Corrupção não será tema central nas eleições

Quem aposta que a corrupção será um tema central nas próximas eleições e que as redes sociais terão um peso decisivo no resultado do pleito pode estar muito enganado, segundo o cientista social Juliano Domingues. Nesta entrevista a Cláudia Santos e Rafael Dantas, Domingues, que também é jornalista, comenta ainda as fake news e o desencanto da população com as instituições políticas.

Quais os efeitos desse cenário político − de tantas indefinições e denúncias − sobre o processo eleitoral?
O protagonismo das instituições de fiscalização e controle nos últimos anos, especialmente Ministério Público, Polícia Federal e Justiça Federal, tem produzido o que a literatura chama de “efeitos não intencionais”. A ação intencional é o combate à corrupção na relação entre políticos e empresários que, por sua vez, reforçou o processo que já estava em curso de deslegitimação e de criminalização das classes política e empresarial. Esse seria o efeito não intencional. O resultado é que as eleições deste ano estão imersas num contexto com níveis elevados de incerteza e desconfiança. Os índices de confiança medidos pelo Ibope e pela FGV apontam que o eleitor não acredita em partidos políticos, governos e Congresso.

Como será esta eleição sem a tradicional polarização entre PT e PSDB?
As ações de combate à corrupção enfraqueceram PT e PSDB. A ausência deles, entretanto, não significa o fim dessa polarização. Levantamento do Instituto da Democracia (UFMG/UERJ/Unicamp/UnB) apontou que 40% dos eleitores discordam da condenação do ex-presidente Lula e que 48% acreditam que Dilma foi vítima de um golpe. Pesquisa do Vox Populi indicou que, para 41%, Lula foi condenado sem provas. Essas e outras evidências nos permitem inferir que o País mantém a polarização política similar àquela identificada nas últimas eleições.

Como você analisa as manifestações pelo retorno à ditadura militar?
O descrédito da classe política pode levar as pessoas a uma desconfiança em relação às instituições democráticas. Parte da população associa a piora da qualidade de vida à democracia e, com isso, coloca em xeque princípios, como liberdade, participação, tolerância. Temos um legado autoritário que se manifesta desde nosso comportamento no trânsito até em trechos da Constituição. As manifestações por intervenção militar apenas reforçam a tese de que vivenciamos uma democracia frágil desde 1988. Esse sentimento sempre esteve aí, o que vai variar é que hoje há menos constrangimento em se declarar favorável a um candidato com teses antidemocráticas ou a um movimento que defende a intervenção militar. E a nossa Constituição possui brechas que preveem essa intervenção.

Como avalia o desencanto de jovens com os partidos e a participação deles em movimentos?
Os partidos estão na berlinda, assim como a democracia representativa. O desenvolvimento da microeletrônica associada à comunicação sem fio deu origem a novas formas de interação social. Indivíduos interconectados, em escala nunca antes vista, passaram a trocar mensagens em rede numa velocidade espetacular. A internet se popularizou e a geração que cresceu com ela passou a difundir seus valores também nos ambientes offline. Há uma demanda maior por diálogo, participação, horizontalidade, descentralização dos processos. Não é mais necessário ser do movimento estudantil ou sindical para atuar politicamente. Isso provocou um processo de fragmentação dos movimentos de organização e pressão na política. O MBL e o Vem Pra Rua surgem nesse ambiente, assim como o Ocupe Estelita ou as manifestações de 2013. Isso aconteceu também em outros movimentos pelo mundo, como a Primavera Árabe. Os jovens estão mais imersos nesse contexto por uma questão geracional. Mas o Brasil em 2013 e a greve dos caminhoneiros demonstraram o quanto a dinâmica da ação coletiva tem passado por mudanças importantes. Instituições tradicionais têm tentado se adequar a essas novas dinâmicas e estabelecer um diálogo com esses grupos. Observamos integrantes do MBL se filiando a partidos.

Apesar dessa horizontalidade, como você analisa o fato de que grupos econômicos poderem influenciar o ambiente nas redes sociais, ao impulsionar financeiramente seus posts?
Existem dois momentos na evolução da internet. Em meados da década de 90, época da sua popularização, há uma ideia um tanto romantizada sobre a web. Mas, num segundo momento, governos e grandes corporações percebem na internet uma excelente oportunidade e, gradualmente, fazem uma ofensiva para controlar o fluxo de informação na rede. Daí a ideia de que em vez de vivenciarmos uma sociedade da informação e do conhecimento, estamos imersos numa sociedade do controle, porque todos os nossos passos são vigiados. Neste momento o Facebook tem a informação de que estamos todos reunidos num mesmo ambiente porque nossos celulares estão aqui e ele vai sugerir vocês como pessoas que talvez eu conheça e que nos tornemos amigos. Pensando numa interpretação nem idealizada nem catastrófica sobre a internet, existem oportunidades que estão sendo aproveitadas por instituições, como o Wikileaks, que nunca teria existido se não fossem essas ferramentas, e o Mídia Ninja que se apropria das ferramentas geradas pelas grandes corporações para estabelecer uma relação de contra poder. Houve uma mudança no fluxo informacional. Se na sociedade industrial tínhamos um cenário em que poucos falavam para muitos, a internet permite que muitos estão habilitados a falar para muitos.

Como indefinições na política brasileira afetam as eleições estaduais?
Isso acaba por retardar a definição de alianças, já que é esperado que o ator político aguarde aquilo que ele entende como o melhor momento para tomar a decisão que lhe trará maior benefício. Somente a poucos meses das eleições se definiu uma chapa de oposição com uma vaga de candidato ao Senado em aberto. Isso não é benéfico para o provável desempenho dessa oposição nas eleições. Esse ambiente de imprevisibilidade e desconfiança está associado ao plano nacional e se reflete numa dificuldade de tomar decisões no plano local. Exemplo: Lula vai ser candidato? Se não for, quem será? No plano estadual como será uma campanha associada? Outra questão diz respeito à política de alianças. O episódio do impeachment de Dilma Rousseff forçou o posicionamento de deputados e senadores entre opções a favor ou contra. Entretanto, no plano estadual, em função de uma lógica da localidade, esse padrão nacional costuma ser relativizado e unir adversários. Palanques híbridos podem reforçar a descrença nos candidatos e, consequentemente, na política.

Qual deve ser o peso das redes sociais e da TV na campanha eleitoral?
Não há elementos suficientes para acreditar que as redes sociais vão influenciar de modo decisivo as eleições. A chance maior é que façam a diferença em disputas mais acirradas, decididas nos detalhes. Apesar disso, os candidatos devem apostar nessa ferramenta. Com custos de produção e de distribuição de conteúdo baixos, é possível estabelecer canais de comunicação direta com o eleitor. A TV ainda desequilibra o jogo eleitoral, por causa da sua presença em praticamente todas as residências. Quanto mais tempo um candidato tem na TV, maior a chance dele se eleger.

As fake news podem interferir nos resultados das eleições?
Elas sempre foram usadas em campanhas eleitorais. Costumo brincar que fake news nada mais são que a quebra do monopólio das inverdades, que antes estavam concentradas nos grandes meios de comunicação. As fake news serão usadas nas eleições, o que vai engrossar o caldo de incerteza e desconfiança. O interessante é que o Brasil ficou em segundo no ranking da última pesquisa do índice da percepção equivocada. Nessa pesquisa são feitas perguntas a pessoas nas ruas cujas respostas são informações públicas disponíveis. Assim, podemos supor como o Brasil é um terreno fértil para fake news. Dados apontam também que a disseminação de notícias falsas tende a ser maior que a das verdadeiras. Será interessante observar nessas eleições o quanto os candidatos vão recorrer aos social bots, que são contas artificiais criadas nas redes sociais programadas para disseminar ou replicar determinados comentários numa velocidade que o ser humano não conseguiria. Isso acaba chegando às pessoas, que interagem sem perceber que é um robô e replicam a informação. Os meios de comunicação começam a produzir matéria sobre o assunto, porque apareceu nas redes sociais, e ele entra na pauta do Congresso Nacional. Estudos da FGV apontaram o uso de social bots nos debates sobre as reformas da Previdência e trabalhista e nas eleições de 2014, tanto na campanha de Aécio quanto na de Dilma.

Corrupção será um tema central da campanha 2018?
A corrupção estará presente na agenda, mas tende a ser um tema periférico. Pesquisas indicam que o voto do eleitor não costuma ser influenciado por essa variável. Ou seja, não é por ser corrupto que determinado candidato não terá votos. Senão, não teria sido necessária a instituição da Lei da Ficha Limpa. Em segundo lugar, dados indicam a desconfiança do eleitor em relação ao judiciário e ao Ministério Público. Ao mesmo tempo, embora preso, o ex-presidente Lula ainda é o preferido em pesquisas de intenção de voto. Falar sobre corrupção e defender a condenação do líder petista pode custar caro eleitoralmente. Em terceiro lugar, denúncias de corrupção têm fragilizado a classe política de modo generalizado. Não se espera que um candidato levante um assunto potencialmente negativo para ele próprio. Devem prevalecer os temas relacionados a segurança pública e geração de emprego.

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