Raul Lody, Autor em Revista Algomais - a revista de Pernambuco - Página 2 de 2

Raul Lody

Avatar

O inhame da Costa

Ingredientes, receitas, e comidas em âmbito cultural, social e litúrgico, identificam as matrizes africanas, trazem memórias ancestrais, sabedoria e identidades de povos e de civilizações. Destaque para as tradições do golfo do Benin, também conhecido como Costa, “costa dos escravos”, “costa da malagueta”, “costa dos grãos”, “costa do ouro”. Nela estão os Iorubá/Nagô, co-formadores dos patrimônios culturais do Nordeste, em especial, de Pernambuco. O inhame, raiz tuberosa, da família das Aráceas, está integrado ao imaginário da criação do mundo para o povo Iorubá, e às tradições religiosas dos Iorubá/Nagô no Brasil. .A designação inhame, ainda hoje, é dada às diversas espécies dos géneros Dioscorea, Colocasia, Alocasia e Xanthosoma. O inhame, ou “inhame branco”, é chamado em Pernambuco de “inhame da Costa” e “cará-inhame São Tomé”, o que preserva a sua identidade de procedência africana, no que se pode entender por “terroir”. O inhame é base para diferentes cardápios, consagradamente de matriz africana, e de consumo litúrgico nas comunidades de terreiro. Ao mesmo tempo, o inhame é uma base alimentar do cotidiano, juntamente com a macaxeira, a farinha de mandioca, o jerimum; entre os demais ingredientes que dão identidade à mesa regional. Por representar a fertilidade, o inhame integra vários pratos dedicados a diferentes orixás. O orixá Ogum, também agricultor e caçador, gosta do inhame assado e coberto com azeite de dendê; ou ainda o inhame cru. As bolas feitas com a massa do inhame apenas cozido na água, e insosso, é um complemento para receitas de caças, peixes e legumes. Essas bolas também podem ser condimentadas com pimentas, dendê, e outros temperos. O amalá é um pirão feito de farinha de inhame, segundo as receitas tradicionais iorubá; que também pode ser feito com o inhame cozido e amassado, e complementado com um guisado de quiabos, azeite de dendê, carne, pimenta e outros temperos. Esse guisado, em Pernambuco, chama-se begueri, comida ritual do orixá Xangô. Outro prato do cardápio litúrgico é o “peté” ou “ipeté” é feito com o inhame cozido, acrescido de camarões, cebola e azeite de dendê, sendo comida ritual do orixá Oxum.Inhame cozido na água e sal, feijões cozidos no azeite de dendê, milho branco cozido, pedaços de coco seco, carne temperada de aves, formam uma comida ritual dos orixás gêmeos – ibejis. _ Isso me traz a lembrança de um cântico especial para oferecimento dessa comida:“Epo mbe, ewà mbe, isu mbe”(tem azeite de dendê, tem feijão, tem inhame)Muitos outros pratos são criados a partir do inhame para a cozinha ritual e para a cozinha do cotidiano nas casas, nas feiras, nos mercados, nos restaurantes. O inhame é rico em ferro, cálcio, fósforo, vitaminas do complexo B.O maior produtor de inhame no mundo é a Nigéria, país da África Ocidental, onde se encontram os Iorubá/Nagô.Contudo, o inhame abrasileirou-se e integra as nossas receitas, compõe o nosso paladar. É uma escolha cultural, uma forma de marcar identidade à mesa. RAUL LODY.

O inhame da Costa Read More »

Comida: um espetáculo para as redes sociais

Sim, antes de comer os nutrientes, come-se os símbolos, lugares e histórias. São verdadeiros rituais de autofagia das próprias referências sociais, certamente escolhidas e processadas pelas civilizações, pelas culturas durante a formação dos paladares. Cada ingrediente, cor, textura, processo culinário, quantidade e estética do prato têm significados próprios, e passam a ser referências para legitimar pessoas e sociedades.Na comida tudo é plural, complexo, diverso e funcional. Nela sempre há importância histórica, econômica, política, religiosa, moral e cultural, porque além de alimentar a barriga também alimenta a identidade e o pertencimento. É a celebração plena do onívoro que se representa nas suas escolhas e simbolizações. E isto é fundamental para a relação do homem com o que ele come, quando come, com quem come, e se come com os outros homens ou com os deuses. Estas são algumas das muitas questões, entre tantas, que fazem da comida e da comensalidade um momento complexo do ritual da alimentação. Tudo isso se amplia com a crescente glamourização da comida, e da circulação rápida das informações, e tudo que é referente a este universo é fantástico e emocional, e nos faz ficar comovidos diante do alimento. A economia quer, cada vez mais, neste mercado de abrangência global, ordenar as regras, as modas e as escolhas do que se come com a busca pelos restaurantes “estrelados” ou na padronização extrema das grandes redes e fast food, quando come-se a mesma comida em diferentes lugares do mundo. As redes sociais fazem ferver este campo aberto que é o da comunicação pela comida. Isto é sensacional, pois mostra as arenas do grande circo midiático que vivemos no cotidiano com a espetacularização da gastronomia. Também há um crescente número de atores sociais que buscam notoriedade, fama, mercado de trabalho, e exposição midiática por meio da comida. Hoje, com certeza, a glamourização da comida afirma –se cada vez mais no universo da comunicação, e que vai muito além da boca; porque a comida traz antes de tudo um lugar privilegiado dentro das relações de poder e fama. Nas hierarquias dos “chefes” de cozinha que em alguns casos são considerados quase divindades, porque certamente oferecem ao consumo suas assinaturas e suas exclusividades em espaços verdadeiramente mitológicos. Com certeza, nestes contextos destacam-se talentos, estilos e sem dúvida interesses comerciais. . O mercado da gastronomia é voraz, e, tem fome de fama, de sabores, de memórias, de lugares, de territórios, e de pessoas. Os indivíduos são expostos ao crescente valor simbólico e midiático de onde comer, comer a comida de quem, e que tipo de comida deve comer, para se distinguir dos outros. As ondas fusion, confort food e fast food são maneiras contemporâneas de fazer e comercializar comida e, com certeza, a globalização impõe rótulos preferencialmente em inglês para informar ou afirmar glamourização. No caso do fast food, pode-se entender este processo de vender comida preferencialmente na rua, que sempre esteve integrado ao hábito do brasileiro, que geralmente come o tacacá, o acarajé, a tapioca, a pipoca, ou outro alimento de consumo fácil na rua. E não podemos esquecer da conhecida Kombi do cachorro quente que foi repaginada na nova onda do food truck.Bem, estes mercados tão diversos e dinâmicos mostram uma crescente glamourização da comida, dos chefes, dos restaurantes entre muitos outros lugares e intérpretes que se expõem muito além do alimento. Muitas vezes nem é comer a comida. É postar a comida nas redes socias, um tipo de alimentação do ego cibernético. *Raul Lody é antropólogo

Comida: um espetáculo para as redes sociais Read More »