“Temos tido um olhar muito especial para a cultura popular”

Ricardo Mello, Secretário de Cultura, fala das novidades do Carnaval do Recife que este ano terá uma forte presença de agremiações culturais nas aberturas das noites do Marco Zero. Ele também faz um balanço da sua gestão e das iniciativas inspiradas no movimento MCP dos anos 1960. (Foto Marcos Pastich PCR)

O Recife promete realizar a maior folia carnavalesca da sua história e, não por acaso, seu lema é O maior Carnaval em linha reta. Para fazer jus ao slogan, este ano a festa começa oficialmente na quinta-feira (8), e terá mais de três mil atrações espalhadas em 49 polos da cidade. A abertura terá duas cerimônias: Ubuntu, com a lavagem do Boulevard da Avenida Rio Branco ao som dos afoxés, e Tumaraca, encontro de Nações de Maracatu que, este ano, terá a participação do Olodum e uma homenagem a Naná Vasconcelos denominada Tambores pela Paz. “Essas cerimônias remetem à questão de ancestralidade. Precisamos olhar para a diversidade da cultura popular do Recife e sua riqueza. Ela está conectada com nossas origens”, defende o secretário de Cultura da cidade, Ricardo Mello.

Ele afirma que haverá uma maior presença da cultura popular nas aberturas das noites do Marco Zero. Trata-se de mais uma iniciativa da sua gestão que tem priorizado o apoio a esses artistas e às agremiações culturais. Nesta entrevista a Cláudia Santos, Mello informa como tem realizado esse fomento, fala das novidades do Carnaval 2024 e faz um balanço da sua gestão.

Como será a programação do Carnaval do Recife, suas atrações e a realização de cerimônias, como o Ubuntu e o Tumacara?

Detalhes sobre as atrações artísticas, o público pode conferir nos perfis do Instagram da prefeitura, do Carnaval do Recife e do Cultura do Recife. O Ubuntu é a cerimônia em que acontece a lavagem da Boulevard da Avenida Rio Branco e o encontro dos afoxés. Em seguida haverá o Tumacara, um encontro de maracatus que, este ano, terá a participação inédita do Olodum e o piano de Amaro Freitas. Será o Encontro de Tambores pela Paz.

Essas cerimônias remetem à questão de ancestralidade. Precisamos olhar para a diversidade da cultura popular do Recife e sua riqueza. Ela está conectada com nossas origens, com as religiões de matriz africana, de como surgiu o Carnaval, que está ligado ao próprio frevo, ao maracatu, aos afoxés. É um posicionamento que vem desde o ano passado, quando tomamos a decisão do Galo Preto Ancestral (a tradicional escultura do Galo da Madrugada instalada na Ponte Duarte Coelho) que já trazia esse olhar para as nossas origens africanas, para a nossa cultura que foi muitas vezes marginalizada. Em 2023 também homenageamos duas mulheres negras, uma do maracatu e uma do frevo: Marivalda e Zenaide.

É algo que também está conectado com a eleição recente dos patrimônios vivos e de Lia de Itamacará, homenageada do Carnaval do Recife deste ano. É uma representação fortíssima, uma mulher negra, praticamente uma entidade da ciranda, da cultura popular. Também homenageamos Chico Science, integrante do Manguebeat. Ele conectou o Recife com o mundo, mas tinha nas suas fontes principais a cultura popular. Então, o Carnaval acaba também sendo esse grande encontro do tradicional com o contemporâneo.

Outra questão conceitual importante é que o Baile Municipal terá apenas vozes femininas no palco. Elas serão acompanhadas por maestros – Forró, Ademir Araújo e Spock – mas será um baile comandado pelas mulheres. Temos também algumas iniciativas que foram trazidas no ano passado como o De Pátio a Pátio, um cortejo de cultura popular que vai ser ampliado. Este ano, temos 49 polos espalhados por toda a cidade. A gente vai ter de volta, inclusive, o Pátio de Santa Cruz com atividades lá.

Ao longo do Carnaval, teremos a presença muito forte da cultura popular nas aberturas das noites do Marco Zero. Tudo isso faz parte do Plano Recife MCP – Matriz da Cultura Popular.

Você poderia explicar esse plano?

O MCP tem uma inspiração no Movimento de Cultura Popular [que tinha o objetivo de educar a população pobre da cidade e oferecer acesso à cultura]. Foi algo que planejamos desde o final do ano retrasado, quando trouxemos essa reafirmação do lugar da importância da cultura popular para a diversidade e riqueza da cultura do Recife. Fizemos uma reparação histórica com um aumento significativo de premiações e subvenções para as agremiações. Agora, no segundo ano, concedemos até 50% de reajuste. Também conseguimos aprovar uma lei que isenta as agremiações da cultura popular de pagamento de tributos municipais. Tudo visando salvaguardá-las.

Com o MCP, buscamos um acolhimento e um atendimento jurídico para qualificar e formar essas agremiações na participação de editais com o objetivo de cada vez mais democratizarmos o acesso da cultura popular, dos fazedores e fazedoras de cultura, a esses recursos públicos. É importante dizer que o MCP também busca o encontro do público com as manifestações culturais mais genuínas que a gente tem. O diálogo dessas manifestações e expressões culturais com a cidade e com quem nos visita é muito importante. O plano também visa a uma integração com a educação e a ocupação de espaços públicos na cidade para que haja cada vez mais um conhecimento acerca da história, da memória dessa ancestralidade e de tudo o que fomentou e fez surgir e manter, até hoje, esses nossos patrimônios culturais imateriais.

O MCP avança agora na perspectiva de ter um espaço no Pátio São Pedro, integrado à educação, com dois prédios públicos que vão atuar integrados fisicamente e nas ideias. É um investimento para a requalificação do Pátio de São Pedro no sentido de um espaço histórico-cultural que chamamos de Centro Histórico de Criação do Futuro. Lá no pátio, iniciamos o movimento de valorização dos espaços culturais, o Move Cultura, quando reabrimos a Casa do Carnaval, o Memorial Chico Science, o Memorial Luiz Gonzaga, o Museu de Arte Popular e a Casa do Conselho. Vamos levar novos projetos para lá buscando trazer de volta a movimentação no pátio, tornando-o sustentável, com outros equipamentos, como restaurantes e outras dinâmicas.

O Circuito da Poesia, projeto que tem espalhado estátuas de escritores e artistas pela cidade, também tem esse intuito. Estão previstas a instalação de novas estátuas?

Sim, o Circuito da Poesia também integra esses projetos em que procuramos levar a cultura aos espaços públicos – ruas, parques praças. Ampliamos o circuito com Tarcísio Pereira e Janice Japiassu e agora vamos trazer Miró da Muribeca e Lucila Nogueira para também integrarem essa iniciativa belíssima. Há um QR Code próximo às estátuas, que permite às pessoas ouvirem trechos de obras declamadas por artistas locais. Há também informações sobre cada personalidade.

Como tem sido o intercâmbio internacional de experiências proporcionado pela entrada do Recife na Rede de Cidades Criativas da Unesco?

O Recife assumiu o compromisso de ter na cultura um elemento estratégico do seu desenvolvimento quando se candidatou a integrar a Rede de Cidades Criativas da Unesco. O título de Cidade da Música que recebemos da organização tem um significado importante para trabalharmos, inclusive, a governança e pensar em cultura como uma política pública, garantindo o direito do fazer cultural, o direito dos fazedores de cultura de viver da arte mas, também, o direito de todos nós acessarmos os bens culturais, ter contato com a cultura permanentemente.

Outro fato importante é que o Recife completou 20 anos de irmanamento com a cidade de Nantes, na França. Quando houve a renovação desse compromisso, dessa parceria, na visita mais recente da delegação aqui, no ano passado, ficou estabelecido que a questão cultural, junto com a questão ambiental e de gênero, será uma das frentes priorizadas, reconhecidas e valorizadas para essa discussão que a gente vem tendo com eles, inclusive de projetos estruturadores.

Como estão as apresentações da Orquestra Sinfônica do Recife?

Tivemos a retomada da agenda regular da Orquestra Sinfônica do Recife, que teve a recomposição do seu quadro e passou a reocupar a agenda de cultura nos equipamentos públicos da cidade. A orquestra é sediada no Teatro Santa Isabel e a nossa Banda Sinfônica do Recife, sediada no Cineteatro do Parque que, depois de reaberto, viveu todo o período de dificuldade que a cultura sofreu na pandemia. Mas quando reocupamos plenamente os espaços culturais, voltamos a ter atividade das mais diversas linguagens no Cineteatro do Parque. Planejamos para março a volta regular das seções semanais de audiovisual no equipamento.

Como o senhor analisa a volta do Ministério da Cultura?

Durante a pandemia foi um momento muito difícil, não só pela questão do quadro sanitário e das restrições, mas por termos um governo que tinha uma visão de negação e, em alguns aspectos, até de criminalização da cultura. Não havia mais Ministério da Cultura, existia um preconceito com relação ao fomento e o não reconhecimento da importância da cultura, que parecia ser uma coisa para poucos, para escolhidos. Hoje a gente vive um processo de reconstrução.

Com a volta do ministério, voltamos a discutir políticas públicas no nível nacional, a ter de novo um diálogo e a busca de uma ação continuada de fomento. Tivemos a Lei Paulo Gustavo, fruto de um trabalho articulado. O Fórum de Gestores de Cultura se reuniu em Brasília. Nós fomos recebidos pela ministra Margareth Menezes em audiência e ela veio aqui lançar os editais de fomento. Recebemos também Maria Marighella, presidente da Funarte, instituição que voltou com força total. Estamos discutindo a realização, neste primeiro semestre, da Conferência Nacional de Cultura. Voltamos a discutir, formular e estruturar o sistema nacional de cultura. Tudo isso muda radicalmente o ambiente porque passa a ter algo que vai institucionalizando ações como o fomento. Há uma articulação, um diálogo nacional.

Em relação à Lei Paulo Gustavo, o ministério fez busca ativa, provocando inclusive os municípios que não estavam olhando para essa área, mostrando que dispõem de recursos para apoiar projetos, que impactam a economia. Então é uma mobilização no País para esse ambiente cultural, para olhar esse papel da cultura para a vida que tem uma repercussão econômico-social muito grande. Vemos isso nas periferias do Recife: o quanto a cultura é presente, é parte do cotidiano das pessoas.

Tudo isso voltou para o seu lugar, com grande força e com articulação que vai sendo promovida com o diálogo, como aconteceu com a Lei Aldir Blanc que foi emergencial e instituída por uma pressão muito grande do setor da cultura e do parlamento. Hoje foi estabelecida como uma política nacional Aldir Blanc que prevê cinco anos de recursos para o setor cultural.

Enfim, acho que a gente vive um outro momento que se tem denominado de retomada. Eu diria, agora, que já é um processo de fortalecimento e ampliação para consolidar o lugar dessa política pública que permeia, na verdade, todas as áreas. É uma política transversal.

Passada a pandemia, quais os desafios do setor cultural?

Acho que um grande desafio que está posto é a consolidação de um plano de cultura que assegure a efetivação de uma política de cultura. E, claro, que seja permanentemente reavaliada, aperfeiçoada, mas que tenha eixos estruturadores que garantam a sustentabilidade no sentido de se poder viver da arte, do fazer cultural e do acesso ao bem cultural.

Outro desafio é facilitar o acesso aos recursos de editais, democratizar o acesso à cultura para quem faz e para quem vive e precisa. Afinal, todo mundo precisa dessa convivência com a cultura. Um importante desafio é também ampliar a descentralização com relação aos ciclos (natalino, junino e carnavalesco), e de estar presente nos diversos territórios da cidade.

O que a Secretaria de Cultura tem feito neste sentido?

Temos tido um olhar muito especial para a cultura popular, para a consolidação de ações que permitam esse viver da cultura que vai além dos ciclos, que têm uma duração. Para um artista viver durante todo o ano ele tem que ter esses espaços, essas possibilidades de apresentação cultural, de formação, de realização de ações. Isso também permite ao artista popular o repasse do seu legado, a troca de saberes como a gente busca valorizar no patrimônio vivo.

Tivemos a realização da Conferência Municipal de Cultura em várias RPAs (Regiões Político Administrativas) da cidade com [representantes de várias] linguagens e segmentos para elencar as propostas consideradas prioritárias, junto com o Conselho Municipal de Política Cultural, para serem transformadas em um Plano Municipal de Cultura que vale por 10 anos. O Conselho é essa instância eleita democraticamente, com mandato de dois anos, por território e por segmento, que debate permanentemente com a gente as iniciativas da cultura como, por exemplo, os editais do SIC (Sistema de Incentivo à Cultura).

Lançamos mais um edital em dezembro com um aumento no número de linguagens contempladas já sobre uma nova lei que a gente propôs e foi aprovada na Câmara Municipal. A Câmara tem sido uma parceira fundamental porque também aprovou a lei de isenção. Temos, agora, R$ 13,5 milhões destinados ao apoio a projetos, parte disso como o Fundo de Incentivo à Cultura (ou seja, o apoio direto ao projeto) e, outra parte, com o mecenato que é a renúncia fiscal, o redirecionamento de recursos que seriam pagos como imposto municipal para apoio a projetos apresentados ao SIC e selecionados.

Temos um projeto, que estamos debatendo e contando com parcerias propostas como com a UFPE – por meio do professor Flávio Brayner – de praças de cultura, que também remonta ao tempo do MCP (Movimento de Cultura Popular). Será um lugar de integração da cultura com a educação, do conhecimento, da apropriação, do pertencimento com relação ao significado daquelas manifestações culturais e de usufruir também do encontro com essas atividades.

Quando penso em salvaguarda e sustentabilidade da cultura popular, isso tem muito a ver com o patrimônio vivo, por exemplo, e com esse acesso facilitado e com a integração com a educação. É trazer para junto também crianças e jovens que possam se reconhecer no lugar de agentes culturais. Por isso, volto para a questão da política pública de cultura que não pode se restringir a ações pontuais, que não sejam apenas eventos. Formação, fomento e ativação são as frentes que a gente procura atuar para fortalecer e inserir cada vez mais a cultura na dinâmica da cidade.

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