Arquivos Francisco Cunha - Página 4 De 10 - Revista Algomais - A Revista De Pernambuco

Francisco Cunha

Avenida Guarrapes

Uma parte da história do Brasil em cada esquina do Recife

*Por Francisco Cunha Desde que a Prefeitura do Recife anunciou, no final do ano passado, a criação do Programa Recentro e do Escritório do Centro que eu me voluntariei para apoiar esse esforço, mais do que meritório, essencial para o futuro da cidade. Pois acredito piamente que não pode existir cidade minimamente desenvolvida com um centro degradado como está o nosso. Ainda mais sendo um centro de cidade tão importante para a história do Brasil como o do Recife! Comecei propondo um roteiro “recosturador” dos fragmentados bairros do Recife, de Santo Antônio e de São José e guiando diversas caminhadas de reconhecimento pelo território do Recentro. E devo confessar que, mesmo para mim que já caminhei provavelmente milhares de quilômetros pela região, foram inúmeras as surpresas. Eu já havia repetido várias vezes, parafraseando Leonardo Dantas Silva, que “O Recife é o museu vivo da história de Pernambuco”. Todavia, não seria demais esticar a imagem e dizer que o centro da nossa cidade é uma espécie de “museu vivo da história do Brasil”. Se não, vejamos, dentre outras singularidades verificáveis, no interior do território demarcado, encontramos: o local da primeira Sinagoga das Américas (Rua do Bom Jesus); a primeira ponte de sua dimensão no País (a Maurício de Nassau, a do “boi voador”, que tinha pelo menos o dobro do seu atual comprimento); o local do primeiro observatório astronômico do Hemifério Sul, construído por Maurício de Nassau (no atual cruzamento da Rua do Imperador com a Primeiro de Março); o prédio do mais antigo diário em circulação da América Latina (Diário de Pernambuco, na “Pracinha do Diário”); uma dos primeiros edifícios com elevador do Brasil (o “Arranha-céu da Pracinha, também na “Pracinha do Diário”); a única avenida totalmente projetada antes de ser construída do Brasil (a Av. Guararapes, em estilo Art Déco); o local onde funcionou o Quartel General da Quarta Frota da Marinha Norte-Americana na 2ª Guerra Mundial (a Frota do Atlântico Sul, na Av. Guararapes); o local demarcado da eclosão da Revolução Pernambucana de 1817 (onde o “Leão Coroado” furou a barriga do marechal português, atual Edifício Seguradora); o local da chegada ao Continente Americano do primeiro voo a cruzar o Oceano Atlântico (tripulado por Gago Coutinho e Sacadura Cabral, na atual Praça 17); o local onde se deu o estopim da Revolução de 1930 com o assassinato de João Pessoa, presidente da Província da Paraíba, e candidato derrotado a vice-presidente na chapa de Getúlio Vargas (na antiga Confeitaria Glória, no cruzamento das atuais ruas Nova e da Palma); o prédio onde foi instalada a segunda escada rolante da América Latina (na antiga Viana Leal, na Rua da Palma). E olhem que esses exemplos não constituem sequer a vigésima parte do que já tenho anotado como pontos de interesse histórico do Centro do Recife. Isso sem falar do inestimável tesouro barroco/ rococó das igreja e capelas da região, patrimônio histórico do Brasil e do mundo, com sua impressionante e única cantaria em pedra de arrecifes e suas maravilhosas talhas douradas… É esse tesouro histórico, artístico, cultural e humano que os recifenses temos a obrigação geracional de resgatar, valorizar, animar e restituir à cidade, tornando-o novamente desfrutável para os da terra e os de fora. Vamos nos engajar nesse esforço coordenado que está sendo feito. Estamos devendo isto ao Recife, a Pernambuco e ao Brasil!

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roteiro recife

Um roteiro “recosturador” do Centro do Recife

Conforme prometido no artigo anterior (A “Recostura” do Centro do Recife – da edição 190.4 da Algomais), desta vez apresentamos uma sugestão de roteiro “recosturador” para o território do Recentro (programa da Prefeitura do Recife para o desenvolvimento e a gestão estratégica dos Bairros do Recife, Santo Antônio e São José). Trata-se de um roteiro elaborado com base na experiência dos caminhantes domingueiros de terem percorrido milhares de quilômetros em centenas de caminhadas por esses bairros. Uma das diretrizes importantes da proposição é o seu indispensável caráter integrador deste território que, ao longo do tempo, foi sendo “retalhado”, “pregado à cruz das novas avenidas” como a ele se refere o poeta Joaquim Cardoso, notadamente a Guararapes e a Dantas Barreto que “fatiaram” a cidade barroca sucessora da cidade holandesa em, pelo menos, quatro quadrantes. Como isso, o riquíssimo acervo histório e cultural restou fragmentado e dispenso. No roteiro reproduzido acima foram listados 52 pontos de interesse mas, com boa vontade, se chegaria tranquilamente ao dobro ou ao triplo desta quantidade devido ao fato de que, além do centro da cidade ser uma espécie de museu vivo da história do Recife, praticamente cada esquina tem uma história própria para contar. O roteiro proposto, funciona como uma espécie de fio condutor desta integração e foi pensado para ser percorrido via mobilidade ativa (a pé e de bicicleta), de modo a que ao seu final (no Pátio de São Pedro) se tivesse o sentimento de ter feito a “costura” do território tão importante. Inclusive com todo o acervo barroco/rococó, de grande valor histório e artístico nacional e internacional, incluído nele, tanto o existente que sobreviveu às mudanças dos tempos como também com possibilidade de acesso àquele que desapareceu mas deixou o seu registro na forma de imagens como é o caso da Igreja dos Martírios. Derrubada para a abertura da Avenida Dantas Barreto, teve a sua localização descoberta em nossas caminhadas quando nos deparamos com os restos da placa da Travessa dos Martyrios e, com essa pista, conseguimos precisar o local onde ficava. Essa descoberta nos permitiu pensar na possibilidade de usar os recursos da chamada “realidade aumentada” (a mesma tecnologia que torna possível o jogo digital Pokémon) para termos uma ideia de como teria sido aquele determinado local ou imóvel desaparecido com uso do recurso das imagens antigas por sobre a paisagem atual. A seguir fizemos uma montagem ilustrativa justamente com a Igreja dos Martírios no final da travessa por nós “descoberta”. Com um recurso do tipo, poderiam ser “recuperados” os Arcos do Bom Jesus, da Conceição, de Santo Antônio; as Igrejas do Corpo Santo e do Paraíso; além de inúmeros monumentos e locais desaparecidos. Além do oferecimento deste roteiro ao Recentro, já estamos programando nossa próxima Caminhada Domingueira por ele, assim que a pandemia der um refresco. Já estamos ansiosos. *Artigo publicado originalmente na edição 191.4 da Revista Algomais

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Estão voltando as flores no Recife

Ao encerrar a palestra deste ano que fiz para os quase 700 clientes e amigos da TGI no evento de lançamento da Agenda TGI 2016, no teatro do RioMar, dia 30 de novembro (ver matéria nesta edição), coloquei para tocar o samba canção Estão Voltando as Flores, de Paulo Soledade, com a finalidade de ilustrar uma sequência de fotos minhas tiradas de flores na cidade do Recife. Com isso, quis potencializar a metáfora da breve primavera (que vai oficialmente até 21 de dezembro) e do verão (22 de dezembro a 20 de março) recifenses, período mais seco da nossa cidade, em que explodem as cores das flores nos espaços públicos ou vistas deles. Ipês (paus d’arco) amarelo e roxo, flamboyants, buganvílias, jasmins-vapor, pau brasil (flor amarela belíssima!) e outras flores de que não sei o nome, são vistas em todos os lugares como, por exemplo, no canteiro da Avenida Agamenon Magalhães, e nos jardins públicos e de inúmeros edifícios e residências. Conta a lenda que Paulo Soledade (1919-1999), paranaense radicado no Rio de Janeiro, compôs a música na cama do hospital em que, convalescente, recebeu do médico a notícia de que tinha finalmente conseguido superar a grave doença de que fora acometido. Daí, a exaltação à vida que encontramos nos versos: “Vê, estão voltando as flores! / Vê, nessa manhã tão linda! / Vê, como é bonita a vida! / Vê, há esperança ainda!”. Com as flores e a música, convidei os presentes a, mesmo no período mas seco e mais quente da cidade, apreciarem como compensação o que a natureza oferece em troca na forma de delicadeza e cores, fazendo analogia com a crise que acomete o País e o Estado, pois deve ser justamente no primeiro trimestre do próximo ano que ela se apresentará mais dura. Deve ser o “fundo do poço” ou o “vale” da crise de que falam os economistas. O mesmo faço para os leitores aqui neste último artigo do ano: vamos olhar as flores do Recife! Elas estão por aí nos surpreendendo quase que a cada esquina. Com a sua visão podemos suportar melhor a secura e as temperaturas mais altas, bem como os efeitos da crise, renovando a energia para o trabalho duro que precisaremos continuar fazendo para sobreviver a ela. Como compôs Paulo Soledade, 2016 não está perdido como dizem por aí: “Há esperança ainda!”. A esperança da superação pelo trabalho e pela visão das flores. Vamos sobreviver! Bom 2016!

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Pensar magro em 2016

Quando me perguntam sobre as perspectivas econômicas para o País, digo que, se fosse parlamentar, proporia uma emenda para incluir na Constituição a obrigatoriedade de ocorrência de uma crise intensa, no máximo, a cada 10 anos. Faço essa brincadeira porque, na prática, desde o Plano Real, em 1994, há mais de 20 anos, portanto, que não vivemos uma crise tão extensa e profunda, nem tão exigente para as empresas e famílias, como a atual. E, por conta disso mesmo, ocorreu uma espécie de “surfe na bonança”. As pessoas, de um modo geral, se acostumaram a gerir os ambientes familiares e empresariais com o “vento a favor”, sem grandes restrições externas. E isso, de certa forma, nos desacostumou da austeridade. O resultado foi, com certeza, no âmbito empresarial, um certo acúmulo de “gordura” que agora, na época das “vacas magras”, precisará ser revisto e reorientado. Esse é, certamente, se é que se pode dizer assim, o lado bom da crise: a necessidade de fazer mais com menos. De ser mais consequente, econômico e produtivo, seja do ponto de vista familiar seja, sobretudo, do ponto de vista empresarial. Essa é a própria essência da produtividade: utilizar da melhor maneira possível os recursos disponíveis (financeiros, humanos, materiais etc.), sem desperdício, procurando tirar-lhes o proveito máximo. Se conseguirmos fazer isso, a crise exercitará o seu papel pedagógico e quando ela passar, todos estaremos mais enxutos, mais eficientes, menos perdulários, em suma, mais competitivos. Tanto individualmente quanto coletivamente já que o País também estará mais eficiente e com os pés mais assentados no chão. Com certeza, nada disso é fácil de executar e requer pelo menos determinação, confiança e foco. Determinação para fazer o que precisa ser feito, por mais exigente que seja; confiança na recuperação quando a crise passar, por mais distante que pareça em determinados momentos; e foco naquilo que é essencial à sobrevivência, por mais difícil que seja fazer as escolhas certas. É verdade que se trata de um esforço mais de natureza mental do que de qualquer outro tipo já que para fazer diferente é preciso pensar diferente. No caso, “pensar magro”. Em muitas situações, reaprender a “pensar magro”. É isso aí! Saúde, sucesso e boas decisões “magras” em 2016!

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Minhas fotos do Recife e a esperança

Sempre gostei de tirar fotos. No início, usava uma máquina não sofisticada em viagens. Já na era digital, troquei por uma pequena sem filme mas me via invariavelmente entediado e, não raro, exasperado, às voltas com negativos, revelações e álbuns, e, depois, com os terríveis arquivos digitais, sempre desaparecidos em disquetes, HDs, CDs, pen drives e nuvens ermas… Até que, às vésperas de uma viagem ao oriente, recebi um iPhone 4 e viajei com ele e minha câmera digital. A partir dessa viagem, a câmera convencional foi definitivamente aposentada. Mais ou menos na mesma época, o amigo Bruno Queiroz, praticamente me forçou a entrar nas redes sociais alegando, diante da minha desconfiança, que eu tinha muito o que dizer nelas… Primeiro o Twitter, depois o Facebook e, por fim, o Instagram. Isso, aliado ao meu gosto pelas caminhadas na cidade, terminou produzindo o composto que levaria a uma inusitada ousadia: iPhone, fotos de locais e coisas do Recife visto a pé, filtros e publicação no Instagram e no Facebook e amigos virtuais elogiando as fotos postadas e pedindo uma exposição… Até que o amigo de infância, companheiro das Caminhadas Domingueiras e dos livros sobre o Recife, doutor em Física e artista plástico, Plinio Santos Filho, me convida a fazer uma exposição no seu Espaço Vitruvio no Poço da Panela. Com ele como curador e outro amigo de infância, Paulo Gustavo, poeta, mestre em Literatura e recém acadêmico pernambucano de letras, como apresentador, e vou eu fazer uma exposição fotográfica patrocinada pela TGI Consultoria em comemoração aos seus 25 anos de vida. Um alinhamento improvável de eventos e lá está um não fotógrafo (para me autorizar a sê-lo, seriam necessárias dedicação e aplicação que nem de longe tenho), fazendo uma exposição fotográfica… Penso que a principal contribuição da exposição é trazer à luz (não por acaso o título dela é “O Recife Tomado à Luz – Fotografias de um Caminhante”) um Recife habitualmente não visto e concordo plenamente com as palavras de Paulo Gustavo: “O resultado é um diálogo com a poesia silenciosa da cidade. Uma agenda de esperança”. Sim, esperança de uma cidade melhor, cuidada por pessoas que gostem dela, estimuladas por uma beleza incomum que ousei tentar revelar com um iPhone 5S pelas redes sociais. Reconheço que meu mérito é esse: continuar tentando.

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recife

A recostura do centro do Recife (por Francisco Cunha)

D epois da expulsão dos holandeses em 1654, o que restou do Recife ou, mais propriamente, da “Cidade Maurícia” (Mauritiópolis), mandada construir por Maurício de Nassau para ser a capital da dominação neerlandesa no Brasil (os atuais bairros de Santo Antônio e São José), foi uma terra completamente arrasada pela guerra de reconquista (a Ressureição Pernambucana, 1645-1654). E o que a sucedeu foi o que depois viria a ser entendida como a Cidade Barroca, aquela do predomínio das ordens terceiras, confrarias e irmandades religiosas, com seus templos, capelas e pátios, cada um mais caprichado do que o outro, numa espécie de “campeonato” de religiosidade e beleza sacra sob a égide dos estilos arquitetônicos Barroco e Rococó. Praticamente todos os habitantes eram afiliados de um dessas confrarias… Essa atividade foi tão intensa que, ao final do século 18, a cidade arrasada pela guerra havia sido redesenhada e reconstruída tendo como âncoras urbanísticas, justamente, os templos e seus pátios, configurando aquilo que Nestor Goulart Reis, no seu excelente livro Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial, chama, ao comentar um impressionante mapa do Recife de então de “sistema de pátios coloniais, espaços urbanos em frente às igrejas para, além de apoiar procissões de fiéis, fazia ventilar e respirar o espaço urbano”. Esta cidade reconfigurada pelos templos e pelos seus pátios sobreviveu, com acréscimos de outros espaços e outras edificações não religiosas, até a primeira metade do século 20 quando os bairros centrais foram atacados pela tirania da “modernização”, das “grande avenidas”, conforme muito bem assinala o magistral poeta Joaquim Cardozo no seu icônico poema Recife Morto, de 1924: Recife, Ao clamor desta hora noturna e mágica, Vejo-te morto, mutilado, grande, Pregado à cruz das novas avenidas. E as mãos longas e verdes Da madrugada Te acariciam. Cardozo, com base no que viu no Bairro do Recife, na reforma do porto (finalizada em 1917) e a reconfiguração do território que teve seu tecido colonial arrasado e substituído por um traçado inspirado na reforma que o Barão Haussmann promoveu na Paris medieval e o prefeito Pereira Passos promoveu no Rio de Janeiro republicano. Ele anteviu o que aconteceria poucos anos depois em Santo Antônio e São José. Esses bairros foram objeto de uma espécie de “esquartejamento”, justamente em forma de cruz, com a abertura das Avenidas Guararapes e Dantas Barreto como se pode ver pelo mapa feito por Douglas Fox em 1904. O resultado dessas intervenções “esquartejadoras” foi um território desconectado que não consegue ser “lido” pelo transeunte, inclusive com a perda de articulação do extraordinário patrimônio Barroco/Rococó que tanto encantou e encanta os historiadores da história da arquitetura. Agora que a Prefeitura do Recife tomou a histórica decisão de colocar em andamento o projeto Recentro para revitalizar a área central da cidade que já está chegando ao meio século de existência (a primeira capital a completar 500 anos em 2037), é mais do que chegada a hora de cuidar da “recostura” deste território fantástico como museu vivo que é da história da cidade. A alternativa que se presta bem para isso é aquela que, ancorada na nossa experiência de milhares de quilômetros caminhados pela região central, tem como base a Cidade Barroca retratada pelo mapa divulgado por Nestor Goulart. Dos templos e pátios assinados, apenas um (a Igreja e o Pátio do Paraíso derrubados para construir a Avenida Guararapes) não existe mais. E se fizermos um simples exercício de interligação de pontos temos a figura “recosturada” acima. Claro que essa é apenas uma ideia condutora que precisa ser traduzida num roteiro atraente que, além de promover a “recostura” do território fragmentado, seja mobilizador do interesse dos recifenses e dos “de fora” (ou “adventícios” na expressão de Gilberto Freyre) por essa região que tem, praticamente, em cada esquina um registro ainda vivo da história da cidade. Os caminhantes domingueiros estão preparando uma sugestão a ser feita à Prefeitura e ao projeto Recentro. Tudo pelo Centro do Recife vivo, dinâmico, revitalizado, pujante como já foi e tem tudo para voltar a ser. A hora é essa! *Francisco Cunha é arquiteto e consultor empresarial

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A “utopiazinha” de Darcy Ribeiro

Na apresentação anual de lançamento da Agenda TGI, que tive a satisfação de fazer pela 23ª vez na segunda-feira 29.11.21, citei o sociólogo Darcy Ribeiro para fazer uma espécie de contraponto com a crise de desesperança e baixa autoestima que vivemos no Brasil nos dias de hoje. Diz Darcy na introdução do seu livro Aos Trancos e Barrancos – Como o Brasil Deu no que Deu: No dia em que todo brasileiro comer todo dia, quando toda criança tiver um primeiro grau completo, quando cada homem e mulher encontrar um emprego estável em que possa progredir, se edificará aqui a civilização mais bela desse mundo. É tão fácil; estendo os braços no tempo, sinto na ponta dos dedos essa utopiazinha nossa se realizando. Pelo que ele chama de “utopiazinha” vemos como não é tão difícil assim criar as condições mínimas para termos um país decente. Dito assim, deste modo tão desconcertantemente simples, a pergunta imediatava que nos assalta é: por que então não conseguimos? Bem, aí necessário se faz lançar mão da vasta bibliografia que temos de história, sociologia, ciência política… para tentar entender. Confesso que já fui por aí e ainda não consegui. Inclusive por isso, é que me socorro de Darcy, um otimista incorrigível, um “enlouquecido de esperança” pelo Brasil, para tentar uma espécie de “prova pelo absurdo”, que é a luz que a utopia traz. Fugir do emaranhado de impossibilidades do presente para, lançando mão da utopia, do sonho possível, dizer: não percamos a esperança porque o que precisamos, queremos, almejamos, não é impossível como o horizonte turvado do presente pode fazer crer. Aproveitei e citei também a frase do ex-governador Eduardo Campos dita no Jornal Nacional na noite anterior ao seu trágico desaparecimento: “Não vamos desistir do Brasil!”. E para terminar, fui buscar a frase de Victor Hugo: “Nada como o sonho para criar o futuro. Utopia hoje, carne e osso amanhã”. E é justamente isso que desejo àqueles que não perderam de todo a esperança, não obstante os desmantelos e os descaminhos que trilhamos e, infelizmente, provavelmente continuaremos trilhando em 2022, que não será um ano fácil: que possamos, tão logo quanto possível, retomar o caminho apontado pela “utopiazinha” de Darcy e transformar em “carne e osso” esse sonho realizável. Bom 2022!

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O mundo recomeça pelo Centro do Recife

Na quinta-feira, 18.11.21, tive a oportunidade de participar, no Cais do Sertão, do lançamento, pela Prefeitura do Recife, da inciativa denominada Recentro que tem como slogam uma paráfrase do famoso título do painel pintado pelo grande artista plástico pernambucano e modernista brasileiro, Cícero Dias, escrito no chão da Praça do Marco Zero: “Eu Vi o Mundo… Ele começava no Recife”. O slogam do Recentro é: “O mundo recomeça pelo Recife”. Trata-se de uma iniciativa que há muito tempo o Recife estava requerendo, precisando, praticamente exigindo: prioridade para o seu centro, com destaque para uma gestão territorial própria, no caso uma espécie de escritório de gestão com status de secretaria municipal, ligada diretamente ao prefeito. A área de abrangência dessa gestão territorial será os bairros do Recife, Santo Antônio e São José, historicamente os territórios que primeiro se desenvolveram na cidade e que formam o seu primitivo núcleo de povoação. Até a década de 1970 eram o centro comercial (as principais e as mais sofisticadas lojas da cidade), de serviços públicos (as principais “repartições” municipais, estaduais e federais) e privados (quase todos os médicos, dentistas, advogados, bancos, agências de viagem, restaurantes, bares, cinemas, etc), cultural (basta dizer que o frevo nasceu em São José e que o teatro Santa Isabel fica em Santo Antônio), religiosa (provavelmente a maior concentração de capelas e templos barrocos do mundo). Pois, desde então, com o desenvolvimento dos outros bairros mais distantes e a implantação neles de grandes centros comerciais (shoppings), foi-se dando a decadência e o esvazimento paulatino e contínuo dessa importande região onde a cidade nasceu e, inclusive, abrigou, 100 anos depois, a primeira cidade planejada do Brasil (Mauriciópolis, a sede da ocupação holandesa do Nordeste Brasileiro). Exceção feita ao Bairro do Recife que, a partir do início do atual século descobriu uma nova vocação como polo tecnológico (o Porto Digital). Tive a oportunidade de dizer ao prefeito João Campos, após o lançamento, que, naquele momento, ele tinha feito história. Desejo a ele, a sua equipe e a Ana Paula Vilaça, que assumirá a nova secretaria, todo o sucesso, inclusive para resgatar o indispensável planejamento de longo prazo para a região, também há décadas desaparecido.

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Para não morrer na praia

Felizmente a observação dos números da pandemia no Brasil parece indicar que, na disputa entre as vacinas e as variantes, as vacinas estão levando vantagem, inclusive sobre a temida variante Delta. Se for isto mesmo, trata-se de uma notável vitória da ciência (no desenvolvimento de vacinas eficazes em tempo recorde) e da capacidade instalada de décadas do SUS na administração vacinal. Tudo isso, com uma característica notável demonstrada pela população brasileira que é a determinação de se vacinar. As pesquisas mais recentes dão conta de que mais de 94% da população afirma que tomou ou tomará a vacina contra o novo coronavírus. Muito diferente, por exemplo, do que acontece nos EUA onde as pesquisas dão conta de que cerca de 40% dos norte-americanos dizem que não vão se vacinar de jeito nenhum. Resultado: lá a epidemia está grassando na parcela dos não imunizados. Mais de 90% das internações e óbitos são de não vacinados. Na predominância do bem-vindo cenário de controle, há um risco de considerarmos que o perigo passou e, como se diz popularmente, muita gente querer “meter o pé na jaca”. Ou seja, fazer de conta de que o perigo desapareceu e relaxar, antes do tempo, as medidas preventivas. Embora seja uma atitude esperada da natureza humana e até previsível diante do tanto de provação e sofrimento que todos nós passamos, ela traz associada o risco de abrir espaço para novas artimanhas de um vírus que já se mostrou suficientemente traiçoeiro para ser subestimado. A imagem que me vem à cabeça e a do náufrago que dispendeu enorme esforço para chegar na praia e, assim que a avista, relaxa e se afoga antes de pisar em terra firme. Diante da feliz possibilidade de estarmos chegando ao fim do terrível estorvo da epidemia, cabe a nós não baixar a guarda de jeito nenhum, mesmo quando vacinados até três vezes, já que está provado que vacinados podem se contaminar também, ainda que com reduzidas chances de desenvolvimento das formas mais graves da doença. Máscaras são incômodas, sim! Distanciamento é desagradável, sim! Aglomerar com pessoas queridas ou até mesmo em eventos coletivos é bom, sim! Todavia, como o seguro morreu de velho, o mais indicado e sensato é concentrar a mente e os esforços necessários para chegar são e salvo na areia e ficar longe das ondas assassinas. Com mais um pouco de sorte e cuidado breve estaremos em segurança sanitária real. Até lá, é manter toda a atenção para não morrer na beira da praia.

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Sem Suape, por aqui não passa!

A opinião pública pernambucana foi surpreendida na semana passada com o anúncio feito pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, de que havia sido “decidido” pelo governo federal que não seria mais concluido o ramal pernambucano da ferrovia Transnordestina até Suape em detrimento do ramal até Pecém no Ceará que teria prioridade absoluta para conclusão. Depois do susto inicial, caiu a ficha do absurdo total que essa “decisão” inadequada, ilegal e estapafúrdia representa em termos de perda irreparável para o desenvolvimento não só do Estado mas, também, de todo o Nordeste Oriental (além de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba e Alagoas). Afinal, a concessão pública para a construção da Transnordestina já recebeu, segundo as contas do jornalista Fernando Castilho do JC/PE, o investimento direto de R$ 5,15 bilhões de recursos públicos (Finor, FNE, FNDE, BNDES, Valec) contra R$ 1,39 bilhões da concessionária CSN controlada por Benjamim Steinbruch. O traçado original da ferrovia, no âmbito da concessão pública realizada, é de 1.753 km ligando a cidade de Eliseu Martins no Piauí até a cidade de Salgueiro em Pernambuco e, de lá, bifurcando-se num ramal para o porto de Suape e em outro para o porto de Pecém. O trecho de Eliseu Martins a Suape é 94 km mais curto do que o de Eliseu Martins a Pecém e cerca de R$ 1 bilhão mais barato. O próprio ministro tinha anunciado, tempos atrás, a contratação da consultoria internacional McKinsey & Company para reestudo da situação do projeto e suporte à decisão sobre os próximos encaminhamentos. Aí, sem que o prazo para os estudos fosse concluído e sem que qualquer resultado fosse divulgado, anuncia publicamente o cancelamento do trecho Salgueiro-Suape. Trata-se, na verdade, de um fato consumado que os pernambucanos não podemos aceitar de jeito nenhum! O que defendemos é que os dois ramais sejam construídos ou que se desfaça o contrato ou que se rediscuta o projeto todo. O que não dá é para vir com fato consumado desaforado. Se for assim, a vontade que dá é responder com outro desaforo: “Ah, é? Não vai para Suape? Pois, então, arranje outro lugar para passar direto para Pecém porque por dentro de Pernambuco não vai passar não!”.

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