Entrevistas – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

Entrevistas

“O trabalho que desenvolvemos com arte muda a vida das pessoas”

A bailarina e diretora do Aria Social, Cecília Brennand, conta como centenas de crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social vislumbraram novas possibilidades em suas vidas ao frequentarem as aulas de dança e música do projeto. Ela também fala do desafio de obter patrocínios e dos espetáculos produzidos pela organização que fazem sucessos nos teatros do Recife e do Sudeste. Além de ser fonte de bem-estar, a arte é também um instrumento que realiza, de maneira prazerosa, o desenvolvimento cognitivo, ajudando as pessoas a pensarem com criatividade e a refletirem sobre o mundo. Um exemplo desse efeito transformador da arte pode ser constatado no trabalho realizado pela organização Aria Social. Ao oferecer aulas de dança, iniciação musical e língua portuguesa, o projeto abriu a percepção de crianças e jovens de comunidades em vulnerabilidade social que vislumbraram novas possibilidades para suas vidas. E são muitas as histórias de sucesso, como a de ex-alunos que seguiram o caminho das artes, a exemplo de Madson de Paula, que mora em São Paulo e atua em musicais no Sudeste, ou Bruna Camila, proprietária de uma escola de dança na sua comunidade onde ensina 70 alunos. Mas também há casos de pessoas que ao entrarem em contato com as expressões artísticas , sentiram-se estimuladas a seguir por diferentes áreas profissionais. É caso de Fred Ramon, que passou em nove universidades americanas e hoje estuda Ciência da Computação e Estudos Globais na Whittier College, em Los Angeles (EUA), ou Ruth Gomes, que faz mestrado na área de fisioterapia. “No Aria, 60% nos nossos alunos vão para a universidade”, orgulha-se Cecília Brennand diretora da entidade que atende 520 alunos, com idades a partir dos seis anos. Bailarina e ligada às artes, Cecília concebeu a organização inspirada num projeto da Edisca, de Fortaleza, e também inclui entre as atividades apresentações de espetáculos de dança, que já percorreram vários teatros no Recife e no País. Nesta conversa com Cláudia Santos, realizada na bela sede do projeto, situada no bairro de Piedade, ela conta a trajetória do Aria Social, fala dos desafios de obter patrocínio e dos planos para o futuro do projeto. Como começou sua trajetória no mundo das artes? Minha formação é em dança. Quando decidi me dedicar a essa arte, não havia faculdade de dança aqui, então fui aprender com Mônica Japiassú. Sou cria dela em todos os sentidos, na forma de pensar, de dançar valorizando a expressão verdadeira, a emoção, a beleza do movimento que vem de dentro para fora. Não conheço ninguém que deu aula para criança como ela. Com formação clássica, estudou na Rússia, fez arte dramática com Fernanda Montenegro e foi responsável por trazer a arte moderna para Pernambuco. Comecei como bailarina e, aos 16 anos, passei a dar aulas de dança no salão e no jardim da casa onde morava com minha mãe, na rua Benfica. Dei aulas de dança para crianças e de alongamento para adultos durante 10 anos, mas meu forte foi trabalhar com o público infantil. No final dos anos 1980, comecei a fazer produção de espetáculos, foi quando conheci o coreógrafo tcheco Zdenek Hampl, por meio de Mônica Japiassú. Em 1991, abri a produtora Sopro de Zéfiro. Depois, passou a se chamar Aria, quando abri o CNPJ para o Projeto Aria Social. Como produtora na Sopro de Zéfiro, fiz três espetáculos, todos coreografados por Zdenek Hampl. Um deles inspirado na obra de Francisco Brennand e os outros dois foram Peles da Lua e Lua Cambará, que é um conto de Ronaldo Correia de Brito com música composta por Zoca Madureira. Depois entrei para as artes plásticas, atuei 10 anos com uma galeria aqui onde funciona hoje o Aria Social. Fiz muitas exposições importantes, como a de Siron Franco. Mas amo dar aulas. Comecei o Aria dando aulas de dança para crianças. E como surgiu a ideia do Aria enquanto projeto social? Quando minha mãe alugou a casa, na época em que eu era bailarina e produtora, fiquei sem espaço para dançar e sem escritório. Então, surgiu a ideia de construir o Aria para ser um templo da arte, um espaço para produção de espetáculos. Compramos o terreno em Piedade, o bairro onde eu morava e que, na década de 1990, era um deserto, mas havia o projeto de construção do Shopping Guararapes e sabíamos que ia crescer. O nome era Ária Espaço de Dança e Arte porque era destinado à dança mas, por influência da minha mestra Mônica Japiassú, eu queria abrigar as outras artes, como artes plásticas e música. Em 2004, conheci em Fortaleza o Edisca, um projeto social com dança, aula de artes, refeitório para as crianças. Era incrível! Tinha até um trabalho com as mães. Fiquei louca pelo projeto e pensei: é isso que quero para minha vida. Até então, aqui, praticamente, só acontecia dança, porque as crianças não tinham tempo, faziam outras atividades como inglês, computação, e a maioria não tinha orçamento para fazer dança e música. Então, eu planejei: “com um projeto social, vou conseguir patrocínio para que as crianças possam vivenciar a música também”. Em parceria com a Escola Conviver, tinha indicações de quem estava precisando, como os projetos Casa Carolina e Pró-Criança. Comecei o Aria Social com 50 alunos de canto e havia 300 alunos particulares. Aos poucos foram entrando mais alunos no social e fui fazendo uma transição. Depois, além das aulas de dança, a escola toda passou a fazer aula de música. Qual é a configuração do Projeto Aria Social hoje? Quais atividades que vocês promovem? A escola inteira vivencia aulas de dança e canto. As crianças aqui têm aulas de dança, canto, flauta, violão, língua portuguesa. Temos a turma de Arte-Educação, com mais de 350 crianças, a partir dos 6 anos de idade, e a turma de Formação Artística, com cerca de 60 jovens, entre 16 e 17 anos de idade, que querem realmente vivenciar a vida artística, têm uma carga horária bem maior, de três dias na semana, a manhã toda, inclusive almoçam aqui. São

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“A eficiência na gestão municipal e capacitação na captação de recursos são fundamentais”

Presidente da Amupe e prefeito de Paudalho, Marcelo Gouveia, fala dos desafios dos gestores municipais diante das consequências da Reforma Tributária e da reoneração da alíquota da Previdência Social. Também informa as iniciativas da associação para auxiliá-los nessas questões e nas ações que visam contribuir com a qualidade da gestão e com a obtenção de investimentos. Os municípios pernambucanos e brasileiros enfrentam uma série de desafios de gestão e de orçamento, conforme ex plicou Marcello Gouveia, presidente da Amupe (Associação Municipalista de Pernambuco) e prefeito de Paudalho. Entre as preocupações que estão no radar das prefeituras, ele destacou a discussão da reforma tributária e as reonerações previdenciá rias, que impactam diretamente as finanças municipais e de mandam ajustes nas estratégias de arrecadação e gestão. Para enfrentar esses obstáculos, ele considera que é fundamental fortalecer o movimento municipalista brasileiro, bem como a própria capacitação dos gestores e de suas equipes, preparando-os para lidar com as complexidades fiscais e legais que afetam o trabalho das prefeituras. Além de discutir esses desafios, em entrevista ao repórter Rafael Dantas, o prefeito apresentou iniciativas da Amupe voltadas para o fortalecimento das administrações locais. A entidade também está implantando um setor de captação de recursos e planeja um núcleo de engenharia, que deve funcionar já no começo de 2025, para auxiliar municípios menores em obras de infraestrutura. Com essas iniciativas, a entidade busca não só otimizar a gestão pública, mas também ampliar o acesso a novas fontes de financiamento para atender às demandas da população. Nesta semana, em Gravatá, Gouveia espera receber aproximadamente 150 prefeitos, recém-eleitos ou reeleitos no Seminário Novos Gestores, nos dias 11 e 12. Diante dos 185 municípios pernambucanos, a adesão esperada ao evento, focado em capacitação, supera os 80% de representatividade dos gestores que estarão à frente das prefeituras do Estado a partir de janeiro de 2025. Hoje, o que o senhor apontaria como o maior desafio para a gestão dos municípios? O maior desafio ainda é a Reforma Tributária. Ela vai nortear os rumos do Brasil nos próximos 20 anos. Neste momento, a CNM (Confederação Nacional dos Municípios) e a Amupe estão de olho principalmente nos movimentos da aprovação das leis complementares da reforma. Outra preocupação central é a questão previdenciária. Ela permanece como um dos grandes de desafios, pois foi aprovado entre o ano passado e este ano a desoneração, mas também terá reoneração. É preciso aumentar a arrecadação dos municípios para conseguir pagar o acréscimo das reonerações nas previdências do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Outro desafio é para a capacitação e formação dos novos quadros e de gestores municipais para dar continuidade ao trabalho das prefeituras que estão encerrando seus ciclos. Como o senhor mencionou, algumas das bandeiras dos prefeitos são as dívidas previdenciárias e a desoneração da folha de pagamento dos municípios. Houve avanços e retrocessos nesse debate acerca das alíquotas pedidas pelos prefeitos. Como estão essas questões atualmente? A alíquota do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) para os municípios caiu de 20% para 8%. Mas ela será reonerada a partir de 2025 de forma gradual. No ano que vem será 12%. Depois, em 2026, ela vai subir para 16%. A partir de 2027, essa alíquota vai retornar aos 20%. Então, será uma reoneração da contribuição previdenciária distribuída nos próximos anos. Isso é um grande desafio para os municípios. Neste ano tivemos uma melhor condição nas arrecadações relativas ao ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e um aumento do FPM (Fundo de Participação dos Municípios) que nos deu condição de gerirmos as prefeituras de uma maneira mais equilibrada. Mas, os municípios precisam encontrar formas de aumentar as suas arrecadações para dar continuidade ao trabalho dos prefeitos atuais, atendendo às demandas da população que afetam diretamente na qualidade de vida dos municípios. O Seminário Novos Gestores, da Amupe, que acontecerá nesta semana, tem como um dos objetivos capacitar o prefeito e a sua equipe. Quais são as demandas que eles enfrentam na gestão e que requerem capacitação? A capacitação é necessária em todos aspectos. Um exemplo: muitos prefeitos têm origem na iniciativa privada, como é o meu caso. Eu vim do ramo da construção civil. Quando chegamos na prefeitura, temos boa vontade, sabemos o que queremos fazer na gestão, mas temos que enfrentar amarras legais sobre o que pode ser feito e como precisa ser feito. Então, é importante desenvolver essas capacitações em diversas áreas, de forma até transversal. O gestor precisa estar preparado para gerir a saúde, a educação, compreender a Lei de Responsabilidade Fiscal, são muitos temas. Então é importante ter uma visão geral da gestão municipal. Além de contribuir para a capacitação, que resultados vocês esperam obter com a realização desse congresso com os prefeitos? Há estimativa de quantas pessoas estarão presentes? O nosso principal foco nesse evento é formação e capacitação, bem como o fortalecimento do movimento municipalista. Este ano, é um momento de apresentar a Amupe aos novos gestores que foram recém-eleitos. Nossa expectativa é receber 150 prefeitos. A Amupe é uma instituição que se aproxima de cinco décadas de atuação no Estado. Quais os serviços ou apoios que ela oferece aos municípios? O principal serviço da Amupe é representar os municípios em causas que eles não conseguem enfrentar sozinhos. Pautas em que é preciso uma ação coletiva. Por isso, a Amupe, em Pernambuco, e a CNM, no País, trabalham em causas junto ao Congresso Nacional, ao Governo do Estado, ou mesmo aos órgãos de controle. É uma atuação representativa dos gestores municipais. Embora representem todos os municípios, é uma atuação que tem um foco maior nas pequenas cidades? Atendemos aos pequenos e médios municípios mas as conquistas que buscamos atendem a todos, como foi o exemplo da redistribuição do ICMS em Pernambuco, que atendeu os maiores e menores. A conta que foi proposta é feita pela arrecadação per capita. Isso foi um pleito que partiu da Amupe. Nenhum município sozinho lutando obteria êxito. Essa representatividade é nesse sentido. É nesse sentido que estamos também no Congresso Nacional,

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Pierre Lucena: “Esperamos um público no REC’n’Play maior do que o do ano passado”

Presidente do Porto Digital anuncia as novidades do evento, como a ampliação das Arenas de Robô, Gamer e de Negócios, a realização de um programa de auditório só com mulheres comandado por Regina Casé e muitas atividades relacionadas à IA. Fala ainda da expansão do parque tecnológico para outros Estados e países e das ações para a internacionalização de empresas do setor. No ano passado, o REC’ n’Play teve 61 mil inscritos para com parecer as suas atividades que combinam conhecimento, tecnologia, economia criativa, negócios, cultura, arte e ino vação. Este ano a previsão do Porto Digital, segundo seu presi dente, Pierre Lucena, é de superar esse número chegando a 70 mil pessoas que poderão assistir a cerca de mil palestrantes e participar de mais de 700 atividades. O tema do evento deste ano é O Futuro nos Conecta que vai embasar trilhas de atividades como O Futuro do Marketing, O Futuro do Esporte, O Futuro do Carnaval, O Futuro da Política, em que o prefeito João Campos será entrevistado. A inteligência artificial é outro foco do festival, com palestra com players dessa área, oficinas e a inovação da Casa da Inteligência Artificial, que será na Escola do Porto Digital, e vai trazer 10 artefatos de IA, como uma mão que joga damas sozinha ou um compilador de história, onde a pessoa conta uma história para um avatar e ele produz um livro na hora. Outra novidade desta edição será o pro grama de auditório só com mulheres, que acontece na abertura do evento, comandado pela atriz Regina Casé. Nesta conversa com Cláudia Santos, Pierre Lucena conta como será a edição do REC’n’Play, que acontece de 6 a 9 deste mês em várias localidades do Bairro do Recife. Ele também fala da operação do Porto Digital em Aveiro (Portugal) e dos processos de internacionalização de empresas de tecnologia incentivados pelo parque tecnológico. Quais são as novidades do REC n’Play este ano? O tema do REC ‘n’Play deste ano é O Futuro nos Conecta. Vamos discutir o futuro, porque as transformações estão sendo muito rápidas, mais do que todos estávamos imaginando. Nesse sentido, teremos uma série de trilhas como O futuro do Marketing, O futuro do Esporte, O Futuro do Carnaval, O Futuro da Política, em que o prefeito João Campos será entrevistado. Na abertura do REC n’Play, vamos fazer algo diferente: um programa de auditório só com mulheres. Vamos trazer Mariana Pinkovski, que é a diretora do Porto Digital para discutir o futuro, a indígena Alice Pataxó e Antonella Galindo, a primeira professora trans da Faculdade de Direito do Recife da UFPE. Também haverá uma atração musical que é Joyce Alane. A comandante do programa de auditório vai ser Regina Casé. Vai ser às 10 horas da manhã no Cais do Sertão. No primeiro dia também teremos um evento com o Prefeito João Campos e a galera do brega, às 12h. No primeiro dia ainda teremos uma palestra de Luiza Trajano. Já na sexta-feira, teremos a governadora Raquel Lyra participando de um debate na Arena de Negócios com as startups pernambucanas, algumas delas do Porto Digital, falando de empreendedorismo. Neste mesmo dia à tarde, vamos receber a ministra Anielle Franco e o deputado estadual do Paraná Renato Freitas. Vai ser uma sessão conjunta para discutir política. Teremos também uma pista de skate, que será montada no Cais do Sertão e vamos ter a presença do skatista campeão Bob Burnquist. Esperamos um público maior do que o do ano passado, quando tivemos 61 mil inscritos. Nesta edição, no início da semana, já tínhamos 34.412 inscritos, eram 21 mil inscritos no mesmo período no ano passado. Ou seja, teremos um público maior do que 2023, e isso mostra a consolidação do evento no Recife, mostra que a cidade vai se envolvendo com esse processo de inovação. É um evento democrático e gratuito (você tem apenas que fazer inscrição no site recnplay.pe), para que todos possam ir e para que as discussões cheguem ao maior contingente de pessoas. Também queremos atingir públicos de diferentes faixas etárias, temos uma trilha 50+ e no sábado será o dia das crianças: haverá atividades com robô, pintura, e estamos trazendo memórias afetivas da cidade para dentro do REC’n’Play. Por exemplo, há 30 anos, havia o banho de carro-pipa na festa da Vitória Régia, então, vamos fazer um banho de carro-pipa de mangueira no Marco Zero pela primeira vez, às 11h30, para a criançada. No sábado à tarde, haverá o cortejo do Bloco do Mundo Bita, que é um empreendimento que nasceu no Porto Digital. Teremos vários blocos e cortejos de Carnaval para adultos também, dentre eles o Vassourinhas, as Sambadeiras e o Homem da Meia-Noite fechando o cortejo. No fechamento do REC n’Play haverá a Noite dos Tambores Silenciosos, que faz parte do que mais importante temos na cultura pernambucana, que é a sua raiz. Queremos sempre unir tecnologia e arte, passado e futuro, e que este seja o espaço de discussão da cidade. No ano passado a Arena de Robôs e a Arena de Game fizeram muito sucesso. Este ano também elas vão acontecer? Este ano elas estão bem maiores. A Arena de Robôs está na rua do Bom Jesus e vai estar imensa. É um espaço bem legal que a galera fica construindo robô e acontece a batalha de robôs no final da tarde. Já na Arena Gamer estamos esperando uma frequência de, pelo menos, umas 6 mil pessoas por dia. Ela vai ser montada na rua do Apolo, na Casa Malassombro. Assim como a Arena de Robôs, muitas outras atividades também serão realizadas na rua, o dobro do que tivemos no ano passado. Temos dois auditórios de rua, como o espaço gigante do Banco do Brasil, o espaço da prefeitura, o Conecta, o espaço do governo e um auditório apenas de IA. Inclusive vamos ter quatro palcos este ano: o palco na Praça do Arsenal, que é o palco Recife Cidade da Música, da prefeitura, o palco Pernambuco Meu País, que é do

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Wendell Kettle: “O público pernambucano é, sim, afeito à ópera.”

Diante das dificuldades de criar espetáculos operísticos no Recife – como a falta de patrocínio e de espaços para exibir as apresentações – o maestro Wendell Kettle, que coordena a Academia de Ópera e Repertório, persiste no trabalho de tornar essa arte mais conhecida em Pernambuco. Ele fala sobre as produções que montou, como O Menino Maluquinho com elenco só de crianças. O maestro Wendell Kettle, uma das figuras centrais da cena operística atual em Pernambuco, compartilha sua visão sobre o panorama atual da ópera no Estado. Doutor em Regência Sinfônica e Operística pelo Conservatório Estatal Rimsky-Korsakov, de São Petersburgo (Rússia), ele atua como professor da UFPE e coordena a Academia de Ópera e Repertório e a Sinfonieta UFPE. Ele é o idealizador do Festival de Ópera de Pernambuco que chegou à sua quinta edição, um evento que desempenha um papel fundamental na promoção e valorização da ópera local. Ao longo da entrevista, o maestro aborda os desafios enfrentados para manter viva a tradição operística em Pernambuco, como a recuperação de obras históricas do compositor Euclides Fonseca. Ele destaca o sucesso do festival que, não apenas promove óperas clássicas mas, também, abriu espaço para produções protagonizadas por crianças, como a inédita montagem de O Menino Maluquinho. Para Wendell, a melhoria dos instrumentos de financiamento, o desenvolvimento de novos espaços para recepcionar os espetáculos e a formação de público são essenciais para garantir a sustentabilidade e o crescimento da ópera no Estado. Como você descreveria o panorama da ópera em Pernambuco? Há uma história das realizações operísticas em Pernambuco que podemos verificar, inclusive, no livro A Ópera no Recife, apoiado pela Funcultura. A partir desse livro, percebemos que já havia uma atividade operística no Estado. Em agosto de 2016, eu comecei minhas atividades como professor da UFPE e, de lá para cá, tenho desenvolvido uma linha de trabalho na universidade, reunindo cantores extensionistas entre alunos das instituições musicais da Região Metropolitana do Recife. São pessoas formadas, outras que já estudaram canto lírico, enfim, iniciamos um projeto de educação por meio dessa linha de trabalho e, há oito anos, desenvolvemos esse grupo. Em 2019, criamos o Festival de Ópera de Pernambuco. Além das óperas tradicionais do repertório internacional – essenciais para a formação dos cantores – nossa filosofia de trabalho tem um foco especial também na ópera Pernambucana, nordestina, brasileira. Então, seguimos nesse sentido, conforme demonstramos por meio da recuperação das obras de Euclides Fonseca, da montagem da ópera A Compadecida, que foi uma das nossas maiores realizações até o momento. Agora, também com esse viés da ópera infanto-juvenil. Deve haver outras manifestações lírico-musicais permeando a vida operística de Pernambuco e toda confluência é muito bem-vinda para que essa linguagem possa, cada vez mais, florescer e se solidificar como uma manifestação artística genuína do nosso Estado. Além dos artistas locais, essa cena da ópera pernambucana tem atraído pessoas de outros Estados? Este ano, além de alunos das nossas universidades irmãs do Nordeste, das Universidades Federais do Rio Grande do Norte (UFRN), da Paraíba (UFPB), de Campina Grande (UFCG) e de Alagoas (UFAL), tivemos uma participação também de alunos de outras regiões. Vieram estudantes das Universidades Federais do Rio de Janeiro (UFRJ), de Goiás (UFG) e de Minas Gerais (UFMG). Foi um congresso muito rico, uma troca de informações, um intercâmbio entre os nossos alunos extensionistas da UFPE, do Recife, com todo esse pessoal que veio para o festival. O que você destaca do 5º Festival de Ópera de Pernambuco deste ano? Quais foram as inovações? O 5º Fope (Festival de Ópera de Pernambuco) teve, entre os pontos interessantes, a estreia de uma ópera infanto-juvenil, na faixa etária entre 8 e 13 anos, sobre O Menino Maluquinho, de Ziraldo. Era um sonho antigo trazer o mundo da ópera para as crianças. Há outras referências de óperas sobre O Menino Maluquinho mas nosso diferencial é fazer uma ópera só com crianças cantando. A temática foi um pouco diferente das outras óperas também pois retratou as sensações e as emoções que perpassam a vida da criança, principalmente quando ele descobre uma das mais nobres sensações humanas que é o amor. Vocês seguiram apresentando obras de Euclides Fonseca no festival? A segunda montagem do festival deste ano seguiu nossa linha de recuperação musicológica de todas as obras de Euclides Fonseca, que é nosso grande compositor de óperas pernambucanas. Recifense, ele atuou entre a segunda metade do Século 19 e início do Século 20. Em festivais anteriores, já havíamos recuperado Leonor, que é a primeira ópera pernambucana, e Il Maledetto, um drama bíblico baseado na história de Caim e Abel. Agora, recuperamos A Princesa do Catete. Essa é uma ópera com uma parceria de valor cultural inestimável para Pernambuco porque o libretista é Carneiro Vilela, um dos cofundadores da Academia Pernambucana de Letras. Então, ficamos felizes de trazer à tona essa ópera, há muito esquecida, não se sabe nem se já havia sido, de fato, apresentada em Pernambuco. Finalizamos, então, o Fope deste ano com uma ópera muito conhecida e apresentada, uma das grandes obras do repertório internacional operístico que é O Elixir do Amor, de Gaetano Donizetti. Como foi a resposta do público ao festival? Foi um evento fantástico, ficamos muito satisfeitos com o resultado e concluímos, mais uma vez, que o público pernambucano é, sim, afeito à ópera. Ele busca por esse tipo de espetáculo e estamos tentando, com todos os esforços, que a realização do festival mantenha viva a chama da ópera no nosso Estado. O Menino Maluquinho foi a primeira ópera cantada apenas por crianças num festival. Quantas crianças participaram do espetáculo? Este ano, conseguimos colocar O Menino Maluquinho na programação e ficamos curiosos para saber como isso ia acontecer, pois era a primeira vez que uma ópera cantada só por crianças, se acoplava à programação de um festival operístico e foi um sucesso retumbante. Ficamos muito satisfeitos com a receptividade da sociedade como um todo, o teatro ficou lotado todos os dias. Emplacamos essa linguagem nessa faixa etária e também entre

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“É preciso criar atividades escolares que permitam os usos pedagógicos dos celulares”.

Com a sinalização do Governo Federal de banir smartphones nas escolas, o head de pedagogia da PROZ Educação e professor da CESAR School e da UFPE, Luciano Meira, ressalta que o maior problema é o acesso dos alunos às redes sociais e às Bets e que os dispositivos podem auxiliar na criação de aulas que encantem os estudantes. Banir ou não o celular das salas de aula? O debate se espalhou no Brasil motivado por pais preocupados com o uso constante que seus filhos fazem desses dispositivos e de pesquisas que mostram os prejuízos que esses onipresentes aparelhos causam aos alunos, como a desconcentração. Países como a Finlândia – tida como exemplo de qualidade na educação – e estados como o Rio de Janeiro proibiram o uso nas escolas. O Governo Federal também sinalizou que pretende propor uma lei vetando os smartphones do ambiente escolar. Mas o professor da CESAR School e head de pedagogia da PROZ Educação faz algumas ponderações sobre o assunto nesta entrevista concedida a Cláudia Santos. A começar do fato de que muitos pais se sentem impelidos socialmente de presentearem seus filhos com um celular. “Existe um constrangimento social, nas classes A e B, para que as crianças tenham um smartphone, o que não é uma obrigatoriedade, gente. Atenção! Não temos que nos render a isso tão facilmente”, adverte Luciano, que também é professor do Departamento de Psicologia da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). Ele argumenta, ainda, que muito dos danos provocados pelos dispositivos móveis nas crianças e jovens deve-se ao acesso às redes sociais e, mais recentemente, às bets. Sem vilanizar a tecnologia, Luciano Meira propõe um olhar diferenciado a esses dispositivos nas escolas, sugerindo um uso pedagógico que permita aulas criativas, lúdicas que despertem o interesse dos alunos. Qual a sua opinião sobre a intenção do Governo Federal de banir o celular da sala de aula? Em primeiro lugar, não temos ainda muitos detalhes sobre como se dará esse banimento e que tipo de regulamento mais específico será proposto. Acredito que, na pior das hipóteses, esse tipo de coisa serve para abrir o debate exatamente como estamos fazendo agora. Eu espero que o governo envie um projeto, eu não acredito que será um decreto simplesmente, mas que abra consulta pública e que tenha algumas condições de usos pedagógicos apropriados dos smartphones e demais dispositivos móveis na escola. Projetos dessa natureza já foram aprovados e implementados. Mas a implementação envolve a capacidade dos governos de monitorar a aplicação da lei, isso não é nada fácil. Mas, de qualquer forma, serve como um respaldo legal para aqueles municípios ou mesmo redes específicas de ensino que desejarem seguir nessa direção. Porque, afinal de contas, isso devia ser uma decisão local, dependendo do que está acontecendo em determinados locais, então serve como respaldo. Países como Grã-Bretanha, França, Itália, Holanda, Canadá e outras grandes potências têm seguido nessa mesma direção. O problema do celular na escola não são os dispositivos em si mas o que eles carregam, especialmente o acesso às redes sociais. E agora há as apostas de azar e coisas dessa natureza. Algumas pessoas pensam que é a luminosidade da tela que estava trazendo problemas, não tem nada a ver com isso, mas o envolvimento das nossas crianças e jovens com determinados tipos de algoritmos, especialmente aqueles de captura da atividade das pessoas por tempo prolongado na forma de redes sociais – TikTok e Instagram especialmente – e o possível vício em apostas de azar. Minha resposta acabou sendo longa, mas é porque existe uma indefinição no ar, por um lado, a gente não sabe exatamente o que o governo vai propor. Ainda se espera que, pelo menos, como é da tradição, os usos pedagógicos sejam permitidos. Na pior das hipóteses, regulamentações como essa trazem à tona o debate que é absolutamente necessário. E o é porque as famílias estão pedindo [a proibição do uso de celular nas escolas], e pesquisas tendem a apontar o engajamento excessivo com esses dispositivos e o que eles provêm, correlacionando, inclusive, com aumentos de ideação suicida. Que resultados essas pesquisas trazem sobre o engajamento excessivo de adolescentes e crianças com os dispositivos móveis? Os resultados são às vezes controversos. Não há dúvida de que certas pessoas acabam por usar o dispositivo e as ofertas que ele traz como um ambiente de degeneração do selfie, mas não se sabe, por exemplo, se o dispositivo e as redes sociais causaram isso ou se o sujeito tinha já tinha uma propensão, e as redes sociais expressam essa condição individual. Os estudos precisam estabelecer uma causalidade mais forte, e não apenas uma correlação, precisam dizer se são os algoritmos das redes sociais que causam isso ou é a forma a que os jovens são expostos. Por exemplo, alguns estudos mostram uma correlação da idealização do corpo nas redes sociais, especialmente em meninas, influenciando-as a terem um olhar acentuadamente crítico sobre sua própria existência corpórea e isso provoca um estado de saúde mental deteriorado. Mas esses estudos não representam uma causalidade ainda. Então, há uma indefinição do ponto de vista da ciência. A prática médica, sob a ótica da pediatria, tem sido muito enfática em afirmar que deveríamos, pelo menos, graduar os usos de telas de acordo com as idades das crianças. Há uma variação em relação à idade, alguns pediatras dizem que é preciso evitar telas até 8 anos, outros até 2 anos, outros até 5 anos de idade. A Unesco define que esses dispositivos não são apropriados para uso contínuo de crianças. Meu filho de 2 anos, por exemplo, adora música, eu coloco para ele ouvir via streaming, às vezes ele pede para ver, no celular, a figura do disco que está tocando, eu mostro, ele só olha e segue ouvindo a música. Mas hoje existe um constrangimento social, nas classes A e B, para que as crianças tenham um smartphone, o que não é uma obrigatoriedade, gente. Atenção! Não temos que nos render a isso tão facilmente. Entendo que está todo mundo

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“É preciso criar atividades escolares que permitam os usos pedagógicos dos celulares”.

Com a sinalização do Governo Federal de banir smartphones nas escolas, o head de pedagogia da PROZ Educação e professor da CESAR School e da UFPE, Luciano Meira, ressalta que o maior problema é o acesso dos alunos às redes sociais e às Bets e que os dispositivos podem auxiliar na criação de aulas que encantem os estudantes. Banir ou não o celular das salas de aula? O debate se espalhou no Brasil motivado por pais preocupados com o uso constante que seus filhos fazem desses dispositivos e de pesquisas que mostram os prejuízos que esses onipresentes aparelhos causam aos alunos, como a desconcentração. Países como a Finlândia – tida como exemplo de qualidade na educação – e estados como o Rio de Janeiro proibiram o uso nas escolas. O Governo Federal também sinalizou que pretende propor uma lei vetando os smartphones do ambiente escolar. Mas o professor da CESAR School e head de pedagogia da PROZ Educação faz algumas ponderações sobre o assunto nesta entrevista concedida a Cláudia Santos. A começar do fato de que muitos pais se sentem impelidos socialmente de presentearem seus filhos com um celular. “Existe um constrangimento social, nas classes A e B, para que as crianças tenham um smartphone, o que não é uma obrigatoriedade, gente. Atenção! Não temos que nos render a isso tão facilmente”, adverte Luciano, que também é professor do Departamento de Psicologia da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). Ele argumenta, ainda, que muito dos danos provocados pelos dispositivos móveis nas crianças e jovens deve-se ao acesso às redes sociais e, mais recentemente, às bets. Sem vilanizar a tecnologia, Luciano Meira propõe um olhar diferenciado a esses dispositivos nas escolas, sugerindo um uso pedagógico que permita aulas criativas, lúdicas que despertem o interesse dos alunos. Qual a sua opinião sobre a intenção do Governo Federal de banir o celular da sala de aula? Em primeiro lugar, não temos ainda muitos detalhes sobre como se dará esse banimento e que tipo de regulamento mais específico será proposto. Acredito que, na pior das hipóteses, esse tipo de coisa serve para abrir o debate exatamente como estamos fazendo agora. Eu espero que o governo envie um projeto, eu não acredito que será um decreto simplesmente, mas que abra consulta pública e que tenha algumas condições de usos pedagógicos apropriados dos smartphones e demais dispositivos móveis na escola. Projetos dessa natureza já foram aprovados e implementados. Mas a implementação envolve a capacidade dos governos de monitorar a aplicação da lei, isso não é nada fácil. Mas, de qualquer forma, serve como um respaldo legal para aqueles municípios ou mesmo redes específicas de ensino que desejarem seguir nessa direção. Porque, afinal de contas, isso devia ser uma decisão local, dependendo do que está acontecendo em determinados locais, então serve como respaldo. Países como Grã-Bretanha, França, Itália, Holanda, Canadá e outras grandes potências têm seguido nessa mesma direção. O problema do celular na escola não são os dispositivos em si mas o que eles carregam, especialmente o acesso às redes sociais. E agora há as apostas de azar e coisas dessa natureza. Algumas pessoas pensam que é a luminosidade da tela que estava trazendo problemas, não tem nada a ver com isso, mas o envolvimento das nossas crianças e jovens com determinados tipos de algoritmos, especialmente aqueles de captura da atividade das pessoas por tempo prolongado na forma de redes sociais – TikTok e Instagram especialmente – e o possível vício em apostas de azar. Minha resposta acabou sendo longa, mas é porque existe uma indefinição no ar, por um lado, a gente não sabe exatamente o que o governo vai propor. Ainda se espera que, pelo menos, como é da tradição, os usos pedagógicos sejam permitidos. Na pior das hipóteses, regulamentações como essa trazem à tona o debate que é absolutamente necessário. E o é porque as famílias estão pedindo [a proibição do uso de celular nas escolas], e pesquisas tendem a apontar o engajamento excessivo com esses dispositivos e o que eles provêm, correlacionando, inclusive, com aumentos de ideação suicida. Que resultados essas pesquisas trazem sobre o engajamento excessivo de adolescentes e crianças com os dispositivos móveis? Os resultados são às vezes controversos. Não há dúvida de que certas pessoas acabam por usar o dispositivo e as ofertas que ele traz como um ambiente de degeneração do selfie, mas não se sabe, por exemplo, se o dispositivo e as redes sociais causaram isso ou se o sujeito tinha já tinha uma propensão, e as redes sociais expressam essa condição individual. Os estudos precisam estabelecer uma causalidade mais forte, e não apenas uma correlação, precisam dizer se são os algoritmos das redes sociais que causam isso ou é a forma a que os jovens são expostos. Por exemplo, alguns estudos mostram uma correlação da idealização do corpo nas redes sociais, especialmente em meninas, influenciando-as a terem um olhar acentuadamente crítico sobre sua própria existência corpórea e isso provoca um estado de saúde mental deteriorado. Mas esses estudos não representam uma causalidade ainda. Então, há uma indefinição do ponto de vista da ciência. A prática médica, sob a ótica da pediatria, tem sido muito enfática em afirmar que deveríamos, pelo menos, graduar os usos de telas de acordo com as idades das crianças. Há uma variação em relação à idade, alguns pediatras dizem que é preciso evitar telas até 8 anos, outros até 2 anos, outros até 5 anos de idade. A Unesco define que esses dispositivos não são apropriados para uso contínuo de crianças. Meu filho de 2 anos, por exemplo, adora música, eu coloco para ele ouvir via streaming, às vezes ele pede para ver, no celular, a figura do disco que está tocando, eu mostro, ele só olha e segue ouvindo a música. Mas hoje existe um constrangimento social, nas classes A e B, para que as crianças tenham um smartphone, o que não é uma obrigatoriedade, gente. Atenção! Não temos que nos render a isso tão facilmente. Entendo que está todo mundo

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“As populações pobres são mais excluídas do verde urbano”

Maurício Ferreira, professor da USP, fala de estudos que comprovam os benefícios dos parques para a saúde dos moradores das cidades e para amenizar o calor. Destaca que pessoas mais vulneráveis têm menos acesso a esses espaços e explica a regra 3:30:300, que serve como um norteador para arborizar zonas urbanas. Pesquisas científicas realizadas em várias partes do mundo demonstram que as áreas verdes das cidades proporcionam muito mais do que ambientes de lazer. Elas são verdadeiros remédios naturais por estimularem as pessoas a praticarem atividades físicas, além de contribuírem para prevenir uma série de doença – de hipertensão à diabetes, mas também beneficia a saúde mental e auxilia na redução do estresse. Não por acaso, hospitais como o Albert Einstein, em São Paulo, tem investido em ambientes com vegetação, devido aos benefícios proporcionados às pessoas hospitalizadas. Espaços arborizados também amenizam o calor, um benefício nada desprezível nestes tempos de aquecimento global. “Uma árvore grande pode transferir, do solo para a atmosfera, entre 100 e 300 litros de água. Imagina uma praça, um parque inteiro, quantas toneladas de água não vão para a atmosfera?”, ressalta o biólogo e ecólogo Maurício Ferreira, professor da USP (Universidade de São Paulo). Nesta conversa com Cláudia Santos, ele ressalva que essas vantagens dificilmente são usufruídas pelas populações mais pobres, já que os espaços verdes se concentram em maior proporção nos bairros mais nobres. E, mesmo quando há áreas arborizadas próximas a esse segmento populacional, elas não são qualificadas, isto é, não são acessíveis no formato de parques ou praças. Maurício Ferreira afirma, porém, que várias cidades do mundo estão atentas à necessidade de espaços arborizados e explica nesta entrevista o conceito da regra 3:30:300, usada como norteador para as zonas verdes urbanas. Como estão as cidades brasileiras em relação às áreas verdes que dispõem? Temos um retrato bastante heterogêneo. São Paulo, por exemplo, é uma megacidade e quase metade dela é só áreas verdes, mas extremamente mal distribuídas. Há um grande maciço florestal na Zona Sul, algumas manchas grandes na Zona Norte, bem como na Zona Leste, onde fica o Parque do Carmo, mas é uma distribuição muito heterogênea. Outro exemplo é a cidade do Guarujá, que tem quase 67% de áreas verdes, duas áreas protegidas e está discutindo a criação de uma terceira área protegida. Esses instrumentos de conservação são muito importantes pois tornam a distribuição do verde urbano mais homogênea, trazendo benefícios para a saúde física e mental das pessoas que passam a usufruir desses espaços. Já Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, tem um perfil diferente, é uma cidade que acabou de fazer o plano diretor de arborização, tem bastante espaço verde, mas com uma estrutura de distribuição de baixa densidade nos bairros. Assim, de uma forma geral, as cidades são muito heterogêneas, e o grande problema das áreas verdes urbanas é a distribuição. As áreas historicamente mais ricas são avantajadas em termos de verde urbano em detrimento das áreas pobres. Quando as áreas pobres têm bastante verde urbano, como na Zona Sul de São Paulo, são áreas não qualificadas, e as pessoas normalmente não usufruem desses espaços porque não há uma infraestrutura mínima. É uma área verde não qualificada para visitação. Quais benefícios as áreas verdes proporcionam para as populações urbanas? Há uma relação evolutiva de proteção dos seres humanos com as árvores no que se refere ao abrigo saudável, frescor, sombra, amenização de temperaturas. Áreas verdes, por si só, trazem benefícios diretos e indiretos. Um dos benefícios indiretos está na capacidade de frescor do ambiente, pois as árvores conseguem transpirar água. Uma árvore grande pode transferir, do solo para a atmosfera, entre 100 e 300 litros de água. Imagina uma praça, um parque inteiro, quantas toneladas de água não vão para a atmosfera? Isso ajuda a manter menor a amplitude térmica, nas horas mais quentes do dia em relação às horas mais frias, trazendo benefícios, principalmente para idosos ou recém-nascidos, que são um público mais vulnerável a essas grandes variações de temperatura. Essa amenização térmica está associada a menores taxas de hospitalização. Já os benefícios diretos consistem na possibilidade de as pessoas usufruírem da sombra nos parques para atividades esportivas, religiosas, de espiritualidade, meditação, por exemplo. Vale ressaltar essa relação de proteção e bem-estar da espécie humana com as árvores. Alguns hospitais em São Paulo, como o Albert Einstein, apresentam benefícios nos indicadores de saúde de pacientes tratados em quartos com vistas para árvores, tanto que o hospital passou a utilizar quadros de árvores nos quartos. Além disso, foi inteiramente repaginado, dispõe de muito verde, tem um jardim lindíssimo no ambiente onde as pessoas transitam, o que traz uma sensação de bem-estar maior. Daí a importância dos espaços verdes nas cidades. Estamos falando de equipamentos urbanos que podem oferecer, diretamente, um espaço para a prática de esportes, evitando o sedentarismo e as doenças dele decorrentes ou, eventualmente, para restauração de estresse, restauração mental e, assim, a pessoa tem mais qualidade de vida e mais saúde. Em 2018, o SUS gastou R$ 3,5 bilhões no tratamento de doenças crônicas não transmissíveis, que são hipertensão, diabetes e obesidade. Se tivéssemos mais espaços verdes qualificados, isso poderia ser reduzido em até 15%. Enfim, é uma situação mais confortável democratizar o verde urbano para que ele possa oferecer o seu serviço ambiental à população. O senhor poderia detalhar a relação entre algumas doenças e a ausência de verde nas cidades? Existe a DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica), que está muito associada à poluição, mas também é uma doença ligada ao tabagismo. Ou seja, não se pode culpar a poluição, principalmente se a pessoa é fumante ou mora em uma casa com outras pessoas que fumam. Mas também já há estudos mostrando que, nas cidades mais poluídas, a incidência dessa doença é alta em não fumantes. Além da poluição do ar, existe um estudo da cidade de São Paulo que mostra vários outros fatores, inclusive sociais. Segundo esse estudo, as pessoas que moram na Zona Leste, que é o lugar mais cinza

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Antonio Barbalho: “Não existe falta de dinheiro no mundo”

Num momento em que o Brasil amarga os efeitos das mudanças climáticas, o especialista em financiamento para empreendimentos sustentáveis e resilientes, Antonio Barbalho, garante haver recursos disponíveis para projetos verdes. Mas ressalta que faltam planos bem estruturados que considerem a mitigação de riscos. O engenheiro pernambucano Antonio Barbalho circulou o mundo desenvolvendo estratégias e mobilizando finan ciamento para empreendimentos sustentáveis e resilien tes. Após o início de carreira na Chesf (Companhia Hidro Elétrica do São Francisco), ele desenvolveu uma trajetória internacional passando pelo Deutsche Bank, no Reino Unido, seguindo para o Banco Mundial, a partir de 2009. Ele foi gerente e chefe global da Miga (Agência Multilateral de Garantia de Investimentos) para Energia e Indústrias Extrativas e, posteriormente, gerente de Práticas para Energia na América Latina e Região do Caribe. Com ampla experiência nos setores financeiro, energético, indústrias extrativas e serviços públicos, ele avalia oportunidades e alguns desafios para Pernambuco na agenda ESG. Nesta entrevista a Rafael Dantas, o engenheiro destaca que o verdadeiro desafio não é a falta de recursos, mas sim a ausência de projetos bem estruturados que considerem a mitigação de riscos. Ele argumenta que há dinheiro disponível tanto em bancos privados quanto em instituições internacionais, como o Banco Mundial, mas muitos projetos falham ao não abordar adequadamente os riscos envolvidos. Com sua vasta atuação em financiamentos de iniciativas sustentáveis em diversas partes do mundo, Barbalho enfatiza a importância de entender as regras do mercado e adaptar os projetos às condições locais, garantindo maior viabilidade e sucesso a longo prazo. No último encontro do projeto Pernambuco em Perspectiva foi menciona do que não falta dinheiro para iniciativas de preservação ao meio ambiente e empreendimentos sustentáveis. Qual o desafio de acessar esses recursos? Não existe falta de dinheiro no mundo. O que existe é o não entendimento de mitigação de riscos. Fala-se muito que o problema é não ter projeto. Mas não é só isso. Projetos existem, mas projetos estruturados e pensados, não. Não se pensa em risco. Mesmo dentro do sistema financeiro nacional existe dinheiro, mas existe também uma mentalidade de que só quem financia é o BNDES. Isso não é verdade. Os bancos privados também financiam, mas têm juros mais altos. Quando começamos a entender isso e jogamos com o que existe no mercado é possível chegar a bons resultados. Já fiz um projeto de recuperação pela Miga em uma floresta da Indonésia no ano de 2011. Isso tem chamado a atenção global agora, mas fizemos isso há mais de 10 anos. Então, isso não é novidade. O esforço é se adaptar às regras, sem quebrar nenhuma, no ambiente em que se vai buscar o recurso. O que pode funcionar é baseado nas ideias da instituição financiadora em consonância com o que existe na legislação brasileira. Descobrir os limites e os caminhos até onde a gente pode ir com o projeto. A gente não cruza nenhuma linha. A lei brasileira é extremamente prescritiva (no comportamento, mesmo em ambiente de mudança) e punitiva (não considerando medidas corretivas em primeiro plano). Dentro de financiamentos a projetos, a parte mais importante é se antecipar aos problemas, porque quando eles acontecem nem sempre há tempo para resolver. É preciso, inclusive, traçar pelo menos um ou dois caminhos de como sair dos possíveis problemas. Como foi essa experiência na Indonésia? A Indonésia tem umas 5 mil ilhas e sofre uma degradação de floresta muito séria. As três maiores florestas do mundo são a da Amazônia, do Congo, que eu também tenho trabalhos por lá, e da Indonésia. Então, um Fundo de Investimento que Hong Kong, liderado por um britânico e com doação do Governo da Noruega, queria auxiliar numa determinada área de uma das ilhas com o pagamento pelos serviços ambientais. Nem se chamava isso, mas que era basicamente uma exploração de atividades econômicas da floresta, completamente recuperada e sustentável. Então se pode pensar: “Ah, podemos produzir e comercializar um pouco de coco”. Mas isso não vai sustentar 500 famílias, e havia duas mil famílias. Existem possibilidades de extrair produtos químicos que possam ir para fabricação de cosméticos. Isso já melhora o projeto, mas não resolve. Existe a possibilidade de replantio de floresta com espécies nativas que vai sequestrar carbono e vai restabelecer dentro de 10 a 15 anos o habitat natural. Isso, por si só, também não resolve. Mas a combinação de todos resolve. O fundo que eles colocaram era pequeno com relação à necessidade. Mas, uma dessas estruturas que eu desenhei com eles foi utilizar esse fundo para garantir um bond, uma debênture, que foi lançada (um título de dívida que é emitido para levantar fundos) e o resultado disso, o dinheiro que for levantado, seria utilizado nesses projetos, detalhando a forma de pagamento de cada um, que garantia a maneira como essas famílias iriam sobreviver. A mudança desse fundo do financiamento direto para um fundo garantidor permitia transformar US$ 40 milhões em US$ 300 milhões. Isso resolveu o problema. Então, em vez de fazer um investimento direto, essa nova modelagem do projeto gerou uma receita recorrente para eles? Exatamente, porque ele garantiu uma segurança do investidor, caso acontecesse a falha de alguma coisa. Por que “e se” ocorrer um incêndio? O grande desafio de qualquer financiamento é o “e se”. Então se eu consigo estruturar, entender esses riscos e mitigá-los, o projeto se torna mais robusto. Se utilizar uma parcela desse investimento em estruturas diferenciadas, o seu fundo de pensão vai investir porque é garantido. E se der um incêndio? Continua com a garantia. E se não der? Será possível ter um retorno um pouco melhor. E se der crédito de carbono? Melhor ainda. Então, essa perspectiva é muito maior, muito mais holística que estou começando a advogar no Brasil. Eu desejo fazer essa ponte aqui, já que eu regressei a Pernambuco. Não é uma viagem ao Banco Mundial que vai resolver o problema. Isso é muito importante, pois mostra interesse do Estado em resolver o problema. Mas o que precisa acontecer antes é uma definição do

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“Não podemos tardar em fazer uma revolução ambiental nas cidades”

Diretor de Meio Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente, Maurício Guerra, fala sobre o programa Cidades Verdes Resilientes e dos desafios para implantá-lo. Ele defende o uso de tecnologias sustentáveis no processo de adaptação à crise do clima e a ideia de que a qualidade ambiental deve ser vista como um serviço público que atinja as pessoas mais vulneráveis. S egundo dados do ONU-Habitat, publicados em 2022, as áreas urbanas abrigam 55% da população global, percentual que chegará a 68% até 2050. Se fizermos um recorte para a América Latina e Caribe, esse número sobe para 81% e, segundo o IBGE, chega a 85% quando o foco é o Brasil. Com tamanha densidade populacional, as cidades, também de acordo com a Organização das Nações Unidas, já são responsáveis por cerca de 70% de todas as emissões de gases de efeito estufa. Para manter o aumento da temperatura global abaixo de 1.5 °C, a ONU estabeleceu a meta de até 2050 as cidades atingirem a neutralidade de carbono. Diante desse desafio, o Governo Federal lançou o programa Cidades Verdes Resilientes que compreende iniciativas tão amplas quanto a proteção das populações aos efeitos das mudanças climáticas, ampliação das áreas verdes urbanas, estímulos às soluções baseadas na natureza e à mobilidade ativa, entre outros pontos de atuação. Para falar sobre os desafios de colocar em prática esse ambicioso programa, Cláudia Santos conversou com o diretor de Meio Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente, Maurício Guerra. Ele esteve no Recife para participar do evento do Simaclim (Centro de Síntese em Mudanças Ambientais e Climáticas). Guerra destacou a necessidade de se ter uma articulação metropolitana para implantar essas ações. “Não tem outro caminho, a natureza e os problemas ambientais não estão restritos a barreiras geopolíticas, eles simplesmente se manifestam no ambiente”, adverte. Também elogiou o projeto Recife Cidade Parque, como um exemplo do que pode ser uma cidade verde resiliente e ressaltou a importância do papel da ciência e da participação das pessoas nessa transição. O que é o Programa Cidades Verdes Resilientes? É um programa que articula três grandes ministérios: o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério das Cidades e o Ministério da Ciência e Tecnologia, cada um com o seu perfil de atuação. A ideia é estabelecer que a importância da resiliência consiste nos sistemas naturais das cidades. A primeira questão é proteger as populações, especialmente as mais vulneráveis, articulando serviços urbanos e infraestrutura atrelada ao meio ambiente, como elemento de resiliência, de ampliação de biodiversidade, trazendo qualidade ambiental e de vida para essas populações. Para isso, articulamos grandes temas, como o uso e ocupação sustentável do solo. Não adianta promover cidades desiguais onde as pessoas não têm acesso ao solo e esse acesso tem que ser sustentável. Então, é preciso convergir vários serviços urbanos próximos da população e que esses serviços tenham valor ambiental associado. A ideia é promover equidade e sustentabilidade à ocupação do solo. Outro tema desse programa são as áreas verdes e a arborização urbana. É importante compreender a estrutura verde da cidade e, assim, ampliar instrumentos de planejamento, criação de novas áreas verdes e identificação dessas áreas para expandir e potencializar a arborização e a conexão desses verdes, trazendo biodiversidade. Outro tema são soluções baseadas na natureza, que é associar a infraestrutura cinza às infraestruturas verde e a azul. A infraestrutura verde é compreender que as soluções devem estar articuladas à natureza, é ampliar a área de permeabilidade com verde, gerar áreas de contenção naturais, grandes praças, espaços que vão receber as águas em período de chuva. Já a infraestrutura azul são as águas, os nossos rios. Ou seja, é preciso planejar os espaços urbanos a partir das bacias hidrográficas, compreender como a malha hídrica se comporta para que possamos conviver com ela da melhor forma possível e não lutando contra as águas o tempo todo. Por isso as infraestruturas verde e azul têm que estar casadas nesse planejamento, melhorando nossas áreas verdes para trazer proteção e conservação da biodiversidade para os espaços urbanos. O outro tema desse programa é a tecnologia de baixo carbono, na perspectiva de neutralizar as emissões, promover construções mais sustentáveis, mais alinhadas ao verde e mais eficientes do ponto de vista energético. Outro viés é a mobilidade urbana sustentável, a mobilidade ativa, ou seja, calçadas e ciclovias articuladas ao verde da cidade, como parques lineares onde aumentam-se as áreas de caminhabilidade e de acesso da população a áreas verdes. Além disso, a ideia é investir em transportes urbanos cada vez mais sustentáveis e com energias renováveis para evitar a poluição e melhorar a qualidade de vida e o acesso da população a meios de transportes menos poluentes e mais adequados. E, por fim, o programa Cidades Verdes Resilientes trata da gestão dos resíduos sólidos orgânicos, associando o serviço de compostagem às atividades de cooperativas de catadores e de agricultura urbana, utilizando esses resíduos dentro da estrutura verde da cidade. Dessa forma, o programa conecta esses elementos para tornar as cidades sustentáveis, trazer o verde para o centro da transformação urbana, cuidando da equidade no acesso aos serviços urbanos sustentáveis à população. Diante de um programa com uma pauta tão vasta, quais desafios que vocês estão enfrentando para implantá-lo? São muitos desafios. Do ponto de vista técnico normativo, ainda há soluções baseadas na natureza que não estão devidamente enquadradas e precisam ser definidas. Um dos maiores desafios serão os aspectos de governança, ou seja, ampliar a relação interfederativa, articulando as capacidades dos municípios em desenvolver projetos sustentáveis. Por exemplo, hoje várias prefeituras investem em canalização dos seus rios, riachos e córregos. Essa é uma das piores alternativas. É preciso investir na renaturalização dos rios. Esse é um exemplo que a gente precisa articular os municípios para terem capacidade de pensar os projetos nesse novo cenário climático para nossa cidade. Há também a questão do financiamento, pois dispor de recursos significativos para mudar o cenário da cidade é um importante desafio. Vale reforçar que temos investimento, ao longo dos anos, em infraestruturas

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Sérgio Xavier: “Há indícios fortes e até provas de crimes nessas queimadas”

Coordenador executivo do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima, Sérgio Xavier, compartilha do entendimento da ministra Marina Silva de que a propagação das queimadas no País teve o envolvimento do “terrorismo climático”. Ele defende um novo modelo econômico que respeite a natureza como solução para os eventos extremos. Com 40 anos de militância na área ambiental, Sérgio Xavier, coordenador executivo do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima, afirma que, nessa luta, as vitórias são provisórias e as derrotas, muitas vezes, são para sempre. “Mas é preciso persistir”, ressalva, esperançoso. E é com esperança que propõe a união de governos, sociedade e setores empresariais em prol da mudança do modelo econômico para encontrar soluções para eventos extremos e tragédias como as queimadas que ardem em boa parte do País. O fórum é uma iniciativa do Governo Federal e visa justamente a promover a articulação entre órgãos e entidades públicas e privadas para construir a política climática no Brasil. Ele, porém, concorda com o entendimento da ministra Marina Silva de que a proporção que as queimadas tomaram este ano deve-se à ação criminosa. Mas, para comprovar que é possível preservar a natureza e gerar negócios e renda, Xavier – que já foi secretário do Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco – fala, nesta conversa com Cláudia Santos, sobre projetos que têm essa visão, como o Lab Noronha. Instalado onde havia um lixão na ilha, o laboratório realiza pesquisas como a que estuda obtenção de energia a partir de resíduos orgânicos e de plantas nocivas que invadiram a floresta do arquipélago. Já no Laboratório da Caatinga, foi criado um fundo de crédito de carbono para remunerar pequenos proprietários que mantêm suas áreas preservadas. Há ainda um estudo que investiga possibilidade de usar os resíduos orgânicos das cidades e transportá-los para áreas que estão em processo de desertificação. “Trata-se de um conjunto de material, como casca de fruta, restos de comida, que enriquece o solo e é muito úmido”, explica Xavier com a esperança de que tais experiências sejam multiplicadas pelo País. Para começar a nossa conversa, gostaria que você explicasse o que é o Fórum Brasileiro de Mudança do Clima? O fórum é um instrumento para a construção da política climática no Brasil. Ele faz a ligação da sociedade civil com o Governo Federal, e estamos ampliando a sua atuação para que se conecte com os governos estaduais e municipais, porque o fórum é composto pelos setores acadêmico, empresarial, ONGs e os governos subnacionais. Estamos criando câmaras temáticas sobre assuntos relacionados com a mudança climática, compostas por todos esses setores e que fazem uma ligação direta com o Comitê Interministerial de Mudança do Clima que é o lugar do Governo Federal que tem uma visão transversal dessas políticas. O CIM é a sigla e compreende 22 ministérios, coordenado pela Casa Civil. É o lugar onde o fórum pode levar as propostas e ter um encaminhamento. O fórum é ligado diretamente ao presidente da República, na verdade, ele preside o fórum, eu sou o coordenador executivo. Como o Fórum tem atuado no tocante às queimadas? Ao que parece é uma ação orquestrada, fala-se até em infiltração de organizações criminosas. Há indícios fortes e até provas de crimes nessas queimadas. É uma confluência de problemas porque há uma seca grande no Brasil e quando se junta essa situação com o fogo é uma combinação explosiva. Agora, esse é um indicador de que o modelo econômico é degradador. Atividades que usam fogo para fazer algumas ações em áreas rurais não deveriam existir, o fogo já poderia ter sido substituído por outras tecnologias. Sabemos que o material orgânico, enriquece o solo, então não haveria necessidade de queimar esses materiais. Mas tudo indica que tem ali um terrorismo climático, como a ministra Marina Silva tem falado. Pessoas inescrupulosas estão incendiando lugares ou para causar tumulto, causar problemas para o Governo Federal por questões políticas, ideológicas ou por falta total de responsabilidade. Esse é um desafio da sociedade inteira, vemos os resultados desse problema na vida das pessoas, no campo e nas cidades, a fumaça está chegando em todos os lugares. A solução para isso é essa visão que o fórum tem de interligar todos os setores fazendo planos integrados de ação que envolvem prefeituras, governos estaduais, federal, diversos ministérios, a sociedade civil, as comunidades, a academia, o setor empresarial. E é nesse espaço das câmeras técnicas e dos laboratórios que estamos criando uma rede do fórum, onde a gente pode encontrar soluções mais consistentes envolvendo toda a sociedade. Mas é uma construção desafiadora, que está em processo ainda. Já se tem uma ideia do tamanho desse prejuízo? Estou há mais de 40 anos no ativismo ambiental, já estou calejado nesse desafio de estar sempre persistindo porque nessa área cada vitória é provisória, cada perda é para sempre. Quando você perde uma espécie, um ecossistema, uma floresta, isso é para sempre. Pode até recompor, mas não será como antes, a biodiversidade foi perdida. Agora, as vitórias são provisórias porque amanhã pode aparecer alguém que queira destruí-las. Hoje está havendo uma grande mobilização da sociedade e acho que a inteligência, a capacidade de articulação, a tecnologia e a ciência vão vencer esse desafio. O senhor mencionou querer agregar também os estados, e muitas das responsabilidades para combater as queimadas também estão na esfera estadual. Exato, na verdade, a responsabilidade é de toda a sociedade. O meio ambiente é um bem comum, interessa a todas as pessoas, não só de hoje mas, também, as próximas gerações. Interessa a todos os tipos de espécies que existem no planeta. Precisamos criar rapidamente a mudança dos paradigmas da atual economia que traz vantagens para quem desmata, queima e polui, porque faz crescer o PIB. Muitas vezes, guerras fazem o PIB crescer, geram negócios em diversos setores. Precisamos criar uma economia em que os modelos de negócios tenham um compromisso com a regeneração, note que eu não estou dizendo compensação ambiental. Qual a diferença? A diferença é que na compensação você desmata e planta

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