Por Rafael Dantas
Donald Trump na Casa Branca. Reino Unido fora da União Europeia (Brexit). O impeachment e a volta do PMDB ao poder executivo com Michel Temer no Palácio do Planalto. Novas cartas no jogo internacional e nacional que trazem incertezas na perspectiva de retomada do crescimento econômico em 2017, na avaliação de Francisco Cunha, sócio da TGI. “Nós nos perguntamos: E agora? Estamos diante de algumas interrogações importantes no mundo inteiro”, afirma o consultor durante apresentação da Agenda TGI, tradicional evento sobre os cenários do futuro, que reúne empresários, representantes de associações, instituições públicas e do terceiro setor. Neste ano o evento lotou o auditório do Teatro RioMar.
“Apesar de toda incerteza, a economia mundial projeta crescimento de 3% neste ano e um avanço um pouco maior em 2017. Mas essas perspectivas não calcularam ainda os efeitos Trump e Brexit”, ressalva. O público presente ao evento tem uma visão otimista. Das 565 pessoas que responderam à pesquisa da TGI sobre a expectativa para o próximo ano, 68,7% acreditam que a saída do Reino Unido da União Europeia vai afetar pouco a economia mundial. Sobre o novo presidente americano, apesar de ser considerado um atraso para 76,6% dos entrevistados, a maioria (80,9%) entende que ele só conseguirá cumprir a menor parte das suas promessas de campanha.
O professor do departamento de economia da UFPE, Marcelo Eduardo Silva, analisa que a maior ameaça no cenário econômico das promessas de Trump é rever os acordos bilaterais já firmados pelo governo americano, como nos casos do México, Canadá e Transpacífico. Nessa perspectiva o Brasil não seria atingido. “Ainda é muito incerto tratar do que Trump conseguirá fazer no mandato. Há especulação de que ele poderá atuar mais em relação ao combate a imigração ilegal e na revisão dos acordos comerciais. Se ele apertar essa relação de comércio, abre espaço para outros países, como o Brasil. Nosso potencial, nesse aspecto, seria ampliar as exportações agrícolas. Isso num cenário em que ele não levante novas barreiras comerciais”, avalia.
A terceira peça nesse xadrez internacional, que afeta diretamente as exportações brasileiras, é o desempenho da economia chinesa que pode ser afetada pelo mandato de Trump. A maioria (59,6%) dos entrevistados estima que o dragão asiático sofrerá pouco com a volta dos republicanos ao poder americano, enquanto um terço acredita que o impacto será grande. Francisco Cunha analisa que o desempenho positivo previsto de 6,5% da China, inferior aos anos anteriores, é mais por uma decisão governamental de reduzir a aceleração do crescimento do que dos fenômenos globais.
Se a política internacional está mexendo com as perspectivas para 2017, outro fenômeno apontado pelo consultor que merece atenção das empresas é a chamada disrupção digital. O surgimento das tecnologias digitais na economia está mudando vários processos econômicos e desestruturando setores tradicionais. O exemplo típico é o embate entre Uber e táxi. “O mundo está passando por um período de substituição de procedimentos físicos por digitais. A crise forçou a racionalização dos processos dentro das empresas. Isso indica que provavelmente vamos recuperar o tamanho da economia destruindo o emprego de muita gente. O que traz uma grandes preocupações”.
O QUE ESPERAR DO BRASIL? As incertezas também rondam o cenário socioeconômico brasileiro. A aprovação da PEC 55 é, ao mesmo tempo, tratada como redentora pelos analistas econômicos para conduzir o País ao equilíbrio fiscal, mas tem levado pessoas às ruas e ocupações temerosas com seus efeitos sobre a educação e a saúde. O Governo Temer, com ampla maioria no Congresso Nacional, tem ainda a pressão da classe empresarial por aprovação de reformas previdenciária e trabalhista. Por parte da população, a demanda é pela geração de empregos e pela redução da inflação. A baixa confiança dos investidores e consumidores e o curto prazo do mandato – pouco mais de dois anos – são fatores que jogam contra o presidente.
Frente a dois anos consecutivos de recessão - que resultarão numa queda acumulada de cerca de 9% do PIB - Francisco Cunha calcula que esse declínio equivale ao dos 10 anos da chamada década perdida (1980). Outro indicador que exemplifica o tamanho do tombo é a queda do PIB per capita. “O Brasil terá uma década perdida de renda. A perda de riqueza no Brasil foi muito grande. Para que atinjamos o PIB per capita de 2014, só em 2023. Essa é a má notícia. Mas estamos numa trajetória de recuperação, mesmo que num ritmo lento”, afirma.
O primeiro remédio indicado pelo consultor para o País voltar a crescer é o ajuste fiscal. “Estamos diante do começo da retomada econômica. E para que a economia possa retomar o ciclo virtuoso do crescimento, em primeiro lugar é preciso sinalizar o ajuste fiscal inequívoco. Depois retomar os investimentos”.
Ele avalia que a rigidez da PEC 55, que promove uma limitação de gastos públicos por 20 anos, é necessária frente ao cenário econômico a que o País chegou. “É preciso sinalizar aos credores que há disposição para fazer o ajuste fiscal e a confiança se restabeleça. Com a confiança restabelecida, o ajuste fiscal se legitima e as pessoas se dispõem a consumir e a investir”. Ele indica que o cenário de insegurança do País fez com que a população segurasse os gastos, que chegou a resultar numa queda de até 20% em alguns setores de bens de consumo.
Para 2017, a perspectiva de crescimento econômico para o País, segundo o Ministério da Fazenda, é de 1%. Outras instituições, como a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), chegaram a indicar um novo desempenho negativo para o próximo ano, mas próximo a zero.
Para o Governo Temer ter sucesso, Francisco Cunha elenca cinco prioridades: restituir a credibilidade da autoridade presidencial e uma mínima confiança na política; restabelecer a ordem na economia e a seriedade no tratamento das contas públicas; sinalizar o início do fim da crise; dar previsibilidade à ação política; e preparar o País para a próxima eleição geral. “Se ele conseguir isso, nesse curto período e no meio dessa turbulência, ele terá cumprido o seu papel”, avalia.
COMPETITIVIDADE. Na análise do professor e coordenador do Grupo de Pesquisa de Indústria e Competitividade do Instituto de Economia UFRJ, David Kupfer, a questão fiscal, que tem sido a prioridade das ações do Governo Temer, não é o fator central para a retomada. “A questão fiscal é quase como uma cortina de fumaça que está nos dificultando de enxergar questões estruturais que estão limitando o crescimento brasileiro”, assegura.
O déficit de competitividade da economia é uma das principais questões estruturantes na avaliação de Kupfer. “A maior dinamicidade da economia depende da realização de novos investimentos para se libertar das tendências estagnacionista em que estamos metidos. A saída da crise envolverá um processo de modernização importante na estrutura produtiva brasileira”. Para isso, o especialista defende que sejam criadas políticas públicas para destravar os investimentos e para impulsionar a capacidade de incorporação de inovações nas empresas brasileiras. O professor da UFRJ analisa que nos primeiros movimentos do Governo Temer houve uma inversão desse caminho. “Estamos tendo um retrocesso na política tecnológica brasileira”.
Mesmo diante das dúvidas sobre as medidas econômicas de Temer e da instabilidade política do País, 55,6% dos respondentes da pesquisa Agenda TGI 2017 acreditam que a crise irá se atenuar no próximo ano. Apenas 9,2% são pessimistas, enquanto que 35,2% dos entrevistados avaliam que o cenário permanecerá igual.