Arquivos Artigos - Página 17 De 19 - Revista Algomais - A Revista De Pernambuco

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Fiz as pazes com meu útero

*Por Beatriz Braga Eu nunca vi muitas vantagens em ter um útero, toda a vida o encarei como um contratempo. Carregá-lo significava renúncia, fragilidade e um ciclo de dor física e estorvo. Domingo passado eu fui à Bênção do útero, um movimento que acontece no mundo inteiro, em horas sintonizadas, na lua cheia. O evento conta com meditações focadas no Sagrado feminino. Criado pela britânica Miranda Gray, mulheres meditam juntas a fim de liberar as amarras de uma sociedade patriarcal. Com os pés na terra, mentalizei a árvore dentro de mim - um dos exercícios propostos - e me senti conectada a todas elas. Pensei nelas além dos oceanos, nas recifenses e em todas as outras ao redor planeta. Nas mulheres da minha vida e das que nunca vi, nem vou conhecer. Fui levada a pensar nas minhas ancestrais. Nas mulheres antes de mim que passavam a vida no puerpério, que não tinham escolha a não ser escravas dos seus úteros; em todas que foram violentadas e oprimidas; pensei nos choros contidos que me precederam; cada útero em luto da minha mãe e das mães antes dela; em toda dor de cada parto e nas alegrias depois dele. Sentindo a vibração da lua cheia, pensei nas mulheres que, naquele momento, entrariam nas estatísticas do estupro e do feminicídio. Nas que se sentem invisíveis. Desejei que encontrem nos seus ventres não a vulnerabilidade, mas a sua força vital. Não é toa que a natureza é chamada de Mãe Terra. Somos bicho, terra, lua e natureza. Domingo pude compreender minha experiência pessoal. Tomei anticoncepcional por dez anos ininterruptos e só via alegrias. Sem cólicas, fluxo controlado e pele equilibrada, era defensora dos hormônios. Além disso, eu cresci achando a menstruação uma das grandes desvantagens biológicas femininas. Por conta dela, somos vistas como irracionais e reduzidas à TPM. Há alguns meses, parei a pílula durante o tratamento de uma sinusite. Meu cabelo e minha pele viraram óleo puro e eu fiquei insuportável. Impaciente, estressada e muito sensível. Apesar disso, só de ver a cartela me aguardando no armário, meu corpo demonstrava repulsa. Após três meses e sentimentos controlados, eu me sinto mais leve e não voltarei a tomar hormônios nunca mais. Sinto-me mais conectada comigo, mais feliz. Como se depois de uma década de omissão e disfarce, eu dissesse “bem-vinda de volta” a uma versão de mim que havia esquecido. Miranda criou a Bênção do Útero porque acredita que precisamos ter consciência das vantagens do nosso ciclo natural. Num passado distante, a menstruação era vista como sagrada e fonte criativa. O patriarcalismo tornou o ciclo um tabu, algo sujo e impuro. Em algumas comunidades, mulheres menstruadas ainda são vistas como uma aberração. Há alguns anos, vi Anticristo de Lars Von Trier e tem uma cena que nunca me deixou. Na trama, a mulher se revela o Anticristo, punida pela natureza. No desenrolar do filme, o homem queima sua esposa na fogueira e, depois, é seguido por uma legião de mulheres que emergem do solo. A cena, vez ou outra, volta para mim. Mulheres mortas em nome de um único homem que representava a sociedade machista. Cada geração herda da anterior as suas conquistas, mas também seus fardos e traumas. Durante a Bênção, fiz as pazes com meu útero. Sangramos porque somos animais, porque precisamos sangrar a dor que nos antecedeu. Sangramos porque somos bruxas queimadas na fogueira. Sangramos toda vez que uma mulher é calada ou morta. Sangramos porque, todo mês, renascemos. No domingo, cada uma pegou uma carta simbólica. A minha foi a da dor, que dizia que é preciso viver intensamente cada sofrimento para, só depois, superá-lo. Sempre enxerguei essa sabedoria na minha mãe. Ela não tem medo da dor e agora acredito que essa força vem do seu útero. O exercício da carta é missão para uma vida inteira: superar o sofrimento das nossas ancestrais e garantir que o futuro herde mais a consciência da fortaleza e menos os nossos traumas. Para começar, me enxergarei nas fases da lua, reconhecerei a natureza cíclica do meu corpo e a receberei com consciência, em vez de reprimi-la. Segundo Miranda, ao termos ciência do nosso ciclo, ganhamos grandes vantagens nos nossos trabalhos, relacionamentos e vida. Carregar um útero, agora, significa ter poder. O Sagrado feminino, que eu não entendia bem, tornou-se claro. Trata-se de mudar toda uma sociedade, todas as relações humanas. Trata-se de estar conectada com a mais poderosa energia do planeta, a feminina.

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Tudo que aprendemos sobre relacionamentos está errado

*Por Beatriz Braga Existe um hábito comum no meu grupo de amigas: aquela conversa de sempre sobre as loucuras que vivemos em relacionamentos passados. Poderia dar um livro dividido em duas partes: a comédia, na qual rimos das situações bizarras que ficaram para trás, e o drama, sobre aquelas que ainda estão presas em relacionamentos destruidores. “Eu queria que você fosse virgem”. Foi o que o namorado de uma mulher que eu conheço suspirou ao seu lado. Um outro disse assim: “meu sonho é que você morasse numa bolha”. Rimos meio nervosas dessas frases que, na verdade, são o exemplo perfeito da “mulher-propriedade” que aprendemos a ser desde cedo. Não é preciso ser mulher heterossexual para viver um relacionamento nocivo. Mas eu falo de algo que vejo com uma frequência que beira ao desespero: mulheres constantemente presas a homens manipuladores e abusivos. Sabe aquele momento que o cara reclama da roupa, da bebida, do jeito que você falou com um amigo ou da sua simpatia sem sentido? E você começa a se questionar se realmente não deve ter exagerado, falado demais ou feito demais? Toda nossa vida somos levadas a nos submetermos a essas situações e nos declararmos culpadas. A verdade é que tudo que nos ensinam sobre relacionamentos está errado. A começar pelo o ideal do casamento cultivado desde cedo na vida das garotas. Não é à toa que passei vários recreios no colégio brincando de acertar a idade que iria me casar, enquanto, não muito longe, os meninos se preocupavam com nada mais que suas bolas de gude. A fórmula do casamento que conhecemos é nociva. Basta ver as pequenas tradições. A coisa mais de mal gosto que existe é quando, antes da noiva entrar na igreja, uma criança toda pomposa traz a placa com a frase “não foge não, ela está linda” direcionada ao noivo. Afinal, o “coitado” foi “arrastado” até ali. Ou pior: aquelas miniaturas que se coloca em cima do bolo, nas quais a mulher puxa o homem por uma corda amarrada ao pescoço. Depois de passar a vida toda ouvindo que “o grande dia” das nossas vidas é o que dizemos “sim” para um homem ajoelhado, a expectativa de fazer o relacionamento dar certo é toda voltada à mulher. Primeiro, temos que esperar ansiosamente pelo pedido. Depois, somos metralhadas com tutoriais de como ser a melhor mãe, esposa, dona de casa e ainda ser sexy e poderosa. Eu já ouvi várias vezes, inclusive de jovens, que se eu não pressionar meu namorado a gente nunca vai casar. O mundo sempre assume que eu estou louca para ganhar uma aliança, enquanto ele vai adiar o compromisso até onde puder. No momento em que damos uma importância extraordinária ao casamento como o grande objetivo da vida de uma mulher e ensinamos que o sucesso de uma união é sua responsabilidade, estamos sublimando que elas também devem ser resilientes em relações mal sucedidas. Minhas amigas que não conseguem se desfazer de relações abusivas têm medo de ficar só; sentimento de culpa diante do fracasso; a sensação de que ninguém além daquele homem vai entendê-la, aguentá-la, suportá-la. E, no pior dos casos, esperam que alguém as salve. Muitas mulheres ainda acham que só quem vai poder tirá-las dali é um outro homem, tal qual o príncipe encantado no cavalo branco. Apesar de ainda enxergar ao meu redor tantos relacionamentos problemáticos, acredito que um novo capítulo esteja sendo escrito naquele livro lá de cima. Quando conseguimos nos desfazer dessas relações, elas viram conteúdo para algo nunca visto em tutorial de revista feminina: o que não devemos querer. Eu agradeço aos casos abusivos do passado porque consigo ver, agora, que o que tenho na minha relação atual é exatamente o contrário. Foi, também depois de me livrar deles, que descobri o quanto era importante e delicioso estar bem e feliz sozinha. Vejo as pessoas criticando a quantidade de casais se separando atualmente, parece que o número está crescendo. Se fala que os jovens não têm mais paciência para tolerar um casamento. Eu vejo por outro lado: será que as pessoas estão com menos paciência para relações infelizes? Torço para que cada vez mais mulheres sigam esse caminho. Hoje, toda vez que alguém vem me falar que eu preciso pressionar meu namorado a alguma coisa, eu queria explicar que meu relacionamento é construído em dupla. Que, dentro dele, temos desconstruído os ensinamentos tortos que ganhamos ao longo da vida. Não existe corda no pescoço, nem anel do dedo - quem sabe, um dia, se os dois quiserem. Muito mais importante é que há, sim, respeito, parceria e igualdade. Ou, pelo menos, a busca incessante por esse tripé. As responsabilidades e as frustrações são divididas. O machismo, por sinal, é pauta quase todo dia e só vai deixar de ser quando nos livrarmos dele por completo – tanto ele, como eu também- se é que isso é possível. Reinventar tudo que aprendemos e ter coragem para ir em busca de algo muito melhor. Quem sabe será essa nossa grande revolução.

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Mulheres conectadas formam uma rede poderosa

*Por Beatriz Braga Algumas espécies de árvores possuem sistemas de raízes interligadas. O que quer dizer que sozinhos, os troncos provavelmente sucumbiriam ao vento. No momento em que as raízes se conectam umas às outras, abaixo da terra, formam uma cadeia estável e forte. Na série de sucesso Stranger Things (Netflix), a protagonista é uma garota com poderes especiais que faz parte de um grupo de meninos. A segunda temporada recém-lançada traz uma outra menina ao grupinho e a garota principal enxerga a novata como uma rival. A primeira maltrata a “adversária” apenas por ser uma garota. Eleven é uma criança poderosa, “bad-ass”, mas, quando se trata da sua relação com o sexo oposto, a série a reduziu ao clichê de mulheres sendo cruéis com mulheres. Alguém avisa, por favor, aos diretores e roteiristas que o mundo cansou dessa visão “Meninas Malvadas” que foi criada sobre nós. A nova onda de feminismo veio para lembrar que mulheres conectadas formam uma rede poderosa, tal como as árvores, que nos fortalecerá diante do status quo. É isso que acontece, agora, em Hollywood. Séries, produtores e atores caindo porque o silêncio está sendo rompido. Uma rede de histórias sobre assédios, na maior de parte de mulheres como vítimas, está ameaçando o conforto do homem poderoso que tudo pode no mundo que lhe pertence. Eu lembro da primeira vez que entendi o que era poder. Aos doze anos, fui ao veterinário pegar meu cachorro. Me sentei para esperá-lo sair do banho e lia uma revista sobre cães e gatos, quando o segurança do local se aproximou e apalpou minha coxa. Tentou subir com a mão, mas me levantei e, morta de medo, saí correndo dali. Não é necessário ser um ator ou produtor de sucesso para ser poderoso. Basta ser homem em um mundo no qual a virtude feminina é o silêncio e o recato. E que os rapazes, desde cedo, aprendem que ter um pênis significa controle e propriedade. Os homens que nos assediam ao longo da vida têm a certeza da impunidade. Não têm medo, vergonha ou receio, pois estão seguros na lógica da sociedade machista. O que está acontecendo em Hollywood mostra que o mercado e o mundo estão começando a valorizar um outro tipo de voz. A sociedade ainda é cruel com a vítima. Ainda a julga, coloca a culpa no seu vestido, no seu comportamento, na sua embriaguez. No entanto, acredito, uma rede de fios invisíveis está conectando, cada vez mais, as verdadeiras donas das histórias. Aprendi a metáfora das árvores no livro “A mãe de todas as perguntas” de Rebecca Solnit. Ela diz que nossos relatos são como as raízes. Quando conversamos e dividimos nossas vivências, vamos nos entrelaçando tal como os troncos arbóreos interligados debaixo da superfície. Quando falarmos, pedirmos socorro, denunciarmos e compartilharmos, também estaremos redefinindo a nossa sociedade. É mais fácil liderar um grupo desunido, que se odeia e é cruel com seus membros. Uma manada entrelaçada, barulhenta e unida é, por sua vez, invencível.

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Uma garota destemida incomoda muito mais

*Por Beatriz Braga Em Nova York, um touro reinava sozinho em Wall Street desde 1985.  A estátua do Charging Bull foi criada como símbolo de ataque após o crash da bolsa de valores. Este ano, em frente ao animal, ergueu-se a obra batizada de Fearless Girl (A garota destemida). Sobre a menina valente de bronze devo falar que concordo com as críticas do que se chama feminismo corporativo. A estátua foi encomendada pela State Street Global Advisors para promover o debate sobre igualdade de gênero nas empresas. Ela é, antes de tudo, uma ação de marketing em um mundo no qual as mulheres ainda são vistas como inferiores no mercado de trabalho. A verdade é que queremos mais representatividade, salários iguais e menos populismo e hipocrisia. Mesmo sabendo disso, eu adoro a Fearless Girl. A arte cumpriu seu papel ao nos levar a uma discussão importante. E ao fazer centenas de garotas que passam por ali se reconhecerem na menina corajosa. Se antes havia um touro imponente no centro das atenções, hoje, 127 centímetros femininos protagonizam a cena. Se estávamos acostumados com pouca roupa e muita bunda em comerciais de cerveja, agora veremos garotas emponderadas desafiando touros. Um começo, não é? A estátua tem enfrentado também o outro lado da crítica, a do machismo. O criador do touro de Wall Street, Arturo Di Modica, está irritado com a presença da nova peça. Quer a retirada da pequena mulher o mais rápido.  Alex Gardega, artista americano em defesa de Arturo, fez uma intervenção onde um cachorro fazia xixi na obra. Os homens alegam que a presença da Fearless Girl fere a integridade do touro. A menina desafiadora o colocaria, segundo eles, nas vezes de um vilão. Sem a sua nova adversária, o touro reinava. Agora ele está ameaçado e eu lhes pergunto: quem é o sexo frágil aqui? Uma garota desafiadora incomodando homens adultos. Não é a metáfora perfeita? Não é o que enfrentamos na rua, no trabalho e nos nossos relacionamentos? Homens intimidados por mulheres poderosas. Homens acusando feminismo de “desnecessário” porque, no fundo, não querem perder o território. Suas toneladas agressivas foram ameaçadas por uma desafiante “peso pena”, como mostra as centenas de pessoas que tiram selfies com a garota todos os dias.  Assim como as mulheres de carne e osso que seguirão dizendo que estátuas não são suficientes. Não apenas na Ilha de Manhattan, mas nos caminhos por onde passarem. Dizem que levará cerca de 170 anos para a paridade de salário entre os sexos ser uma realidade.  Até lá, acredito, os touros vão perder seus latifúndios pouco a pouco. Sobre os homens, alguns ainda precisam aprender a lidar com o incômodo diante dos passos lentos – e muitas vezes tortos – da chegada da igualdade. Enquanto a garota destemida de braços nos quadris é assediada por bêbados na madrugada e alvo de críticas por machos ofendidos, a prefeitura da cidade cedeu à pressão social e estendeu o prazo da permanência da obra (ela fica até, pelo menos, fevereiro de 2018).  Eu não sei vocês, mas eu amo essa menina valente.

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Mulheres, é preciso sair do automático!

*Por Beatriz Braga Sou mulher. Logo, não sou suficiente. Minha pele, minha bunda, meu cabelo, as marcas da minha vida são demasiadamente brutas. Devo escondê-las, podá-las, vestir a máscara. Afinal, o que será de uma mulher sem suas máscaras? Semana passada, foi o casamento de uma amiga. Meu tempo estava curto. Trabalhei o sábado inteiro e havia marcado para fazer cabelo e maquiagem assim que conseguisse largar o osso. Pouco tempo antes da cerimônia, meu namorado descansava com os pés para cima. Enquanto isso, eu deixava meu cabelo mais ondulado, minha pele mais homogênea, meus cílios maiores, meu rosto mais fino e minha boca mais desenhada. Perdi a cerimônia. Ao justificar o atraso, me ouvi dizendo que precisava “virar gente” depois de um final de semana na labuta. Mentira. Eu perdi de ver a minha amiga entrar na igreja porque entrei no modo automático de achar que não sou suficiente.Ainda estou buscando a resposta perfeita para a pergunta da minha médica: “Alguém já fez seus seios?”. Fiquei confusa. “Quem fez o que?”. “Posso indicar o meu médico, foi o mesmo da minha filha”. Ah, entendi. “Fazer os seios” significa deixá-los empinados e simétricos. Afinal, os famigerados 30 anos estão por vir. Não foi por falta de aviso. “Mulher sofre para ficar bonita”, passamos a vida escutando. Entramos, sem perceber, no looping do sacrifício. Se antes estávamos presas ao tanque de lavar, hoje vivemos acorrentadas à indústria da moda, da dieta, dos cosméticos e dos padrões inalcançáveis. Enquanto os homens ostentam roupas repetidas, cabelos brancos e rugas, tranquilamente. Nós continuamos na corrida contra a idade, contra a natureza e, na verdade, contra nós mesmas. Simone de Beauvoir acreditava na analogia da boneca. Enquanto os meninos são incentivados ao movimento e à virilidade, as garotas são instruídas a se enxergarem como bonecas vivas. Aprendemos a nos objetificar muito cedo, exatamente como os homens fazem. Essa é uma forma de opressão. Viramos carros alegóricos, ornamentos. Nesse processo, perdemos tempo, dinheiro e liberdade. Aquele velho clichê da mulher do filme de comédia romântica que acorda sorrateiramente antes do parceiro para “ajeitar a cara” e fingir que já levanta plena. Pierre Bourdieu dizia que, dentro da sociedade, ser mulher é saber “fazer-se pequena”. Pois é. Ao mesmo tempo em que os homens alargam seus gestos, abrem as pernas, levantam a cabeça e ocupam espaço, a mulher é ensinada a se comprimir.Podemos tentar nos livrar do conceito de “ser feminina”, mas o mundo sempre vai empurrar “útero abaixo” a lista infinita a que estamos atreladas. Unhas pintadas, pelos arrancados, sobrancelhas feitas, pele bronzeada, malhada, botox, lipo, silicone, cabelo hidratado, maquiagem, peeling, calcinhas apertadas, salto alto, regime, joia. Além de ser meiga, charmosa, bem comportada e discreta. As que fogem ao padrão são chamadas de “não mulheres”, “não femininas”. Enquanto a indústria da beleza fatura milhões, continuamos a ser domesticadas. É preciso sair do automático, tirar a boneca da prateleira. Esse é meu compromisso a partir de agora, minha meta prematura de ano novo. Buscar o que está do outro lado dessa realidade misteriosa e superficial do conceito do feminino. Para encontrar a minha versão natural e animalesca tão criticada. Um grito de liberdade pode surgir ao criarmos consciência do controle que há sobre nós e do controle que podemos passar a ter sobre nós mesmas. Esta não é uma ode contra à vaidade e o ego. Cuidar da gente e se sentir bonita faz muito bem.Esse é um apelo ao consumo são e às escolhas feitas de dentro para fora, com liberdade e prazer, sem imposições. Ser mulher deve significar expandir-se e não o contrário. Para começar, aceitemos melhor - e com mais carinho - a chegada dos nossos pelos, rugas, celulites e assimetrias. Um encontro real com o espelho, é este o nosso emponderamento. Para que sejamos, enfim, suficientes. *Beatriz Braga é jornalista e empresária (biabbraga@gmail.com). Ela escreve semanalmente a coluna Maria pensa assim para o site da Revista Algomais

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Nove dicas de filmes irresistíveis

*Por Beatriz Braga De vez em quando eu penso em Wadjda. Ela queria ter uma bicicleta, mas vivia na Arábia Saudita, onde coisas muito simples são difíceis se você é uma garota. Seu melhor amigo tinha uma magrela e ela só descansaria quando ganhasse dele em uma corrida. Entre a menina de 12 anos e seu objeto de consumo existia um mundo machista e cruel. A bicicleta era seu ato de resistência. O filme é o "Sonho de Wadjda" e me lembro dele frequentemente, quando penso nas barreiras que enfrentamos no Ocidente por sermos mulheres. Visualizo nelas a bicicleta, penso na persistência da garota árabe e recarrego meu otimismo. Do mesmo jeito, toda vez que me enxergo presa às agruras da busca da beleza inalcançável ou da pressão da vida perfeita que nos rodeia, eu penso em Frances. Desajeitada, meio patética e sorridente dançando Bowie nas ruas de Nova York. Ninguém disse que seria fácil, então fazer o que? Bailemos! As personagens dos meus filmes preferidos me cercam no dia-a-dia, me energizam e me inspiram. De vez em quando, por exemplo, me encontro no carro com Thelma e Louise, naquela estrada revolucionária, afugentando os machismos encontrados pelo caminho. São tantas mulheres poderosas que me rodeiam, não apenas na vida real, mas na ficção também. Por isso decidi apresentar uma lista de filmes que me acompanha, quem sabe algumas personagens vocês ainda não conhecem e possam virar suas parceiras também. 1 - O SONHO DE WADJDA (2012) Foi o primeiro filme produzido dentro da Arábia Saudita e tem uma mulher como diretora, Haifaa A-Mansour. Wadjda é a garota que quer a bicicleta verde e tem atitudes que são pequenas revoluções no seu dia a dia, tais como usar tênis e ter um melhor amigo. O filme é a visão da vida das mulheres árabes aos olhos de uma garota que ainda está aprendendo o lugar que reservaram para ela. Ela não tem nada a ver com o mundo em que vive e isso é lindo, inspirador e delicioso. Um filme que você não verá o tempo passar e talvez leve para sua vida como eu fiz. 2 - TRANSPARENT (2014) Existe vida além do Netflix! O melhor seriado lançado nos últimos tempos é produção da Amazon (disponível no Amazon Prime Video) e já está na quarta temporada. Recomendo que você não fique mais nem um dia sem assisti-lo. A trama conta a história de um pai de três filhos, Morton, que decide assumir a identidade na qual se reconhece, Maura. O começo não é fácil, mas o relato delicado, sensível e divertido do dia a dia da família vai mostrando a evolução dos personagens, que vão confrontando suas próprias sexualidades e preconceitos. "Transparent" (perceba o jogo de palavras) fala sobre família, autoconhecimento, coragem, afeto e amor. Não lembro de nenhum outro seriado que tratou o tema tão bem como esse. Além de importantíssimo, é uma série leve e deliciosa de assistir. Vida longa à produção! 3 - SHE´S BEAUTIFUL WHEN SHE´S ANGRY (2014) Um documentário sobre as mulheres corajosas dos anos 1960, que fizeram parte da segunda onda do movimento feminista. O título é uma menção à forma condescendente com que somos tratadas em nossas lutas diárias, que ainda persiste neste século, assim como muitas das pautas retratadas no filme. O documentário é uma ótima introdução a nomes importantes da briga pelos direitos femininos. Além de ser uma lembrança de que avançamos muito por conta dessas mulheres e, em memória de suas lutas e esforços, é preciso persistir e continuar lutando. Disponível no Netflix. 4 - A MULHER MAIS ODIADA DOS ESTADOS UNIDOS (2017) Esse não é um dos melhores filmes que já vi, mas o considero bem importante, principalmente para nós, brasileiros. Se você tiver um tempinho, conheça a história de Madalyn Murray O’Hair, que militou em favor da causa ateísta, tornando-se odiada por muitos cristãos nos Estados Unidos. Um assunto que deveria ser discutido no nosso país, mas é deixado de lado. Enquanto isso vemos a religião tomar o lugar da política de forma muito perigosa. Madalyn foi a criadora da associação Ateus Americanos e conseguiu feitos como acabar com a oração matinal e a leitura da Bíblia das escolas onde vivia. A mulher decidiu agir quando seu filho disse uma frase que volta e meia me vem à cabeça: “Você sempre diz o que há de errado com as pessoas, mas nunca faz nada a respeito. Você só reclama”. Disponível no Netflix. 5 - FRANCES HA (2012) Frances já não é tão nova e ainda não tem um rumo certo na vida. Desajeitada, muito bem humorada, se mete em situações desastrosas e patéticas, sem perder a vocação para sonhadora e o sorriso no rosto. A protagonista vai aprendendo que os planos que tinha nem sempre foram os mais certeiros, ao mesmo tempo em que o resto das pessoas parece estar com o futuro todo organizado. A trilha sonora é maravilhosa, a protagonista é adorável e acho que, em algum momento, é sempre possível nos identificarmos com Frances. Uma comédia com toques dramáticos, amável e inspiradora. A vida nem sempre vai “dar certo”, mas Frances nos lembra que o importante é não perder o gingado. Disponível no Netflix. 6 - AS SUFRAGISTAS (2015) Estrelado, dirigido e produzido por mulheres. "As Sufragistas" conta a história do grupo de mulheres britânicas que lutou contra o sistema machista inglês no começo do século passado. Elas sabiam que eram dignas do voto e resolveram lutar por isso, mesmo que significasse uma vida de prisões, perseguições e sofrimentos. Tudo para que, hoje, esse direito também seja nosso. Inicialmente pacífico, o movimento recebe respostas truculentas da polícia e responde na mesma moeda. “A guerra é a única coisa que o homem ouve. Vocês nos bateram e nos traíram e agora não nos sobrou mais nada”, diz a protagonista, Maud Watts. Quando o filme acaba, a tela em preto é um soco no estômago. Sobe uma lista com datas nas quais o sufrágio feminino foi

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Meninos também podem ser presidentes? (por Beatriz Braga)

*Por Beatriz Braga A Islândia é considerado o melhor lugar do mundo para ser mulher. Não coincidentemente, foi o primeiro país do planeta a eleger uma presidente, Vigdís Finnbogadóttir. Depois de algum tempo do seu governo, um garoto se aproximou da dirigente e perguntou “meninos também podem ser presidentes quando crescerem?”. Ouvi a história na palestra da empresária islandesa Halla Tomasdottir. A plateia ri, claro. A inocência do garoto que ainda não conhece o mundo é tragicômica, mas traz a beleza do nosso ecossistema perfeito. Aprendemos pelo exemplo. Lembrei do menino e da presidente ao ver a série Big Little Lies (HBO) - uma ótima dica para sua semana. Alerta spoiler! Em uma das várias histórias paralelas da trama, uma menina é agredida no colégio e as mães tentam descobrir quem é o pequeno ofensor. As suspeitas recaem sobre Ziggy, criado por uma mãe solteira, vítima de estupro. A herança biológica, aparentemente, estaria latente em uma criança meio “esquisita”. Ninguém desconfia dos filhos do casal perfeito da cidade, mãe e pai loiros, altos, belos e educados. Mas é justamente o casal de comercial que esconde a faceta do marido agressivo. Eles acreditam que mantêm a relação abusiva em segredo, porém um dos filhos começa a dar sinais de que ouvia (e aprendia) com a relação dos pais. A herança do hábito, pois, fala mais alto. O primeiro garoto, fruto do crime, é criado ao redor de compreensão, fala mansa e carinho. A mãe olha nos seus olhos e conversa com sinceridade. O filho da família “perfeita” cresce em volta dos gritos e dos ciúmes. Enxerga na coleguinha o que o pai vê na mãe: uma propriedade. Herança é coisa séria. Não necessariamente a que engordará nossas economias, mas aquela que fará de nós os humanos que somos. Na mais nova polêmica brasileira, eu volto a pensar no exemplo que damos às crianças. Um artista fazia uma performance envolvendo nudez no Museu de Arte Moderna de São Paulo e uma garota, acompanhada da mãe, pegou no seu pé. Chamaram o artista de pedófilo, acusaram-no de erotizar a infância. O problema do mundo não está na nudez. E muito menos na criança que interage com ela. Está na forma como a sociedade trata a natureza e nos traumas que passamos para nossos filhos. Erotizamos os nossos corpos e censuramos atitudes naturais desde pequenos. Nem todo nu é erótico. Tem o que é arte, aprendizado e beleza. Enquanto nos ocupamos de reprimir performances artísticas, o machismo real, bem vestido, destrói infâncias e dá péssimos exemplos à próxima geração. A polêmica do MAM é o eco do “fecha perna, menina” que passamos a vida escutando. Censuramos a arte, calamos nossos filhos e toleramos músicas que falam das “novinhas” na balada. Sejamos vigilantes, sempre, mas vamos escolher melhor nossas batalhas. Halla Tomasdottir tinha sete anos quando viu a primeira greve de mulheres na Islândia. Doze quando Vidgis assumiu o poder. Aos 47, inspirada pelo seus modelos da infância, candidatou-se à presidência. Não ganhou as eleições, ficou em segundo lugar, mas destaca como uma vitória o impacto de sua empreitada na filha adolescente. A autoconfiança, diz ela, foi transmitida pelas gerações. De alguma maneira, a filha de Halla, o pequeno agressor, Ziggy e a menina do MAM são histórias paralelas de erros e sucessos com nossas crianças. Que tal abraçarmos a missão de, todos os dias, prestarmos atenção ao que dizemos e fazemos perto delas? Menos censura, mais arte, mais amor e mais bons exemplos, para começar.

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Nosso útero é uma prisão (por Beatriz Braga)

*Por Beatriz Braga Eu já amava Elisabeth Moss desde que ela foi Peggy Olson em Mad Men, série que retratava o mercado publicitário dominado por homens nos anos 1960. Agora ela voltou a arrasar ao interpretar June em The Handmaid´s Tale. Na Nova Iorque do século passado, Peggy coloca o filho para adoção - após ter engravidado de um dos caras importantes da agência - porque sabia que a maternidade lhe tiraria qualquer vislumbre de carreira. June, por sua vez, é escrava sexual em um país dominado por uma seita religiosa. Handmaid´s é brutal, forte e cruel. Baseado no livro O Conto da Aia, de Margaret Atwood, o mundo sofre com um grave problema de reprodução e as mulheres férteis são mantidas sob cativeiro. É um enredo dramático e violento, mas, apesar de fictício, não o vejo tão distante. Como poucos filmes de terror, o mais assustador de Handmaid´s é que podemos nos enxergar ali. A série me dá arrepios, mas não canso de assisti-la para tentar entender em que partes me identifico com aquela mulher. A personagem de Moss - longe de corresponder aos padrões ideais de beleza de Hollywood - recebe o novo nome de Offred (lê-se “de Fred”, referente ao seu dono dentro da seita) e tem três grandes versões. Primeiro, a mulher livre do passado; depois a mulher que habita seu corpo, escrava do presente; e seu verdadeiro eu, a mulher que habita sua mente. Sem nenhum direito à vida, as prisioneiras são reduzidas aos seus úteros. A metáfora está aí. Estupros, exploração do corpo feminino, o papel da religião na subjugação da mulher e, claro, a resistência. Tão pertencentes ao passado como ao presente. Se Peggy Olson de Mad Men existisse agora, o cenário seria diferente, mas ainda desanimador em muitos sentidos. Ela ainda teria que trabalhar três vezes mais por ser mulher; ainda ganharia 30% menos que os homens igualmente capacitados e, ao se descobrir mãe solteira, ainda teria sérios problemas morais e econômicos para levar sua carreira adiante. A medida que avançamos, novas montanhas surgem como obstáculos. O Conta da Aia foi escrito em 1985, mas continua pertinente. O útero, ao mesmo tempo que nos dá o poder mais incrível de todos, o de gerar vidas, também nos aprisiona. O problema não é desse órgão poderoso, claro. É que a sociedade continua não nos enxergando muito além dele. É similar ao que acontece na religião. O caos não está no nosso corpo, está na interpretação dos homens. Nascemos com prazo de validade, somos desvalorizadas no mercado de trabalho por sermos consideradas menos lucrativas, somos levadas como vulneráveis, histéricas, hipersensíveis. Ainda somos extremamente definidas pelo o que fazemos ou deixamos de fazer com nosso sistema reprodutivo. E extremamente julgadas em todos os momentos: as que não querem ter filhos e a mães, eternas rés desse mundo. A verdade é que quando Offred é estuprada em um ritual sagrado e nos fita com seu olhar enigmático, enxergo as notícias reais do meu dia a dia. De quantas maneiras nossos corpos ainda são presas fáceis no mundo em que vivo. “A liberdade, como toda as outras coisas, é relativa”. Fazia sentido em 1985 e ainda resiste. Acho que sei o que olhar dela quer dizer naquela cena. Montanhas foram erguidas e montanhas continuarão a serem escaladas. Que venha a segunda temporada. *Beatriz Braga é jornalista e empresária (biabbraga@gmail.com). Ela escreve semanalmente a coluna Maria pensa assim para o site da Revista Algomais LEIA MAIS Transe e deixe transarem O contrário do feminismo é a falta de coragem (por Beatriz Braga) Ascenderam a luz (por Beatriz Braga) Vítima, substantivo feminino (por Beatriz Braga)

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Transe e deixe transarem

*Por Beatriz Braga Max morava ao lado do bar em que estávamos. Ele, com seu micro short prateado brilhante, jaqueta cinza e longos cabelos loiros, desceu para dar uma olhada no movimento da madrugada. Elogiei o look e viramos amigos. Mais cedo, um homem tranquilamente caminhava na rua vestindo apenas uma espécie de cueca descolada em um dia ensolarado. Na porta de uma loja, o aviso: “São Francisco aceita todo o tipo de gente”. O alerta chamava imigrantes sem documentos, qualquer raça, orientação sexual, gênero… “Seja quem for, você está seguro aqui”, completava. Esta cidade é uma aula de convívio para o mundo. Nos bares, nas ruas, vemos casais gays, héteros, poliamor. Jovens e pessoas mais velhas frequentam as mesmas baladas na madrugada. É uma explosão de diversidade de cor, origens e carinho. Max nos disse que SF é assim porque, em algum lugar, os “weirdos” tinham que se agregar. A minha aposta é diferente. Em essência, sob a superfície, todos nós somos weirdos. Somos feitos de um quebra-cabeça com centenas de peças diversas que fazem de nós quem somos. Mas ao crescermos em um lugar onde ser diferente não é ok, somos orientados a seguir o rebanho. Crescemos camuflados, tolhemos nossas peças dissonantes e não nos damos conta disso. No Brasil, agora, homossexualidade pode ser considerada doença. Apesar de estar viajando no oásis californiano, hoje tomei café ao som das palavras odiosas de Trump. Aparentemente vivemos tempos bipolares. Enquanto uma parte do mundo evolui para celebrar a diversidade, outra retrocede. São Francisco é resistência. E nós, do lado verde e amarelo, andamos para trás. Por isso precisamos, cada um, ser um pedaço da resistência também. O short prateado de Max é um exemplo banal, eu sei. Mas de onde eu venho, a maioria das pessoas não parecem estar preparadas nem para esse começo de liberdade. Quando penso em enfrentar os que confundem amor e doença, acredito que o time dos que acreditam na igualdade precisa estar fortalecido. Estou rodeada de pessoas que constantemente levantam a bandeira da diversidade. Mas se estamos em um bar e alguém com um cabelo bem diferente entra pela porta, elas ainda vão olhar e comentar. O primeiro passo é reconhecermos nossas hipocrisias do dia a dia e lutarmos contra elas. Sejamos, simplesmente. E deixemos os outros serem também. Quando um dos meus irmãos me contou que é gay foi um dos momentos mais felizes da minha vida por motivos que merecem um texto só para isso. O fato veio para mim naturalmente, como deve ser. No entanto, sempre achei muito estranho o fato de alguém precisar justificar por quem se atrai ou deixa de se atrair. Notei que as pessoas esperavam que eu fosse até elas e contasse a grande novidade. O mesmo aconteceu quando uma das minhas melhores amigas se assumiu lésbica. As mesmas pessoas que reclamam de Malafaia, têm medo de Bolsonaro e postam arco-íris nas redes sociais, ainda falam coisas como “sabe quem é a nova lésbica da cidade? ” Percebi que, na prática, as pessoas não sabem lidar com uma notícia que nem deveria ser notícia. Ser gay é um dos milhares de detalhes que fazem do meu irmão e da minha amiga dois dos seres humanos mais incríveis que a Terra já teve a sorte de abrigar. Nunca precisei justificar a minha preferência por homens e ninguém deveria ter que fazê-lo. Sabe o que as pessoas fizeram quando um homem de tranças longas, barriga de fora e calça rosa pink passou na rua em São Francisco em um dia comum? Nada. “Eu fico achando que estou em um sonho”, falou um potiguar, que mora aqui com o marido, sobre ter encontrado o seu lugar no mundo. O nosso dever na vida é conceder a liberdade para o outro para ser quem se é em todos os níveis. Dos shorts prateados aos seus desejos mais profundos. “You are safe here”, repito para mim com um suspiro brasileiro. Que inveja, São Francisco. Algo me diz que viajamos para entender e voltamos para lutar. Para estar lá, atenta, a cada comentário, constrangimento e olhar torto. “Transe e deixem transarem”, será meu lema constante. E quanto a você, São Francisco, está seguro dentro de mim.

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O contrário do feminismo é a falta de coragem (por Beatriz Braga)

*Por Beatriz Braga A escritora nigeriana Chimamanda Adichie decidiu, ao perceber o peso do rótulo “feminista”, ironicamente se intitular “feminista feliz e africana que não odeia homens, e que gosta de usar batom e salto alto para si mesma e não para os homens”. Já a autora americana Roxane Gay foi mais concisa. Se autodeclarou “má feminista” e tem um livro com esse nome. Vivemos em um mundo que nos enxerga como potes de margarina. Amamos rotular e definir categorias para que possamos nos agrupar. Mas somos ruins nesse ofício. A começar por presumirmos que a humanidade inteira se encaixa em duas classificações: homem e mulher. Outro fato é que as pessoas enxergam “machista” como o contrário de “feminista”. Vejo mulheres recusando a alcunha e homens assumindo o machismo porque ou se é um ou se é o outro. Com essa polarização, muita gente perde a chance de desconstruir padrões. Feminismo é a luta pela igualdade e quebra da hierarquização dos sexos. O oposto do machismo é o femismo, ambos acreditam na superioridade do respectivo gênero. Antes, o rótulo “feminista” me incomodava. Não me julgava digna como as mulheres que queimaram sutiãs, como Dandara que lutou pelo seu povo, como Simone, Betty, Virginia, Mary Wollstonecraft. Quem sou para me apropriar do título? Logo eu que, volta e meia, me descubro machista em pequenas situações. Até que entendi o que Gay quis dizer com “má feminista”. Ela quer chamar atenção para os pedestais que colocamos nossos ídolos. Aderir à luta não significa não falhar. A escritora tem uma lista de contradições, de ouvir funk depreciativo à acreditar em contos de fada. O importante, diz ela, é se esforçar para fazermos boas escolhas. Podemos continuar ouvindo Naiara Azevedo, cantora brasileira que afirmou que o homem é a cabeça e a mulher é o pescoço. Ou podemos valorizar os artistas que acreditam na igualdade. A indústria se transforma quando o mercado consumidor exige. As músicas legais e pegajosas continuarão a existir mas, quem sabe, com rimas melhores. Se você realmente acredita na equidade, você é quase um(a) feminista. Mais do que acreditar, é preciso agir. E não entenda “agir” como “ir a uma reunião de mulheres tatuadas com pelos no sovaco” como ouvi de um homem. Entenda como se importar menos com estereótipos e fazer parte da mudança. Feministas não são só mulheres que aceitaram seus pelos. São elas e também existem as que usam salto, amam rosa, gostam de sertanejo, as que trabalham fora e as que escolheram ficar em casa e cuidar dos filhos. São as que acreditam na liberdade de ser o que quiserem. Podem também ser homens que têm coragem para, por exemplo, em um grupo de amigos, contestar a piadinha e o desrespeito. Eu sou feminista e sei que parte disso é lutar contra o machismo que ainda me habita e que me cerca. Sou membra da corrente invisível que une àquelas mulheres incríveis ao papel que tomei para mim: focar nas pequenas atitudes em todos os níveis do meu dia a dia. O contrário do feminismo é a falta de coragem. Para ir contra o status quo; “estragar” um jantar a dois ou falar sério em uma mesa de bar; quebrar silêncios e preconceitos; denunciar; ensinar; agir; constranger; ser repetitiva e, mais importante, ter coragem para assumir as próprias contradições e lutar incansavelmente contra elas. Um dia, quem sabe, aconteça a todxs o que aconteceu com Gay. “Estou tentando ser melhor na maneira como penso, e no que digo e faço, sem abandonar tudo que faz de mim um ser humano”, disse a autora na palestra “Confissões de ser uma feminista ruim”. *Beatriz Braga é jornalista e empresária (biabbraga@gmail.com). Ela escreve semanalmente a coluna Maria pensa assim para o site da Revista Algomais

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