até que as pessoas começaram a formar muitas bandas, como Chico Science. Aquilo tomou uma dimensão que ninguém imaginaria”. O mangueboy, anos depois, escreveu um livro sobre a banda Devotos e se tornou jornalista cultural. Tudo isso influenciado pelo movimento. As reuniões, shows e sensações que fervilhavam no final dos anos 80 e início dos 90 permanecem vivos na memória do jornalista e DJ Renato L. Autor do manifesto do movimento, junto com Fred Zero Quatro, ele conta que a metáfora do mangue foi apresentada por Chico Science numa mesa do Cantinho das Graças, um reduto de boêmios. “Nunca perguntamos a ele porque resolveu batizar de mangue. Mas ele chegou no bar dizendo que tinha usado alfaia, como se fosse o bumbo do hip hop, e feito outras inovações na música. E que iria chamar esse novo beat (batida, ritmo) de mangue”, conta. O grupo de apaixonados por música, que se encontravam com frequência, concluiu que a inovação não poderia ser só um beat. Veio a sugestão para que se tornasse uma cena. “Na mesma noite, numa espécie de fluxo de criatividade, veio a expressão caranguejos com cérebro e as metáforas básicas do manguebeat como: queremos criar um ecossistema cultural tão rico e diversificado quanto o mangue é em biodiversidade”, lembrou Renato, que anos depois veio a ser secretário de Cultura do Recife. . Inspirado na obra de Josué de Castro, o movimento falava do homem-caranguejo que vive as contradições sociais da cidade do Recife e a busca por transformá-lo em “caranguejo com cérebro”. Na metáfora da antena parabólica fincada na lama, fez a fusão de ritmos regionais com influências da música global e colocou o Recife em destaque até fora do País. “Há muitos anos não havia uma inovação no cenário brasileiro musical. O manguebeat foi uma coisa que em Pernambuco mexeu praticamente com todos os setores da cultura, como literatura, cinema, artes plásticas. E ecoou fora do Estado e até do Brasil”, analisa o jornalista e crítico musical José Teles. Contraditoriamente, o lugar em que ele tinha mais resistência, segundo Teles, era o Recife. “Não se tocava o manguebeat nas rádios, às vezes era motivo de chacota. Mas chegou logo no exterior. No primeiro disco, chegou em Nova Iorque e na Europa”, relembra. A vocação para inovação é algo que transcende o manguebeat na avaliação do vocalista da banda Mundo Livre S/A, Fred Zero Quatro. “Pernambuco tem uma vocação para o inusitado, para o original, o ousado, o vanguardista. Quando a gente começou a ter visibilidade nacional e ganhar prêmios, muita gente nos perguntava: o que é que tem na água do Recife?”. O interesse por saber o que inspirava os músicos recifenses tinha uma razão. Logo após os “caranguejos com cérebro” saírem do mangue e se conectarem com o mundo, uma leva de novas bandas e de antigos nomes da cultura pernambucana começaram a gravar e exportar os ritmos, batuques e composições locais. “Na sequência dos nossos primeiros discos, teve gravadora de São Paulo que só contratava artista de Pernambuco. Veio um monte de gente como Devotos e Jorge Cabeleira. Todo mundo se espantou”, lembra Zero Quatro. A água do mangue recifense que contaminou a música do manguebeat tem uma história que passa por personagens como Manuel Bandeira, Cícero Dias, João Cabral de Melo Neto, entre outros tantos nomes de destaque da cultura nacional segundo o músico. Rapidamente, o som do mangue desperta o cinema pernambucano. O clássico longa-metragem da retomada Baile Perfumado, de Lírio Ferreira e Paulo Caldas, tem trilha sonora do manguebeat. Em entrevista à Algomais, em 2016, DJ Dolores afirmou que o movimento contribuiu para os cineastas locais descobrirem a capital pernambucana. “Um filme muito próximo do manguebeat foi Amarelo Manga, que trouxe a visão do Centro do Recife, que estava ausente na cinematografia do Estado, ainda muito influenciada por aquela coisa do Cinema Novo. Acho que esse discurso urbano atravessou os anos e, com certeza, interferiu na cinematografia das pessoas que estão realizando filmes atualmente”. A estética do mangue promove ainda a valorização do trabalho do design made in PE, segundo Renato L, Teles e Zero Quatro. Prova disso são as capas dos álbuns pioneiros, que eram produtos conectados com o efervescente momento cultural do Recife. As bandas brigaram com as gravadoras para garantir que as ilustrações que

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Manguebeat despertou a consciência ambiental

“Emergência! / Um choque rápido ou o Recife morre de infarto! / Não é preciso ser médico para saber que a maneira mais simples de parar o coração de um sujeito é obstruindo suas veias. / O modo mais rápido, também, de enfartar e esvaziar a alma de uma cidade como o Recife é matar seus rios e aterrar os seus estuários (...)” A acidez do texto do manifesto Caranguejos com cérebro demonstra o cenário de desvalorização do mangue e a inércia criativa, econômica e cultural da cidade, no qual os jovens recifenses estavam imersos no período. O manguebeat, para muitos analistas, surge como uma resposta contundente àquela realidade, com o intuito de devolver o ânimo e reavivar o orgulho dos cidadãos da capital pernambucana. “Foi como se destampasse uma panela de pressão, havia toda uma energia reprimida no Recife. Era uma cidade morta no mapa, foi como se toda essa energia explodisse de uma vez só e isso contaminou, ou melhor, energizou todas as outras áreas da cidade”, relembra Renato L., jornalista e um dos expoentes do movimento. Renato L., o ministro da Informação do Manguebeat (título conferido por Chico Science), conta que sempre fez parte do movimento uma preocupação com o então estado da cidade e que aquela realidade incomodava todos os integrantes da cena. “O mangue surge como uma espécie de resposta à situação do Recife enquanto cidade. Tanto o punk como o hip hop trabalham muito nas letras a realidade ao redor e ambos foram muito fortes nas influências do movimento. A letra de A Cidade é preciosa para definir o que toda cidade brasileira sofre, de crescimento desigual”, esclarece o ex-secretário de Cultura. “Isso modificou a percepção do recifense e as pessoas passaram a olhar a cidade de outro jeito. O próprio termo mangue passou a chamar a atenção para o meio ambiente na época”, destaca Renato. A partir da explosão do manguebeat, lembra o jornalista, a população passou a ser tomada por uma série de novos sentimentos, como o de orgulho, tanto do ecossistema quanto de ser recifense, em contrapartida à antiga síndrome de patinho feio que assolava os moradores. “Recife foi apelidada da Seattle brasileira, por conta do Nirvana. Realmente, estava acontecendo muita coisa na cidade naquela época” destaca Hugo Montarroyos, fã das bandas. Dengue, baixista da Nação Zumbi, destaca que o movimento impactou outras localidades, provocando uma maior união entre seus habitantes. “Naquela época, os bairros se uniram mais. Lembro que éramos de Rio Doce, em Olinda, e tinha gente de Peixinhos, Candeias (Jaboatão dos Guararapes) e do próprio centro do Recife, além de pessoas de outros lugares, como Casa Amarela e o Alto José do Pinho. As partes das cidades se conheceram, trocaram experiência e já está na hora disso voltar a acontecer”, instiga o músico. . . Uma união que se reflete na característica do movimento de acolher diferentes ritmos. Ao contrário dos outros grandes movimentos da música popular brasileira, o manguebeat não se caracterizou por um padrão musical, mas o que unia os componentes da cena era uma noção coletiva, é o que explica Fred Zero Quatro, líder do Mundo Livre S/A e uma das cabeças à frente da cena. “O que conectava todo mundo, era um sentimento comum, uma postura de amor à diversidade. Vem daí essa alegoria com o manguezal, que é o ecossistema berçário de quase todas as espécies marítimas”, explicou. “Há, então, essa alegoria da diversidade ecológica com a diversidade cultural, e toda uma vontade de valorizar o espontâneo, a riqueza contida no multiculturalismo”, completou. Toda essa analogia com o ecossistema acabou também por despertar na população local o sentimento de valorização dos manguezais que até então era desprezado. “Antigamente havia uma visão do mangue como um local sujo, insalubre, fétido, cuja única função era o aterramento para a construção de novos imóveis e isso mudou”, constata André Galvão, que era editor da editoria de Cidades do Jornal do Commercio na época. O jornalista assistiu de perto a essa transformação, impulsionada também por organizações não governamentais e pelos veículos de comunicação. “A população hoje em dia quer conhecer o outro lado da cidade, o lado do mangue, o lado da lama e isso não seria possível sem a atuação das ONG’s, o forte apoio da imprensa e, sobretudo, a revolução cultural encabeçada por Chico Science e Fred Zero Quatro”, evidencia Galvão. “Você não tem como desatrelar uma coisa da outra, porque ao cantar sobre o mangue, ou gravar um clipe no estuário, ou conceder uma entrevista falando sobre o manguezal, as pessoas começaram a se interessar e a entender a importância do mangue para a cidade”, analisa o jornalista. O manguebeat, culturalmente, chamou a atenção da cidade para o estuário e também revigorou o movimento ambientalista, segundo Galvão. “Foi um processo de retroalimentação”, conclui. A ideia de que as letras ácidas com temática urbana sobre a realidade recifense acabaram por influenciar ativistas ecológicos é compartilhada por pessoas do movimento como Renato L. “Quando rolou essa movimentação do Ocupe Estelita, muitos anos depois da cena mangue, conheci muitas pessoas que acamparam lá no Cais, e os mais velhos me disseram que circulou ali o mesmo tipo de energia que eles sentiam na explosão do manguebeat, como se mais uma vez a cidade estivesse viva”, detalhou. É, parece mesmo que num dia de sol, Recife acordou com a mesma energia do dia anterior. *Por Yuri Euzébio, da Revista Algomais (redacao@algomais.com)   VEJA MAIS 25 Anos depois: qual a herança da cena mangue? 

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