“Violência urbana não é só um problema de polícia”
“A guerra às drogas é uma guerra perdida”. Com essa constatação, o secretário de Segurança Urbana do Recife, Murilo Cavalcanti, propõe uma nova abordagem no enfrentamento à violência nas cidades que vai além da força policial. Nesta entrevista a Cláudia Santos e Rafael Dantas, ele defende investimentos na área social, critica a intervenção militar no Rio de Janeiro e mostra os resultados do Compaz, equipamento inspirado na experiência bem-sucedida da Colômbia contra os narcotraficantes. O senhor é formado em administração de empresas. O que o motiva a trabalhar com segurança pública? Há 14 anos uma tragédia se abateu na minha família. Uma irmã sofreu um assalto, levou um tiro e ficou paraplégica. A partir daí comecei a estudar a questão da violência urbana do ponto de vista da prevenção. Logo em seguida tomei conhecimento dos avanços obtidos na segurança pública em Bogotá, na Colômbia. Imediatamente fui conhecer a política integrada de enfrentamento à violência urbana que foi colocada em prática lá, que estava chamando a atenção do mundo inteiro. Logo aprendi que a violência urbana não é tão somente um problema de polícia. Qual a influência da crise econômica no aumento da violência? A crise, que jogou milhões de brasileiros na rua do desemprego, é um dos maiores influenciadores no aumento da criminalidade dos grandes centros urbanos do Brasil. A baixa escolaridade também tem influência direta. Se fizermos um perfil de quem matou ou morreu, ou da população de um presídio, percebemos que quase 90% não tem o ensino fundamental completo. A segunda causa é o desemprego. A maioria das pessoas que está matando e morrendo, na faixa de 16 aos 28 anos, é o jovem nem-nem: nem estuda, nem trabalha, e que facilmente é atraído para o mundo do crime. Quais as saídas para essa situação? Primeiro, oferecer uma escola pública de qualidade onde esse jovem permaneça até entrar na universidade. Segundo, oferecer, ao menos num momento de transição, o que eu chamaria de emprego social para que esse jovem tenha uma fonte de renda e não vá para o mundo do crime. Seria baixar os tributos que incidem no emprego para que o empresariado possa ter uma forma de atrair esse jovem. O valor do salário, com baixas obrigações de contrapartida, é um atrativo para a empresa. Também é preciso expandir a experiência do Compaz (Centro Comunitário da Paz) nos centros urbanos do País e ter um programa nacional de alto alcance para a primeira infância. Está provado cientificamente que a criança de 0 a 5 anos que mora num lar em que o pai bate na mãe, sofre abuso sexual, vive conflitos por causa de drogas ou álcool, tem grande chance de ser um delinquente na fase juvenil. É preciso um plano nacional composto de iniciativas que abranjam desde a prevenção – trabalhar dentro das escolas, não só da periferia, mas também nas particulares, para que os alunos aprendam a cumprir as leis, as regras da sociedade, é o que chamamos de prevenção primária. Há também a parte de proteção que é identificar os grupos vulneráveis, como as prostitutas, uma parte da comunidade gay, as mulheres que sofrem abuso sexual e violência doméstica, os meninos que foram para o mundo do crime com 14, que precisam de um olhar diferenciado, que não é o olhar de polícia. A outra etapa é executada pela justiça e pela polícia, porque ninguém é romântico para achar que a gente vai resolver o problema da violência tão somente com políticas públicas. Existem assaltantes, narcotraficantes, que usam armamento de guerra e quem tem que cuidar deles é a polícia, para prendê-los, e o sistema de justiça, para julgá-los. Outra parte importante é a ressocialização, trabalhar com aqueles que foram presos e estão dispostos a ter uma vida diferente. Você dá uma chance por meio de escolas, empregabilidade, de capacitação para o mercado de trabalho. No início da sua gestão, havia um programa de emprego social. Quais os resultados? Trabalhamos com 160 meninos que cometeram algum tipo de delinquência (alguns até praticaram homicídio). Eles cumpriram pena e saíram para a liberdade. Desse total, conseguimos empregar 140, pouquíssimos voltaram a delinquir. No Compaz há uma pessoa desde aquela época trabalhando com a gente. Qual a dificuldade dessas ideias serem implantadas no País? Decisão política. Foi isso que os colombianos fizeram. A população foi para a rua com força para dizer que não queria mais viver naquele inferno e deu a volta por cima. Lá mataram seis candidatos a presidente da República, o ministro da Justiça, o procurador geral da República, só num ano em Medelim mataram 600 policias. Nós estamos perto do inferno. Mas antes de chegar no inferno o presidente da República precisa liderar esse processo, junto com governadores e prefeitos, e empreender um plano nacional que valorize a vida. Por que as políticas de segurança não têm sido eficazes em combater o narcotráfico? A guerra às drogas é uma guerra perdida no mundo inteiro. Tenho uma posição – que não é a da prefeitura, mas minha – de legalização, ou tolerância ou convivência com as drogas. Portugal fez isso, é um grande laboratório para o mundo inteiro, tem baixa taxa de homicídio ou outro tipo de violência. E o consumo de entorpecentes não aumentou com a medida. Acho que precisa ter esse avanço das autoridades públicas para acabar com esse preconceito. O menino pobre que cheira ou usa maconha é um delinquente, o menino rico que faz o mesmo é cabeça. Precisamos rever isso. Já o narcotraficante pode-se dizer que seja um problema de polícia. Mas é preciso dar a ele a chance de entregar suas armas. A Colômbia fez isso num programa chamado Paz e Reconciliação. Foi feito um acordo com pessoas que estavam no narcotráfico, nas Farc (grupo guerrilheiro Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), que passaram a receber uma bolsa do governo federal durante seis meses. Nesse período, elas eram preparadas para o mercado de trabalho. A Colômbia saiu das páginas policiais. As drogas devem ser encaradas como um
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