Eleições 2022: Federalismo, paradiplomacia e desafios em Pernambuco e no Brasil
*Por Tiago Lima Carvalho da Silva O avanço internacional dos entes federados brasileiros evidencia a necessidade de uma melhor compreensão desse fenômeno. Embora nas décadas de 1990 e 2000 a internacionalização das cidades tenha se consolidado e se tornado uma prática mais comum, os estados federados também têm recebido atenção por suas incursões no mundo exterior. Nesse sentido, a literatura vem desenvolvendo métodos para entender em que medida tais atividades afetam os processos decisórios, inclusive a própria política externa brasileira. A política externa pode ser entendida como uma série de ações e decisões tomadas por um determinado ator (não necessariamente um estado) em relação com outros estados ou atores externos influenciados por influências domésticas e/ou internacionais. Tradicionalmente, tem sido entendido como uma "política nacional" atuar em áreas sensíveis como a integridade territorial e a soberania nacional. No entanto, a política externa de um país deve representar uma síntese de interesses diferentes e muitas vezes conflitantes. Esse caráter constitutivo da política externa a torna propensa a mudar de acordo com o governo da época e a estar vinculada a outras esferas de governo e até mesmo à sociedade. No Brasil, o Itamaraty considera que a política externa tem uma tradição histórica relativamente contínua, que remonta à época do Barão Rio Branco. No entanto, a presidência de Jair Bolsonaro abandonou essa tradição. Em 2019, várias declarações polêmicas do governo federal foram alarmantes e responsáveis pela erosão da imagem internacional do Brasil. As ações diplomáticas realizadas por Ernesto Araújo parecem seguir o que Lima e Albuquerque (2019) chamam de “estratégia do caos”. O objetivo das atividades de política externa é manter a lealdade e a agitação do eleitorado do atual presidente. No entanto, em um contexto de questionamento da validade da agenda de política externa proposta pelo governo Bolsonaro, as ações e atividades internacionais de entes federativos sugerem caminhos para atingir determinados objetivos. Destaca-se, assim, um possível ponto de virada na paradiplomacia do Brasil, que em particular tem se mostrado complementar à política externa do país, pelo menos desde a redemocratização. Partimos da hipótese de que um tom menos conciliador e progressivamente radical adicionado à agenda utilizada na chamada “nova política externa brasileira” entre janeiro de 2019 e março de 2021 exacerbaria os desequilíbrios federais e prejudicaria os governos locais, portanto, as eleições de 2022 são de fundamental importância para a futura formulação da política externa do país. 2. A PARADIPLOMACIA NO BRASIL A paradiplomacia, também conhecida como diplomacia paralela, é um termo que teve sua origem e desenvolvimento através do acadêmico Panayotis Soldatos (1990) para designar a relação de entes subnacionais – no caso brasileiro, estados e municípios – no ambiente internacional, visando a promoção de seus interesses. Originalmente, a paradiplomacia foi estudada em países norte-americanos e europeus, a partir de uma perspectiva fenomenológica (KUZNETSOV, 2015). Os estudos nos países norte-americanos estavam fortemente influenciados pelo “neofederalismo”, que marcou o processo de internacionalização dos Estados canadenses e norte-americanos, consequentemente, isso levou a maiores aprofundamentos sobre a organização federal e, bem como, aos mecanismos institucionais desenvolvidos para lidar com a nova complexidade das relações internacionais. De forma semelhante, o processo de integração europeia produziu um maior protagonismo nas regiões e cidades, que passaram a procurar por representações a partir de uma estrutura supranacional, ou seja, sem a ação direta de um primeiro-ministro. No Brasil, tal proposta de uma política externa descentralizada apenas surgiu na década de 1990, com a Análise da Política Externa do Brasil (APE). Nesse sentido, em meio ao debate sobre a descentralização da política externa, o modelo de segregação democrática passou a ser questionado, tal modelo havia, em outros momentos, caracterizado o processo decisório das relações exteriores do Brasil. Cabe destacar o importante papel de autores como Mónica Salomón (2011), Tullo Vigevani (2006) e Manoela Miklos (2010), dentre outros, nos estudos de APE, que contribuíram para a definição dos campos de atuação dos estados e municípios, na política externa do país. Ao nos aprofundar na temática da paradiplomacia é importante perceber o debate central que emerge da literatura, tanto brasileira, quanto estrangeira, em torno da dualidade risco-oportunidade na política externa de uma nação. De acordo com Duchacek (1990) e Soldatos (1990), um dos maiores riscos desse processo está na fragmentação da voz externa de uma nação e, consequentemente, os danos que isso pode trazer às ações estratégicas. Esse fenômeno marcaria o debate em torno do fenômeno da paradiplomacia e caracterizaria a tensão permanente na relação entre os governos centrais e os governos locais nas relações exteriores. Para Álvaro Branco (2011), o Brasil tem observado a paradiplomacia nas questões estruturais do próprio sistema federativo, visto que, a concentração de recursos federais tem levado a “guerras fiscais” de estados e municípios em busca de receitas. Por sua vez, o que Ironildes Bueno (2010) chamou de “ativismo internacional dos governadores” tornou-se uma prática institucionalizada no Brasil a partir da década de 1980, primeiro no Rio de Janeiro (1983) e no Rio Grande do Sul (1987) e, posteriormente, estendida a outros estados. Em seu início a paradiplomacia foi vista como um desafio ao então vigente modelo de segregação burocrática que deu os fundamentos da política externa, especialmente no âmbito federal, pois era responsabilidade da União realizar todas as atividades diplomáticas. Isso se refletiu na criação da Secretaria Especial de Assuntos Internacionais do Estado do Rio Grande do Sul (1987), que trouxe um forte foco institucional ao Ministério das Relações Exteriores e marcou a agenda internacional (NUNES, 2005). Nesse cenário, a apreensão do Itamaraty marcou os primeiros anos da paradiplomacia no Brasil, em decorrência dos riscos de contradições nas relações internacionais do país. A partir da criação da Assessoria de Relações Federais (1997) a postura de apreensão deu lugar a valorização e aceitação das ações internacionais perpetradas pelos estados e municípios, o que ampliou a legitimidade política das práticas locais. Desde então, foi desenvolvida uma política nacional de acompanhamento e incentivo à diplomacia nos níveis estadual e municipal dentro da linha geral da política externa nacional. No governo de Fernando Henrique Cardoso a premissa foi
Eleições 2022: Federalismo, paradiplomacia e desafios em Pernambuco e no Brasil Read More »