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Crítica: Maquiavel, a democracia e o Brasil

*Por Rafael Dantas O mais recente livro de Renato Janine Ribeiro, Maquiavel, a democracia e o Brasil (pela Edições Sesc São Paulo e pela Editora Estação Liberdade), faz um mergulho nos conceitos do clássico O Príncipe e apresenta uma série de reflexões sobre a democracia brasileira atual. As rupturas e continuidades entre o contexto das monarquias e da idade média e o atual momento político ganham dimensões bem diferentes, respondendo a percepções sociais quase que opostas sobre a legitimidade e perspectiva de poder dos seus governantes. A análise de fatos passados nos principados italianos e em algumas monarquias e a comparação com as práticas de poder político no Brasil desde a redemocratização até o governo Bolsonaro são observados pelo autor sobre as lentes da fortuna e de virtù, ambas tratadas por Maquiavel. Destaque para o debate sobre o papel e a atuação das instituições que atuam na democracia e limitam o poder do governante. Afinal, qual o papel delas na transição para mudanças esperadas na sociedade ou para a continuidade do contexto social presente? O autor compreende que as instituições assumem uma relevância diferente quando se trata de países mais desenvolvidos e quando em questão está um Estado com intensas desigualdades socioeconômicas estruturais, como é o caso brasileiro. Em ambos os contextos e nos diferentes períodos em que os conceitos de Maquiavel podem ser estudados, Janine considera que uma questão transversal é a da legitimidade. Eis uma temática extremamente atual no Brasil e em outros países mesmo com longas experiências democráticas. A crise da legitimidade, que ganhou volume com a disseminação das novas tecnologias digitais, é um dos desafios intensos do panorama político nacional e internacional há alguns anos. Janine faz uma leitura histórica dos presidentes brasileiros, traduzindo suas trajetórias de acesso ao poder e de governabilidade por esses dois conceitos: a fortuna e a virtú. Como se mantiveram na gestão até o final de seus mandatos e como conseguiram vencer as eleições. Alguns chegando ao poder pela fortuna e governando com a vírtu , por exemplo. Outras experiências ascendendo e governando através da virtú. O autor não se esquiva de classificar os nossos presidentes. Trata-se de um breve passeio pela nossa lista de ex-presidentes, mas com a lente dessa percepção de Maquiavel. QUEM É RENATO JANINE RIBEIRO? Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo (USP), na qual se doutorou após defender mestrado na Universidade de Paris I (Pantheon-Sorbonne), França. Tem-se dedicado à análise de temas como o caráter teatral da representação política, a ideia de revolução, a democracia, a república e a cultura política brasileira. Foi ministro da Educação no governo Dilma Rousseff e, em 2021, eleito presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Entre suas obras destacam-se A sociedade contra o social: o alto custo da vida pública no Brasil (2000, Prêmio Jabuti de 2001) e A boa política: ensaios sobre a democracia na era da internet (2017), ambas pela Companhia das Letras, além de A pátria educadora em colapso (Três Estrelas, 2018). Pela Estação Liberdade, no fim de 2021, publicou Duas ideias filosóficas e a pandemia. ONDE ADQUIRIR O LIVRO? O livro pode ser adquirido pelo site da editora Sesc São Paulo *Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Gente & Negócios e Pernambuco Antigamente. Com especialização em Gestão Pública, ele é mestre em Extensão Rural e Desenvolvimento Local (rafael@algomais.com)

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O nosso 8 de janeiro

*Por Antônio Henrique Lucena Os eventos do domingo 8 de janeiro, em que o Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto, sede do executivo, foram invadidos por uma turba, causou perplexidade dentro e fora das fronteiras nacionais. Aproximadamente há dois anos, no dia 6 de janeiro, o mesmo movimento pôde ser visto nos Estados Unidos, com a invasão do Capitólio onde o vice-presidente Mike Pence iria confirmar a vitória eleitoral de Joe Biden, do partido Democrata, contra o republicano Donald Trump. O rito, apenas processual, de confirmação do resultado das urnas, era contestado pelo então presidente Trump com alegações falsas de fraude. A mesma dinâmica passou a ser emulada pelo presidente Jair Bolsonaro em defesa do "voto impresso" em claro ataque às urnas eletrônicas. As semelhanças dos eventos são inevitáveis: nos EUA, o então mandatário americano incentivou as pessoas a irem ao Capitólio protestar e evitar a confirmação do nome de Biden; no Brasil, Bolsonaro passou meses colocando em dúvida o mesmo processo eleitoral que o elegeu no passado e, na eleição de 2022, formou a maior bancada de direita desde 1985. O que há de comunidade entre os dois eventos? Ambos os casos foram incentivados por líderes populistas. Timothy Snyder, autor do livro Na contramão da liberdade: a guinada autoritária nas democracias contemporâneas, nos ajuda a entender o fenômeno do fortalecimento do autoritarismo. O autor americano identifica que o ano de 2011 é o início do processo de corrosão das democracias com a volta do pensamento totalitário. No ano seguinte, ocorreu o colapso da política democrática na Rússia, com a consolidação do poder de Vladimir Putin. Snyder mostra como Putin recuperou as ideias do pensador fascista Ivan Ilin (1883-1954) para dar legitimidade teórica a sua defesa nacionalista de uma grande Rússia. As redes sociais também tiveram uma grande importância na eleição de Trump, em 2016, sendo facilitada por uma estratégia de desinformação massiva (chamadas de fake news), com apoio do Kremlin, por meio de robôs no Twitter e Facebook, e onde a democracia corre o seu maior risco. Um dos estrategistas da campanha de Trump, Steve Bannon, foi um dos "oráculos" que defendia uma campanha divisionista. Bannon passou a assessorar a família Bolsonaro em algo que foi aplicado nos Estados Unidos: o uso de "verdades alternativas", como as notícias falsas, e teorias conspiratórias. O antigo planejador da campanha MAGA (Make America Great Again), promove uma visão extremista do mundo. Bannon se consolidou como um ideólogo da direita radical populista. Os movimentos de enfraquecimento da democracia podem ser à esquerda (Venezuela) ou à direita (Hungria), como ressaltado por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, que estudam o problema da atual radicalização da polarização. Em Como as democracias morrem, os autores enfatizam que o método de destruição da democracia é o mesmo para populistas de um lado ou de outro. Uma norma democrática fundamental é a tolerância mútua e a reserva institucional: os concorrentes políticos são rivais legítimos e o comedimento é necessário. Ao levar o combate institucional a seus limites, como fazem os líderes populistas, eles buscam estabelecer uma derrota permanente dos seus rivais partidários, o que leva a uma polarização sectária extrema que vai muito além das diferenças políticas. Líderes autoritários, quando não são contidos, buscam alterar o sistema para ganhar mais poder, como ocorreu na Hungria, com Viktor Órban e na Turquia, com Recep Tayyip Erdogan. As lições do Século 20 é que as instituições precisam ser defendidas para que se evite guinadas autoritárias, tiranos não podem ser apaziguados; por isso a derrota de Putin na Ucrânia é fundamental, e que golpes antidemocráticos não podem ser tolerados. Nos Estados Unidos, o ataque ao Capitólio gerou a maior investigação da história do Departamento de Justiça: 950 pessoas foram indiciadas e detidas. Que o mesmo ocorra com aos atos de terrorismo doméstico do nosso 8 de janeiro. *Antônio Henrique Lucena Silva é Doutor em ciência política, professor e da Unicap e da Faculdade Damas

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Os novos desafios da advocacia

*Por Jorge Rocha Júnior Com tantas mudanças em nosso cotidiano, sejam nas relações pessoais ou profissionais, surgiram novos desafios à advocacia. As transformações, nomeadas de "advogado 4.0”, #advocaciadigital, entre inúmeros títulos, trazem o questionamento se o profissional da área realmente deve atuar de maneira distinta de como fazia há 6, 8, 10 anos atrás. Princípios da advocacia como probidade, independência, decoro, ou seja, o que é essencial e faz parte da maneira com que se atua, são imutáveis, pois pela sua própria natureza superam a ordem do tempo. Porém, o novo advogado também deve compreender as relações que se tornam cada vez mais intangíveis, como também entender sua atuação. Os generalistas, que sempre foram criticados por se acharem “experts” em todas as relações jurídicas e expressarem sua compreensão em quase todos os assuntos, foram deixados para trás pela força do tempo. Num passado não muito distante, os especialistas em determinadas searas do direito também foram criticados por uma visão limítrofe, rotulada por lhes faltar a compreensão do todo. Por isso, ser um especialista com uma boa bagagem do cenário do direito, da economia, das relações interpessoais e principalmente da sua área de atuação, é um dos principais requisitos necessários para exercer a profissão com excelência. A LGPD, o Compliance e as mudanças das relações virtuais vieram para demonstrar que tais avanços trazem a necessidade de uma visão mais ampla da sociedade para o novo profissional. Além disso, a grande velocidade da informação impõe transformações que podem fazer com que um novo cliente se torne o novo unicórnio do momento, enquanto, em paralelo, outro cliente com maior experiência de mercado necessita fechar as portas porque não se adequou ao novo. Assim, é necessário que o novo profissional entenda em que cenário da história está posicionado e qual a melhor forma de enfrentar os novos desafios da advocacia, sem esquecer de manter o foco nos sonhos que tanto almejou quando conseguiu sua habilitação na OAB. *Jorge Rocha Júnior é gestor jurídico de organização social na área da saúde e especialista em sistema de integridade

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Desafios do Desenvolvimento para o Agronegócio no agreste pernambucano

*Por Prof. PhD Saulo Gusmão da Silva de Tarso. Pode-se discutir muito sobre o mercado da bacia leiteira e setor avícula no estado, como quais os fatores poderiam interferir na precificação do leite cru, do queijo de coalho, ou dos grãos usados na dieta das aves. Muito embora estes sejam elementos relevantes ao mercado, refletindo na capacidade de desenvolvimento do segmento, pode-se considerar que a visão de precificação do mercado esteja diretamente relacionada com questões de nível ambiental e do comportamento de consumo da população. Em Pernambuco e essencialmente no Nordeste, as propriedades rurais caracterizam-se em uma estrutura minifundiária, com vasta predominância de micro e pequenas propriedades. Isso determina a forma com que a produção se efetiva em termos de uso da terra disponível. No geral, propriedades pequenas têm sido cada vez mais expostas a ações de desmatamento, sobreuso e compactação do solo por máquinas pesadas, por conta da maior facilidade de acesso a estes implementos agrícolas. É importante perceber que o termo desmatamento tem sido implicado somente ao derrubamento de florestas em biomas como a Mata Atlântica e Amazônia, de tal maneira que a destruição de áreas de cobertura vegetal, incluindo a derrubada de árvores, não parece ser levada a sério como um crime ambiental em biomas como a caatinga e nas transições deste, tipicamente encontradas em regiões de Agreste. O impacto destas ações de desmatamento, cada vez mais frequentes em zonas rurais onde encontram-se pequenos produtores de característica familiar, tem causado um efeito de “pano de retalhos” sobre as paisagens rurais, especialmente no Agreste. Imagens de satélite dessa região mostram que o Agreste por possuir historicamente o somatório de fatores como; propriedades de tamanho menor, clima ameno com maiores precipitações chuvosas quando comparado ao sertão, o que favorece à produção de lavouras como o milho e feijão, fazem com que a terra sofra com sobreuso de maquinários agricolas pesados em áreas de extensões reduzidas. De tal maneira que, é fácil calcular o que uma hora de trator que custa hoje em tono de R$150 a 200, pode causar em uma micro propriedade, tanto em termos de compactação do solo, como em destruição e desmatamento de cobertura vegetal para expansão da produção em novas áreas. Por tudo isso, a produção agrícola e pecuária em regiões de semiárido, têm sido influenciadas pelas pressões por eficiência produtiva e por modelos impostos por centros localizados no sudeste e centro-oeste do país. Persuadidos pela falsa propaganda de que “O Agro é Pop”, ainda quando o agronegócio praticado nessas outras regiões do país é baseado na exportação de comodites e na produção latifundiária, nada tendo relação com produção rural popular. Sendo esta produção amplamente conhecida por produzir alimentos à custa de desmatamento, queimadas, altas taxas de emissão de carbono e crimes ambientais. Estes elementos nos levam a elencar a questão ambiental como principal desafio para o desenvolvimento dessas cadeias, por influenciar negativamente o consumo de uma população que tem acesso à informação e que deseja acesso a produtos ecologicamente corretos, levando assim a níveis cada vez maiores de comportamentos como vegetarianismo e veganismo. Isso implica ao produtor nordestino, a responsabilidade de uma destruição ambiental, quando na verdade, nossa região deve, ou deveria manter suas essências minifundiárias. Portanto, além do prejuízo ambiental que o centro-oeste e sudeste causam, existe a influência que estas ações geram no comportamento alimentar da população. O caminho que o nordeste tem percorrido é para um nível de destruição ambiental que além de se equiparar ao que se pratica em outros biomas, pode ter um resultado mais grave, pois a capacidade que as terras de clima semiárido têm de se recuperar de desmatamentos é infinitamente menor, comparadas com regiões de maior precipitação chuvosa, solos mais profundos e férteis. *Saulo de Tarso integra o Núcleo de Inovações Agrárias para o Nordeste e é docente do Programa de Pós-Graduação em Sanidade e Reprodução de Animais de Produção, na Universidade Federal do Agreste de Pernambuco, Garanhuns, PE, Brasil. E-mail: saulo.detarso@ufape.edu.br

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internacional paradiplomacia

Eleições 2022: Federalismo, paradiplomacia e desafios em Pernambuco e no Brasil

*Por Tiago Lima Carvalho da Silva O avanço internacional dos entes federados brasileiros evidencia a necessidade de uma melhor compreensão desse fenômeno. Embora nas décadas de 1990 e 2000 a internacionalização das cidades tenha se consolidado e se tornado uma prática mais comum, os estados federados também têm recebido atenção por suas incursões no mundo exterior. Nesse sentido, a literatura vem desenvolvendo métodos para entender em que medida tais atividades afetam os processos decisórios, inclusive a própria política externa brasileira. A política externa pode ser entendida como uma série de ações e decisões tomadas por um determinado ator (não necessariamente um estado) em relação com outros estados ou atores externos influenciados por influências domésticas e/ou internacionais. Tradicionalmente, tem sido entendido como uma "política nacional" atuar em áreas sensíveis como a integridade territorial e a soberania nacional. No entanto, a política externa de um país deve representar uma síntese de interesses diferentes e muitas vezes conflitantes. Esse caráter constitutivo da política externa a torna propensa a mudar de acordo com o governo da época e a estar vinculada a outras esferas de governo e até mesmo à sociedade. No Brasil, o Itamaraty considera que a política externa tem uma tradição histórica relativamente contínua, que remonta à época do Barão Rio Branco. No entanto, a presidência de Jair Bolsonaro abandonou essa tradição. Em 2019, várias declarações polêmicas do governo federal foram alarmantes e responsáveis pela erosão da imagem internacional do Brasil. As ações diplomáticas realizadas por Ernesto Araújo parecem seguir o que Lima e Albuquerque (2019) chamam de “estratégia do caos”. O objetivo das atividades de política externa é manter a lealdade e a agitação do eleitorado do atual presidente. No entanto, em um contexto de questionamento da validade da agenda de política externa proposta pelo governo Bolsonaro, as ações e atividades internacionais de entes federativos sugerem caminhos para atingir determinados objetivos. Destaca-se, assim, um possível ponto de virada na paradiplomacia do Brasil, que em particular tem se mostrado complementar à política externa do país, pelo menos desde a redemocratização. Partimos da hipótese de que um tom menos conciliador e progressivamente radical adicionado à agenda utilizada na chamada “nova política externa brasileira” entre janeiro de 2019 e março de 2021 exacerbaria os desequilíbrios federais e prejudicaria os governos locais, portanto, as eleições de 2022 são de fundamental importância para a futura formulação da política externa do país. 2. A PARADIPLOMACIA NO BRASIL A paradiplomacia, também conhecida como diplomacia paralela, é um termo que teve sua origem e desenvolvimento através do acadêmico Panayotis Soldatos (1990) para designar a relação de entes subnacionais – no caso brasileiro, estados e municípios – no ambiente internacional, visando a promoção de seus interesses. Originalmente, a paradiplomacia foi estudada em países norte-americanos e europeus, a partir de uma perspectiva fenomenológica (KUZNETSOV, 2015). Os estudos nos países norte-americanos estavam fortemente influenciados pelo “neofederalismo”, que marcou o processo de internacionalização dos Estados canadenses e norte-americanos, consequentemente, isso levou a maiores aprofundamentos sobre a organização federal e, bem como, aos mecanismos institucionais desenvolvidos para lidar com a nova complexidade das relações internacionais. De forma semelhante, o processo de integração europeia produziu um maior protagonismo nas regiões e cidades, que passaram a procurar por representações a partir de uma estrutura supranacional, ou seja, sem a ação direta de um primeiro-ministro. No Brasil, tal proposta de uma política externa descentralizada apenas surgiu na década de 1990, com a Análise da Política Externa do Brasil (APE). Nesse sentido, em meio ao debate sobre a descentralização da política externa, o modelo de segregação democrática passou a ser questionado, tal modelo havia, em outros momentos, caracterizado o processo decisório das relações exteriores do Brasil. Cabe destacar o importante papel de autores como Mónica Salomón (2011), Tullo Vigevani (2006) e Manoela Miklos (2010), dentre outros, nos estudos de APE, que contribuíram para a definição dos campos de atuação dos estados e municípios, na política externa do país. Ao nos aprofundar na temática da paradiplomacia é importante perceber o debate central que emerge da literatura, tanto brasileira, quanto estrangeira, em torno da dualidade risco-oportunidade na política externa de uma nação. De acordo com Duchacek (1990) e Soldatos (1990), um dos maiores riscos desse processo está na fragmentação da voz externa de uma nação e, consequentemente, os danos que isso pode trazer às ações estratégicas. Esse fenômeno marcaria o debate em torno do fenômeno da paradiplomacia e caracterizaria a tensão permanente na relação entre os governos centrais e os governos locais nas relações exteriores. Para Álvaro Branco (2011), o Brasil tem observado a paradiplomacia nas questões estruturais do próprio sistema federativo, visto que, a concentração de recursos federais tem levado a “guerras fiscais” de estados e municípios em busca de receitas. Por sua vez, o que Ironildes Bueno (2010) chamou de “ativismo internacional dos governadores” tornou-se uma prática institucionalizada no Brasil a partir da década de 1980, primeiro no Rio de Janeiro (1983) e no Rio Grande do Sul (1987) e, posteriormente, estendida a outros estados. Em seu início a paradiplomacia foi vista como um desafio ao então vigente modelo de segregação burocrática que deu os fundamentos da política externa, especialmente no âmbito federal, pois era responsabilidade da União realizar todas as atividades diplomáticas. Isso se refletiu na criação da Secretaria Especial de Assuntos Internacionais do Estado do Rio Grande do Sul (1987), que trouxe um forte foco institucional ao Ministério das Relações Exteriores e marcou a agenda internacional (NUNES, 2005). Nesse cenário, a apreensão do Itamaraty marcou os primeiros anos da paradiplomacia no Brasil, em decorrência dos riscos de contradições nas relações internacionais do país. A partir da criação da Assessoria de Relações Federais (1997) a postura de apreensão deu lugar a valorização e aceitação das ações internacionais perpetradas pelos estados e municípios, o que ampliou a legitimidade política das práticas locais. Desde então, foi desenvolvida uma política nacional de acompanhamento e incentivo à diplomacia nos níveis estadual e municipal dentro da linha geral da política externa nacional. No governo de Fernando Henrique Cardoso a premissa foi

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No mundo pós-pandemia, o trabalho ainda dignifica o homem?

Passada a pandemia, as pessoas estão demonstrando novas formas de encarar a vida produtiva. Desde o confronto da cultura da alta performance nas empresas até a priorização dos objetivos pessoais em detrimento do emprego, os profissionais da pós-pandemia demandam outras formas de relação com o trabalho. Por outro lado, nem todos os contratantes estão entendendo essas mudanças. A primeira mudança de comportamento é o great resignation, a grande demissão em tradução livre. Aconteceu durante a pandemia em muitos países quando os trabalhadores decidiram não retornar aos seus empregos após o lockdown, em busca de oportunidades menos estressantes. No Brasil, entre julho de 2021 e julho de 2022, cerca de 500 mil pessoas pediram demissão por mês. É o dobro do registrado nos anos anteriores à pandemia, de acordo com o estudo da Lagom Data e da revista Você S/A. Outro comportamento pós-pandemia no mundo do trabalho é o quiet quitting. Quando traduzido ao pé da letra, o termo significa “demissão silenciosa”. Mas, ao contrário do que parece, quem se comporta assim não tem intenção de pedir as contas. Na prática, esse tipo de profissional fica esperando o tempo passar, acessando redes sociais e aguardando a hora de largar, em vez de executar as atividades para as quais foi contratado. Um tipo de “operação padrão” em protesto à falta de perspectiva para evolução da carreira. Uma tendência também é o acting your wage, ou trabalhar com esforço proporcional ao salário. A ideia é que, se a empresa não oferece incentivos e um ambiente saudável, não há motivo para se esforçar além do limite. Nesse caso, o trabalhador faz apenas o que foi contratado para fazer — e nada mais. Em outras palavras, é o profissional que não “veste a camisa”, que não dá o “sangue pela empresa”. O protesto dessa vez é contra as condições não ideais de trabalho. Com a explosão da modalidade remota, alguns profissionais adotaram também o cyberloafing. É o trabalho para vários contratantes, ao mesmo tempo, e que pode ser feito sem sair de casa, porém de remuneração mais baixa. Dessa maneira, esse trabalhador evita o tempo desperdiçado com deslocamento e não gasta com alimentação em restaurantes. O esperado nesse modelo é o aumento da remuneração total e a melhora da qualidade de vida, atuando apenas em home office. O great resignation, o quiet quitting, o acting your wage e o cyberloafing podem não parecer novos, pois muitos trabalhadores já se comportavam assim antes mesmo da pandemia. A diferença é que, depois do Covid-19, essas atitudes passaram a ser mais conscientes e não mais isoladas. Fazem parte de um comportamento intergeracional e estão presentes em diversos países, até mesmo quando o mercado apresenta crise, com alta taxa de desemprego, como é o caso do Brasil. A conclusão é que o trabalho está deixando de ser prioridade. As pessoas estão em busca de outros objetivos na vida. Elas procuram realização pessoal, priorizam a saúde mental, mais tempo com a família etc. Não estão mais dispostas a encarar ambientes corporativos de alta competitividade, cargas horárias extensas e exaustivas, sem um propósito alinhado com seus interesses. Apesar disso, nem todas as empresas estão dando a devida atenção aos sinais claros de mudança que a pandemia gerou no mercado. Insistem em oferecer modelos de trabalho do passado. Algumas, inclusive, que atuaram em home office durante a pandemia, estão obrigando seus integrantes a retornarem ao trabalho presencial, sem oferecer alternativas ou flexibilidade, como o modelo híbrido. As empresas não estão compreendendo que um profissional equilibrado entre a vida pessoal e o trabalho tende a elevar a produtividade, o engajamento e, principalmente, a lealdade à empresa. Nessa direção, é preciso rever a medição de desempenho baseada apenas no cumprimento de horários e em metas operacionais e financeiras. Proporcionar melhores condições de trabalho, que privilegiem a saúde mental, por exemplo, se tornaram uma exigência para atrair e manter talentos no futuro pós-pandêmico. Outra forma de avaliar essas mudanças de comportamento é uma resposta inconsciente dos profissionais ao que vem sendo desenhado para o futuro do trabalho. Diante da perspectiva de que máquinas e algoritmos farão a maior parte das atividades pesadas e repetitivas, o novo modo de agir dos trabalhadores demonstra uma antecipação do cenário em que os humanos terão mais tempo livre para atividades intelectuais, sociais e de lazer. O pensamento de que o “trabalho dignifica o ser humano”, do sociólogo alemão Max Weber, parece estar perdendo, aos poucos, o sentido.

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Documentário reflete sobre as contradições do crescimento econômico na Índia

Uma cena impressionante, capitada por um drone, de um aterro sanitário nos arredores de Deli, cidade indiana. Ao fundo, a voz em off provoca: "Se essa é a aparência do desenvolvimento, imaginemos como seria o mundo sem ele". Outra sequência mostra o peso do céu maculado pela poluição ameaçando desabar a qualquer momento sobre as pessoas, sufocadas pelo calor e o mal cheiro do lixo espalhado a cada centímetro de terra. A cidade é transpassada por um rio caudaloso marrom-escuro de aparência nada saudável. Imagens que denunciam uma realidade que, tal qual monstro horrendo, sobrepõe e devora os parcos benefícios do crescimento econômico cada vez mais limitados a alguns poucos ricos. Em 1991, a Índia abriu a economia ao livre mercado e, desde então, colhe os apodrecidos frutos dessa decisão, escassez e poluição de um lado, riqueza e conforto do outro. Em Invisible Demons, o diretor Rahul Jain volta o olhar a Deli, cidade em que nasceu, e a partir dos problemas da metrópole indiana, aguça nossa percepção quanto às sequelas herdadas de um questionável desenvolvimento. Jain não se esquiva do papel de privilegiado, dos que integram o pequeno grupo que tem acesso ao conforto de um ar-condicionado, enquanto outros (por sinal, a maioria da população) enfrentam ondas de calor que ultrapassam os 50 graus de temperatura. Desenvolvimento e religião batem cabeça, trilham caminho oposto. Um barqueiro conta em desalento que, devido a poluição do rio, os rituais religiosos perderam força. Ainda assim há os que resistem, pessoas que insistem em manter suas tradições religiosas. A câmera acompanha o bailar das águas transpassadas pelos pés de mulheres que rezam, indiferentes ao lixo e dejetos. Rahul Jain extrai beleza de onde, à primeira vista, não há, através de imagens aéreas das ruas, de carros que cruzam avenidas movimentadas, mais parecendo imensa colônia de formigas. A contradição é matéria prima do projeto, que se propõe a refletir sobre as questionáveis benesses do desenvolvimento econômico que, colocadas na balança, penderão para o lado dos mais ricos. O documentário está disponível na plataforma Mubi.

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marcos baptista

Travessias do Capibaribe

*Por Marcos Baptista Andrade Em agosto celebramos duas datas muito significativas para a cidade e para o planeta. O Dia do Ciclista, no próximo dia 19, e o Dia do Pedestre, no último dia 08. De uns anos pra cá o debate sobre a importância da mobilidade ativa vem ganhando espaço e se tornando, aos poucos, políticas públicas e se transformando em ações concretas. O aumento do número de ciclovias e ciclofaixas e a melhoria da conexão entre elas é a face mais visível dessa mudança. É importante destacar que ainda falta um longo caminho de conscientização da população, especialmente os usuários de carro, de que essa é uma tendência mundial e sem volta. Cada vez mais os carros deixarão de ser os protagonistas da mobilidade dando espaço ao transporte público (que precisa se tornar plenamente sustentável em poucos anos) e à mobilidade ativa (a pé, bicicleta, patins, skate…). Espernear porque vagas de estacionamento são suprimidas para dar espaço a uma ciclofaixa ou para a ampliação de uma calçada é algo completamente desalinhado com o futuro do planeta. Ao invés disso a sociedade deveria brigar por um transporte público de qualidade e por uma cidade caminhável e ciclável. Neste sentido, é importante destacar o lançamento do Travessias do Capibaribe, um concurso nacional para o projeto de 2 pontes sobre o Rio Capibaribe, exclusivamente para o transporte ativo, além da urbanização de suas cabeceiras e ampliação de ciclovias conectando-as às já existentes. O Rio Capibaribe, nosso maior ativo ambiental, quando não conecta as suas duas margens termina funcionando como uma barreira dificultadora da integração e desenvolvimento equilibrado da cidade. Entre as pontes Torre-Parnamirim e a BR-101 só existe uma conexão dentre as margens: uma ponte para pedestres bastante precária. Não por acaso é justamente nesse trecho, que existe a maior desigualdade social entre elas. De um lado Casa Forte, Santana, Poço da Panela, Monteiro e Apipucos. Do outro Iputinga, Caiara, Detran e Cordeiro. Margens e bairros com realidades muito distintas em termos de oferta de serviço público e infraestrutura urbana. Por isso é tão urgente fazermos essas conexões. Além das duas pontes citadas, uma está em construção (Monteiro-Iputinga) e uma outra em breve será construída ligando os bairros de Casa Forte ao Cordeiro. Todas essas iniciativas se conectam e estão alinhadas com o Parque Capibaribe e com o conceito de Cidade Parque, presente no planejamento de longo prazo da cidade, o Plano Recife 500 Anos. Tanto o Plano quanto o concurso são projetos coordenados pela ARIES – Agência Recife para Inovação e Estratégia. O Plano, construído de forma participativa, expressa o desejo de em que cidade as moradoras e moradores do Recife querem viver em 2037, quando completaremos 5 séculos de fundação. * MARCOS BAPTISTA ANDRADE é arquiteto e presidente da Agência Recife para Inovação e Estratégia

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cultura organizacional

O que é fit cultural e sua relação com a cultura organizacional

Por Silvia Pedroso* Neste mundo cada vez mais globalizado, há um maior contato entre pessoas com diferentes visões de mundo dentro das empresas. Por isso, é preciso compreender o impacto da cultura organizacional no ambiente de trabalho e em seus colaboradores. Afinal, ela exerce grande influência no fit cultural e na performance. Mas, como avaliar isso? Por que é tão importante que as empresas entendam e identifiquem sua própria cultura? Cultura, por ser objeto de discussão ainda hoje no meio acadêmico, é um termo guarda-chuva: existem centenas de definições diferentes, dependendo da base teórica utilizada. Porém, o conceito de cultura organizacional está baseado em duas correntes principais: as disciplinas antropológicas (organizações são cultura) e sociológicas (organizações têm cultura). Para entender a importância de conhecer o conceito de cultura organizacional, é preciso voltar um pouco à história. Isso porque, nas pesquisas acadêmicas sobre organizações, o conceito de cultura só recebeu a devida atenção recentemente, a partir de 1980. Os modelos organizacionais buscavam identificar os fatores cruciais que afetam a performance organizacional, porém o sistema teórico e metodológico que utilizavam não abarcava o fator cultural. Em outras palavras, a diversidade de visões de mundo, culturas e experiências não eram consideradas no modelo de gestão. Isso acontecia porque a liderança não tinha consciência dos seus próprios fatores culturais até que fossem confrontados por uma cultura distinta. Em um mundo onde as mudanças são constantes, o fluxo e o dinamismo do mercado, da economia e de informações acontece em um ritmo cada vez mais difícil de acompanhar. Nesse cenário, entender o seu próprio perfil organizacional torna-se necessário para muitas empresas. É fato que as empresas precisam de um equilíbrio na sua rotatividade de pessoal (turnover). Mas como mensurar se os novos colaboradores são compatíveis com o ambiente organizacional da empresa? Além disso, é preciso avaliar também não só os aspectos culturais dos profissionais que participam de um processo de recrutamento e seleção na sua empresa, como também dos colaboradores mais experientes e que já fazem parte da organização. Para alcançar esses objetivos também deve-se pensar, por meio de um planejamento estratégico, as características desejadas dessa nova equipe a ser formada, considerando o perfil profissional de todos os colaboradores da empresa. Contemplar a cultura organizacional dentro da estratégia corporativa é uma vantagem competitiva que colabora para um ambiente de trabalho mais harmônico, e, consequentemente, para o aumento da performance empresarial. Entender a missão, visão e valores da empresa torna-se mais complexo à medida em que a organização cresce. Porém, ao investir nesse entendimento, seus resultados serão vantajosos a curto, médio e longo prazo. Além disso, compreender a cultura é fundamental para formar equipes com pessoas alinhadas à filosofia da empresa e promover o engajamento para atingir os objetivos da organização. Uma coisa é certa: a cultura organizacional pode ser construída e passar por mudanças ao longo do tempo — e isso vale, inclusive, para empresas já consolidadas. Organizações mais jovens se desenvolvem em um padrão pouco previsível, sujeito às flutuações e flexibilizações que permitem seu desenvolvimento. Este processo ocorre muitas vezes de forma pouco planejada, sem a avaliação do impacto dessas variações na performance organizacional. Por outro lado, empresas já estabelecidas no mercado podem planejar quais características prioritárias querem alcançar de forma mais consciente, previsível e planejada. Com isso, tornam-se mais competitivas e diversificadas do que suas concorrentes. Por fim, vale ressaltar aqui que a mudança na cultura organizacional e, consequentemente, a melhora na performance, requer que os membros da empresa tomem decisões difíceis: mudanças profundas em um nível coletivo necessitam ao mesmo tempo de mudanças a nível pessoal. *Silvia Pedroso é gerente de operações e projetos do Grupo Selpe, empresa de consultoria em RH que atua no mercado nacional há 57 anos, promovendo o elo entre profissionais, empregadores e culturas organizacionais.

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