A cidade do Recife sofreu grandes transformações na sua paisagem quando da administração de Francisco do Rego Barros (1802-1870), que veio a ser barão, visconde e finalmente Conde da Boa Vista. Formado em matemática pela Universidade de Paris, com apenas 35 anos de idade foi designado presidente da província de Pernambuco, ficando no cargo de 1837 a 1844, época em que o trouxe para o Recife o engenheiro francês Louis Léger Vauthier (1815-1901), responsável pela construção do Teatro de Santa Isabel (1850) e de importantes obras públicas.
É dessa época a presença na equipe de obras públicas do Governo da Província do engenheiro José Mamede Alves Ferreira (1820-1865), bacharel em matemática pela Universidade de Coimbra, que além dos prédios da Casa de Detenção e do Ginásio Pernambucano foi responsável pelo projeto do Cemitério Público do Senhor Bom Jesus da Redenção, criado em 1841, pela Lei Provincial nº 91, tendo sido inaugurado em 1º de março de 1851.
Trata-se de uma área plana, originalmente ocupando um terreno de 351,35 m de fundos por 320 m de largo, tendo ao centro uma elegante capela em estilo gótico, em forma de cruz grega, para onde convergem todas às alamedas de túmulos dando, assim, um formato estelar ao conjunto. Seria um ponto turístico do Recife, como acontece nas diversas cidades da Europa e mesmo das Américas, mas, infelizmente, não é de visitação habitual nem indicado por nenhum dos guias por nós consultados.
Bem conservado pela atual administração municipal, o Cemitério de Santo Amaro, chama a atenção do visitante para o seu portão de entrada, trazendo na sua base a data de MDCCCLI (1851), confeccionado em ferro fundido pela firma A.C. Staar & Cia. (Fundição Aurora), a mesma responsável pelos portões do Cemitério dos Ingleses e da Ordem Terceira do Carmo do Recife.
Aleias de palmeiras imperiais marcam a avenida principal, ladeada pelos primeiros túmulos do início da segunda metade do século 19, que conduz o visitante até a capela em estilo gótico, octogonal, situada ao centro do campo santo. Nas diversas alamedas do Cemitério de Santo Amaro, vamos encontrar singulares obras de arte de escultores diversos que estão a exibir o seu talento nos diversos túmulos alguns deles centenários.
No ponto de confluência de suas ruas, encontramos uma singular capela gótica, a primeira do seu gênero em terras pernambucanas, projetada por José Mamede Alves Ferreira (1820-1865), mandada construir pela Câmara Municipal do Recife em 1853. “Trata-se de um monumento de puro estilo gótico de cruz grega, fechada por uma só abóbada, de uma belíssima e arrojada construção, e de grandeza proporcional ao fim a que é destinada, sem campanário e sem dependências”.
Tem no seu centro uma imagem do Cristo Crucificado, em ferro, produto de fundição francesa, tendo na sua abóbada placas de mármore alusivas às diversas fases de sua construção, como as restaurações sofridas nos anos de 1899 e 1930: A Câmara Municipal do Recife a mandou fazer em 1853, …1855, segundo o plano do engenheiro civil José Mamede Alves Ferreira; reaberta e melhorada na administração do Exmo. Dr. Esmeraldino Olympio de Torres Bandeira, prefeito do Município do Recife, em 16 de junho de 1899; restaurada na administração do Exmo. Sr. Dr. Francisco da Costa Maia, prefeito do Município, 1930.
Relembrando a observação do escritor Rubem Franca (in Monumentos do Recife – Recife, 1977): O Cemitério encerra muito da cultura de um povo. Santo Amaro, aliás, ainda aguarda quem lhe faça um estudo completo, um levantamento dos sepulcros de pernambucanos famosos e populares. Um estudo dos seus monumentos funerários, que são, alguns verdadeiras obras de
arte.
Joaquim Nabuco e outros túmulos
O mais suntuoso dos túmulos é dedicado ao Patrono da Raça Negra, o abolicionista Joaquim Aurélio Nabuco de Araújo (1849-1910), obra do escultor italiano Giovanni Nicolini; sendo encarregado de montar em Pernambuco outro escultor, também italiano, Renato Baretta, em novembro de 1914. O conjunto escultórico retrata a Emancipação do Elemento Escravo, em 13 de maio de 1888, formado por um grupo de ex-cativos levando sobre suas cabeças o sarcófago simbólico do grande abolicionista. À frente do monumento, o busto de Joaquim Nabuco, em mármore, tendo ao seu lado uma figura de mulher (a história), que ornamenta de rosas o pedestal do busto, onde se lê: A Joaquim Aurélio Nabuco de Araújo. Nasceu a 19 de agosto de 1849. Faleceu a 17 de janeiro de 1910. Logo em frente ao mausoléu de Joaquim Nabuco, encontra-se o túmulo de José Mariano Carneiro da Cunha (1850-1912), também destacado líder do movimento abolicionista e de sua mulher Olegária (Olegarinha) Gama Carneiro da Cunha (1860 – 1898).
Um busto em bronze do abolicionista e estátua de uma mulher chorando, conservando as inscrições:
À José Mariano / o Povo / Pernambucano. / Olegária Gama Carneiro da Cunha, 16-9- 1860, 24-4- 1898. Outro belo túmulo do Cemitério de Santo Amaro, porém, pertence ao Barão e a Baronesa de Mecejana: Antônio Cândido Antunes de Oliveira e Colomba Ponce de Leão. “O túmulo é todo feito em mármore de Carrara com grande influência dos romanos, por causa do sentimento católico. O formato de tocha invertida é símbolo da morte e da expectativa de que essa luz se reacenda”, explica o escultor e responsável pela última restauração do túmulo, Jobson Figueiredo, realizada em 1999.
Sobre seu mausoléu escreve o próprio Barão de Mecejana, em seu testamento, conservado no Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano, ter sido o túmulo destinado, inicialmente, a sua filha e seu genro que faleceram de uma das epidemias que assolaram o Recife na segunda metade do século 19. A posição do barão e baronesa, em genuflexo, demonstra a atitude do casal durante a doença que vitimou o casal. Como bem observou o escritor Clarival do Prado Valadares, in Arte e Sociedade nos Cemitérios Brasileiros (1972), vale reparar também o detalhe das esculturas em mármore do barão e da baronesa, que reproduzem até a textura de uma veste rendada.
Segundo estudo da pesquisadora Semira Adler Vainsencher, da Fundação Joaquim Nabuco:
“Vários mausoléus imponentes podem ser encontrados, também, no cemitério de Santo Amaro. O do governador Manuel Antônio Pereira Borba, mais conhecido como Manuel Borba, possui uma mulher com torre na cabeça, e em seus pés um grande leão de Pernambuco. No mausoléu, uma frase que ficou famosa: Pernambuco não se deixará humilhar. E a sua efígie, com a seguinte inscrição:
Cidadãos: quando quiserdes advertir aos vossos governantes, incitar os vossos compatriotas e educar os vossos filhos, apontai-lhes o exemplo que foi Manuel Borba – probidade e caráter – lealdade – bravura cívica. MCMCCCII. [sic]”
Um passeio pelas ruas e alamedas do Cemitério de Santo Amaro se transforma num verdadeiro desfilar de nomes que se destacaram na nossa história, particularmente nos movimentos revolucionários e movimentos literários, bem como nas artes, na poesia, na música popular e na própria história pernambucana. Uma visita ao Cemitério de Santo Amaro se torna uma verdadeira aula de sapiência das mais diversas áreas do conhecimento humano, daí o nosso convite para tão agradável arruar.
Publicado originalmente em 31/10/2017 na Revista algomais