Meus textos são gritos
Escritor sertanejo, radicado em São Paulo, Marcelino Freire é dono de um texto forte e enxuto, que tem sido reverenciado pelo público e crítica. Em 2006 ganhou o Prêmio Jabuti com Contos Negreiros. Na entrevista concedida a Cláudia Santos e Rafael Dantas, regada a risos e reflexões, ele fala sobre sua trajetória e critica a glamourização da literatura. Como foi sua infância no Sertão? Sou de Sertânia. Tem 26 anos que moro em São Paulo. Recentemente comecei a pensar de novo na saída da minha família do Sertão de Pernambuco para ir morar em Paulo Afonso, na Bahia. Quase me torno cidadão baiano. Quando eu tinha 8 anos de idade a família veio para o Recife. Minha mãe teve 14 gestações. Dessas, 9 vingaram e eu sou o caçula. Essas mudanças foram motivadas por trabalho? Foi a procura por melhores condições. Agora vocês viram que Sertânia foi manchete nacional, em função da Transposição do Rio São Francisco. Estou agora com 50 anos. Eu estaria esperando água até agora se estivesse na cidade, estaria pulando e fazendo festa naquele lago artificial como meus conterrâneos estão fazendo agora. (risos). Curiosamente, apesar de ter saído muito jovem, Sertânia não saiu de mim. Indiretamente eu peguei essa herança de meu pai. Ele tinha muito receio de que a gente, chegando no Recife, disesse que era do Recife. Acontece muito isso, quando você chega na capital, vindo do interior, você não é de Sertânia, de Cabrobó, você é já do Recife. Eu cheguei com 8 anos e fiquei até os 24. Fiz faculdade na Unicap, não terminei o curso de letras. Depois tive esse chamamento para São Paulo, deixei faculdade, deixei tudo. Lá todo mundo me perguntava de onde eu era, porque eu falava diferente. E eu afirmava com todas as letras: Sou de Ser-tâ-nia. Levei essa herança para São Paulo e estou lá até hoje. Como a literatura entrou na sua vida? Dessa necessidade de ler, de aprender logo. De ganhar uma profissão. Minha mãe insistia que a gente estudasse. Então muito novinho, uns 7 anos, eu já lia. Em um momento, com uns 8 ou 9 anos de idade, a poesia de Manuel Bandeira atravessou o meu caminho. Uma poesia que eu vi em uma gramática de um irmão mais velho. A poesia se chamava “O Bicho”. A partir dessa leitura eu quis ser aquele poeta. Eu gostei daquilo que ele falou para mim. Eu não sabia que existia um homem catando comida na minha rua. Eu via, mas não enxergava. Eu pensei: se ele diz uma coisa que eu não sei, ele deve ter outras coisas que eu não sei para me dizer. Fui atrás do livro do Manuel Bandeira, de outras poesias dele, numa casa que ninguém lia. Não havia biblioteca, daí uma professora sabendo desse meu encantamento, me deu uma antologia do Manuel Bandeira. Eu quis ser poeta a partir dessa contaminação que Manuel Bandeira exerceu em mim. Aí fui atrás de outras poesias e fiquei um menino melancólico. Um menino que achava que iria morrer tuberculoso. Manuel Bandeira tinha tuberculose, fui descobrir outros poetas com a mesma doença, Castro Alves, Augusto dos Anjos. Eu achava que iria morrer cedo. Eu tinha muita melancolia. Nunca fui de exercitar os músculos do corpo. Nunca fui bom de futebol ou de educação física. Eu era bom de escrever e ler poesia. Eu exercitava os músculos da alma. Qual foi a reação de sua mãe ao saber que você queria ser poeta? Nunca vi uma mãe criar um filho e querer que seja poeta quando crescer, mas dessas profissões que você sabe as funções que ela tem. Você sabe para que serve um médico, um engenheiro. Mas para que serve um poeta? Agora, curiosamente, o primeiro lugar que fui respeitado como escritor foi na minha casa, porque eu não era bom para exercitar esses músculos cotidianos. Levantar uma pedra, carregar um balde, fazer uma feira. Era péssimo. Agora me colocasse para escrever! Eu escrevia as cartas da casa. Lia as bulas de remédio da família inteira. Lia a Bíblia para minha mãe. Aí ela dizia: não mande Marcelino fazer isso, mande ele escrever. Eita menino que escreve bonito!. Porque o grande momento meu da criação era quando ela mandava eu escrever as cartas para as comadres dela. Eu escrevia aquelas cartas muito bonitas a partir do que ela noticiava para mim. Eu enfeitava e no final eu lia. E ela se emocionava. Na leitura da Bíblia, lembro que eu inventava milagres. Ela estava acompanhando a leitura, aí ela dizia: Jesus fez isso? Eu dizia: fez. (risos)! Nunca tive muita disposição para as coisas práticas, mas eu lia bastante. Lendo romances, contos, poesias, fui percebendo o poder da leitura. Ora, eu operava milagres (risos)! Eu emocionava pessoas escrevendo uma carta. Eu lia as bulas de remédio da família inteira. Se eu lesse uma bula errada eu matava todo mundo. Desconfie daquele que você julga o mais fraco da casa. (risos). Como foi participar das oficinas de Raimundo Carrero? A partir da leitura de Bandeira comecei a escrever poesia, participando de grupos de poesia já aqui no Recife. Participei de um grupo chamado Poetas Humanos. Paralelo a isso eu trabalhava em um banco. Fui office boy, escriturário e revisor de textos, no finado Banorte. Estava muito cansado do banco, eu ia ser chefe de seção. Quando me vi chefe de seção, eu disse: vou fechar a bodega, minha trajetória não vai por aí não. Cheguei em casa dizendo que fiz um acordo lá e deixei o trabalho. Meus pais disseram: meu filho, o que você vai fazer? Eu disse: vou dar o dinheiro da indenização para vocês e vou passar um tempo conhecendo os escritores dessa cidade. Olha que coisa, no final dos anos 80, deixei o banco numa semana, na outra eu vi um anúncio no jornal dizendo que o Carrero, que eu conhecia de livros, estava criando a primeira turma de criação literária no Recife. Eu disse: é isso! Me escrevi. Acontecia
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