Entrevistas – Página: 25 – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

Entrevistas

Rec-beat é uma plataforma para novos sons

Ao entrar no escritório da produtora de Antonio Gutierrez, conhecido no meio artístico como Gutie, chama a atenção a quantidade de crachás de festivais e feiras de música. É nesses eventos que ele garimpa os artistas ainda desconhecidos que vão se apresentar no Rec-beat. Nesta entrevista a Cláudia Santos e Rafael Dantas, ele conta como nasceu o festival e fala sobre os artistas hoje famosos que nele foram revelados e como está driblando a crise para obter o patrocínio para a 23ª edição do evento. Como você se tornou o criador do Rec-beat? Nasci em Bariri (SP). Saí de lá com 18 anos, fui para São Paulo, me formei em jornalismo e trabalhei na Gazeta Mercantil. Depois de uns quatro anos, o jornal me ofereceu ser correspondente no Recife. Um ano depois eclodiu o mangue beat. Eu era amigo das pessoas do movimento, porque, apesar de ser jornalista sempre fui ligado à música. Tanto que vários amigos meus em São Paulo tinham banda. Quando era adolescente, na minha cidade, eu organizava recitais, exposição de poesia, cheguei até a fazer um festival relativamente grande. Também gerenciava uma discoteca. Isso com 16 anos. Descobri, mais tarde, que sempre tive vocação para produção. Mas, para mim, isso não era uma profissão, era diversão. Como foi criado o Rec-beat? Um dia fui a uma festa em Olinda, havia pouquíssima gente. Foi quando ouvi, pela primeira vez, Mundo Livre S/A e Lamento Negro (que daria origem à Nação Zumbi). Aquilo me arrebatou. Estimulado por essa cena, mesmo sendo jornalista, criei uma festa que acontecia no Francis Drinks. Era um prostíbulo, no Bairro do Recife, que na época estava em ruína. Esse lugar era frequentado por marinheiros dos navios que aportavam aqui. Fiz um acordo no qual eu fechava a casa um mês e todo sábado tocavam duas bandas novas da cidade e fazíamos uma festa. Era o Projeto Rec-beat. Logo depois achei que poderia criar um festival, porque existia essa cena e na época havia uma mídia que cobria bem o que estava acontecendo aqui, como a MTV, a TV Cultura, a revista Bizz, a Folha de S. Paulo e o Estadão. Era um som original que soava muito novo. Mas me dei conta de que as pessoas que visitavam a cidade achavam que iam encontrar essa música em todo canto. Mas não, tanto é que as rádios locais nunca tocaram esse som, apenas em programas específicos. Essa música não tinha uma plataforma, a não ser o Abril pro Rock. Imaginei que aquelas pessoas poderiam ver um pouquinho desses artistas dentro do Carnaval. A ideia não era ser um festival para quem não gosta da folia, mas para o folião que veio conhecer a festa. A primeira edição foi num bar chamado Oficina Mecânica, em Olinda. No ano seguinte teve um hiato e no outro aconteceu no Centro Luiz Freire, em Olinda, durante o Carnaval. Era pago, com preço simbólico. Fizemos umas duas ou três edições ali, foi quando recebi um convite do secretário de Cultura Raul Henry para trazer o festival para o Bairro do Recife. Ele queria fomentar o Carnaval na região, onde não tinha tradição da festa. O Rec-beat viria como âncora para atrair o público jovem. A Fundação de Cultura apoiou e o evento passou a ser gratuito. Fizemos o festival na Rua da Moeda. Nessa época o bairro não tinha nada. Falamos com Roger (de Renor), que já tinha a Soparia no Pina, e ele abriu uma filial na Moeda. Atrás do palco havia uma garagem onde um amigo abriu um comércio de bebidas, que chamou de Bar Stage, porque estava atrás do palco (risos). A partir desse momento a rua virou um point. O que era o Bar Stage virou a Cachaçaria, a casa de Roger virou o Novo Pina e foram abertos novos bares. O público aumentou, o festival foi ocupando a rua até que ela ficou pequena. Fomos para onde estamos hoje no Cais da Alfândega. O festival foi se expandindo e foi incorporando a música brasileira e a nova música latina. Mas vocês sempre se preocuparam em divulgar bandas pouco conhecidas, não é? O festival tem essa vocação desde o início. O fato de ser gratuito possibilita que as pessoas ouçam sons novos porque não têm que pagar para ver. Elas não têm que arriscar nada. O fato de ser gratuito também me dá liberdade de não ser preciso colocar bandas superconhecidas para as pessoas comparecerem. Mas você sempre traz também uma atração conhecida. Sempre busco uma atração que faça um link com a história da nossa música, até como uma forma de mostrar para as novas gerações que a música brasileira tem uma linha evolutiva. Para se chegar na Céu, em Otto, em Criolo, tem todo um lance histórico, porque essas pessoas também têm como referência os grandes nomes que vieram antes. Muita gente, por exemplo, pensa que a música Vapor Barato é de autoria do Rappa, mas quando assiste a um show de Jards Macalé vai ver que aquele cara compôs essa música com Waly Salomão anos atrás. Também trouxemos Luiz Melodia, João Donato, Tom Zé, Tony Tornado (que foi precursor da soul music brasileira), que são uma referência histórica. Mas são nomes fora do mainstream… São nomes que têm uma importância, mas não comercialmente. Quando a gente fala que o Rec-beat é um festival independente isso significa que não tem viés comercial. Ivete Sangalo nunca tocaria no Rec-beat. Queremos ser uma plataforma para que o público tome contato com um artista que dificilmente ele veria se não fosse no festival. Quais os artistas que eram desconhecidos, tocaram no Rec-beat e hoje conquistaram um público maior? Nação Zumbi, Lenine, Seu Jorge, Gaby Amarantos, Baiana System. Quando se tem um artista potencialmente talentoso, artisticamente forte, o festival contribui, mas não é determinante para seu sucesso, porque ele vai acontecer de alguma forma, sabe? O festival acaba cumprindo um papel de colocar o artista em contato com o público. Os melhores acabam formando uma plateia

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“A sociedade está mais acelerada”

Se você acha que 2017 passou voando, não é uma mera sensação. Nesta entrevista do professor de sociologia da UFPE Jonatas Ferreira a Cláudia Santos, ele explica como as novas tecnologias aceleraram nossa relação com o tempo. Doutor pela Universidade de Lancaster (Reino Unido), Ferreira analisa como essa realidade afeta as relações pessoais e a incidência dos casos de depressão. Ele também comenta sobre a influência das fake news no debate político. Por que temos a sensação que o tempo está passando mais rápido? Vivemos numa sociedade mais acelerada. Tempo é um conceito com implicações políticas, culturais e existenciais. Aristóteles dizia que ele é a medida do movimento das coisas. O mundo, a vida se transformam e as pessoas precisavam de alguma medida para se orientar. Numa sociedade tradicional, como era a de Aristóteles, essas medidas podiam ser a lua, ao circular em todas as suas fases ela completa um mês, o sol circulando em torno da Terra – era assim que eles pensavam – formava um dia. As pessoas se orientavam através de fenômenos externos e concretos, como o movimento da lua, do sol, o tempo que existe entre plantar e colher. Com na sociedade moderna, com o surgimento do tempo de relógio, não nos referenciamos mais em fenômenos exteriores e por isso os dispositivos modernos são basicamente aceleradores. Costumo dizer, como exemplo, para meus alunos, que hoje não se espera mais a galinha pôr os ovos no tempo dela. Na sociedade tradicional você deixa a galinha ciscar, comer minhocas e quando ela cresce, são aproveitados seus ovos e carne. Na sociedade moderna, como não nos orientamos mais por um tempo externo, não somos mais passivos em relação ao tempo, intensificamos o ritmo de desenvolvimento da galinha através de hormônios, dieta etc. O que acontece com a galinha acontece com toda a natureza. A gente vive numa sociedade de intensificação dos ritmos naturais. As tecnologias digitais aceleram mais as nossas vidas do que as surgidas em outras épocas? No tempo da primeira Revolução Industrial a vida já se tornou acelerada com o surgimento de invenções como o trem, a máquina a vapor. Mas, o sociólogo Hermínio Martins dizia que não vivemos mais no período da aceleração, mas da aceleração da aceleração. Um vetor importante da competição da sociedade contemporânea é potencialização da aceleração, a produção em tempo real, a implosão do espaço. Isso pode significar um estilhaçamento das relações sociais por proximidade física. Eu moro num conjunto de apartamentos e não sei muita coisa sobre meus vizinhos. Mas sei muita coisa que está acontecendo com pessoas que eu desconheço e tem a sua vida aberta por meio das mídias digitais. Isso é negativo? Nem sempre. Minha filha mora na Alemanha e é bom poder conversar com ela regularmente pela internet. Dadas as circunstâncias a gente tem vantagens e desvantagens. As tecnologias são benéficas ou atrapalham a sociabilidade? Acho que elas exigem que a gente recalibre o que chamamos de sociabilidade. Muita coisa que acontece de mais decisivo na sua vida pode acontecer por intermédio de um meio que você pode chamar de frio, mas que você aquece com sua experiência humana. Por exemplo, é comum hoje as pessoas começarem relações amorosas a partir de plataformas como o Facebook. O que a gente pode dizer é que as relações humanas se tornaram mais complexas com o enorme entrelaçamento de elementos virtuais e presenciais. Mas as relações não se estabelecem num vazio. O Facebook tem uma arquitetura que propõe às pessoas uma certa emotividade, por exemplo. Ali as pessoas não são contatos, são amigas, ali você curte ou odeia, faz carinhas de amor, coraçãozinho. Você é estimulado a dizer o que gosta e o que não gosta e a expandir o número de amigos constantemente, porque isso interessa a essa rede. Quem controla um dispositivo com uma arquitetura como essa não pode deixar de o ver como bem econômico. E aí você começa a receber no seu perfil propaganda de coisas muito específicas que têm relação com o que você curtiu. O dispositivo parece que lhe conhece. Uma pessoa que paga uma fortuna por isso pode interferir na prioridade com que você recebe mensagens. Não é à toa que essa é uma plataforma política das mais importantes hoje. Quando um candidato como Trump, com sua falta de qualidade política e humana, ganha uma eleição utilizando-se dessa plataforma, inclusive com notícias falsas, você percebe que quem controla esses aparatos controla algo muito importante. No Brasil a gente não pode pensar em política sem pensar em quem controla essa arquitetura e as discussões nas redes sociais. Mas os movimentos sociais mais recentes também usam as redes sociais. Sem dúvida. A mobilização pode acontecer por esse lado. Mas, o que eu quero dizer é que quem tem a possibilidade de controlar o algoritmo que decide as coisas que você vai ler primeiro quando você abre seu Facebook tem poder político muito grande. E aí não se trata de saber se esse dispositivo atrapalha ou beneficia a sociabilidade, mas entender que tipo de sociabilidade promove. Como você analisa as fake news (notícias falsas)? Há pessoas que começam a falar em pós- -verdade. O critério de realidade das coisas que Trump disse a respeito de Hilary Clinton não é se é verdade o que ela fez, o que ele diz que fez, mas o impacto que aquilo criou na opinião pública. E você tem isso de forma categórica na política brasileira: você sabe que existe circulação de fake news as mais grosseiras por parte de segmentos da esquerda e da direita. São notícias falsas que não politizam nada, que vivem do escândalo. Escândalo não alimenta a reflexão, é aquilo que entorpece, a gente fica agindo nessa lógica da emotividade exacerbada. Toda experiência humana deve se dar na dimensão de emotividade, mas tem gente ou há contextos em que a emotividade é usada como forma de aprisionamento. Qual a relação do aumento dos casos de depressão e a realidade em que vivemos? Esse é o tema

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“O Recife deu as costas ao rio”

O presidente do CAU-PE, Roberto Montezuma analisa nesta entrevista o desafio do planejamento das cidades a partir da perspectiva proposta pela Nova Agenda Urbana da ONU. Na conversa com os jornalistas Cláudia Santos e Rafael Dantas, o urbanista fala também sobre os movimentos sociais urbanos e os desafios de construir cidades sustentáveis ambientalmente. O que é a Nova Agenda Urbana? É um programa criado pela ONU-Habitat, que é uma agência das Nações Unidas centrada no problema urbano e focada na questão da habitação. Ela pensava inicialmente, em 1976, em soluções muito ligadas ao edifício. Vinte anos depois, eles entenderam que os problemas da cidade não se resolviam apenas com habitações e o novo foco passou a ser a urbanização, compreendendo toda a infraestrutura que envolve a moradia. Em 2016 há uma grande mudança, quando surge o tema da cidade de que precisamos. Interpretamos que isso significa pensá-la enquanto um sistema integrado, não apenas do ponto de vista da infraestrutura da urbanização, mas do que dá sentido a sua aglomeração. O fenômeno é a cidade, que é um sistema composto de diferentes dimensões como do uso e ocupação do solo, do patrimônio construído e do natural etc. Para organizar isso é preciso um pacto e um projeto. O plano pode ser entendido como uma carta de navegação que a cidade vai ter que cumprir nos próximos 20 anos. A ONU apontou 17 objetivos para serem atingidos nesse prazo, como a cidade ser socialmente inclusiva, resiliente e promover uma gestão ambiental sustentável, entre outros. O horizonte dessa agenda é até quando? Até 2036, um ano antes do Recife completar 500 anos. Por isso que é estratégico. São cinco gestões municipais. A ONU, dentro dos objetivos gerais, aponta que é preciso fortalecer algumas ações estruturais que costuram essas metas. Quais são essas ações? A primeira é a construção de uma visão urbana, de onde pretendemos chegar. A segunda são os planos e os projetos complementares, que precisam vir de um amplo debate entre todos os atores que interagem a cidade: sociedade, poder público, iniciativa privada, igrejas. O terceiro ponto é a legislação para tudo isso ocorrer. Hoje temos o maior conjunto de legislações urbanas do mundo, mas nossas cidades estão colapsadas. Não adianta ter só leis, elas precisam ser legítimas. E, por fim, o financiamento da visão, dos planos e projetos e das obras. Não pode ter recurso apenas para as obras, senão nasce um projeto que é desconectado da realidade. Isso interessaria a quem? Só pode ser a um grupo muito pequeno de pessoas e não à sociedade. O projeto Parque Capibaribe e o Recife 500 Anos seriam dois planos na perspectiva proposta pela ONU? Acho que o Recife 500 Anos é a grande visão. Deve apontar aonde precisamos chegar. É preciso um pacto no sentido dessa construção, em direção aos próximos 20 anos, quando Recife será a primeira capital brasileira a completar 500 anos. Feito isso, como vamos agir? Vejo o Parque Capibaribe como esse esqueleto territorial que vai ajudando a revelar esse Recife que foi esquecido. A proposta do Parque Capibaribe retoma essa conexão entre o meio ambiente e os espaços públicos. É nessa perspectiva de uma cidade parque. Na prática o que foi feito para promoção dessa agenda da ONU? Realizamos o Fórum Internacional HOJE Implementando Cidades Sustentáveis junto com o 4º Congresso Pernambucano de Municípios, no mês de julho. O presidente da Amupe, José Patriota, teve a sensibilidade de perceber que essa conexão seria frutífera. Iria conectar Pernambuco com a ONU. Aprendemos com as Nações Unidas que é preciso estabelecer um plano vertical, uma macro política. Nos últimos anos trabalhamos na estruturação dessa macro política, quando foram feiras as grandes conexões. Agora é a hora das pequenas conexões, das ações do dia a dia. O congresso lidou com quase 3 mil gestores, entre prefeitos e secretários. Há vários prefeitos nos procurando. No congresso estruturamos quatro salas especiais para discutir questões como a cidade inclusiva, interligada, a metrópole, a cidade resiliente. O que vem a ser resiliência urbana? Trata-se dessa cidade adaptável ao meio ambiente. Que não dá mais as costas ao seu patrimônio natural, mas volta a reconstruir sua própria historia. Muitas das cidades deram as costas para o meio ambiente, o Recife é uma delas. O Centro Histórico respeitou o rio, mas a expansão urbana não o via como meio de transporte ou fator de economia. Foi criada uma cidade rodoviária. Nessa hora, o rio passa a ser o esgoto, o quintal, o fundo e não a frente. A cidade resiliente vem nessa perspectiva de se voltar para o meio ambiente. Isso aconteceu no mundo inteiro. Amsterdã até os anos 80 estava dando as costas para o meio ambiente, secando os seus rios para colocar carros até perceber que isso era uma loucura. Passou a respeitar. Então isso é uma mudança de rota. Há um alto custo da cidade ao renegar a natureza. Este apartheid entre natureza e cidade precisa ser revisto. Veja o nível do mar subindo, o aquecimento global, o desmatamento… Uma das características históricas do Recife é a desigualdade. O que seria uma cidade inclusiva? A cidade inclusiva é aquela que percebe que inclusão começa por conceber a habitação de uma forma mais ampla. O programa Minha Casa Minha Vida, por exemplo, propõe a construção de moradias distantes do centro da cidade, impulsionando a expansão urbana. Aí que entra o plano, que envolve não só o chão do território, mas a logística das pessoas que atuam na cidade. O plano é por natureza a inteligência urbana. A igualdade social é fundamental para uma cidade sustentável. A Metrópole é uma das questões mais discutidas pelo CAU-PE nos últimos meses. Como isso está sendo tratado? Estamos falando da metrópole sob o aspecto de como várias cidades estão se interligando umas com as outras. Existem cidades em que se vai a pé até chegar na outra. Municípios que se distanciam um do outro em poucos quilômetros, mesmo de Estados diferentes, como Petrolina (PE) e Juazeiro (BA).

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A reforma política morreu

Em vários episódios da história do País a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) sempre teve um papel atuante. Na conturbada conjuntura atual não tem sido diferente. O presidente da regional Pernambuco, Ronnie Duarte, nesta entrevista a Cláudia Santos e Rafael Dantas, fala sobre o pedido de impeachment de Temer requerido pela OAB e se mostra descrente da realização de uma reforma política no curto prazo. Também comenta as inovações feitas na sua gestão. O que acha da reforma política que está tramitando no Congresso? A reforma política morreu, pelo menos dentro de um horizonte próximo. O grande problema hoje no Brasil é o corporativismo. Todos querem o sacrifício, mas só o alheio. Cada um que dê a sua justificativa retórica para manter seus privilégios. Em termos de reforma política o que você começa a ver: a maioria das pessoas que se esperava que pudesse fazer essa reforma política tem como preocupação básica garantir a preservação de seus mandatos na próxima eleição. Temos hoje um governo federal que se rebaixou para o que tem de mais promíscuo em termos de relações político-partidárias e entrou num vale tudo para poder também se preservar. A saída seria um Congresso Constituinte? Dentro do ambiente que temos hoje, não teríamos uma representatividade eleita muito diferente da que está aí. Não há solução para mim no curto prazo. A gente vai precisar de um tempo de depuração. A gente precisa acabar com esse patrimonialismo que faz com que cada um se ache dono de um pedacinho do Estado. O grande mal do poder, em todas as esferas, é a perpetuação. Acho que isso que favorece a adoção de práticas pouco republicanas. É importante que haja uma oxigenação, uma rotatividade. A gente também precisa qualificar os quadros. A imagem da política está tão esgarçada que as pessoas de bem têm medo de ir para a política. Mas a gente não pode ignorar que não há solução fora da política. A gente precisa prestar atenção dentro das opções que estão postas, quais são as pessoas que têm efetivamente um grau de compromisso público e também a formação pessoal para auxiliar a vencer esse momento de crise. Estamos então num processo de depuração. Mais adiante vai melhorar? Acho que a gente vai ter uma renovação nos quadros partidários. Se essa renovação vai ser boa, não estou certo, porque hoje a gente vive um momento de muita incerteza. Na vida você não toma decisões importantes sob forte emoção e a sociedade hoje está emocionada, escandalizada, perplexa. Embora tenha muita gente defendendo uma Constituinte, acho que o momento não é para tomar decisões fundamentais. A gente precisa esperar um pouco uma decantação. Essa reforma não aconteceu agora. Pode esperar mais um pouco e esperar um cenário mais claro para poder definir que rumo tomar. Como deveria ser essa reforma? Em relação às coligações, acho que é um consenso que são péssimas para a política nacional. A multiplicação de pequenos partidos também é o que permite o fisiologismo. A cláusula de barreira impediria os pequenos partidos mais ideológicos de progredirem? Não há soluções perfeitas. Isso pode ser um efeito colateral, mas se a gente for analisar em termos de custo/benefício é muito custoso para o País essa infinidade de pequenos partidos, que são formados de acordo com conveniências dos partidos maiores. Não existe em país nenhum no mundo a quantidade partidos políticos que a gente tem no Brasil. E sobre o financiamento das campanhas? Essa é uma grande questão. O problema é a falta de repressão e de fiscalização efetiva ao caixa 2. Não adianta falar que vai ter financiamento público se os recursos não se limitam ao que os partidos informaram. Não adianta falar que vai ter financiamento privado se for criada uma infinidade de doações fictícias por pessoas que não tinham renda. Não adianta falar de financiamento empresarial se uma parte é feita por fora. Qualquer um desses modelos só será efetivo, em termos de paridade e equidade na disputa, se houver uma fiscalização efetiva, e isso é possível. Fizemos uma tentativa. Contratamos alguns estagiários num convênio com a Procuradoria Regional Eleitoral e o Tributal Regional Eleitoral para verificar o volume da campanha nas ruas e para cotejar com o valor declarado e analisar se é compatível, porque existem valores de referência no mercado publicitário. O que se fala é que há um comércio eleitoral, em que pessoas que são referências em algumas comunidades são remuneradas para fazer campanhas políticas. Hoje existem mecanismos efetivos que permitem o monitoramento desses ambientes. Uma investigação bem-feita teria condições de revelar esquemas de compra de votos e de movimentações irregulares em campanhas políticas. Agora, isso precisa de vontade política. Priorizar, é esse o problema. E quanto ao voto distrital? Acho que o voto distrital, pelo menos o misto, traz um ganho. Esta é a posição da OAB. A grande preocupação que tenho hoje − e mesmo o voto em lista puro − é o efeito da importação de celebridades para a política. Temos uma massa que não compreende quais são as atribuições de um representante político e acho que isso poderia também trazer uma instabilidade muito grande para o País. Como o senhor se posiciona sobre o pedido de impeachment do presidente Temer feito pela OAB? Lamento muito que o impeachment esteja represado. A OAB chegou a ajuizar um mandado de segurança no Supremo Tribunal que foi rejeitado. Acho importante que o Congresso Nacional vote o pedido. Tiveram elementos novos que surgiram e que robusteceram as suspeitas em relação ao governo de Dilma, mas no instante em que o impeachment foi aprovado os elementos eram de menor gravidade do que existem hoje em relação a Temer. O Congresso não adota os mesmos pesos e medidas numa situação e na outra. A OAB foi muito criticada quando pediu o impeachment de Dilma por parte de segmentos sociais mais à esquerda, depois foi criticada pelos partidários de Temer. Mas isso lança luzes sobre uma preocupação que temos de ser verdadeiramente imparciais. Como analisa as

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O teatro hoje está muito empresarial

Dramaturgo, roteirista, compositor e ator, João Falcão adora se arriscar em projetos ousados. Pernambucano nascido numa usina, costuma sair do eixo Rio-São Paulo para voltar a produzir na sua terra. Foi assim em 2000, quando, depois de dirigir montagens de sucesso com atores do porte de Marieta Severo, se aventurou estrear A Máquina no Recife. Com linguagem inovadora, a peça foi protagonizada por desconhecidos jovens atores que logo ganharam o estrelato: Lázaro Ramos, Vladimir Brichta e Wagner Moura. Ele está de volta à terra, onde estreia um espetáculo com a ainda pouco conhecida mas promissora cantora Isadora Melo. Na conversa com Cláudia Santos, ele comenta as dificuldades de patrocínio para a arte e fala de sua carreira. É verdade que desde pequeno você faz encenações? Não, pelo contrário. Minha mãe encenava uns pastoris no final de ano na Usina Tiúma, onde nasci, próximo de São Lourenço da Mata. Era para eu fazer o papel de Simão Pastor, mas ela me desescalou. Disse: “meu filho você não serve pra isso não” (risos). Mas ela cantava muito e me influenciou. Morei junto com meus 12 irmãos lá até os 13 anos na usina. Era um local bem rural, havia grande canavial, uma vila de operários e vários engenhos. Meu pai era médico e atendia a vila e os engenhos também. Como começou a trabalhar com teatro? Vim para o Recife para cursar a Escola Técnica e lá comecei a participar dos festivais de música. Fiz parcerias e participei de algumas bandas com amigos. Depois estudei na Faculdade de Arquitetura, que era um centro de artes, lá também tinha os cursos de licenciatura em educação artística, música, artes cênicas. E a turma de artes cênicas e música se juntou para fazer um grupo de teatro. Comecei a me interessar por essa área. Nessa época, minha namorada era bailarina da Academia de Mônica Japiassu e me disse que estavam precisando de alguém que tocasse. Eu fui e encenamos Morte e Vida Severina, com direção de Rubem Rocha Filho. Acabou que ele me deu um personagem. Era uma montagem interessante. Simultaneamente, no grupo da faculdade a gente queria encenar Flitcs, do Ziraldo. Escrevemos para a Sbat (Sociedade Brasileira de Atores) solicitando perrmissão dos direitos autorais. Quando chegou o texto e a autorização todos queriam atuar. Aí eu disse eu quero dirigir. Todo mundo aprovou porque não era uma função que ninguém queria. Nesse ano um monte de coisas foi acontecendo: atuei em Toda Nudez Será Castigada, foi a época do incêndio no Teatro Valdemar de Oliveira, houve um grande movimento da classe teatral pra não deixar que o espaço virasse outra coisa. Qual foi a primeira peça que você escreveu? Chamava-se Muito pelo Contrário. Era sobre o Recife e Olinda e essa coisa da cultura contemporânea. Fez muito sucesso. Falava sobre nós, gente daqui. Depois disso não parei mais. Fiz várias peças: Pequenino Grão de Areia, Ver Estrelas, etc. A música sempre esteve presente, mas comecei a escrever mais música para o teatro. O teatro que faço sempre foi muito musical. Você chegou a fazer televisão aqui? Não. O que eu fiz foi publicidade, onde comecei a descobrir outra coisa que é a linguagem do audiovisual. Aprendi a linguagem de câmera, de corte, de montagem. Era uma época (anos 80) em que havia muito equipamento aqui porque as pessoas faziam campanhas políticas e quando terminava a campanha não tinha trabalho pra tantas produtoras que se formavam. Naquela época 90% dos comerciais criados eram produzidos em São Paulo. Como eu vinha do teatro, conhecia os atores, fazia uma coisa mais ousada. A gente arriscava: “vamos fazer uma coisa com alguma dramaturgia, encenação, interpretação”, e deu muito certo. Fizemos comerciais com a nossa cara, com nosso sotaque. Fiquei um tempão fazendo comercial de tv e fazia teatro esporadicamente. Comecei trabalhando na agência, depois montei uma produtora de publicidade. Até que o Guel (Arraes) leu umas peças minhas e perguntou se eu não queria colaborar no roteiro de algumas coisas que ele fazia. Vocês se conheciam do Recife? Não. Conheci o Guel no Rio. Eu respondi a ele que tinha a minha vida aqui no Recife. Ele propôs que eu ficasse uma semana no Rio e passasse o resto do mês aqui mandando textos. Trabalhávamos eu,aqui, ele no Rio e o Jorge Furtado no Rio Grande do Sul. A gente se encontrava uma vez por mês, ficávamos 5 dias juntos e voltávamos pra casa pra escrever. Vocês escreviam para quais programas da Globo? Fazíamos Brasil Especial, uma série de adaptações da literatura pra TV. Fizemos O Alienista, Coronel e o Lobisomem, Suburbano Coração, O homem que sabia Javanês e Comédia da Vida Privada, do Veríssimo, que inspirou uma série, que durou uns três anos. Durante esses três anos comecei a ir mais pra lá e aí Guel me convidou para morar lá. Eu disse que não queria. Mas aí ele disse que eu poderia aprender mais sobre televisão e ele queria aprender sobre teatro comigo. Eu disse que ia pensar, já era casado, tinha duas filhas. Mas eu sempre tive essa coisa de aventureiro. Aí fui pro Rio. E fiz muita coisa lá no teatro: Uma noite na Lua, com (Marcos) Manini; Burguês Ridículo também com ele, A Dona da História, com Marieta (Severo) e com Andrea (Beltrão), fiz também de novo com Manini e Marieta Quem tem medo de Virgínia Wolf. E como foi que você concebeu A Máquina? Eu queria voltar para o Recife com uma certa experiência que eu tinha, de alguma maneira trabalhar por aqui e encontrar as pessoas. Foi quando eu fiz A Máquina, no Armazém 14. Peguei um monte de jovens atores que eu tinha conhecido. E foi incrível. Eu sabia que ia ser um evento que seria um acontecimento e que queria que essa experiência fosse partilhada aqui, onde tenho muitas raízes. Você tinha a expectativa de que seria sucesso de público? Eu não sabia que ia acontecer tão popularmente, mas sabia que era uma coisa importante. Na época me

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Meus textos são gritos

Escritor sertanejo, radicado em São Paulo, Marcelino Freire é dono de um texto forte e enxuto, que tem sido reverenciado pelo público e crítica. Em 2006 ganhou o Prêmio Jabuti com Contos Negreiros. Na entrevista concedida a Cláudia Santos e Rafael Dantas, regada a risos e reflexões, ele fala sobre sua trajetória e critica a glamourização da literatura. Como foi sua infância no Sertão? Sou de Sertânia. Tem 26 anos que moro em São Paulo. Recentemente comecei a pensar de novo na saída da minha família do Sertão de Pernambuco para ir morar em Paulo Afonso, na Bahia. Quase me torno cidadão baiano. Quando eu tinha 8 anos de idade a família veio para o Recife. Minha mãe teve 14 gestações. Dessas, 9 vingaram e eu sou o caçula. Essas mudanças foram motivadas por trabalho? Foi a procura por melhores condições. Agora vocês viram que Sertânia foi manchete nacional, em função da Transposição do Rio São Francisco. Estou agora com 50 anos. Eu estaria esperando água até agora se estivesse na cidade, estaria pulando e fazendo festa naquele lago artificial como meus conterrâneos estão fazendo agora. (risos). Curiosamente, apesar de ter saído muito jovem, Sertânia não saiu de mim. Indiretamente eu peguei essa herança de meu pai. Ele tinha muito receio de que a gente, chegando no Recife, disesse que era do Recife. Acontece muito isso, quando você chega na capital, vindo do interior, você não é de Sertânia, de Cabrobó, você é já do Recife. Eu cheguei com 8 anos e fiquei até os 24. Fiz faculdade na Unicap, não terminei o curso de letras. Depois tive esse chamamento para São Paulo, deixei faculdade, deixei tudo. Lá todo mundo me perguntava de onde eu era, porque eu falava diferente. E eu afirmava com todas as letras: Sou de Ser-tâ-nia. Levei essa herança para São Paulo e estou lá até hoje. Como a literatura entrou na sua vida? Dessa necessidade de ler, de aprender logo. De ganhar uma profissão. Minha mãe insistia que a gente estudasse. Então muito novinho, uns 7 anos, eu já lia. Em um momento, com uns 8 ou 9 anos de idade, a poesia de Manuel Bandeira atravessou o meu caminho. Uma poesia que eu vi em uma gramática de um irmão mais velho. A poesia se chamava “O Bicho”. A partir dessa leitura eu quis ser aquele poeta. Eu gostei daquilo que ele falou para mim. Eu não sabia que existia um homem catando comida na minha rua. Eu via, mas não enxergava. Eu pensei: se ele diz uma coisa que eu não sei, ele deve ter outras coisas que eu não sei para me dizer. Fui atrás do livro do Manuel Bandeira, de outras poesias dele, numa casa que ninguém lia. Não havia biblioteca, daí uma professora sabendo desse meu encantamento, me deu uma antologia do Manuel Bandeira. Eu quis ser poeta a partir dessa contaminação que Manuel Bandeira exerceu em mim. Aí fui atrás de outras poesias e fiquei um menino melancólico. Um menino que achava que iria morrer tuberculoso. Manuel Bandeira tinha tuberculose, fui descobrir outros poetas com a mesma doença, Castro Alves, Augusto dos Anjos. Eu achava que iria morrer cedo. Eu tinha muita melancolia. Nunca fui de exercitar os músculos do corpo. Nunca fui bom de futebol ou de educação física. Eu era bom de escrever e ler poesia. Eu exercitava os músculos da alma. Qual foi a reação de sua mãe ao saber que você queria ser poeta? Nunca vi uma mãe criar um filho e querer que seja poeta quando crescer, mas dessas profissões que você sabe as funções que ela tem. Você sabe para que serve um médico, um engenheiro. Mas para que serve um poeta? Agora, curiosamente, o primeiro lugar que fui respeitado como escritor foi na minha casa, porque eu não era bom para exercitar esses músculos cotidianos. Levantar uma pedra, carregar um balde, fazer uma feira. Era péssimo. Agora me colocasse para escrever! Eu escrevia as cartas da casa. Lia as bulas de remédio da família inteira. Lia a Bíblia para minha mãe. Aí ela dizia: não mande Marcelino fazer isso, mande ele escrever. Eita menino que escreve bonito!. Porque o grande momento meu da criação era quando ela mandava eu escrever as cartas para as comadres dela. Eu escrevia aquelas cartas muito bonitas a partir do que ela noticiava para mim. Eu enfeitava e no final eu lia. E ela se emocionava. Na leitura da Bíblia, lembro que eu inventava milagres. Ela estava acompanhando a leitura, aí ela dizia: Jesus fez isso? Eu dizia: fez. (risos)! Nunca tive muita disposição para as coisas práticas, mas eu lia bastante. Lendo romances, contos, poesias, fui percebendo o poder da leitura. Ora, eu operava milagres (risos)! Eu emocionava pessoas escrevendo uma carta. Eu lia as bulas de remédio da família inteira. Se eu lesse uma bula errada eu matava todo mundo. Desconfie daquele que você julga o mais fraco da casa. (risos). Como foi participar das oficinas de Raimundo Carrero? A partir da leitura de Bandeira comecei a escrever poesia, participando de grupos de poesia já aqui no Recife. Participei de um grupo chamado Poetas Humanos. Paralelo a isso eu trabalhava em um banco. Fui office boy, escriturário e revisor de textos, no finado Banorte. Estava muito cansado do banco, eu ia ser chefe de seção. Quando me vi chefe de seção, eu disse: vou fechar a bodega, minha trajetória não vai por aí não. Cheguei em casa dizendo que fiz um acordo lá e deixei o trabalho. Meus pais disseram: meu filho, o que você vai fazer? Eu disse: vou dar o dinheiro da indenização para vocês e vou passar um tempo conhecendo os escritores dessa cidade. Olha que coisa, no final dos anos 80, deixei o banco numa semana, na outra eu vi um anúncio no jornal dizendo que o Carrero, que eu conhecia de livros, estava criando a primeira turma de criação literária no Recife. Eu disse: é isso! Me escrevi. Acontecia

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Inovação precisa de problema

Falante e entusiasmado, o presidente do C.E.S.A.R. e do Conselho da Amcham-Recife Sérgio Cavalcante não se restringiu nesta entrevista a Cláudia Santos e Rafael Dantas a fazer comentários sobre o mundo digital. Ele opinou a respeito de soluções urbanas para o Bairro do Recife, criticou o modelo do ensino médio e a passividade do brasileiro na identificação e resolução de problemas. O mercado de TI resistiu à crise? O setor tem uma vantagem: mesmo com a crise, ele resolve deficiências das empresas que desejam aumentar sua automatização, melhorar seus processos e sua produtividade através da informática. É normal que não deixem de investir em TI. O setor também acessa o mercado internacional melhor do que outras áreas. O fato do dólar ter subido muito facilita a exportação de produtos, softwares e serviços. Mas é claro que a crise nos atingiu. No caso do C.E.S.A.R., a gente não diminuiu o faturamento, mas também não cresceu. Antes, crescíamos 16% ao ano. No ano passado, faturamos cerca de R$ 81 milhões. Este ano estimamos crescer 10% em relação a 2016. Qual o tamanho do mercado de TI? Segundo o Porto Digital, o ecossistema de TI daqui tem 280 empresas, cerca de 8.500 pessoas trabalhando. O faturamento conjunto é de R$ 1,4 bilhão. Como está a relação do setor com outros setores de Pernambuco? O relacionamento vem melhorando bastante. O C.E.S.A.R. tinha poucos clientes do Nordeste. Praticamente 100% do que faturamos vem do Sul, Sudeste e exterior. A relação que temos aqui é mais acentuada na área de empreendedorismo (por meio da nossa aceleradora) que em projetos diretos com as empresas. O volume financeiro é pequeno, mas as empresas de Pernambuco solicitam muito mais o C.E.S.A.R. hoje do que no passado. Isso reflete alguma dificuldade de o empresariado local ser inovador? Dependendo do setor em que você está trabalhando, sim. Acho a economia de Pernambuco, ou pelo menos a economia que se apresenta para nós do C.E.S.A.R., muito focada em commodities, ou seja, não é a nova economia. Como está o financiamento das startups? O C.E.S.A.R. Labs é a nossa aceleradora. Criamos mais de 40 empresas no decorrer desses 21 anos. Mas existe um gargalo de financiamento. Se chegar a nós uma boa solução, a gente tem recursos para criar o protótipo para acelerar o primeiro Mínimo Viável Produto (MVP). Mas, e depois que a empresa estiver dando certo e precisar de R$ 10 milhões? Esse investimento não aparece. Mesmo na faixa inicial de R$ 2 a 3 milhões precisamos ter mais geradoras de fundo. Além do C.E.S.A.R. Labs, existe a Jump, do Porto Digital, e um movimento chamado Manguezal, que tem cerca de 60 startups envolvidas. A gente precisa dar vazão a isso. Para ter acesso aos investimentos é preciso ter uma estrutura básica de gestão?  Sim. O problema é que as startups acham que basta ter uma ideia, que tudo vai correr bem. Não focam em quem é o seu cliente potencial, nem conversam com ele para saber se tem sentido o produto a ser criado. Por isso, no evento C.E.S.A.R Open Labs a gente recebe, uma vez por mês, pessoas que querem abrir uma startup e damos um treinamento mínimo de design centrado no usuário. A maioria das aceleradoras pensa que basta fazer um edital de aceleração e vai chegar um conjunto gigante de boas soluções. Em dois anos e meio, o C.E.S.A.R. recebeu 416 propostas de startups. Aceitamos 8. Como você analisa a influência do Porto Digital na revitalização do Bairro do Recife? Há uma revitalização, claro que uma boa parte é feita pelo governo, mas também teve contribuição de empresas privadas. A gente, de certa forma, influenciou na instalação de restaurantes, bares e novos serviços no bairro. Estão previstos hotéis a serem construídos, a marina do outro lado da ponte giratória, o centro de convenções. Um espaço que gostaria muito de integrar ao nosso ecossistema é o Porto do Recife. Não tem sentido aqueles locais existentes no porto para armazenar gasolina, porque se aquilo pegar fogo vai provocar uma explosão, como já aconteceu. Qual seria a alternativa? Essa ilha (Bairro do Recife) tem cerca de 100 hectares. Não sei dizer o espaço que o porto usa, mas vamos supor que seja 60 hectares públicos (da sociedade), e 40 fechados. Se com 60 já está sendo feito tudo isso, com 40 livre dá para fazer muita coisa. Eu investiria em residências. O que está faltando no bairro hoje é gente morando. Mas tem tanta coisa legal que poderia ser feita. Por exemplo: temos muito tubarão aqui, por que não fazemos um oceanário no porto para ver os tubarões? Por que o Museu de Oceanografia da UFPE não está na ilha? Por que as fragatas não chegam por aqui? O tráfego de carros poderia deixar de ser feito na ilha. Isso aqui tem o potencial de irradiar para outros lugares o modelo de como pode ser uma cidade. Vamos fazer uma ação no C.E.S.A.R. para que as pessoas se sintam parte da mudança, incentivando a cidadania, o respeito no trânsito, a acessibilidade no Bairro do Recife, para torná-lo um ambiente saudável para a população. Para que as pessoas voltem para seus bairros e queiram reproduzir essas mudanças. Vou conversar com outras empresas para engajá-las também. Ou a gente muda o Brasil, ou a gente se muda do Brasil. Sabe quantas pessoas que se demitiram do C.E.S.A.R. e vão morar no exterior? São 33%, um número alto. Mas achar que o País não tem jeito é muito fácil. Essa é uma da causas da evasão do capital humano em TI? A gente precisa de mão de obra qualificada. Esse é o propósito da Faculdade C.E.S.A.R. As faculdades em geral visam ao campo da pesquisa ou das habilidades teóricas para o mercado e não oferecem bagagem técnica aliada à proatividade. Acho que isso se deve ao modelo educacional brasileiro. Eu ensino na faculdade desde 1990. O sistema quer incutir nos alunos o método em que o discente apenas se limita a aprender

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Nossa música deveria ser valorizada

Autor de sucessos como Confidência, Jorge de Altinho conta, nesta entrevista a Cláudia Santos, como passou de fã da Jovem Guarda para artista de música regional. Também fala sobre o forró estilizado e a estratégia que construiu para sua música tocar nas rádios FMs. Você é Jorge de Altinho, mas nasceu em Olinda? Sim, mas aos 5 anos meus pais se mudaram para Altinho. Meu pai abriu uma mercearia por volta de 1956. Toda a minha infância e adolescência foi na cidade. Era uma infância maravilhosa, como não existia essa degradação da natureza, nem o aquecimento global, costumo dizer que os invernos eram certos, chovia muito, a gente brincava de fazer açudes nas ruas. Tomávamos banho nos rios Una e Taquara. A gente chegava da escola e ia pescar e tomar banho. Quando tinha lá pelos meus 15 anos eu tinha o hábito de copiar minhas matérias escola ouvindo rádio e um dia achei interessante uma música da banda Renato e Seus Blue Caps, Menina Linda. Tocava muito no rádio. Aí, copiei um pedacinho da música, no outro dia outro pedaço. Antes de começar a aula os meninos se reuniam para ouvir Zé Maria, filho de um seresteiro, tocar na porta da escola. Eles estavam malucos pra tocar Menina Linda, mas não conheciam a letra. Eu disse a eles que tinha a letra, mas não sabia cantar. Eles insistiram pra eu cantar, aí cantei e agradei. Comecei a liderar o grupo. Nós fazíamos muito piquenique com a escola e cantávamos muito nesses encontros. Foi o seu primeiro contato com a música? Sim. Com a febre da Jovem Guarda queríamos formar um grupo de guitarra, baixo e bateria, mas o poder aquisitivo não ajudava. Então pegamos uma caixa de tocar no desfile do 7 de setembro e três violões e improvisamos um grupo imitando uma banda da Jovem Guarda. A gente cantava em aniversário, piquenique, festa dos distritos. Mais tarde, o presidente do Clube Altinense, Homero, comprou uns instrumentos usados, mas de boa qualidade, em Belo jardim. Ele adquiriu uma bateria, contrabaixo e guitarra nacional da Giannini. Foi uma festa quando chegaram os instrumentos. Ensaiávamos todos os dias. O repertório era Roberto Carlos, Tim Maia, Renato e Seus Blue Caps. Por que começou a cantar forró? A Jovem Guarda acabou nos anos 70, o programa saiu do ar, Roberto Carlos seguiu a linha da canção, e até o os Beatles acabaram. O pessoal da Jovem Guarda ficou órfão. Altinho é uma cidade muito próxima a Caruaru. Sofri muito a influência das rádios da cidade que tocavam muito a música nordestina, especialmente a Rádio Cultura do Nordeste, que pertencia aos irmãos Almeida (Onildo e José). Onildo era um compositor gravado por artistas como Luiz Gonzaga. Também sofri a influência da cultura local. A feira de Caruaru na época era dentro da cidade, em cada esquina havia uma manifestação popular: dois emboladores com pandeiro fazendo verso, várias pessoas lendo literatura de cordel, violeiros, sanfoneiros, artesanato. Enfim era um caldeirão cultural. Quando a Jovem Guarda acabou, culminou também que eu fui morar no Sertão. Em que cidade? Em várias: Salgueiro, Parnamirim, Ouricuri, Bodocó, Serrita, Cabrobó, Floresta, Belém do São Francisco. Nesta época eu trabalhava no sistema de rádio do Governo do Estado, minha função era operador. Eu tirava as férias dos colegas. Era itinerante. Depois passei três anos morando em Petrolina, mas no sistema de televisão do Governo de Pernambuco, também como operador. Aí surgiu a oportunidade de gravar meu primeiro disco no início dos anos 80 pela Odeon. Gravei com 12 músicas de minha autoria. Como foi a repercussão? Eu gravei meu primeiro disco, mas ele não teve o acompanhamento da gravadora que eu desejava. Eu também tirei seis meses de licença sem vencimentos para me dedicar à música, mas o disco não atingiu a vendagem que a gravadora estava esperando. Voltei para o meu emprego. Em 1981 fiquei sem gravar. Quando foi em 1982, João Florentino (proprietário da rede Aky Discos e da distribuidora Condil), me chamou pra fazer um LP. Ele também era atacadista de discos e me disse: “rapaz, você fez um bom disco e a gravadora não acreditou, não investiu”. Disse a ele que só gravaria se fosse no Rio de Janeiro, com um trabalho de divulgação nas rádios. Ele respondeu: “vou tentar o possível para realizar o trabalho nas rádios, mas tenho uma rede de lojas de Manaus a Salvador, que é melhor do que rádio porque o povo vai lá comprar. Então nós fechamos. Só que João mandou fabricar o disco na Tapecar no Rio e a capa no parque gráfico da Continental em São Paulo. O disco chegou primeiro que a capa. Olha a confusão armada! Quando o disco chegou em Caruaru, de cara estouraram cinco músicas, as rádios começaram a tocar e o povo começou a querer o disco. As pessoas chegavam nas lojas e levavam o disco e um papel que valia uma capa, que era entregue posteriormente. Teve gente que vendeu o LP embalado em cartolina (risos). Foram vendidos em um mês e 20 dias 58 mil discos sem capa, um fato inédito no País (risos). Qual foi seu primeiro sucesso? Confidência. Ela entrou na cabeça do povo. Veja, isso foi em 1982 e tenho sempre que abrir o show cantando essa música e se eu não cantá-la não é Jorge de Altinho. Para você ver como ela marcou. Bem, quando o disco estourou – chegou a vender mais de 100 mil cópias – aí o presidente da RCA Victor veio aqui e me convidou para a gravadora que também trabalhava com Dominguinhos e Luiz Gonzaga. Assinei um contrato de 10 anos. Sua música era tocada nas FMs? O espaço para a música regional só era na AM, onde tocava entre 4h e 5h da manhã quando todo mundo estava dormindo. Só os tiradores de leite ou o pessoal da roça escutavam. Nessa época, o Recife só tinha uma emissora FM, a Manchete, e a ordem da direção era só tocar MPB.

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“Mudamos a realidade de mulheres”

Segundo a Secretaria de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher de Itambé, o município tem um dos menores índices desse tipo de violência, porque 70% da população feminina conseguiu independência financeira. Uma das principais responsáveis por essa situação é a fábrica de confecção das marcas MM Special e Marie Mercié, fundada por Mércia Moura em pleno canavial. Nesta entrevista a Cláudia Santos, a empresária conta como driblou a cultura patriarcal da cana-de-açúcar e ergueu uma indústria que produz 32 mil peças por mês, cresceu 9% em plena crise e deu perspectivas para mulheres e crianças. Como foi a sua infância no campo? Minha família é da região de Timbaúba, São Vicente, Macaparana, na Zona da Mata Norte. Nasci no Recife, mas morava no engenho que era de meu pai. Antigamente quem era do interior tinha o costume de ter filho na capital. Mais tarde, voltei ao Recife para estudar. Sou neta e filha de coronel. Meu avô é Severino de Melo Cavalcanti, irmão de José Francisco Cavalcanti, que já foi governador do Estado, pai de Joaquim Francisco Cavalcanti e tio de Moura Cavalcanti, uma família bem tradicional de cana-de-açúcar. Meu pai, Pedro Francisco de Andrade Cavalcanti, era médico e trabalhava em Nazaré da Mata. A gente ia para o Recife estudar e nas férias e final de semana voltávamos para o engenho. Timbaúba era meu lar e o Recife minha casa para estudar. Eu não era muito fã de ficar em uma fazenda quando mais nova. Porém tinha um lado muito bom: meus avôs moravam numa casa enorme, tiveram sete filhas e lá havia uma sala de costura. Minhas tias sempre gostaram de costurar, fazer crochê e eu gostava de ficar com elas. Você chegou a fazer curso superior? Estudei no colégio Damas, onde a gente só concluía o científico se fizesse um curso profissionalizante. Como gostava de desenhar, resolvi fazer desenho técnico na Escola técnica estadual da Encruzilhada. Depois fiz vestibular para desenho industrial, passei em segundo lugar na UFPE. Minha mãe queria muito que eu estudasse, mas abandonei o curso, porque casei com Paulo Fernando Melo de Moura. Meu pai disse que eu deveria casar logo e eu estava muito apaixonada. Fui morar no Engenho Pangauá, que pertencia a meu sogro e fica em Itambé. Lá era muito bucólico, mas mal cuidado, apesar de muito produtivo, por que não havia uma presença feminina. O local não me encantou, mas fui. Em 1978, tive meu primeiro filho, depois mais dois. Lá a televisão não funcionava, e rádio dava sinal com muita dificuldade. Como começou a trabalhar com confecção? Primeiro comecei a trabalhar com galinhas (risos). Meu sogro chegou um dia com a novidade de que o Bandepe estava com uma linha de crédito muito boa para criação de aves. Acabei implantando vários galinheiros na fazenda. Mas como é que uma pessoa com tendências artísticas como eu vai cuidar de galinha (risos)? Eu não estava realizada. Um dia, minha mãe estava em casa vendo minha rotina e disse a meu marido, que não havia me criado para aquilo. Bem, eu tinha quatro tias que vendiam fardamentos em Timbaúba e no Recife e minha mãe me incentivou a fazer o mesmo. Minha tia Emília conhecia uma pessoa em Santa Cruz do Capibaribe que havia fechado uma confecção e tinha umas três máquinas para vender. Aí comprei os equipamentos com o dinheiro que ganhei com as galinhas e os instalei na casa grande do engenho do meu sogro, que ele não utilizava mais. Como começou a produção? Chamei Nelita, que era uma pessoa que morava perto do engenho e fazia roupas para meus filhos. Mas precisava de mais pessoas. O problema é que os maridos não deixavam as mulheres trabalhar fora. Mesmo assim, consegui convencer cinco delas. Contratei o Sebrae para dar apoio técnico, porque na Zona da Mata não tem cultura de confecção. Depois fundamos a nossa própria escola de costura, onde pagamos um salário para incentivar as mulheres a aprenderem uma profissão. Quando as primeiras começaram a trabalhar, logo surgiram outras querendo também entrar na fábrica porque viram que era rentável. Iniciar a atividade era difícil naquela época, anos 80, quando na região só havia plantação de cana. O curso de desenho me deu base para fazer os modelos, assim como os dias passados na sala de costura de minha avó. Mas eu não queria fazer fardamentos como minha tias. Preferi me especializar na produção de camisas femininas brancas clássicas. Havia uma grande demanda dessas peças. Bem, meu tio se casou com uma japonesa, Kiko, em São Paulo, que era operária de uma grande fábrica. Pedi a ela ideias de como comprar tecidos. Fui com ela para a Fenit (Feira Nacional da Indústria Têxtil), onde conheci Ieda Amaral que era a top da empresa Santista em pesquisa de tecido. Comecei a entender de moda, comprei livros e fiz cursos sobre o assunto. Então criei uma coleção inspirada nos anos 70, mas com as características nossas, usando pachwork, renda, gripi etc. A produção era pequena. Como começaram as vendas? Minha mãe sempre foi ousada, levou minhas peças para uma grande loja no Recife, a Ele & Ela, que pertencia a seu Assis Farinha. Ele gostou e disse que compraria toda a produção. Fiquei tão feliz! Nesse mesmo ano, o Sebrae promoveu a ida de pequenas empresas brasileiras para uma feira em Dusseldorf (Alemanha). Minha mãe me estimulou a ir. Mas quando falei com meu marido ele disse que só eu iria separada. Então minha mãe foi. Fomos a única empresa do Estado que vendeu na feira, rendendo matéria em jornais. No mesmo ano, aconteceu a Fenit e, no segundo dia da feira, vendemos toda a produção que equivalia a três meses. Pra gente foi um marco, não pela quantidade vendida, mas por sermos aceitas no mercado. Passei a vender para as lojas do bairro do Bom Retiro em São Paulo, que revendiam para o Brasil inteiro. Também participava de todas as Fenits e conquistei clientes fiéis em São Paulo. Eu

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O interior demarcou minha formação

A paixão pela sétima arte sempre permeou a vida de Camilo Cavalcante. Quando morava no Rio de Janeiro, aos 10 anos, ele a pegava um ônibus sozinho com intuito de assitir uma sessão de cinema. Para acalmar a aflição da mãe, o garoto ligava dos orelhões de ficha informando que chegara são e salvo. A paixão tornou-se ofício e hoje ele é um cineasta premiado. Nesta conversa com Cláudia Santos e Rafael Dantas, Camilo lamenta o fechamento das salas de exibição no País, fala da sua infância vivida em várias cidades do interior e de planos futuros. Como foi sua infância? Nasci no Recife, meus pais eram médicos da saúde pública e eram transferidos com frequência. Começaram a carreira no interior do Piauí em Butiri dos Lopes. Moramos depois em Floriano, onde fui alfabetizado, depois tivemos uma passagem em São Paulo, quando meus pais foram fazer uma especialização, em seguida fomos para Parnaíba (Piauí). Moramos depois em Areia (PB), Rio de Janeiro, e em seguida voltei para o Recife, quando tinha uns 11 anos. A maior parte da infancia foi no interior, e isso é bem demarcador na formação do meu imaginário, que não é só calcado numa única cultura ou situação social econômica. Em alguns desses lugares você foi fisgado pelo cinema? Gosto de cinema desde pequeno. No Rio, aos 10 anos já ia para o cinema sozinho, minha mãe ficava louca. Era a época do orelhão de ficha, eu ligava pra o trabalho dela e dizia: mamãe eu pego o ônibus, sei onde desço. Depois avisava: cheguei na frente do cinema, vou assistir à sessão. Em seguida ligava de novo: terminou a sessão, mamãe, estou indo pra casa. Não tinha muitos amigos na cidade e o cinema era uma forma de preencher o tempo e de visitar outro mundo. Você estudou jornalismo? Sim, na Federal. Antes de jornalismo fiz um curso de técnico de segurança no trabalho. E aí naquela época você terminava o terceiro ano e fazia o vestibular. Fiz jornalismo porque era o próximo que havia do cinema. Fiz estágio na Compesa como técnico de segurança. Fazia relatórios pedindo equipamentos de proteção individual para os funcionários que não vinham nunca. Os caras entravam na fossa na base da vodca, essa era a verdade. Só que apareceu a oportunidade de fazer um estágio no Misp (Museu de Imagem e Som de Pernambuco) e abandonei a Compesa. Eu era um assessor de imprensa. Toda semana, na época, havia o Cine Ribeira, no Centro de Convenções, onde passava filmes de arte. Eu fazia a divulgação na imprensa do filme, em fax ainda, ao mesmo tempo, criava e editava o comercial para a TV com o apoio da Center Produtora, e distribuia as fitas –matic betacam- nas emissoras. Era um um misto de divulgação, criação, office-boy (risos), mas que foi bem interesse o aprendizado. Foi assim que trabalhei na Center, viabilizei meus primeiros curtas, através desses conhecimentos. Como você compara a estrutura que havia na época para produzir filmes e agora? Tudo melhorou. Era a época do Governo Collor que acabou com a Embrafilme e com qualquer forma de financiamento para produção de filmes. Só que naquele momento também surgiram as câmeras de vídeo VHS e Super VHS, VHS compacta, high eight, que possibilitavam filmar com pouco recurso. Com isso muita gente começou a experimentar e usar sua câmera para fazer seus filmes, suas experiências: Kleber Mendonça, Antonio Luiz Carrilho, Grilo, o pessoal do Telefone Colorido, Tarciano Oliveira. O audiovisual na época era isso. Hoje a gente está com o edital do Governo do Estado, muito forte, que tem se mantido e isso fortalece toda uma cadeia econômica de produção. Um filme dá emprego a muita gente. É algo muito interessante o que a gente vive hoje que é uma profissionalização, naquele momento tinha-se muito o desejo de fazer e as pessoas faziam como podiam. A publicidade era o que podia prover os técnicos. Trabalhei muitos anos com comerciais institucionais para pagar as contas. É também uma forma de você exercitar a relação com as pessoas no set e trabalhar coletivamente, o que você só aprende na prática. Na sua época não havia curso de cinema. Como você se formou cineasta? Acho que eu já estava me formando em Parnaíba, quando via os filmes de Jerry Lewis, na Sessão da Tarde, ou d’Os Trapalhões no cinema. Na universidade paralelamente comecei a experimentar com essas câmeras caseiras. Calice foi meu primeiro curta sobre um suicídio ocorrido na Casa do Estudante. Com ele participei de festivais e aí você vê que não está só no mundo, outras pessoas estão na mesma batalha, isso, de certa forma, te fortalece. Fui a Cuba em 1996 estudar roteiro, uma experiência muito rica para minha formação. Não pelo curso em si, mas pela escola, que tinha uma videoteca riquíssima, pude ver muita produção latino-americana que naquela época não havia internet, não tinha como você ter acesso. Todo dia havia uma sessão de cinema de clássicos. Fiz meu segundo filme lá, Hombre a Hombre. Foi também bem experimental, com duas pessoas que estadavam lá que atuaram. Minha formação foi também muito lendo, vendo filmes. A logomarca da sua produtora, a Aurora, remente a Deus e o Diabo na Terra do Sol. Qual a influência do Cinema Novo na sua produção e por que o Sertão fascina tanto os cineastas? O Sertão me fascina pela vivência que tive no interior do Nordeste, da forma como se dá relação interpessoal nessas cidades, como é viver em vizinhança, em casa e na rua, quase sem diferença social. O filho do dono do fiteiro estudava na mesma escola do filho do médico. E o cinema Novo teve influência na produção do imaginário do Sertão, de como registrar o Sertão. Mas acho que História da Eternidade não faz muita referência ao Cinema Novo, nem em termos narrativos nem em termos estéticos, mas o movimento influencia de forma insconsciente. Gláuber Rocha tem influência nem só pelos filmes e temáticas, mas muito mais

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