Diretor técnico da empresa conta como ela conquistou uma trajetória de sucesso ao realizar consultoria para construtoras e seguir a atuação do seu fundador, o professor de engenharia Joaquim Correia. Umas das suas marcas era apoiar a formação de profissionais e manter-se próximo da universidade.
Unir o conhecimento acadêmico com a prática de uma atividade é o ideal de muitos profissionais e empresas, mas, em geral, essa comunhão dificilmente é observada no mundo real. A Tecomat é uma das exceções, talvez por ter sido fundada por um acadêmico, o engenheiro civil e professor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) Joaquim Correia de Andrade, que formou várias gerações na área de engenharia no Recife. Falecido em 2018, sua maneira de atuar deixou marcas no DNA da empresa que hoje possui uma equipe formada por muitos mestres, doutores e profissionais certificados e especializados.
Com o uso de tecnologia, a empresa, assim como um laboratório, realiza ensaios para construtoras sobre a adequação de materiais usados na obra. Também oferece um levantamento preciso sobre a quantidade de material a ser utilizado na construção, o que torna o orçamento do empreendimento mais acurado. Seu mais recente serviço, é voltado para a pessoa física que vai construir uma grande obra, mas não tem expertise em construção. “Ela nos contrata e contratamos o projeto da arquitetura e de infraestrutura, contratamos ainda a construtora, ela executa a obra e nós acompanhamos”, resume Angelo Just, diretor técnico que mantém o perfil da empresa: é mestre, doutor e professor da UPE e da Unicap.
Com tantos professores no seu corpo de funcionários, não foi de estranhar a criação do Instituto Engenheiro Joaquim Correia, cuja principal atividade é a formação de profissionais, como pedreiro, servente, carpinteiro e pintor, além de capacitar engenheiros recém-formados. Mão de obra que está escassa, o que compromete a indústria de construção civil. Nesta entrevista a Cláudia Santos, Angelo Just fala da trajetória da Tecomat, da influência de Joaquim Correia e os desafios desse mercado.
A cultura empresarial da Tecomat tem forte influência do seu fundador, Joaquim Correia. Fale um pouco sobre ele e a história da empresa.

A Tecomat vai fazer 33 anos este ano e foi fundada pelo professor Joaquim Correia, junto com um sócio e seu filho Tibério, que atua conosco até hoje. Inicialmente, ele tinha uma participação como consultor de empresas na Odebrecht. Na década de 80, chegou a obra do Metrô do Recife, e a Odebrecht não precisava mais dele como consultor independente e, sim, com uma empresa. Então, ele fundou a Tecomat, inicialmente fazendo ensaios com uma prensa, depois ampliou os serviços para consultoria no mercado imobiliário.
A Tecomat hoje atua em quase todas as capitais do Nordeste, conta com 250 colaboradores, entre eles cerca de 50 engenheiros. Ela não executa obras mas presta consultoria para construtoras e faz ensaios na área de engenharia e material de construção.
O que são esses ensaios?
Para a construção de uma coluna num prédio, por exemplo, é preciso saber se o concreto usado tem a resistência correta, então esse material tem que ser ensaiado para confirmar se o material está ok. O professor Joaquim faleceu em 2018, deu aula na UFPE por muitos anos, era muito generoso. Hoje, somos quatro sócios: eu, que cuido da gerência técnica, Sandra Carneiro Leão, que é a gestora financeira, José Maria da Cruz Neto, que é gestor comercial e operacional, e Tibério Wanderley Correia, que é consultor técnico. Detalhe, nenhum desses quatro veio do mercado, eu entrei na Tecomat assim que me formei, Sandra também e Neto foi estagiário. O professor Joaquim tinha essa característica, ele foi professor de muitos, inclusive meu.

É raro um engenheiro civil que trabalhe no mercado imobiliário em Pernambuco que não tenha sido aluno de alguma pessoa que faz parte da Tecomat, seja o professor Joaquim, Tibério, eu ou outros colaboradores nossos que são professores em outras faculdades. Tibério dá aula na UFPE, eu dou aula na UPE e na Unicap. Na Tecomat, formamos nossos craques em casa. A grande maioria dos nossos times foi formada na empresa. Se eu vejo uma pessoa com potencial, chamo para trabalhar, daqui a pouco ela está assumindo um cargo de coordenação e começa a dar aula também.
É muito marcante essa questão da docência pois muitos colaboradores seguem essa mesma linha, dando aulas em faculdades porque nos veem como espelhos. Na Tecomat, temos pilares como simplicidade, conhecimento, resiliência, conceitos que o professor Joaquim trazia consigo. Além de muito generoso, ele sempre estava de porta aberta para conversar. Isso gera empatia, por isso o pessoal gosta da Tecomat. A gente carrega esse DNA dele, de ser legal com todo mundo, esse é nosso lema.
Ter um time tão preparado e ligado à academia traz vantagens para a empresa, especialmente na questão da inovação?
As vantagens são várias, uma delas é enxergar os talentos de maneira precoce, pois, quando estamos lecionando, conseguimos ver o perfil da pessoa pelo seu comportamento na sala de aula. Conseguimos enxergar esses potenciais e trazer para a empresa. Além dessa questão de recrutamento de equipe, a vantagem de sermos professores é que, na Tecomat, temos um pé na academia e outro na obra. Esse é o diferencial dos engenheiros da empresa, esse perfil é raríssimo em qualquer lugar no Brasil.
Além disso, ao participarmos de congressos, conseguimos lidar com a “nata” técnica do negócio, transitar com essa turma com maior facilidade, isso ajuda muito e proporciona respeito. Participar de congressos e palestras também facilita a busca por soluções e inovação. Esse é um dos papéis da diretoria técnica, buscar soluções inovadoras para que nossa equipe possa aplicar aos laudos, por exemplo.
Que tipo de tecnologias a Tecomat utiliza? São softwares, inteligência artificial?
Utilizamos nos projetos uma tecnologia chamada BIM (Building Information Modeling). É a construção virtual, em que modelamos o projeto no software e conseguimos enxergar, com riqueza de detalhes, como a obra vai ficar depois de pronta. Basicamente é colocar todos os projetos num mesmo software com uma leitura que permite visualizar a edificação de maneira muito fiel a como ela vai se encontrar antes de ser iniciada.
Com isso, conseguimos ter um levantamento de quantitativos muito mais precisos para fazer um orçamento e saber exatamente o quanto será usado de material. É o que a gente tem de tecnologia embarcada, além de um outro braço, que não é exatamente a Tecomat, mas uma startup em funcionamento que se chama Facilitat, que é para gestão de manutenção periódica de edifícios, condomínios, bem como o gerenciamento de manutenção preventiva como trocar lâmpadas ou equipamentos elétricos antes que queimem, por exemplo.
Temos também como atividade o gerenciamento de obras voltado para uma pessoa física que tem dinheiro para construir um hotel, por exemplo, mas não tem expertise em construção, em projeto. Então ela nos contrata e fazemos o projeto da arquitetura e de infraestrutura. Feitos todos os projetos, contrata-se a empresa construtora, ela executa a obra e nós acompanhamos. Então, a gente faz esse trabalho também e já há alguns projetos concluídos.
Como vários setores, a construção civil sofre por falta de mão de obra qualificada. Os serviços que vocês oferecem auxiliam as empresas com algumas soluções?
Para essa questão, um caminho é reduzir a necessidade de mão de obra a partir de inovação, industrialização, mecanização e, outro, é formar pessoas. Para diminuir a quantidade de trabalhadores é preciso buscar inovações técnicas que sejam mais racionalizadas, por exemplo, ao invés de fazer alvenaria de tijolinho, usar gesso acartonado, que é mais rápido, requer menos mão de obra, é mais leve. Sempre auxiliamos as construtoras nesse sentido de trazer técnicas inovadoras.
Também auxiliamos na forma de medir produtividade das equipes nas obras. Isso vai na linha da redução da mão de obra porque é notório, no Brasil todo, a existência, hoje, do apagão da construção civil. Não é que esteja estagnado, mas o mercado não cresce mais por falta de mão de obra, desde o servente até o engenheiro. Em São Paulo, hoje, a palavra é "apagão".
Na construção de resorts enormes, como em Carneiros e Muro Alto, por exemplo, por mais que haja uma técnica boa, produtividade elevada, é preciso ter mão na massa, pois o Chat GPT não faz obra, tem que ter gente lá, e é difícil porque não tem trabalhador local ou o que tem já está empregado porque muitas pessoas optam por trabalhar como jardineiro ou cozinheiro nos hotéis em vez de ficar numa obra das 6h às 17h ganhando o mesmo valor.
Sobre a formação, em 2021, fundamos o Instituto Engenheiro Joaquim Correia e uma das principais ações é, justamente, fazer formação de mão de obra direta. Formamos pedreiro, servente, carpinteiro, pintor. A construtora contrata o instituto para fazer cursos de formação. Temos um contrato com a Moura Dubeux, que tem uma ação chamada MD Social e, ano passado, formamos, nesse projeto, 400 pessoas em Salvador, Fortaleza, Maceió e no Recife. Mais de 25% são mulheres, o que é uma ação importante. A MD Social tem, nos seus indicadores, o aumento na quantidade de trabalhadoras do sexo feminino no canteiro de obras, a ideia é ocupar o máximo possível com mulheres. E a gente também faz formação com outras empresas, iniciamos um treinamento em Manaus com a construtora MRV.

Além da capacitação de mão de obra, que outras atividades o instituto realiza?
O instituto era o sonho do professor Joaquim para cuidar dessa parte de formação, esse é o ponto principal do instituto. Ele foi fundado em 2021 e hoje já consegue se sustentar. O propósito dele é manter a chama acesa e fazer as coisas acontecerem, não obrigatoriamente por dinheiro. Além da formação de mão de obra direta, que são os pedreiros, por exemplo, também fazemos formação de especialistas.
Temos uma turma com a Moura Dubeux chamada Projeto Semente, com engenheiros recém-formados, é um curso continuado de um ano para capacitar esse pessoal, uma espécie de residência. Além dessa turma, tem a parte de almoxarifado, de gestor de estoque, uma série de profissionais que atuam dentro da construção e para os quais damos treinamento. E, em paralelo, fazemos algumas pesquisas como um estudo de reutilização de determinado material para produzir concreto, ensaios especiais para uma análise mais específica de algum problema de obra.
Outro desafio do setor é a pressão por práticas mais sustentáveis e a conformidade com algumas normas ambientais. Vocês também auxiliam as empresas nesse sentido?
A questão de sustentabilidade remete ao ESG, que é a parte ambiental, social e de governança. A parte social, conforme mencionei, refere-se à formação de pessoas. Na governança não temos atuação forte porque é algo mais intrínseco de cada empresa. Na questão ambiental, trabalhamos, sobretudo, com certificação de obras, porque existem várias certificações envolvendo as questões térmicas, hídricas etc., que as construções precisam ter, especialmente para conseguir benefícios em financiamento de bancos como diminuição de juros, prazo de pagamento ou aumento de carência.
Algumas prefeituras, como a de Salvador e de Fortaleza, estão começando a trabalhar com o conceito de IPTU verde. Assim, se determinado prédio tem um tipo de certificação referente ao consumo de energia elétrica, o usuário paga uma taxa menor de IPTU. Mas isso é recente, e as construtoras não nascem pensando em certificação, os próprios projetistas de arquitetura não fazem seus projetos ainda pensando nisso. Então, a construtora nos contrata para orientá-la a ter essas certificações e conseguir benefícios.
Hoje se fala muito também no efeito estufa gerado, entre outras coisas, pela emissão de CO2, e segundo dados recentes da ONU, cerca de 37% de toda a emissão de CO2 mundial vem de prédios, é um valor alto. Como reduzir isso na fabricação de concreto, por exemplo? Há alguma tecnologia para diminuir essa emissão? Aí, entra nossa expertise de analisar o projeto, o tipo de concreto usado e intervir para reduzir a emissão de CO2 que vai para o ambiente.

Como está o desempenho da empresa diante da instabilidade econômica, principalmente pós-pandemia?
Como todo mundo, tivemos que enxugar um pouco na pandemia, mas foi um enxugamento preparado, tínhamos receita. Agora, o mercado está em alta, deu uma crescida e crescemos junto. Já passamos por dificuldades maiores, na década de 90, mas ultimamente, a gente tem conseguido se manter. Somos uma empresa de 32 anos sólida financeiramente. Isso é raro no Brasil. Em termos percentuais, de 2023 para 2024, crescemos em torno de 10%. Para 2025, a meta é crescer estruturado também nessa ordem de cerca de 10%. É o aumento que temos de faturamento, ano a ano, e que eu acho um bom número. Hoje, a gente não se preocupa tanto em crescer as metas e, sim, crescer as margens porque a margem crescendo é sinal de eficiência.
Como o senhor vislumbra o futuro da construção civil em Pernambuco, especialmente, na questão da inovação?
Construção civil é uma área muito conservadora por natureza, diferente da indústria automobilística, por exemplo, em que os produtos passam e a fábrica permanece, então é muito fácil mecanizar, ter robôs. Construção civil não é assim, o produto fica e a fábrica passa, é o oposto de uma indústria seriada. Ou seja, o que se tem de inovação na construção civil vem a reboque das outras indústrias.
Em Pernambuco, no mercado imobiliário, há uma tendência de começar a migrar para os edifícios de alto padrão, mas a tecnologia para isso é muito mais voltada para a arquitetura, a engenharia, o produto, mas a técnica construtiva é muito parecida. Estamos preparados para dar apoio a esse pessoal. Então, o que eu acho que vai haver de inovação, na construção civil, nos próximos 5 ou 10 anos, é uma mudança do produto entregue, mas não da técnica construtiva. É essa a linha que eu vejo para o futuro.