Arquivos Entrevistas - Página 25 de 28 - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

Entrevistas

"Creche não é só um local para deixar a criança"

A neurociência “invadiu” a área da educação ao comprovar o que estudiosos já propagavam: cri-anças de 0 a 3 que não são estimuladas podem ter o desenvolvimento do seu cérebro afetado e prejudicar o aprendizado. Como a escola pode ajudar nesse processo? O que fazer com os peque-nos que não estão no ensino infantil, ou cujos pais são analfabetos, e moram em condições insalu-bres? Desafios como esse, têm levado o secretário de Educação do Recife Alexandre Rebêlo a buscar soluções criativas e a pedir o apoio de toda a sociedade. Nesta entrevista a Cláudia Santos, ele conta também como tem enfrentado o analfabetismo funcional e incentivado os alunos a par-tir da robótica, do cinema e do rádio. Sua meta é levar o Recife, que sempre esteve entre as cinco piores cidades do País no ensino fundamental, segundo o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Edu-cação Básica) a ficar entre as 10 melhores do Brasil em 2021. Quais os principais desafios da educação? Os desafios da rede pública municipal são divididos em três grandes blocos. O primeiro é educação infantil, abrangendo crianças do berçário até 5 anos, o segundo é o ciclo da alfabetização (5 a 8 anos). Em ambos atendemos 70 mil crianças. O terceiro bloco é o fundamental 2 (este a gente divide a responsabilidade com o Estado) e envolve 10 mil alunos adolescentes. Em relação à educação infantil, hoje em dia, as pesquisas em neurociência, que utilizam ressonância magnética, comprovam o que já era percebido há 60 anos por pensadores como Piaget: na primeira infância em especial, dos 0 aos 3 anos, é a fase de formação cerebral da criança e, em muita medida, determina o desenvolvimento do ser humano em sua vida inteira. Quando a criança é estimulada de forma correta, ela cria um volume tal de sinapses (conexões entre os neurônios) que quando chegar aos 5 anos, ela passa a descartar as sinapses que não está mais usando e quando estiver com 10, 11 anos, esse processo se estabiliza, isto é, torna-se um adulto formado do ponto de vista cerebral. O lado positivo é que podemos estimular essa criança. O lado negativo é que se essa criança na primeira infância, em especial de 0 a 3 anos, sofre maus tratos, é agredida, passa fome, cria-se um nível de estresse cerebral que desmonta e mata as sinapses e não as recupera nunca mais. A partir do que está sendo colocado na ciência a gente procura hoje enfrentar dois grandes desafios na educação infantil. Um deles é a criação de vagas nas creches da rede municipal. Qual é o déficit de vagas? Temos 17 mil crianças na educação infantil. Nas creches de 4 a 5 anos conseguimos universalizar, mas de 0 a 3 anos temos hoje 1.500 pedidos de instituições como Ministério Público, Conselho Tutelar e pessoas que formalizaram a demanda que atendemos, mas ainda temos cerca de 700 pedidos sem atender. Durante nossa gestão foram construídas 12 creches, aumentamos 18% o número de vagas. Temos mais quatro em construção e um projeto de ampliação das que já existem. O segundo desafio é a qualificação do que se faz nessa creche. Creche não é depósito de criança. No passado havia esse viés assistencialista, em que se deixava o filho para poder trabalhar. Mas a educação tem a obrigação de fazer um trabalho direcionado para desenvolver essa criança desde o berçário. Por isso, criamos o programa Brinqueducar, um conjunto de brinquedos e livros, com viés pedagógico para ser usado nessa primeira infância. Os funcionários recebem um manual abordando todos os brinquedos que receberam e como trabalhar com eles, de acordo com a faixa etária das crianças. Por exemplo, um conjunto de aramado trabalha a coordenação motora fina da criança, que depois vai permitir a ela pegar num lápis ou caneta. Ou fantoches que trabalham a imaginação e criatividade. Qual a dificuldade para implantar isso? Para a criação de vagas trata-se de uma questão financeira e de espaço físico na cidade. Todas as vagas são bancadas basicamente pela prefeitura. Uma creche custa algo como e R$ 3 milhões, mas para manter uma criança dentro dela custa muito mais, R$ 14 mil por ano. Algumas creches já existentes não têm problema material e são superiores às particulares. O desafio é que algumas delas não têm estrutura adequada. Quase metade das nossas escolas são casas adaptadas, ou seja, só metade da rede foi feita para ser escola, algumas eram imóveis de associações de moradores ou um galpão. Num processo de 30 anos, é claro que algumas delas foram ajustadas, melhoradas e são escolas bastante descentes, mas mesmo assim, não são foram feitas para serem escolas, que têm que ter pátio, espaço para crianças comerem, local para a criança olhar a natureza. A cons-trução da compreensão dos professores e de todos os profissionais da área de educação da necessi-dade de desenvolver a criança tem melhorado a cada dia, em razão do volume de informações que já foram feitas sobre a compreensão de como usa o brinquedo e como se estrutura uma aula e também pelo aporte de tecnologia. Recife hoje tem-se tornado referência em educação infantil. É um momento muito rico. Tive a oportunidade de participar de um curso da Universidade de Harvard, financiado pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, de São Paulo, voltada para o desenvolvimento da primeira infância. A universidade conta com o primeiro centro de pesquisa sobre a primeira infância, um hospital infantil que tem a maior produção de conhecimento sobre o tema. Numa aula foi exposto que o importante para as crianças dessa idade é a relação, a interação. Se ela está no berço e você está lavando os pratos, fale com ela, cante e brinque com ela, aponte as coi-sas para ela. Isso desenvolve o cérebro. Qual o desafio gigantesco nosso? Quem é nosso cliente, os pais e mães das crianças? Onde moram? Em barraco, com chão de barro, onde residem seis, sete pessoas, sem banheiro. Uma vez, falando com a diretora de uma escola, ela me disse

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Corrupção não será tema central nas eleições

Quem aposta que a corrupção será um tema central nas próximas eleições e que as redes sociais terão um peso decisivo no resultado do pleito pode estar muito enganado, segundo o cientista social Juliano Domingues. Nesta entrevista a Cláudia Santos e Rafael Dantas, Domingues, que também é jornalista, comenta ainda as fake news e o desencanto da população com as instituições políticas. Quais os efeitos desse cenário político − de tantas indefinições e denúncias − sobre o processo eleitoral? O protagonismo das instituições de fiscalização e controle nos últimos anos, especialmente Ministério Público, Polícia Federal e Justiça Federal, tem produzido o que a literatura chama de "efeitos não intencionais". A ação intencional é o combate à corrupção na relação entre políticos e empresários que, por sua vez, reforçou o processo que já estava em curso de deslegitimação e de criminalização das classes política e empresarial. Esse seria o efeito não intencional. O resultado é que as eleições deste ano estão imersas num contexto com níveis elevados de incerteza e desconfiança. Os índices de confiança medidos pelo Ibope e pela FGV apontam que o eleitor não acredita em partidos políticos, governos e Congresso. Como será esta eleição sem a tradicional polarização entre PT e PSDB? As ações de combate à corrupção enfraqueceram PT e PSDB. A ausência deles, entretanto, não significa o fim dessa polarização. Levantamento do Instituto da Democracia (UFMG/UERJ/Unicamp/UnB) apontou que 40% dos eleitores discordam da condenação do ex-presidente Lula e que 48% acreditam que Dilma foi vítima de um golpe. Pesquisa do Vox Populi indicou que, para 41%, Lula foi condenado sem provas. Essas e outras evidências nos permitem inferir que o País mantém a polarização política similar àquela identificada nas últimas eleições. Como você analisa as manifestações pelo retorno à ditadura militar? O descrédito da classe política pode levar as pessoas a uma desconfiança em relação às instituições democráticas. Parte da população associa a piora da qualidade de vida à democracia e, com isso, coloca em xeque princípios, como liberdade, participação, tolerância. Temos um legado autoritário que se manifesta desde nosso comportamento no trânsito até em trechos da Constituição. As manifestações por intervenção militar apenas reforçam a tese de que vivenciamos uma democracia frágil desde 1988. Esse sentimento sempre esteve aí, o que vai variar é que hoje há menos constrangimento em se declarar favorável a um candidato com teses antidemocráticas ou a um movimento que defende a intervenção militar. E a nossa Constituição possui brechas que preveem essa intervenção. Como avalia o desencanto de jovens com os partidos e a participação deles em movimentos? Os partidos estão na berlinda, assim como a democracia representativa. O desenvolvimento da microeletrônica associada à comunicação sem fio deu origem a novas formas de interação social. Indivíduos interconectados, em escala nunca antes vista, passaram a trocar mensagens em rede numa velocidade espetacular. A internet se popularizou e a geração que cresceu com ela passou a difundir seus valores também nos ambientes offline. Há uma demanda maior por diálogo, participação, horizontalidade, descentralização dos processos. Não é mais necessário ser do movimento estudantil ou sindical para atuar politicamente. Isso provocou um processo de fragmentação dos movimentos de organização e pressão na política. O MBL e o Vem Pra Rua surgem nesse ambiente, assim como o Ocupe Estelita ou as manifestações de 2013. Isso aconteceu também em outros movimentos pelo mundo, como a Primavera Árabe. Os jovens estão mais imersos nesse contexto por uma questão geracional. Mas o Brasil em 2013 e a greve dos caminhoneiros demonstraram o quanto a dinâmica da ação coletiva tem passado por mudanças importantes. Instituições tradicionais têm tentado se adequar a essas novas dinâmicas e estabelecer um diálogo com esses grupos. Observamos integrantes do MBL se filiando a partidos. Apesar dessa horizontalidade, como você analisa o fato de que grupos econômicos poderem influenciar o ambiente nas redes sociais, ao impulsionar financeiramente seus posts? Existem dois momentos na evolução da internet. Em meados da década de 90, época da sua popularização, há uma ideia um tanto romantizada sobre a web. Mas, num segundo momento, governos e grandes corporações percebem na internet uma excelente oportunidade e, gradualmente, fazem uma ofensiva para controlar o fluxo de informação na rede. Daí a ideia de que em vez de vivenciarmos uma sociedade da informação e do conhecimento, estamos imersos numa sociedade do controle, porque todos os nossos passos são vigiados. Neste momento o Facebook tem a informação de que estamos todos reunidos num mesmo ambiente porque nossos celulares estão aqui e ele vai sugerir vocês como pessoas que talvez eu conheça e que nos tornemos amigos. Pensando numa interpretação nem idealizada nem catastrófica sobre a internet, existem oportunidades que estão sendo aproveitadas por instituições, como o Wikileaks, que nunca teria existido se não fossem essas ferramentas, e o Mídia Ninja que se apropria das ferramentas geradas pelas grandes corporações para estabelecer uma relação de contra poder. Houve uma mudança no fluxo informacional. Se na sociedade industrial tínhamos um cenário em que poucos falavam para muitos, a internet permite que muitos estão habilitados a falar para muitos. Como indefinições na política brasileira afetam as eleições estaduais? Isso acaba por retardar a definição de alianças, já que é esperado que o ator político aguarde aquilo que ele entende como o melhor momento para tomar a decisão que lhe trará maior benefício. Somente a poucos meses das eleições se definiu uma chapa de oposição com uma vaga de candidato ao Senado em aberto. Isso não é benéfico para o provável desempenho dessa oposição nas eleições. Esse ambiente de imprevisibilidade e desconfiança está associado ao plano nacional e se reflete numa dificuldade de tomar decisões no plano local. Exemplo: Lula vai ser candidato? Se não for, quem será? No plano estadual como será uma campanha associada? Outra questão diz respeito à política de alianças. O episódio do impeachment de Dilma Rousseff forçou o posicionamento de deputados e senadores entre opções a favor ou contra. Entretanto, no plano estadual, em função de uma lógica da localidade, esse padrão

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"A vendedora de tapioca é um fast food"

Autor de mais de 70 livros publicados, e com mais três no prelo, o antropólogo e museólogo Raul Lody especializou-se em arte popular e manifestações de matriz africana. Mas foi a antropologia da alimentação que ganhou força na sua carreira e o tornou uma verdadeira autoridade no tema. Por isso, a equipe da Algomais – Cláudia Santos, Rafael Dantas, Rivaldo Neto e Tom Cabral – decidiu entrevistá-lo no Mercado da Encruzilhada. Ele adorou a configuração, após a recente reforma. Entre boxes de frutas e temperos, fregueses e ambulantes, Lody, que é carioca, falou da sua paixão pelo Recife, da influência de Gilberto Freyre, criticou os ataques aos terreiros de candomblé e fez comentários a respeito das dietas para emagrecer. Você é carioca e optou por morar no Recife, por quê? Quando era criança e adolescente, meus pais viajavam comigo pelo Brasil nas férias. Na primeira Missa do Vaqueiro eu estava, coincidentemente, em julho de 1969, em Serrita. Foi a primeira vez que estive em Pernambuco, ia fazer 18 anos. No Recife, fiquei no Grande Hotel localizado na beira do Capibaribe que era navegável. Um espetáculo! Meu olhar sempre foi o de descobrir a cultura imaterial e aqui encontrei muita coisa e sempre voltava para cá quando podia. Até que nos últimos 10 anos consegui comprar um apartamento no Recife, mas continuo com a minha casa no Rio, onde está minha biblioteca principal. Vivo muito Pernambuco, mas também o Nordeste, onde tenho projetos na Bahia, no Maranhão e no Ceará. Então, estar aqui também traz facilidades para os custos de deslocamento para viajar. Você se formou no Rio? Sim, fiz ciências sociais, depois completei com museologia. Logo que me formei, fui para Dacar, onde passei um tempo estudando arte africana. Viajei muito não só pela África Ocidental, mas também pelo Magrebe, área que me interessa muito (Marrocos, Argélia, Tunísia, Egito). Comecei a trabalhar e ver como a presença dessa região na formação brasileira é fortíssima. O homem português é um afrodescendente, porque foram quase mil anos da presença do Magrebe na Península Ibérica, onde houve uma verdadeira colonização pela civilização afroislâmica. Ela está muito presente em Pernambuco. O pastel de festa, por exemplo, no qual se polvilha açúcar, tem origem num doce folhado português, que lembra a pastilha, uma comida de festa do Magrebe. Como você vê os ataques de grupos religiosos às religiões de matriz africana? Em Pernambuco, em 1985, ocorreu o primeiro tombamento no Brasil de um terreiro por um governo estadual, que foi o de Pai Adão. Eu solicitei o tombamento e instrui o processo pela Fundarpe. Isso ajudou muito a proteger a área do sítio. Os terreiros são verdadeiras universidades vivas: têm música, idioma, culto, dança, artesanato, comida comunitária, arquitetura, mitologia. Possui todo um sistema de relações sociais diferenciado. Não é apenas um lugar de culto, é um lugar de experimentação de cultura e de história cultural. Eles sempre foram perseguidos e agora a perseguição acontece quase de uma forma autorizada por grupos com crescente poder econômico, político e de comunicação. Eu diria que vivemos uma encruzilhada (já que estamos neste mercado com este nome). Lógico, que isso não está acontecendo passivamente, mas se trata de um risco patrimonial, histórico, econômico, social. Por que a alimentação é importante para o estudo antropológico? A transformação do meio ambiente pelo homem se dá por intermédio da cultura. O que é cultura? São ações, formas diversas, tecnológicas, de transformar o meio ambiente e dar significado a essas transformações. A comida, cremos nós antropólogos e arqueólogos, talvez seja o início desse processo cultural. Comer é uma necessidade e ao comer você dá significado a essa comida. Hoje acho que o melhor tempero de um profissional de comida é conhecimento. Hoje um chef de cozinha, uma boleira, um cozinheiro, que não der importância ao seu saber será engolido pela competição. Como você analisa o movimento dos chefs brasileiros em valorizar a comida do Brasil? Isso é muito importante porque se busca o que se chama de ingrediente terroir, aqueles que são próprios, nativos, característicos, feitos ou realizados em contextos ecológicos, num determinado tipo de terra, de clima. Além do terroir, existe a biodiversidade que também faz a diferença nesse mercado tão competitivo. Para você ter uma ideia, já foram codificados mais de 400 tipos de milho, que é um alimento sul-americano, e a batata, que também é latino-americana, tem uma classificação genética com mais de três mil tipos. Quais os componentes culturais que você identifica na gastronomia pernambucana? O Brasil nasce de um processo multicultural. A primeira grande globalização vai se dar no final do século 15 com as grandes navegações, quando o português chega ao Japão, à China, à Índia, Indonésia, ao Ceilão, a todo o continente africano. Imagine nos séculos 15 e 16 ter isso tudo reunido, ampliando o conhecimento que se tinha sobre ingredientes! Lógico que a motivação das grandes navegações era comercial e econômica, mas no meio disso vai junto toda a questão social, religiosa, cultural, civilizatória desses povos. Então eu posso dizer que essa multiculturalidade é uma herança e uma coisa muito boa que está presente na mesa brasileira e muito na mesa pernambucana, onde o açúcar criou toda uma civilização, que foi capaz de reunir as chamadas frutas exóticas, como a jaca, originária da Indonésia, a manga, da Índia, a carambola, das ilhas Molucas, que se juntaram com as frutas tropicais da Mata Atlântica, do Cerrado e da Amazônia. Então aqui se tem um acervo imenso interpretado por essas culturas globais da época, que resultou numa culinária espetacular, única. Como a correria do dia a dia e a cultura do fast food podem prejudicar essa herança cultural? O fast food sempre existiu. A baiana de acarajé é um fast food, a vendedora de tapioca também, o vendedor de doce japonês idem. O que acontece é que existe uma cozinha massificada, padronizada. Uma vez estava na cidade do Marrocos (passa o vendedor de doce japonês com seu tradicional apito). Olha o vendedor de doce japonês! Fantástico!

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"Violência urbana não é só um problema de polícia"

“A guerra às drogas é uma guerra perdida”. Com essa constatação, o secretário de Segurança Urbana do Recife, Murilo Cavalcanti, propõe uma nova abordagem no enfrentamento à violência nas cidades que vai além da força policial. Nesta entrevista a Cláudia Santos e Rafael Dantas, ele defende investimentos na área social, critica a intervenção militar no Rio de Janeiro e mostra os resultados do Compaz, equipamento inspirado na experiência bem-sucedida da Colômbia contra os narcotraficantes. O senhor é formado em administração de empresas. O que o motiva a trabalhar com segurança pública? Há 14 anos uma tragédia se abateu na minha família. Uma irmã sofreu um assalto, levou um tiro e ficou paraplégica. A partir daí comecei a estudar a questão da violência urbana do ponto de vista da prevenção. Logo em seguida tomei conhecimento dos avanços obtidos na segurança pública em Bogotá, na Colômbia. Imediatamente fui conhecer a política integrada de enfrentamento à violência urbana que foi colocada em prática lá, que estava chamando a atenção do mundo inteiro. Logo aprendi que a violência urbana não é tão somente um problema de polícia. Qual a influência da crise econômica no aumento da violência? A crise, que jogou milhões de brasileiros na rua do desemprego, é um dos maiores influenciadores no aumento da criminalidade dos grandes centros urbanos do Brasil. A baixa escolaridade também tem influência direta. Se fizermos um perfil de quem matou ou morreu, ou da população de um presídio, percebemos que quase 90% não tem o ensino fundamental completo. A segunda causa é o desemprego. A maioria das pessoas que está matando e morrendo, na faixa de 16 aos 28 anos, é o jovem nem-nem: nem estuda, nem trabalha, e que facilmente é atraído para o mundo do crime. Quais as saídas para essa situação? Primeiro, oferecer uma escola pública de qualidade onde esse jovem permaneça até entrar na universidade. Segundo, oferecer, ao menos num momento de transição, o que eu chamaria de emprego social para que esse jovem tenha uma fonte de renda e não vá para o mundo do crime. Seria baixar os tributos que incidem no emprego para que o empresariado possa ter uma forma de atrair esse jovem. O valor do salário, com baixas obrigações de contrapartida, é um atrativo para a empresa. Também é preciso expandir a experiência do Compaz (Centro Comunitário da Paz) nos centros urbanos do País e ter um programa nacional de alto alcance para a primeira infância. Está provado cientificamente que a criança de 0 a 5 anos que mora num lar em que o pai bate na mãe, sofre abuso sexual, vive conflitos por causa de drogas ou álcool, tem grande chance de ser um delinquente na fase juvenil. É preciso um plano nacional composto de iniciativas que abranjam desde a prevenção – trabalhar dentro das escolas, não só da periferia, mas também nas particulares, para que os alunos aprendam a cumprir as leis, as regras da sociedade, é o que chamamos de prevenção primária. Há também a parte de proteção que é identificar os grupos vulneráveis, como as prostitutas, uma parte da comunidade gay, as mulheres que sofrem abuso sexual e violência doméstica, os meninos que foram para o mundo do crime com 14, que precisam de um olhar diferenciado, que não é o olhar de polícia. A outra etapa é executada pela justiça e pela polícia, porque ninguém é romântico para achar que a gente vai resolver o problema da violência tão somente com políticas públicas. Existem assaltantes, narcotraficantes, que usam armamento de guerra e quem tem que cuidar deles é a polícia, para prendê-los, e o sistema de justiça, para julgá-los. Outra parte importante é a ressocialização, trabalhar com aqueles que foram presos e estão dispostos a ter uma vida diferente. Você dá uma chance por meio de escolas, empregabilidade, de capacitação para o mercado de trabalho. No início da sua gestão, havia um programa de emprego social. Quais os resultados? Trabalhamos com 160 meninos que cometeram algum tipo de delinquência (alguns até praticaram homicídio). Eles cumpriram pena e saíram para a liberdade. Desse total, conseguimos empregar 140, pouquíssimos voltaram a delinquir. No Compaz há uma pessoa desde aquela época trabalhando com a gente. Qual a dificuldade dessas ideias serem implantadas no País? Decisão política. Foi isso que os colombianos fizeram. A população foi para a rua com força para dizer que não queria mais viver naquele inferno e deu a volta por cima. Lá mataram seis candidatos a presidente da República, o ministro da Justiça, o procurador geral da República, só num ano em Medelim mataram 600 policias. Nós estamos perto do inferno. Mas antes de chegar no inferno o presidente da República precisa liderar esse processo, junto com governadores e prefeitos, e empreender um plano nacional que valorize a vida. Por que as políticas de segurança não têm sido eficazes em combater o narcotráfico? A guerra às drogas é uma guerra perdida no mundo inteiro. Tenho uma posição – que não é a da prefeitura, mas minha – de legalização, ou tolerância ou convivência com as drogas. Portugal fez isso, é um grande laboratório para o mundo inteiro, tem baixa taxa de homicídio ou outro tipo de violência. E o consumo de entorpecentes não aumentou com a medida. Acho que precisa ter esse avanço das autoridades públicas para acabar com esse preconceito. O menino pobre que cheira ou usa maconha é um delinquente, o menino rico que faz o mesmo é cabeça. Precisamos rever isso. Já o narcotraficante pode-se dizer que seja um problema de polícia. Mas é preciso dar a ele a chance de entregar suas armas. A Colômbia fez isso num programa chamado Paz e Reconciliação. Foi feito um acordo com pessoas que estavam no narcotráfico, nas Farc (grupo guerrilheiro Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), que passaram a receber uma bolsa do governo federal durante seis meses. Nesse período, elas eram preparadas para o mercado de trabalho. A Colômbia saiu das páginas policiais. As drogas devem ser encaradas como um

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"Quero personagens que me transformem"

Foi de malas prontas para São Paulo que Hermila Guedes conversou com Cláudia Santos e Rafael Dantas em pleno Aeroporto dos Guararapes para falar da vida e da carreira. Assídua da ponte aérea entre o Recife e a capital paulista, a atriz não abre mão de morar em Pernambuco, embora saiba que muitas oportunidades da área artística se concentram no Sudeste. Conhecida por interpretar papéis densos, ela explica como escolhe seus personagens, fala da admiração por Laura Cardoso e elogia a qualidade do cinema local. Como foi viver no Sertão na infância e a mudança para Olinda? Foi uma infância como todas as outras de uma menina de interior, rodeada de uma família muito grande e feliz, de muitas mulheres. Num momento da vida, meu pai foi assassinado, ele era policial, e minha mãe, que tinha muita vontade de morar no Recife quando solteira, resolveu que aquele era o momento de ir. Até para dar mais chances para a gente na questão de estudos. Viemos eu, minha mãe e minha irmã. Fomos para Olinda porque era mais barato para morar. Passei minha adolescência lá. Conhecia alguns amigos que faziam teatro e que me levaram para conhecer essa arte na casa de um grande ator chamado João Ferreira. Ele montava peças com jovens não atores na casa dele, com recursos próprios, por amor. Depois a gente tentava pautas em teatros das cidades. Fiz muita peça no teatro de Paulista e no Varadouro. Mas não pensava em seguir a carreira artística. Fiz turismo na época e era muito tímida. Acreditava que fazendo teatro, talvez, me desse uma desenvoltura melhor em lidar com o público. Eu pretendia ser agente de turismo. Só que, por ironia do destino, rolou um teste com Adelina Pontual para um curta-metragem e passei. Era a época da retomada do cinema pernambucano, Cláudio Assis estava fazendo Texas Hotel, Marcelo Gomes veio com Clandestina Felicidade e eu conheci essas pessoas. Depois, surgiu o convite para fazer Cinema, Aspirinas e Urubus, de Marcelo Gomes, o primeiro longa dele. A partir daí conheci o Karim Aïnouz e fui fazer o Céu de Suely. Em seguida, fiz um trabalho na televisão e nunca mais consegui fazer outra coisa a não ser, ser atriz. Você chegou a trabalhar com turismo? Cheguei a estagiar numa agência. Fiz outras coisas também, fui promotora, aquelas que fazem divulgação de produtos de empresas, fiz letras na universidade, mas não cheguei a concluir porque não consegui conciliar o curso com a carreira. Você ganhou prêmios desde o primeiro trabalho. Isso trouxe facilidades? No filme O Pedido, de Adelina Pontual, recebi alguns prêmios, no Festival de Fortaleza e no Cine PE. Depois desses prêmios eu pensei: nossa vai aparecer milhões de trabalhos! Não apareceu (risos). Mas fiz network, conheci uma turma legal, que foi me levando para fazer testes e terminou que fiz outras coisas. Mas demorou um pouquinho, não foi exatamente como eu pensei que ia ser. Você fez papéis muito densos. Como você escolhe os personagens? Tive sorte por ter surgido trabalhos maravilhosos para mim. Mas também escolho personagens que me desafiam como atriz. Como não estudei artes cênicas, a minha escola é o trabalho, a maneira como sou conduzida pelos diretores é onde aprendo. Escolho personagens que me desafiam como profissional e como pessoa, que me transformam, que possam acrescentar e com os quais eu possa aprender muita coisa. A personagem do Céu de Suely foi um divisor de águas? Sim, foi bem especial. Foi o primeiro longa em que fui protagonista – depois teve o Verônica (Era Uma Vez Eu, Verônica). As pessoas me diziam: “depois do Céu de Suely sua vida vai ser diferente, se prepara”. Depois que o filme foi lançado, fiquei um ano esperando esse momento, numa ansiedade. Aí, fui fazer coisas bem diferentes, não queria fazer teatro, mas um curso de depilação, de cabeleireira, pra não ficar com a carga da expectativa do que iria acontecer, para tirar o meu foco dessa ansiedade. Mas aí surgiram novas oportunidades... Depois que o filme foi lançado, ganhei alguns prêmios e o filme também, tanto fora como aqui no Brasil. Nessa época, Ricardo Waddington procurava uma atriz para fazer Elis Regina, na série de TV Por toda a Minha Vida. Fiz um teste na Globo – imagina pela primeira vez na minha vida! Eu estava muito nervosa e não me achava nada parecida com a Elis. Lembro que estava fazendo teste com Júlio Andrade, que é um ator maravilhoso. Normalmente nos testes da Globo há uma equipe enorme te assistindo e o Ricardo percebeu que eu fiquei um pouco intimidada com a quantidade de pessoas, e tirou todo mundo do meu campo de visão. Fiz o teste só eu e o Júlio e acho que, por isso, consegui passar. Apesar de todo esse tempo atuando com papéis fortes você continua tímida? Sim. Eu sei que para um ator, o exercício do teatro é importantíssimo, mas para mim é mais difícil, porque tem plateia, entende? Faço parte de um grupo no Recife chamado Coletivo Angu de Teatro. A gente vai fazer 15 anos de história, é um grupo que já tem uma base forte e é muito admirado na cena pernambucana, mas ainda assim o teatro me intimida muito. Passada mais de uma década da retomada, como você vê hoje o cinema pernambucano? Ainda bem que continua com a mesma força de quando a gente começou, com muita vontade de fazer acontecer. Na época a gente não sabia no que ia dar e, de repente, a gente vira referência nacional do cinema brasileiro. E a chegada de diretores mais novos, como Gabriel Mascaro e Marcelo Lordelo, trouxe novos olhares sobre a nossa história, nossos personagens e deu uma nova identidade aos filmes. Como o Sul Sudeste encara o cinema pernambucano? Acho que com muito respeito, inclusive, acho que a gente tem aberto portas e quebrado algumas fronteiras por causa da qualidade do nosso cinema, não só da equipe técnica e direção, mas também dos atores.

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O feedback positivo das pessoas me motiva

Somente no ano passado que José Pinteiro, o DJ Jopin, decidiu dedicar-se exclusivamente à música eletrônica. Apesar dos seus poucos 26 anos, o recifense tem muita experiência com as pickups, a ponto de ter feito a abertura de shows de artistas internacionais como David Guetta. Agora, agenciado pela Luan Produções – a mesma produtora de Wesley Safadão – está vivenciado a novidade de levar seus beats computadorizados ao público das festas de forró estilizado. Com seu sorriso largo e cercado de computadores, teclados e pranchas de snowboard (seu hobby), Jopin conversou no seu estúdio com Cláudia Santos e Rafael Dantas sobre a carreira. Como você foi atuar com música eletrônica? Sempre gostei de música. Comprei meu CDJ, equipamento para DJ, com uns 15 anos. Comecei a brincar em festa de prédio, bem informal. Até que surgiu a primeira contratação numa festa remunerada de um amigo. Comecei a levar aquilo mais a sério, mas ainda como um hobby, porque trabalhava desde os 16 anos com meu pai, que tem uma fábrica de barcos. Fui morar no Canadá, quando voltei fiz supletivo, passei no vestibular, entrei na faculdade e comecei a trabalhar com ele. No início de 2017 constatei que precisava me dedicar mais à música. Disse a meu pai: ou eu vou focar nisso ou precisarei parar, porque não estou conseguindo conciliar as duas coisas. Se eu parar, tenho medo de ser uma futura frustração. Aí, ele me apoiou bastante. Gradativamente coloquei outro gerente para me substituir na fábrica e focando, como faço agora, na música. Estou todos os dias no estúdio, trabalhando, tenho algumas composições também. Antes você fazia mixagem de músicas de outros compositores? Durante muitos anos só toquei músicas de outros compositores e de outros DJs. Era uma prática comum no mercado. Existem aqueles que são só DJs e tem os DJs que são produtores, que é exatamente essa vertente que estou focando agora, para produzir meu próprio conteúdo, entre remixes e música autoral. Como está sendo sua carreira, participou de muitos festivais? Sim, de vários. Abri shows para grandes nomes internacionais, como David Guetta, Hardwell, Steve Angello, Erick Morillo, e participei de festas em que eles estavam no line-up (programação). Toquei no Tomorrowland, em São Paulo, que foi muito importante para mim. Isso foi me motivando. O que mais me motiva é o feedback positivo das pessoas. Minha agência é a mesma de cantores como Wesley Safadão e Gabriel Diniz, que são cantores de forró, gênero totalmente diferente do meu, mas acabo participando de algumas festas com eles. Como é a receptividade desse público? Achei que seria muito mais difícil do que, de fato, está sendo. Quando você toca numa festa com 50 mil pessoas não consegue agradar a todos, até porque a grande maioria das pessoas estão lá para ouvir outros gêneros. Mas só de você ter um feedback positivo da metade ou mais da metade do público, para mim é bastante satisfatório. Acho que isso é um reflexo da evolução da música eletrônica no Brasil. Qual a vertente da música eletrônica que você toca? Existem várias vertentes: house, deep house, trance entre muitos outros gêneros. Costumo dizer que toco house, mas variando entre essas vertentes. É difícil você engessar apenas num gênero. Tento tocar nessas festas o mais comercial possível, mas sem sair muito das minhas raízes que é o house. Fiz um remix recente em homenagem a Alceu Valença da música Anunciação e o feedback foi muito positivo. Em São Paulo achei que não teria receptividade como aqui no Nordeste, mas fiquei impressionado como as pessoas receberam bem e fiquei feliz por homenagear um artista pernambucano que admiro muito. Esse remix de Alceu Valença já está nas mãos dele, estou esperando o seu feedback para saber se posso lançá-lo ou não. Como é a cena da música eletrônica em Pernambuco? Recife tinha clubes, como Nox e Overpoint, mas atualmente acho que não existe nenhum de música eletrônica. Infelizmente. O Brasil passou um período grande sem ter clubes de música eletrônica em algumas capitais. Esse movimento está voltando em São Paulo onde, de um tempo para cá, foram abertos vários clubes. Por isso, a atividade é muito direcionada a eventos. Produtores de DJs nacionais ou internacionais promovem festas, mas clube mesmo não existe mais. Esse circuito de festas é crescente? Sim. A ponto de eu tocar em grandes festas aqui no Recife, juntamente com bandas. Isso não existia. Antes, o DJ só tocava escondido no intervalo, não no palco. Os DJs Alok e Jet Lag têm tocado em festivais como o Villa Mix. Já toquei em vários Estados com Wesley Safadão, em festas como a Garota Vip. No Rio de Janeiro, por exemplo, participaram 50 mil pessoas e tenho uma hora e meia para fazer um show. Vejo que as pessoas, hoje em dia, respeitam isso. Elas não veem como um DJ que está tocando ali no intervalo, elas o enxergam como um artista e dão a ele o devido respeito. Isso é muito gratificante. Você está morando em São Paulo? Desde quando trabalhava na indústria de barcos, tinha negócios em São Paulo. Por isso, tenho casa lá e fico muito nesse eixo Recife-São Paulo. Mas gosto mesmo de estar na minha casa, no meu estúdio. Eu cresci olhando para o mar. Então se eu tenho mais shows no Nordeste no mês, eu fico aqui, é onde eu gosto de escrever, ficar na minha casa, com minha família. Gosto de ficar em São Paulo também, mas quando eu posso, fico no Recife. Quais os artistas que o influenciaram? Steve Angello que era do trio Swedish House Mafia, que foi muito conhecido. Acho que esse é o cara em que mais me inspirei, porque o admiro muito como DJ. O que você está escutando atualmente? Escuto muito vários artistas. Procuro pesquisar bastante, não só no campo da música eletrônica, porque os remixes têm sido muito positivos para essa ascensão da música eletrônica no mercado. De um tempo para cá surgiram vários remixes de artistas brasileiros.

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Temos que conseguir as coisas com diálogo

Diálogo. Esta é a principal ferramenta do novo presidente da Câmara de Diretores Lojistas do Recife, Cid Lôbo, para a sua gestão. Ele tem conversado com governo, prefeitura e até com os camelôs, para encontrar soluções para as dificuldades enfrentadas pelos lojistas e consumidores. Nesta entrevista a Cláudia Santos, ele comenta, por exemplo, as sugestões dos comerciantes para o projeto de reforma da Av. Conde da Boa Vista. Quais são seus planos à frente da CDL? São de continuidade do que estamos fazendo. Fui vice-presidente de Eduardo Catão (ex-presidente da CDL) durante seis anos e na CDL seguimos, há mais de 10 anos, um planejamento estratégico, em que estão as bases da gestão que devem ter continuidade. Claro que tem o toque pessoal da cultura do presidente, mas a proposta é seguir esse planejamento que visa manter o relacionamento forte tanto com o Governo do Estado, principalmente nas questões relativas à segurança, como com a prefeitura, em assuntos referentes a controle urbano, mobilidade, limpeza, manutenção. No começo de janeiro tivemos duas reuniões com João Braga (secretário da Mobilidade e Controle Urbano). Numa delas tratamos da reforma na Av. Conde da Boa Vista, que já está licitada. Na ocasião conhecemos o projeto. Temos outra reunião marcada para entregarmos as sugestões dos lojistas. A segunda reunião foi sobre o bairro de São José, em que discutimos soluções para organizar o comércio informal, pois sabemos que é impossível acabar com ele. Até porque o ambulante faz parte da cultura dos bairros São José e Santo Antônio e a “Terra dos Mascates” já surgiu desse jeito. O grande problema é que tem hora em que a prefeitura controla mais, em outras, menos. Muda o prefeito, muda a visão sobre o assunto. Não é uma política constante. Mas acreditamos que se pode organizar a atividade, manter a limpeza, sempre em diálogo com os camelôs e a prefeitura. Com Geraldo Julio e João Braga temos mantido diálogo e eles já fizeram várias tentativas, mas tem que ficar sempre tentando porque sabemos que com esta crise, a maior recessão do Brasil na história, é impossível controlar muito rigidamente os camelôs porque as pessoas precisam viver. Quais as sugestões da CDL para o problema? Primeiro, criar minicamelódromos. É uma forma de oferecer um ponto onde passa muita gente, porque se não passar ninguém eles voltam para as ruas desordenadamente. Por exemplo, o camelódromo da Dantas Barreto metade funciona (que é onde passa gente), a outra metade fica abandonada. A prefeitura já tem os prédios para instalação do camelódromo, mas faltou verba em razão da crise. Mas, por exemplo, no entorno do Mercado de São José, a prefeitura está construindo no Cais de Santa Rita uns galpões. As ideia é retirar da rua os camelôs que já estão cadastrados e abrigá-los lá. Na esquina da Conde da Boa Vista com a Sete de Setembro, a prefeitura possui um prédio que está tentando transformar num camelódromo, mas também falta verba. Mas há outras providências que precisam ser tomadas: melhorar a iluminação, coletar o lixo, diminuir o tamanho das carroças que eles usam. São soluções que não resolvem o problema totalmente, mas melhoram 50 a 60%. O mesmo ocorre com o trânsito. Sabemos que no Recife a mobilidade é péssima, mas se há a instalação da faixa azul para o ônibus circular, proíbe-se o estacionamento em algumas áreas, ocorre uma melhora. Como o transito impacta o comércio? Quanto melhor a mobilidade dos ônibus, mais fácil atrair o consumidor para o centro da cidade. Uma das premissas da Nova Conde da Boa Vista é eliminar a circulação de carros na via para só trafegar ônibus. Os automóveis poderão apenas cruzar a avenida. Esta é uma proposta, não sei se será aceita. O que mais está previsto? O BRT terá duas estações no meio da avenida, os demais ônibus ficarão como eram antes, isto é, dos lados da avenida. O que é o correto, porque, se não tiver passarelas, as pessoas têm que atravessar a via, o que é um perigo. A avenida ficou uma bagunça porque fizeram as modificações pela metade quando ela foi transformada. A Conde da Boa Vista será mais humanizada, terá bancos para o transeunte sentar. Foi feito estudo do tamanho das paradas que foram dimensionadas em função da frequência dos ônibus, a iluminação será trocada e, segundo os secretários, a verba já está garantida, o que é o mais importante. A previsão da prefeitura é implantar o projeto depois do Carnaval. A avenida então será mais voltada para o pedestre? Sim. É bom lembrar que a parte destinada ao carro hoje é horrível, é estreita, o motorista leva muito tempo para trafegar nela. Então é um projeto que nós da CDL gostamos e achamos necessário. A Conde da Boa Vista está muito deteriorada. E em relação à segurança? Até meados do ano passado a situação estava horrível. O secretário de Defesa Social, Antônio de Pádua, esteve aqui e planejou um esquema especial para o centro, que funcionou, como a alocação dos 9,5 mil policiais nas ruas (aqueles que usam boné laranja). Há a previsão de entrada de mais mil e poucos soldados. Nessa tentativa no Bairro São José contamos com a parceria do comandante do 16º Batalhão de Polícia Militar e representantes da Polícia Civil para encontrarmos soluções conjuntas. Trazemos as ideias para serem discutidas com os lojistas, que sugerem soluções e as entregamos para as autoridades. Quais as ações realizadas pela CDL para aumentar as vendas? Ao contrário do shopping center, que é uma área privada e os lojistas seguem um contrato que prevê, por exemplo, a obrigatoriedade de abrir a loja todos os domingos, na rua é diferente. Cada lojista faz seu horário. O que fazemos? A gente tem que conseguir as coisas com diálogo. Então próximo a datas importantes – Dia das Mães, Natal – lideramos um movimento que propõe abrir a loja aos domingos, mas cada um abre se quiser. Na maioria das vezes conseguimos convencer os lojistas. O resultado é bom? Sempre

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Rec-beat é uma plataforma para novos sons

Ao entrar no escritório da produtora de Antonio Gutierrez, conhecido no meio artístico como Gutie, chama a atenção a quantidade de crachás de festivais e feiras de música. É nesses eventos que ele garimpa os artistas ainda desconhecidos que vão se apresentar no Rec-beat. Nesta entrevista a Cláudia Santos e Rafael Dantas, ele conta como nasceu o festival e fala sobre os artistas hoje famosos que nele foram revelados e como está driblando a crise para obter o patrocínio para a 23ª edição do evento. Como você se tornou o criador do Rec-beat? Nasci em Bariri (SP). Saí de lá com 18 anos, fui para São Paulo, me formei em jornalismo e trabalhei na Gazeta Mercantil. Depois de uns quatro anos, o jornal me ofereceu ser correspondente no Recife. Um ano depois eclodiu o mangue beat. Eu era amigo das pessoas do movimento, porque, apesar de ser jornalista sempre fui ligado à música. Tanto que vários amigos meus em São Paulo tinham banda. Quando era adolescente, na minha cidade, eu organizava recitais, exposição de poesia, cheguei até a fazer um festival relativamente grande. Também gerenciava uma discoteca. Isso com 16 anos. Descobri, mais tarde, que sempre tive vocação para produção. Mas, para mim, isso não era uma profissão, era diversão. Como foi criado o Rec-beat? Um dia fui a uma festa em Olinda, havia pouquíssima gente. Foi quando ouvi, pela primeira vez, Mundo Livre S/A e Lamento Negro (que daria origem à Nação Zumbi). Aquilo me arrebatou. Estimulado por essa cena, mesmo sendo jornalista, criei uma festa que acontecia no Francis Drinks. Era um prostíbulo, no Bairro do Recife, que na época estava em ruína. Esse lugar era frequentado por marinheiros dos navios que aportavam aqui. Fiz um acordo no qual eu fechava a casa um mês e todo sábado tocavam duas bandas novas da cidade e fazíamos uma festa. Era o Projeto Rec-beat. Logo depois achei que poderia criar um festival, porque existia essa cena e na época havia uma mídia que cobria bem o que estava acontecendo aqui, como a MTV, a TV Cultura, a revista Bizz, a Folha de S. Paulo e o Estadão. Era um som original que soava muito novo. Mas me dei conta de que as pessoas que visitavam a cidade achavam que iam encontrar essa música em todo canto. Mas não, tanto é que as rádios locais nunca tocaram esse som, apenas em programas específicos. Essa música não tinha uma plataforma, a não ser o Abril pro Rock. Imaginei que aquelas pessoas poderiam ver um pouquinho desses artistas dentro do Carnaval. A ideia não era ser um festival para quem não gosta da folia, mas para o folião que veio conhecer a festa. A primeira edição foi num bar chamado Oficina Mecânica, em Olinda. No ano seguinte teve um hiato e no outro aconteceu no Centro Luiz Freire, em Olinda, durante o Carnaval. Era pago, com preço simbólico. Fizemos umas duas ou três edições ali, foi quando recebi um convite do secretário de Cultura Raul Henry para trazer o festival para o Bairro do Recife. Ele queria fomentar o Carnaval na região, onde não tinha tradição da festa. O Rec-beat viria como âncora para atrair o público jovem. A Fundação de Cultura apoiou e o evento passou a ser gratuito. Fizemos o festival na Rua da Moeda. Nessa época o bairro não tinha nada. Falamos com Roger (de Renor), que já tinha a Soparia no Pina, e ele abriu uma filial na Moeda. Atrás do palco havia uma garagem onde um amigo abriu um comércio de bebidas, que chamou de Bar Stage, porque estava atrás do palco (risos). A partir desse momento a rua virou um point. O que era o Bar Stage virou a Cachaçaria, a casa de Roger virou o Novo Pina e foram abertos novos bares. O público aumentou, o festival foi ocupando a rua até que ela ficou pequena. Fomos para onde estamos hoje no Cais da Alfândega. O festival foi se expandindo e foi incorporando a música brasileira e a nova música latina. Mas vocês sempre se preocuparam em divulgar bandas pouco conhecidas, não é? O festival tem essa vocação desde o início. O fato de ser gratuito possibilita que as pessoas ouçam sons novos porque não têm que pagar para ver. Elas não têm que arriscar nada. O fato de ser gratuito também me dá liberdade de não ser preciso colocar bandas superconhecidas para as pessoas comparecerem. Mas você sempre traz também uma atração conhecida. Sempre busco uma atração que faça um link com a história da nossa música, até como uma forma de mostrar para as novas gerações que a música brasileira tem uma linha evolutiva. Para se chegar na Céu, em Otto, em Criolo, tem todo um lance histórico, porque essas pessoas também têm como referência os grandes nomes que vieram antes. Muita gente, por exemplo, pensa que a música Vapor Barato é de autoria do Rappa, mas quando assiste a um show de Jards Macalé vai ver que aquele cara compôs essa música com Waly Salomão anos atrás. Também trouxemos Luiz Melodia, João Donato, Tom Zé, Tony Tornado (que foi precursor da soul music brasileira), que são uma referência histórica. Mas são nomes fora do mainstream... São nomes que têm uma importância, mas não comercialmente. Quando a gente fala que o Rec-beat é um festival independente isso significa que não tem viés comercial. Ivete Sangalo nunca tocaria no Rec-beat. Queremos ser uma plataforma para que o público tome contato com um artista que dificilmente ele veria se não fosse no festival. Quais os artistas que eram desconhecidos, tocaram no Rec-beat e hoje conquistaram um público maior? Nação Zumbi, Lenine, Seu Jorge, Gaby Amarantos, Baiana System. Quando se tem um artista potencialmente talentoso, artisticamente forte, o festival contribui, mas não é determinante para seu sucesso, porque ele vai acontecer de alguma forma, sabe? O festival acaba cumprindo um papel de colocar o artista em contato com o público. Os melhores acabam formando uma plateia

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"A sociedade está mais acelerada"

Se você acha que 2017 passou voando, não é uma mera sensação. Nesta entrevista do professor de sociologia da UFPE Jonatas Ferreira a Cláudia Santos, ele explica como as novas tecnologias aceleraram nossa relação com o tempo. Doutor pela Universidade de Lancaster (Reino Unido), Ferreira analisa como essa realidade afeta as relações pessoais e a incidência dos casos de depressão. Ele também comenta sobre a influência das fake news no debate político. Por que temos a sensação que o tempo está passando mais rápido? Vivemos numa sociedade mais acelerada. Tempo é um conceito com implicações políticas, culturais e existenciais. Aristóteles dizia que ele é a medida do movimento das coisas. O mundo, a vida se transformam e as pessoas precisavam de alguma medida para se orientar. Numa sociedade tradicional, como era a de Aristóteles, essas medidas podiam ser a lua, ao circular em todas as suas fases ela completa um mês, o sol circulando em torno da Terra – era assim que eles pensavam – formava um dia. As pessoas se orientavam através de fenômenos externos e concretos, como o movimento da lua, do sol, o tempo que existe entre plantar e colher. Com na sociedade moderna, com o surgimento do tempo de relógio, não nos referenciamos mais em fenômenos exteriores e por isso os dispositivos modernos são basicamente aceleradores. Costumo dizer, como exemplo, para meus alunos, que hoje não se espera mais a galinha pôr os ovos no tempo dela. Na sociedade tradicional você deixa a galinha ciscar, comer minhocas e quando ela cresce, são aproveitados seus ovos e carne. Na sociedade moderna, como não nos orientamos mais por um tempo externo, não somos mais passivos em relação ao tempo, intensificamos o ritmo de desenvolvimento da galinha através de hormônios, dieta etc. O que acontece com a galinha acontece com toda a natureza. A gente vive numa sociedade de intensificação dos ritmos naturais. As tecnologias digitais aceleram mais as nossas vidas do que as surgidas em outras épocas? No tempo da primeira Revolução Industrial a vida já se tornou acelerada com o surgimento de invenções como o trem, a máquina a vapor. Mas, o sociólogo Hermínio Martins dizia que não vivemos mais no período da aceleração, mas da aceleração da aceleração. Um vetor importante da competição da sociedade contemporânea é potencialização da aceleração, a produção em tempo real, a implosão do espaço. Isso pode significar um estilhaçamento das relações sociais por proximidade física. Eu moro num conjunto de apartamentos e não sei muita coisa sobre meus vizinhos. Mas sei muita coisa que está acontecendo com pessoas que eu desconheço e tem a sua vida aberta por meio das mídias digitais. Isso é negativo? Nem sempre. Minha filha mora na Alemanha e é bom poder conversar com ela regularmente pela internet. Dadas as circunstâncias a gente tem vantagens e desvantagens. As tecnologias são benéficas ou atrapalham a sociabilidade? Acho que elas exigem que a gente recalibre o que chamamos de sociabilidade. Muita coisa que acontece de mais decisivo na sua vida pode acontecer por intermédio de um meio que você pode chamar de frio, mas que você aquece com sua experiência humana. Por exemplo, é comum hoje as pessoas começarem relações amorosas a partir de plataformas como o Facebook. O que a gente pode dizer é que as relações humanas se tornaram mais complexas com o enorme entrelaçamento de elementos virtuais e presenciais. Mas as relações não se estabelecem num vazio. O Facebook tem uma arquitetura que propõe às pessoas uma certa emotividade, por exemplo. Ali as pessoas não são contatos, são amigas, ali você curte ou odeia, faz carinhas de amor, coraçãozinho. Você é estimulado a dizer o que gosta e o que não gosta e a expandir o número de amigos constantemente, porque isso interessa a essa rede. Quem controla um dispositivo com uma arquitetura como essa não pode deixar de o ver como bem econômico. E aí você começa a receber no seu perfil propaganda de coisas muito específicas que têm relação com o que você curtiu. O dispositivo parece que lhe conhece. Uma pessoa que paga uma fortuna por isso pode interferir na prioridade com que você recebe mensagens. Não é à toa que essa é uma plataforma política das mais importantes hoje. Quando um candidato como Trump, com sua falta de qualidade política e humana, ganha uma eleição utilizando-se dessa plataforma, inclusive com notícias falsas, você percebe que quem controla esses aparatos controla algo muito importante. No Brasil a gente não pode pensar em política sem pensar em quem controla essa arquitetura e as discussões nas redes sociais. Mas os movimentos sociais mais recentes também usam as redes sociais. Sem dúvida. A mobilização pode acontecer por esse lado. Mas, o que eu quero dizer é que quem tem a possibilidade de controlar o algoritmo que decide as coisas que você vai ler primeiro quando você abre seu Facebook tem poder político muito grande. E aí não se trata de saber se esse dispositivo atrapalha ou beneficia a sociabilidade, mas entender que tipo de sociabilidade promove. Como você analisa as fake news (notícias falsas)? Há pessoas que começam a falar em pós- -verdade. O critério de realidade das coisas que Trump disse a respeito de Hilary Clinton não é se é verdade o que ela fez, o que ele diz que fez, mas o impacto que aquilo criou na opinião pública. E você tem isso de forma categórica na política brasileira: você sabe que existe circulação de fake news as mais grosseiras por parte de segmentos da esquerda e da direita. São notícias falsas que não politizam nada, que vivem do escândalo. Escândalo não alimenta a reflexão, é aquilo que entorpece, a gente fica agindo nessa lógica da emotividade exacerbada. Toda experiência humana deve se dar na dimensão de emotividade, mas tem gente ou há contextos em que a emotividade é usada como forma de aprisionamento. Qual a relação do aumento dos casos de depressão e a realidade em que vivemos? Esse é o tema

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"O Recife deu as costas ao rio"

O presidente do CAU-PE, Roberto Montezuma analisa nesta entrevista o desafio do planejamento das cidades a partir da perspectiva proposta pela Nova Agenda Urbana da ONU. Na conversa com os jornalistas Cláudia Santos e Rafael Dantas, o urbanista fala também sobre os movimentos sociais urbanos e os desafios de construir cidades sustentáveis ambientalmente. O que é a Nova Agenda Urbana? É um programa criado pela ONU-Habitat, que é uma agência das Nações Unidas centrada no problema urbano e focada na questão da habitação. Ela pensava inicialmente, em 1976, em soluções muito ligadas ao edifício. Vinte anos depois, eles entenderam que os problemas da cidade não se resolviam apenas com habitações e o novo foco passou a ser a urbanização, compreendendo toda a infraestrutura que envolve a moradia. Em 2016 há uma grande mudança, quando surge o tema da cidade de que precisamos. Interpretamos que isso significa pensá-la enquanto um sistema integrado, não apenas do ponto de vista da infraestrutura da urbanização, mas do que dá sentido a sua aglomeração. O fenômeno é a cidade, que é um sistema composto de diferentes dimensões como do uso e ocupação do solo, do patrimônio construído e do natural etc. Para organizar isso é preciso um pacto e um projeto. O plano pode ser entendido como uma carta de navegação que a cidade vai ter que cumprir nos próximos 20 anos. A ONU apontou 17 objetivos para serem atingidos nesse prazo, como a cidade ser socialmente inclusiva, resiliente e promover uma gestão ambiental sustentável, entre outros. O horizonte dessa agenda é até quando? Até 2036, um ano antes do Recife completar 500 anos. Por isso que é estratégico. São cinco gestões municipais. A ONU, dentro dos objetivos gerais, aponta que é preciso fortalecer algumas ações estruturais que costuram essas metas. Quais são essas ações? A primeira é a construção de uma visão urbana, de onde pretendemos chegar. A segunda são os planos e os projetos complementares, que precisam vir de um amplo debate entre todos os atores que interagem a cidade: sociedade, poder público, iniciativa privada, igrejas. O terceiro ponto é a legislação para tudo isso ocorrer. Hoje temos o maior conjunto de legislações urbanas do mundo, mas nossas cidades estão colapsadas. Não adianta ter só leis, elas precisam ser legítimas. E, por fim, o financiamento da visão, dos planos e projetos e das obras. Não pode ter recurso apenas para as obras, senão nasce um projeto que é desconectado da realidade. Isso interessaria a quem? Só pode ser a um grupo muito pequeno de pessoas e não à sociedade. O projeto Parque Capibaribe e o Recife 500 Anos seriam dois planos na perspectiva proposta pela ONU? Acho que o Recife 500 Anos é a grande visão. Deve apontar aonde precisamos chegar. É preciso um pacto no sentido dessa construção, em direção aos próximos 20 anos, quando Recife será a primeira capital brasileira a completar 500 anos. Feito isso, como vamos agir? Vejo o Parque Capibaribe como esse esqueleto territorial que vai ajudando a revelar esse Recife que foi esquecido. A proposta do Parque Capibaribe retoma essa conexão entre o meio ambiente e os espaços públicos. É nessa perspectiva de uma cidade parque. Na prática o que foi feito para promoção dessa agenda da ONU? Realizamos o Fórum Internacional HOJE Implementando Cidades Sustentáveis junto com o 4º Congresso Pernambucano de Municípios, no mês de julho. O presidente da Amupe, José Patriota, teve a sensibilidade de perceber que essa conexão seria frutífera. Iria conectar Pernambuco com a ONU. Aprendemos com as Nações Unidas que é preciso estabelecer um plano vertical, uma macro política. Nos últimos anos trabalhamos na estruturação dessa macro política, quando foram feiras as grandes conexões. Agora é a hora das pequenas conexões, das ações do dia a dia. O congresso lidou com quase 3 mil gestores, entre prefeitos e secretários. Há vários prefeitos nos procurando. No congresso estruturamos quatro salas especiais para discutir questões como a cidade inclusiva, interligada, a metrópole, a cidade resiliente. O que vem a ser resiliência urbana? Trata-se dessa cidade adaptável ao meio ambiente. Que não dá mais as costas ao seu patrimônio natural, mas volta a reconstruir sua própria historia. Muitas das cidades deram as costas para o meio ambiente, o Recife é uma delas. O Centro Histórico respeitou o rio, mas a expansão urbana não o via como meio de transporte ou fator de economia. Foi criada uma cidade rodoviária. Nessa hora, o rio passa a ser o esgoto, o quintal, o fundo e não a frente. A cidade resiliente vem nessa perspectiva de se voltar para o meio ambiente. Isso aconteceu no mundo inteiro. Amsterdã até os anos 80 estava dando as costas para o meio ambiente, secando os seus rios para colocar carros até perceber que isso era uma loucura. Passou a respeitar. Então isso é uma mudança de rota. Há um alto custo da cidade ao renegar a natureza. Este apartheid entre natureza e cidade precisa ser revisto. Veja o nível do mar subindo, o aquecimento global, o desmatamento... Uma das características históricas do Recife é a desigualdade. O que seria uma cidade inclusiva? A cidade inclusiva é aquela que percebe que inclusão começa por conceber a habitação de uma forma mais ampla. O programa Minha Casa Minha Vida, por exemplo, propõe a construção de moradias distantes do centro da cidade, impulsionando a expansão urbana. Aí que entra o plano, que envolve não só o chão do território, mas a logística das pessoas que atuam na cidade. O plano é por natureza a inteligência urbana. A igualdade social é fundamental para uma cidade sustentável. A Metrópole é uma das questões mais discutidas pelo CAU-PE nos últimos meses. Como isso está sendo tratado? Estamos falando da metrópole sob o aspecto de como várias cidades estão se interligando umas com as outras. Existem cidades em que se vai a pé até chegar na outra. Municípios que se distanciam um do outro em poucos quilômetros, mesmo de Estados diferentes, como Petrolina (PE) e Juazeiro (BA).

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