Artigos – Página: 16 – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

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A todas as mulheres

*Por Beatriz Braga Somos o resultado do que ouvimos e vivemos. Hoje tenho cuidado com o que falo na frente de uma criança porque me dei conta, já adulta, da influência do que absorvi na infância. Quando uma tia aconselhou-me a jamais colocar uma amiga dentro de casa “porque ela vai roubar seu marido”, entendi que mulheres são rivais. Aprendi que “ser bonita” é uma obrigação feminina quando li de um dos meus escritores preferidos da adolescência, Vinícius, um pedido de desculpas às feias. Afinal, “beleza é fundamental”. Marina Morena, Maria Chiquinha e Amélia me ensinaram que a maquiagem pode irritar o homem, que é proibido sair no mato sozinha e que mulher de verdade não tem vaidade. Você pode dizer que são apenas músicas inocentes, eu digo que é a visão do mundo sobre o papel que ocupamos nele. Essa semana é mais um ano no qual 8 de março, dia internacional da mulher, significa, para mim, algo muito além de receber parabéns rasos ou de celebrar as lutas passadas que, hoje, nos deram o direito ao voto e a melhores condições de trabalho. Não me tornei feminista por moda ou questão estética. Tornei-me feminista porque vi necessidade. Porque estou cansada de enxugar lágrimas de mulheres causadas por homens que se acham donos dos seus corpos e suas liberdades. Ou porque passei a vida ouvindo histórias de mulheres brilhantes que não ganham salários justos, que são diminuídas, mortas, estranguladas por conta de seu gênero. Tornei-me feminista porque aprendi a ser consciente dos meus privilégios, enquanto branca e classe média, e o movimento é interseccional. Tornei-me feminista porque, por mais que a bolha em que vivo seja cruel, além dela a situação é pior e é preciso continuar lutando. Ao crescer, podemos descartar as influências ruins e enxergar, a nossa volta, a força que nos rodeia. No meu caso, havia a minha mãe que, desde que me entendo por gente, repete o mesmo conselho: “jamais dependa de homem nenhum, minha filha”. Sou feminista, também, porque cansei de ver homens sofrendo por não se encaixarem no mito do macho-alfa. Tornei porque me coloquei, já faz um tempo, a ler muito e ouvir o quanto posso o que outras mulheres – negras, brancas, cis, lésbicas, trans – têm a dizer. E essa tem sido a minha maior revolução pessoal. Tornei-me feminista ao desconstruir a noção tola de rivalidade, ganhei a beleza da sororidade. Com elas, aprendi que sairemos em florestas infinitas sozinhas, nos pintaremos se assim quisermos, mostraremos nossos corpos se for nossa vontade. Renunciarei à Amélia de Maro Lago, seguirei com Lya, Simone, Luzilá, Allende, Clarice, Chimmamanda, Margaret, Alice Walker, Virginia, Angela, Nélida, Dickinson e quem mais encontrar pelo caminho. Continuarei feminista para matar meus próprios machismos de cada dia. Não me sentirei distante das operárias russas que fizeram greve no século passado e que nos deram o 8 de março, porque o feminismo ainda tem uma longa jornada pela frente ao lutar contra os milhares de costumes que fazem da mulher um ser submisso. A minha tia Benise – uma mulher sábia de cabelos brancos e mente em paz – me ligou, dia desses, para lembrar que o importante – apesar da minha raiva desse mundo torto – é não esquecer de ser feliz.  Digo, pois, que justamente por isso seguirei feminista. Para garantir a minha liberdade em construir meu próprio conceito de plenitude. Que ele não dependa do mercado, do meu corpo ou de um casamento bem sucedido. Que viver seja, até o derradeiro momento, criar uma alma mais livre, a melhor versão de mim mesma. Afinal, tornei-me feminista porque o movimento significa dar à mulher opções e não imposições. Nesta semana de relembrar as conquistas do passado e a importância das pautas do presente, a todas as mulheres brasileiras e de todo o planeta, as de sutiãs aposentados ou não, as pintadas, as naturais, as donas do lar, as empregadas, as chefes, as com útero ou as que nasceram sem, as mães e as não maternais, meu desejo é um mundo no qual todas possam ser felizes. E que isto signifique dizer: verdadeiramente donas de suas próprias felicidades.

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Respeitem os seios caídos (por Beatriz Braga)

*Por Beatriz Braga Bruna Marquezine colocou os peitos de fora e a internet se chocou. O corpo natural feminino, esse famigerado inquilino do mundo. O susto veio do fato de que a atriz – que está longe de não se encaixar nos padrões de beleza – ter “seios caídos”. A verdade é que ela apenas não tem silicone e que aparentemente estamos desaprendendo o que é um corpo natural. Impressiona-me que para milhares de pessoas, quando uma mulher mostra os seios, eles tem que ser turbinados, plastificados, empinados e todos os “ados” que o mercado nos ensinou a chamar de atraente. Até quando vamos acreditar que o que se mostra na mídia é algo tangível? E até quando ficaremos de sentinela sobre os efeitos da gravidade ou do bisturi no corpo da mulher? É carnaval e eu não queria falar dos peitos de Bruna Marquezine. Queria falar do carnaval que eu vi – dos últimos dias, da brincadeira, da rua cheia de gente misturada. Queria falar do senhor de cabelos brancos que conheci esperando a orquestra do bloco Nem Sempre Lily Toca Flauta ressoar no Recife Antigo. “São 54 carnavais com minha mulher”, disse sorridente. E o segredo? “A parceria”, revelou no auge dos seus 79 anos. A esposa não demorou a chegar, rodeada de amigas que fizeram a alegria da minha sexta de abertura. “Olhe, menina, a verdade é essa: envelhecer é uma merda. Cai tudo. Mas em compensação a cabeça fica livre”, disse uma das colegas do casal. “É verdade, hoje a minha cabeça é livre”, repetiu outra senhora de 63 anos, com um sorriso de orelha à orelha, o enfeite grande e verde na cabeça, desfilando no carnaval de rua. Aprendemos a nos odiar, a exigir o inalcançável até que, quem sabe, a vida por sua natureza simplesmente nos diz: pare de tentar, é impossível. E, então, quiçá, nos daremos a permissão de sermos livres. Estamos divididas entre o que é ser desejável ao homem – a mulher objeto de seio turbinado – e o corpo que serve ao filho – a mãe, vaca leiteira, cujo destino há de ser apenas isso. O nosso papel, neste mundo masculino, será sempre o de servir, garantido por essa eterna vigilância para que cumpramos nossos deveres. Como dizia um cartaz que vi no carnaval: “não peça desculpas por ser esse mulherão da porra”. Vamos parar de nos culpar pela natureza dos nossos corpos e por estarmos começando a entender o que é nos aceitar por completo. Este carnaval teve o de sempre. Teve, por exemplo, homem pegando na minha bunda sem permissão porque, para ele, um corpo não coberto é domínio público. Assim como tive, também, a oportunidade de distribuir as tatuagens da campanha “não é não” (contra assédio no carnaval) para as mulheres que encontrei. Eu sei que, para você aí, talvez esse gesto não signifique nada. Mas eis o que sinto: quando mulheres se conectam, uma rede poderosa começa a surgir dentro e fora da gente. E quando uma mulher desafia – mesmo que minimamente – os padrões impostos pelo mercado, é resistência. Assim como sempre que uma mulher liberta sua mente é o mundo ficando um pouco melhor, como me disseram minhas amigas foliãs lá de cima. Há que se respeitar os cabelos brancos. Melhor dizendo: há que se respeitar os seios caídos.

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Meninos não serão mais meninos

*Por Beatriz Braga Um amigo disse-me: “Estou com medo de paquerar, de as garotas acharem que é assédio”. Percebi a grande distância entre nós, homens e mulheres. A razão do receio não é do atual “radicalismo” feminista que “censura o homem” (aspas, obrigada). A culpa tem nome: cultura do estupro, pela qual não ensinamos os limites claros do respeito aos meninos. E dizemos às meninas que é normal ser assediada, traída, desrespeitada… afinal “boys will be boys”. Vamos, então, ao be-a-bá. Depois do Manifesto escrito por um grupo de francesas, entre elas Catherine Deneuve, incomodado com a avalanche de denúncias de assédio no mundo, que elas classificam como uma afronta à liberdade sexual, milhares de pessoas foram à internet explicar a diferença (nada sutil) entre assédio e flerte. Obrigada às mulheres que apresentaram o que é (ou deveria ser) óbvio ululante. Adiciono alguns lembretes à aula nível básico: NEM SEMPRE O ASSÉDIO VEM DEPOIS DO NÃO “Não é não”, lição número um. Porém, muitas vezes, a mulher não tem a chance de negar a investida. É preciso entender que o termômetro do assédio é o incômodo. Por via de regra, o assédio sempre sucede a um algum tipo de poder. E precede a sensação de inferioridade de quem sofre. Quando, em uma saída para um bar com a equipe, um chefe passou a mão na minha coxa sem permissão, ele sabia que, por algum motivo, eu não o faria passar vexame. Eu não desejava a carícia e aquele “inofensivo” toque no “joelho” mudou a forma como eu me enxergava no trabalho. Toda vez que caminhamos na rua e um homem nos “seca” de maneira “nada discreta” e nos impele a sensação de querer não estar ali, também é assédio. Mão boba, olhar depreciativo, um “gostosa” na rua, isso tudo é a ponta do iceberg. Nesses momentos ninguém se sente mais bonita. Nessas horas lembramos o espaço que ocupamos: inferiores aos homens seja pelo cargo, força, contexto (uma rua vazia, por exemplo) ou fama. Esses homens não estão necessariamente em busca de sexo. Estão fazendo uso do seu poder, como estão habituados. MULHERES TAMBÉM SÃO MACHISTAS – E SE BENEFICIAM DO STATUS QUO Ser mulher não é prefixo de feminista, afinal todos nascemos do mesmo berço patriarcal. Há o claro privilégio de ser homem na nossa sociedade e também o de ser mulher em determinadas situações. Quando se é branca, classe média, com acesso à educação de qualidade, você desfruta de vantagens que lhe mantém, em certas situações, no topo da pirâmide. Muito embora, admitir o privilégio não seja  negar o peso concedido ao gênero. Simone de Beauvoir disse que tomou consciência do feminismo quando percebeu que gozava das vantagens de ser uma “intelectual”, vinda de família progressista. Quando refletiu que uma secretária não poderia fazer as mesmas coisas que ela (escrever, viajar sozinha, debater ao lado de homens e estudar), entendeu que deveria lutar por quem não tinha voz. Quando mulheres dizem que basta de assédio e suas vozes surtem efeitos avassaladores, o status quo é ameaçado. Incomoda não apenas aos homens, mas também a muitas mulheres beneficiadas pelo establishment. São justamente essas, cujas vozes ecoam, que deveriam sair de suas zonas de segurança em nome das que não tiveram a mesma sorte. O MOVIMENTO NÃO É UMA AFRONTA À LIBERDADE SEXUAL A Marcha das Vadias começou no Canadá em 2011 e virou um dos símbolos do feminismo no mundo, para dizer que a forma como nos vestimos não é um convite, nem nos classifica. Assim como para cravar a nossa liberdade em ser o que quisermos, onde quisermos. Se você não entende que esse é o pilar da nova onda feminista, você não está lendo direito. A premissa básica é “lugar de mulher é onde ela quiser”, desde que esse lugar não seja uma imposição social e sim a sua escolha. Seja para ser dona do lar, empresária, recatada ou poligâmica. Quando um homem insiste em uma cantada inconveniente ou passa a mão na bunda de uma colega de trabalho não é liberdade sexual. É, sim, a liberdade que o homem tem de colocar o seu sexo acima de tudo com a certeza de que sairá impune. A INTERNET É PERIGOSA Em um item pude concordar com Deneuve e suas colegas: o julgamento na internet é perigoso. Vivemos na era em que é muito fácil estragar a vida de uma pessoa com um post no Facebook. Por outro lado, ainda vivemos em um mundo onde milhares de pessoas têm suas vidas marcadas, em decorrência de milhares de estupradores que agem tranquilamente. Será preciso, de uma forma ainda desconhecida, achar a temperatura ideal entre um e outro. Mas um fato é certo: quando mudamos quem é ouvido, mudamos o status quo. Agora, o momento é de escutar o que, finalmente, mulheres ao redor do mundo criaram a coragem de dizer.  O basta está apenas começando e ninguém vai pedir desculpas aos homens que foram demitidos depois da onda de acusações de assédio, sejam eles quem forem. BOYS WILL BE BOYS Temos essa mania irritante de desculpar as atitudes masculinas.  Há alguns dias, minha mãe via uma comédia romântica na Netflix e, em 10 minutos que sentei junto a ela, ouvi a frase “é que eu sou homem” duas vezes para explicar um desrespeito com a mocinha do filme.   Justificamos os erros dos homens pela sua natureza biológica, à mesma medida que castigamos as mulheres pelo mesmo motivo. Para as signatárias do Manifesto, o movimento feminista estaria colocando todos os homens no mesmo saco. Na verdade, a história é outra: estamos começando a pensar que toda mulher poderá ser ouvida, não importa de quem ela vai falar. O Manifesto não foi um desserviço ao feminismo, é mais um exemplo de que ele está incomodando (lê-se também: funcionando.) Não nos cansaremos, voltaremos ao be-a-bá. Melhor: inventaremos o be-a-bá. A paquera saudável não morrerá quando o assédio cair em extinção. Se mudarmos nossas atitudes agora, daqui a algumas gerações, nasceremos melhores.

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2018, que venha mais um ano feminista

*Por Beatriz Braga Em 2017, “feminismo” foi eleita a palavra do ano pelo dicionário Merriam-Webster, devido ao aumento de 70% nas buscas pelo termo em relação a 2016. O ano que passou não foi fácil. Perdemos Mirella, Remís e outras milhares de anônimas silenciadas. Foi o ano que ouvi de uma amiga o relato doloroso de um estupro. Foi também o que chorei junto a outra grande mulher que amo e que teve o seu corpo invadido e sua liberdade violada por um homem. Dentro de um carro fechado, fizemos nossa alcova e olhamos, pequenas, o mundo. Mais homens impunes, mais mulheres tornando-se estatísticas. Sentimos raiva. Como não sentir raiva de cada homem que passa na rua? Que me olha com desrespeito, que tenta minimizar meu pequeno espaço no asfalto? Como não me irritar a cada machismo velado? A cada sinal de que o mundo não é bom lugar para ser mulher? Como não permanecer irritada, quando mulheres perdem vidas e energia porque os homens ao seu redor são legitimados pelo poder do seu sexo? Eu poderia me ater às dores, mas em 2017 entendi o que é ser mulher. As mulheres que eu conheço transformam dor em pilastras. Quiseram cortar os seus caules, mas elas são sementes de raízes profundas. São furacões e tempestades. São fênix e são muralhas. No ano passado, o presidente eleito dos Estados Unidos foi um homem que faz apologia ao estupro. Mas também em 2017, houve um dos maiores protestos femininos da história. A Marcha das Mulheres reuniu mais de 670 manifestações em mais de 20 países para dizer que Trump não é bem-vindo. Se a era é da hashtag, tivemos: #BalanceTonPorc (delete seu porco, em francês); #NiUnaAMenos (nenhuma a menos, em espanhol); #NãoÉNão #MexeuComUmaMexeuComTodas, #NãoSejaUmPorquê, #MeuMotoristaAbusador e #MeToo (eu também, em inglês). Essa última foi compartilhada mais de 6 milhões de vezes por mulheres relatando seus contos de assédio em vários lugares do planeta. A série da Netflix com 53 indicações ao Emmy, House of Cards, foi cancelada pelas acusações de abuso sobre seu ator principal. A máscara caiu para Kevin Spacey, Harvey Weinstein, Brett Ratner, Louis C.K, James Toback, George Takei, Adam Venit, Ben Aflleck, Dustin Hoffman, Jose Mayer e uma lista que só faz crescer. As mulheres e homens que os delataram foram eleitos “a personalidade do ano” pela revista Times. O movimento culminou, neste janeiro, em um The Golden Globes de luto, com mulheres vestidas de preto, alertando que o abuso e a desigualdade não serão mais tolerados. Na índia, a ministra da Mulher, inspirada pelo que acontece nos Estados Unidos, enviou uma carta a 25 diretores e atores pedindo respeito às profissionais de Bollywood. Na Arábia Saudita, as mulheres finalmente conquistaram o direito de dirigir veículos, proibição que era símbolo do machismo no país. Começamos o mês com a Islândia se tornando o primeiro país do mundo a colocar em vigor uma lei que legaliza a igualdade de salário entre homens e mulheres. Feminismo é a palavra do ano porque foi um dos assuntos mais comentados. O termo tem se tornado mais acessível. Estamos discutindo se Anitta é feminista ou não em roda de bares, simplesmente porque agora podemos. “Girlpower” é o novo “Ramones” e emponderamento feminino tem vendido bastante camiseta. Obviamente nem tudo é perfeito, muita coisa é lucro. O mais importante é que os grandes passos acontecem no cotidiano. Cada “não” é uma revolução. Em 2018 me comprometo a criticar menos e defender mais mulheres. Afinal, cada julgamento é uma contribuição para minha própria falta de liberdade, sou eu impondo a mim mesma uma lista de proibições. Comprometo-me a usar a tática de uma amiga e responderei com um “boa tarde” a cada cantada e olhada na rua. Perguntarei “estou fazendo isso porque eu quero?” cada vez que decidir ir a um salão de beleza. Tentarei olhar no espelho e ser mais gentil com meu corpo. Lerei livros escritos por mulheres. Verei filmes dirigidos por mulheres. Lerei mais poetisas. Escutarei mais cantoras. Ouvirei mais vozes femininas. Essa será o meu grande movimento. Enquanto empresária, me comprometo a jamais enxergar um útero como prejuízo. Usarei menos sutiens desconfortáveis e sapatos cruéis simplesmente porque não sou obrigada. A nada. Eu vou às ruas este ano, marchar ao lado de outras mulheres e revigorar o sentido de sororidade que tenho aprendido. Seguirei lendo as péssimas notícias de jornal e provavelmente terei conversas tão difíceis como as passadas. Mas estamos vivendo um momento importante para a posição da mulher no mundo. Segundo o Merriam-Webster, a busca pela palavra feminismo alcança picos relacionados aos acontecimentos na vida real, desde hashtags como o #MeToo a lançamentos de séries como The Handmaid´s Tale. Tudo importa para o que o movimento crie novos ninhos. Do mais importante comprometimento comigo mesma, escolho esse: permanecerei com raiva. Por enquanto, em tempos como esse, essa é a única resposta possível às estatísticas, aos fatos e ao quebra-cabeça do qual fazemos parte. Raiva é o que me conecta às milhares de mulheres ao redor do mundo, de todas línguas, classes, raças e idades. É o que fará de 2018 mais um ano feminista. Que venham os próximos doze meses e todas as pequenas e grandes revoluções que neles couberem.

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Uma lista incrível de livros escritos por mulheres

*Por Beatriz Braga Faltam duas semanas para 2017 acabar e percebo que ao caminhar em direção ao novo ano que bate na porta, carrego comigo as leituras fortes que fiz de mulheres poderosas nos últimos 12 meses. Suas palavras me colocaram para frente e me causaram pequenas e grandes revoluções pessoais. Com o suporte delas, fiz as pazes com meu corpo; com minhas celulites e “imperfeições”; aprendi a aceitar a minha biologia; tenho entendido que existe ganhos em ver o tempo se esvair das minhas mãos; e estou tentando reconhecer as origens e raízes machistas que me circundam, sendo esse o primeiro passo para transformá-las. Busco inspiração em livros escritos por mulheres e acredito que o ano que chega será melhor pelos frutos que colhi desses encontros. Deixo aqui, pois, a minha lista de obras que li e revisitei em 2017 e levarei na bagagem para um novo ciclo mais empoderado. Aproveitando o timing do fim de ano para, quem sabe, inspirar algum presente legal por aí. 1) PERDAS E GANHOS | Lya Luft A minha frase preferida do livro é essa aqui: “A felicidade é assim: cada um, a cada dia, aceita a que o mercado lhe oferece… ou determina a sua”. A citação fica mais poderosa depois da leitura que nos traz a sugestão deliciosa de receber a passagem do tempo de forma mais tranquila e sábia. Entender que a vida, a cada ano que passa, apesar das perdas, também significa uma sucessão de vantagens. A felicidade, para Lya, é possível quando aceitamos que ela também contempla a dor, a  crueldade e  a maldade ao nosso redor. Uma passagem autobiográfica, de reflexões, desabafos e conselhos. 2) LUA VERMELHA | Miranda Gray Me indicaram esse livro na Benção do Útero e é uma ótima fonte de autoconhecimento. Somos também o que acontece dentro de nós, sangue, ciclo e natureza. O livro nos ajuda a desmistificar os estigmas que recebemos ao longo da vida sobre nós mesmas: histéricas; a menstruação vista como tabu; vergonha, pudor e etc. Miranda Gray, a criadora da Benção – movimento que acontece durante a lua cheia no mundo inteiro – explora arquétipos do ciclo menstrual e nos oferece uma visão mais plena para enxergarmos a nós e outras mulheres. Aquela sábia conclusão de que uma mulher que se conhece é imbatível. 3) TOMATES VERDES FRITOS | Fannie Flagg Esse romance clássico foi meu grande companheiro em 2017. Leve, inspirador e uma delícia de ler. O livro conta a história do encontro de Evelyn, uma dona de casa frustrada, e Ninny, uma senhora falante que mora num lar para idosos. Juntas, elas vão revivendo histórias do passado de Ninny, que giram em volta da vida de uma casal de mulheres,  Idgie e Ruth, e o café do qual são proprietárias. O livro trata, com doses de leveza e melancolia, questões pesadas, como assédio, racismo, machismo e família. Daquelas leituras de dar saudade e uma ótima fonte de inspiração para avançar por cima dos padrões impostos pelo mundo. 4) A SHORT HISTORY OF WOMEN | Kate Walbert Comprei esse livro em uma viagem aos Estados Unidos e não encontrei indicações da versão traduzida para português na internet. “A short history of women” traz crônicas sobre cinco gerações de mulheres da mesma família, levando em conta os diferentes cenários que cada uma se encontrava, desde do ano de 1914 até o começo dos anos 2000. Amei a narrativa, pois me deu mais uma noção do que venho me deparando nas conversas feministas que tenho por aí: o poder da nossa ancestralidade. Somos também o legado das mulheres que vieram antes de nós, seus traumas, dores e conquistas. O livro começa com a história de uma mulher que morreu após fazer greve de fome em nome da causa sufragista e vai mostrando o quanto o eco de suas escolhas influenciaram a vida das mulheres da sua linhagem. Mãe e filhas, esse poderoso vínculo de fortaleza. 5) O SEGUNDO SEXO | Simone de Beauvoir Se você é mulher, em algum momento sente ou entende que o seu lugar do mundo é definido pela forma que o homem enxerga a sociedade. Somos julgadas e vistas através do olhar masculino sobre o que é feminilidade, poder e mundo. Entender, estudar e buscar as pistas dessa relação da mulher com a vida ao seu redor é munição necessária para começarmos a mudar o cenário. É exatamente o que esse livro de Simone de Beauvoir é: necessário. 6) VAGINA, UMA BIOGRAFIA| Naomi Wolf O livro Vagina, de Naomi Wolf, foi alvo de muitas polêmicas quando foi lançado. O objetivo principal da obra é reformular a forma pela qual a vagina é entendida na sociedade machista. Cérebro e vagina estão plenamente conectados no corpo da mulher e é preciso levar isso em conta, uma vez que a vagina tem importância fundamental na consciência feminina. A obra é baseada em estudos científicos e na própria vida da autora.  Além disso, outros assuntos entram em jogo como a pornografia e suas consequências, sexo tântrico, estupro e etc. Vale muito a pena ler e fazer uma viagem (sem volta) para dentro. 7) MONÓLOGOS DA VAGINA | Eve Ensler Um livro leve que você vai devorar em uma semana. A obra super reproduzida nos teatros do mundo inteiro traz crônicas baseadas em histórias reais emocionantes, trágicas, hilárias e simplesmente femininas. Dar voz às mulheres em suas diferentes peles e sensações. A vagina ocupa papel de origem e central na narrativa que nos leva a refletir sobre a maneira como ela é vista e tratada no mundo inteiro. Divertido, instigante e comovente. 8) UM TETO TODO SEU Virginia Woolf buscou entender porque as bibliotecas estavam abarrotadas de livros escritos por homens e a visão da mulher sobre o mundo era escassa. Neste livro, baseado em suas palestras em universidades, Virginia discorre sobre o quanto a posição das mulheres no mundo influencia na sua capacidade de trabalhar e escrever. Uma das comparações famosas que ela faz na obra é o que

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Fiz as pazes com meu útero

*Por Beatriz Braga Eu nunca vi muitas vantagens em ter um útero, toda a vida o encarei como um contratempo. Carregá-lo significava renúncia, fragilidade e um ciclo de dor física e estorvo. Domingo passado eu fui à Bênção do útero, um movimento que acontece no mundo inteiro, em horas sintonizadas, na lua cheia. O evento conta com meditações focadas no Sagrado feminino. Criado pela britânica Miranda Gray, mulheres meditam juntas a fim de liberar as amarras de uma sociedade patriarcal. Com os pés na terra, mentalizei a árvore dentro de mim – um dos exercícios propostos – e me senti conectada a todas elas. Pensei nelas além dos oceanos, nas recifenses e em todas as outras ao redor planeta. Nas mulheres da minha vida e das que nunca vi, nem vou conhecer. Fui levada a pensar nas minhas ancestrais. Nas mulheres antes de mim que passavam a vida no puerpério, que não tinham escolha a não ser escravas dos seus úteros; em todas que foram violentadas e oprimidas; pensei nos choros contidos que me precederam; cada útero em luto da minha mãe e das mães antes dela; em toda dor de cada parto e nas alegrias depois dele. Sentindo a vibração da lua cheia, pensei nas mulheres que, naquele momento, entrariam nas estatísticas do estupro e do feminicídio. Nas que se sentem invisíveis. Desejei que encontrem nos seus ventres não a vulnerabilidade, mas a sua força vital. Não é toa que a natureza é chamada de Mãe Terra. Somos bicho, terra, lua e natureza. Domingo pude compreender minha experiência pessoal. Tomei anticoncepcional por dez anos ininterruptos e só via alegrias. Sem cólicas, fluxo controlado e pele equilibrada, era defensora dos hormônios. Além disso, eu cresci achando a menstruação uma das grandes desvantagens biológicas femininas. Por conta dela, somos vistas como irracionais e reduzidas à TPM. Há alguns meses, parei a pílula durante o tratamento de uma sinusite. Meu cabelo e minha pele viraram óleo puro e eu fiquei insuportável. Impaciente, estressada e muito sensível. Apesar disso, só de ver a cartela me aguardando no armário, meu corpo demonstrava repulsa. Após três meses e sentimentos controlados, eu me sinto mais leve e não voltarei a tomar hormônios nunca mais. Sinto-me mais conectada comigo, mais feliz. Como se depois de uma década de omissão e disfarce, eu dissesse “bem-vinda de volta” a uma versão de mim que havia esquecido. Miranda criou a Bênção do Útero porque acredita que precisamos ter consciência das vantagens do nosso ciclo natural. Num passado distante, a menstruação era vista como sagrada e fonte criativa. O patriarcalismo tornou o ciclo um tabu, algo sujo e impuro. Em algumas comunidades, mulheres menstruadas ainda são vistas como uma aberração. Há alguns anos, vi Anticristo de Lars Von Trier e tem uma cena que nunca me deixou. Na trama, a mulher se revela o Anticristo, punida pela natureza. No desenrolar do filme, o homem queima sua esposa na fogueira e, depois, é seguido por uma legião de mulheres que emergem do solo. A cena, vez ou outra, volta para mim. Mulheres mortas em nome de um único homem que representava a sociedade machista. Cada geração herda da anterior as suas conquistas, mas também seus fardos e traumas. Durante a Bênção, fiz as pazes com meu útero. Sangramos porque somos animais, porque precisamos sangrar a dor que nos antecedeu. Sangramos porque somos bruxas queimadas na fogueira. Sangramos toda vez que uma mulher é calada ou morta. Sangramos porque, todo mês, renascemos. No domingo, cada uma pegou uma carta simbólica. A minha foi a da dor, que dizia que é preciso viver intensamente cada sofrimento para, só depois, superá-lo. Sempre enxerguei essa sabedoria na minha mãe. Ela não tem medo da dor e agora acredito que essa força vem do seu útero. O exercício da carta é missão para uma vida inteira: superar o sofrimento das nossas ancestrais e garantir que o futuro herde mais a consciência da fortaleza e menos os nossos traumas. Para começar, me enxergarei nas fases da lua, reconhecerei a natureza cíclica do meu corpo e a receberei com consciência, em vez de reprimi-la. Segundo Miranda, ao termos ciência do nosso ciclo, ganhamos grandes vantagens nos nossos trabalhos, relacionamentos e vida. Carregar um útero, agora, significa ter poder. O Sagrado feminino, que eu não entendia bem, tornou-se claro. Trata-se de mudar toda uma sociedade, todas as relações humanas. Trata-se de estar conectada com a mais poderosa energia do planeta, a feminina.

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Tudo que aprendemos sobre relacionamentos está errado

*Por Beatriz Braga Existe um hábito comum no meu grupo de amigas: aquela conversa de sempre sobre as loucuras que vivemos em relacionamentos passados. Poderia dar um livro dividido em duas partes: a comédia, na qual rimos das situações bizarras que ficaram para trás, e o drama, sobre aquelas que ainda estão presas em relacionamentos destruidores. “Eu queria que você fosse virgem”. Foi o que o namorado de uma mulher que eu conheço suspirou ao seu lado. Um outro disse assim: “meu sonho é que você morasse numa bolha”. Rimos meio nervosas dessas frases que, na verdade, são o exemplo perfeito da “mulher-propriedade” que aprendemos a ser desde cedo. Não é preciso ser mulher heterossexual para viver um relacionamento nocivo. Mas eu falo de algo que vejo com uma frequência que beira ao desespero: mulheres constantemente presas a homens manipuladores e abusivos. Sabe aquele momento que o cara reclama da roupa, da bebida, do jeito que você falou com um amigo ou da sua simpatia sem sentido? E você começa a se questionar se realmente não deve ter exagerado, falado demais ou feito demais? Toda nossa vida somos levadas a nos submetermos a essas situações e nos declararmos culpadas. A verdade é que tudo que nos ensinam sobre relacionamentos está errado. A começar pelo o ideal do casamento cultivado desde cedo na vida das garotas. Não é à toa que passei vários recreios no colégio brincando de acertar a idade que iria me casar, enquanto, não muito longe, os meninos se preocupavam com nada mais que suas bolas de gude. A fórmula do casamento que conhecemos é nociva. Basta ver as pequenas tradições. A coisa mais de mal gosto que existe é quando, antes da noiva entrar na igreja, uma criança toda pomposa traz a placa com a frase “não foge não, ela está linda” direcionada ao noivo. Afinal, o “coitado” foi “arrastado” até ali. Ou pior: aquelas miniaturas que se coloca em cima do bolo, nas quais a mulher puxa o homem por uma corda amarrada ao pescoço. Depois de passar a vida toda ouvindo que “o grande dia” das nossas vidas é o que dizemos “sim” para um homem ajoelhado, a expectativa de fazer o relacionamento dar certo é toda voltada à mulher. Primeiro, temos que esperar ansiosamente pelo pedido. Depois, somos metralhadas com tutoriais de como ser a melhor mãe, esposa, dona de casa e ainda ser sexy e poderosa. Eu já ouvi várias vezes, inclusive de jovens, que se eu não pressionar meu namorado a gente nunca vai casar. O mundo sempre assume que eu estou louca para ganhar uma aliança, enquanto ele vai adiar o compromisso até onde puder. No momento em que damos uma importância extraordinária ao casamento como o grande objetivo da vida de uma mulher e ensinamos que o sucesso de uma união é sua responsabilidade, estamos sublimando que elas também devem ser resilientes em relações mal sucedidas. Minhas amigas que não conseguem se desfazer de relações abusivas têm medo de ficar só; sentimento de culpa diante do fracasso; a sensação de que ninguém além daquele homem vai entendê-la, aguentá-la, suportá-la. E, no pior dos casos, esperam que alguém as salve. Muitas mulheres ainda acham que só quem vai poder tirá-las dali é um outro homem, tal qual o príncipe encantado no cavalo branco. Apesar de ainda enxergar ao meu redor tantos relacionamentos problemáticos, acredito que um novo capítulo esteja sendo escrito naquele livro lá de cima. Quando conseguimos nos desfazer dessas relações, elas viram conteúdo para algo nunca visto em tutorial de revista feminina: o que não devemos querer. Eu agradeço aos casos abusivos do passado porque consigo ver, agora, que o que tenho na minha relação atual é exatamente o contrário. Foi, também depois de me livrar deles, que descobri o quanto era importante e delicioso estar bem e feliz sozinha. Vejo as pessoas criticando a quantidade de casais se separando atualmente, parece que o número está crescendo. Se fala que os jovens não têm mais paciência para tolerar um casamento. Eu vejo por outro lado: será que as pessoas estão com menos paciência para relações infelizes? Torço para que cada vez mais mulheres sigam esse caminho. Hoje, toda vez que alguém vem me falar que eu preciso pressionar meu namorado a alguma coisa, eu queria explicar que meu relacionamento é construído em dupla. Que, dentro dele, temos desconstruído os ensinamentos tortos que ganhamos ao longo da vida. Não existe corda no pescoço, nem anel do dedo – quem sabe, um dia, se os dois quiserem. Muito mais importante é que há, sim, respeito, parceria e igualdade. Ou, pelo menos, a busca incessante por esse tripé. As responsabilidades e as frustrações são divididas. O machismo, por sinal, é pauta quase todo dia e só vai deixar de ser quando nos livrarmos dele por completo – tanto ele, como eu também- se é que isso é possível. Reinventar tudo que aprendemos e ter coragem para ir em busca de algo muito melhor. Quem sabe será essa nossa grande revolução.

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Mulheres conectadas formam uma rede poderosa

*Por Beatriz Braga Algumas espécies de árvores possuem sistemas de raízes interligadas. O que quer dizer que sozinhos, os troncos provavelmente sucumbiriam ao vento. No momento em que as raízes se conectam umas às outras, abaixo da terra, formam uma cadeia estável e forte. Na série de sucesso Stranger Things (Netflix), a protagonista é uma garota com poderes especiais que faz parte de um grupo de meninos. A segunda temporada recém-lançada traz uma outra menina ao grupinho e a garota principal enxerga a novata como uma rival. A primeira maltrata a “adversária” apenas por ser uma garota. Eleven é uma criança poderosa, “bad-ass”, mas, quando se trata da sua relação com o sexo oposto, a série a reduziu ao clichê de mulheres sendo cruéis com mulheres. Alguém avisa, por favor, aos diretores e roteiristas que o mundo cansou dessa visão “Meninas Malvadas” que foi criada sobre nós. A nova onda de feminismo veio para lembrar que mulheres conectadas formam uma rede poderosa, tal como as árvores, que nos fortalecerá diante do status quo. É isso que acontece, agora, em Hollywood. Séries, produtores e atores caindo porque o silêncio está sendo rompido. Uma rede de histórias sobre assédios, na maior de parte de mulheres como vítimas, está ameaçando o conforto do homem poderoso que tudo pode no mundo que lhe pertence. Eu lembro da primeira vez que entendi o que era poder. Aos doze anos, fui ao veterinário pegar meu cachorro. Me sentei para esperá-lo sair do banho e lia uma revista sobre cães e gatos, quando o segurança do local se aproximou e apalpou minha coxa. Tentou subir com a mão, mas me levantei e, morta de medo, saí correndo dali. Não é necessário ser um ator ou produtor de sucesso para ser poderoso. Basta ser homem em um mundo no qual a virtude feminina é o silêncio e o recato. E que os rapazes, desde cedo, aprendem que ter um pênis significa controle e propriedade. Os homens que nos assediam ao longo da vida têm a certeza da impunidade. Não têm medo, vergonha ou receio, pois estão seguros na lógica da sociedade machista. O que está acontecendo em Hollywood mostra que o mercado e o mundo estão começando a valorizar um outro tipo de voz. A sociedade ainda é cruel com a vítima. Ainda a julga, coloca a culpa no seu vestido, no seu comportamento, na sua embriaguez. No entanto, acredito, uma rede de fios invisíveis está conectando, cada vez mais, as verdadeiras donas das histórias. Aprendi a metáfora das árvores no livro “A mãe de todas as perguntas” de Rebecca Solnit. Ela diz que nossos relatos são como as raízes. Quando conversamos e dividimos nossas vivências, vamos nos entrelaçando tal como os troncos arbóreos interligados debaixo da superfície. Quando falarmos, pedirmos socorro, denunciarmos e compartilharmos, também estaremos redefinindo a nossa sociedade. É mais fácil liderar um grupo desunido, que se odeia e é cruel com seus membros. Uma manada entrelaçada, barulhenta e unida é, por sua vez, invencível.

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Uma garota destemida incomoda muito mais

*Por Beatriz Braga Em Nova York, um touro reinava sozinho em Wall Street desde 1985.  A estátua do Charging Bull foi criada como símbolo de ataque após o crash da bolsa de valores. Este ano, em frente ao animal, ergueu-se a obra batizada de Fearless Girl (A garota destemida). Sobre a menina valente de bronze devo falar que concordo com as críticas do que se chama feminismo corporativo. A estátua foi encomendada pela State Street Global Advisors para promover o debate sobre igualdade de gênero nas empresas. Ela é, antes de tudo, uma ação de marketing em um mundo no qual as mulheres ainda são vistas como inferiores no mercado de trabalho. A verdade é que queremos mais representatividade, salários iguais e menos populismo e hipocrisia. Mesmo sabendo disso, eu adoro a Fearless Girl. A arte cumpriu seu papel ao nos levar a uma discussão importante. E ao fazer centenas de garotas que passam por ali se reconhecerem na menina corajosa. Se antes havia um touro imponente no centro das atenções, hoje, 127 centímetros femininos protagonizam a cena. Se estávamos acostumados com pouca roupa e muita bunda em comerciais de cerveja, agora veremos garotas emponderadas desafiando touros. Um começo, não é? A estátua tem enfrentado também o outro lado da crítica, a do machismo. O criador do touro de Wall Street, Arturo Di Modica, está irritado com a presença da nova peça. Quer a retirada da pequena mulher o mais rápido.  Alex Gardega, artista americano em defesa de Arturo, fez uma intervenção onde um cachorro fazia xixi na obra. Os homens alegam que a presença da Fearless Girl fere a integridade do touro. A menina desafiadora o colocaria, segundo eles, nas vezes de um vilão. Sem a sua nova adversária, o touro reinava. Agora ele está ameaçado e eu lhes pergunto: quem é o sexo frágil aqui? Uma garota desafiadora incomodando homens adultos. Não é a metáfora perfeita? Não é o que enfrentamos na rua, no trabalho e nos nossos relacionamentos? Homens intimidados por mulheres poderosas. Homens acusando feminismo de “desnecessário” porque, no fundo, não querem perder o território. Suas toneladas agressivas foram ameaçadas por uma desafiante “peso pena”, como mostra as centenas de pessoas que tiram selfies com a garota todos os dias.  Assim como as mulheres de carne e osso que seguirão dizendo que estátuas não são suficientes. Não apenas na Ilha de Manhattan, mas nos caminhos por onde passarem. Dizem que levará cerca de 170 anos para a paridade de salário entre os sexos ser uma realidade.  Até lá, acredito, os touros vão perder seus latifúndios pouco a pouco. Sobre os homens, alguns ainda precisam aprender a lidar com o incômodo diante dos passos lentos – e muitas vezes tortos – da chegada da igualdade. Enquanto a garota destemida de braços nos quadris é assediada por bêbados na madrugada e alvo de críticas por machos ofendidos, a prefeitura da cidade cedeu à pressão social e estendeu o prazo da permanência da obra (ela fica até, pelo menos, fevereiro de 2018).  Eu não sei vocês, mas eu amo essa menina valente.

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Mulheres, é preciso sair do automático!

*Por Beatriz Braga Sou mulher. Logo, não sou suficiente. Minha pele, minha bunda, meu cabelo, as marcas da minha vida são demasiadamente brutas. Devo escondê-las, podá-las, vestir a máscara. Afinal, o que será de uma mulher sem suas máscaras? Semana passada, foi o casamento de uma amiga. Meu tempo estava curto. Trabalhei o sábado inteiro e havia marcado para fazer cabelo e maquiagem assim que conseguisse largar o osso. Pouco tempo antes da cerimônia, meu namorado descansava com os pés para cima. Enquanto isso, eu deixava meu cabelo mais ondulado, minha pele mais homogênea, meus cílios maiores, meu rosto mais fino e minha boca mais desenhada. Perdi a cerimônia. Ao justificar o atraso, me ouvi dizendo que precisava “virar gente” depois de um final de semana na labuta. Mentira. Eu perdi de ver a minha amiga entrar na igreja porque entrei no modo automático de achar que não sou suficiente.Ainda estou buscando a resposta perfeita para a pergunta da minha médica: “Alguém já fez seus seios?”. Fiquei confusa. “Quem fez o que?”. “Posso indicar o meu médico, foi o mesmo da minha filha”. Ah, entendi. “Fazer os seios” significa deixá-los empinados e simétricos. Afinal, os famigerados 30 anos estão por vir. Não foi por falta de aviso. “Mulher sofre para ficar bonita”, passamos a vida escutando. Entramos, sem perceber, no looping do sacrifício. Se antes estávamos presas ao tanque de lavar, hoje vivemos acorrentadas à indústria da moda, da dieta, dos cosméticos e dos padrões inalcançáveis. Enquanto os homens ostentam roupas repetidas, cabelos brancos e rugas, tranquilamente. Nós continuamos na corrida contra a idade, contra a natureza e, na verdade, contra nós mesmas. Simone de Beauvoir acreditava na analogia da boneca. Enquanto os meninos são incentivados ao movimento e à virilidade, as garotas são instruídas a se enxergarem como bonecas vivas. Aprendemos a nos objetificar muito cedo, exatamente como os homens fazem. Essa é uma forma de opressão. Viramos carros alegóricos, ornamentos. Nesse processo, perdemos tempo, dinheiro e liberdade. Aquele velho clichê da mulher do filme de comédia romântica que acorda sorrateiramente antes do parceiro para “ajeitar a cara” e fingir que já levanta plena. Pierre Bourdieu dizia que, dentro da sociedade, ser mulher é saber “fazer-se pequena”. Pois é. Ao mesmo tempo em que os homens alargam seus gestos, abrem as pernas, levantam a cabeça e ocupam espaço, a mulher é ensinada a se comprimir.Podemos tentar nos livrar do conceito de “ser feminina”, mas o mundo sempre vai empurrar “útero abaixo” a lista infinita a que estamos atreladas. Unhas pintadas, pelos arrancados, sobrancelhas feitas, pele bronzeada, malhada, botox, lipo, silicone, cabelo hidratado, maquiagem, peeling, calcinhas apertadas, salto alto, regime, joia. Além de ser meiga, charmosa, bem comportada e discreta. As que fogem ao padrão são chamadas de “não mulheres”, “não femininas”. Enquanto a indústria da beleza fatura milhões, continuamos a ser domesticadas. É preciso sair do automático, tirar a boneca da prateleira. Esse é meu compromisso a partir de agora, minha meta prematura de ano novo. Buscar o que está do outro lado dessa realidade misteriosa e superficial do conceito do feminino. Para encontrar a minha versão natural e animalesca tão criticada. Um grito de liberdade pode surgir ao criarmos consciência do controle que há sobre nós e do controle que podemos passar a ter sobre nós mesmas. Esta não é uma ode contra à vaidade e o ego. Cuidar da gente e se sentir bonita faz muito bem.Esse é um apelo ao consumo são e às escolhas feitas de dentro para fora, com liberdade e prazer, sem imposições. Ser mulher deve significar expandir-se e não o contrário. Para começar, aceitemos melhor – e com mais carinho – a chegada dos nossos pelos, rugas, celulites e assimetrias. Um encontro real com o espelho, é este o nosso emponderamento. Para que sejamos, enfim, suficientes. *Beatriz Braga é jornalista e empresária (biabbraga@gmail.com). Ela escreve semanalmente a coluna Maria pensa assim para o site da Revista Algomais

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