O manguebeat contribuiu para o cinema descobrir o Recife
Com a mesma desenvoltura que circula entre diferentes ritmos para criar sua música, DJ Dolores transita com desembaraço em papéis distintos como o de documentarista, designer ou autor de trilha sonora. Misturar, ousar experimentalismos e se lançar em novos campos da arte sempre fascinou o sergipano Helder Aragão, que se tornou recifense, desde que aportou por aqui aos 18 anos. Nesta conversa, ele fala da cena mangue e sua influência, da relação com Kleber Mendonça Filho, dos planos na música e das investidas em produções para a TV. Por Cláudia Santos e Rafael Dantas Como foi ser criança em Sergipe? Nasci em Propriá, à beira do Rio São Francisco. Essa experiência ribeirinha foi importante pra mim porque a gente tinha muito contato com a natureza. Também tínhamos um certo culto à educação. A gente lia muito desde criança. A ideia de ler sempre foi muito presente na minha vida e dos meus primos. Quando se ouve os poetas do interior, os repentistas, percebe-se que os caras sabem de tudo: da mitologia grega às naves espaciais. Esse tipo de curiosidade é muito interiorana e o conhecimento é sempre um jeito de você romper sua condição geográfica e social. Havia alguém artista na família? Na minha família existem muitos músicos, meu pai também era músico, chegou a gravar disco e tocava vários instrumentos de corda e sopro. Mas ninguém transformou essa veia artística em profissão, fui o primeiro. A cultura da região do São Francisco o influenciou? Quando criança, eu acompanhava as festas de boi e as marujadas, que conviviam lado a lado com a igreja católica e a jovem guarda. Foi desse mix que surgiu seu gosto por misturar ritmos? Acho que todo mundo que mora no Nordeste está submetido à ideia de que você pertence a uma tradição e que ao mesmo tempo você quer outras coisas. A gente é muito mais aberto do que a cultura do Sudeste, que têm um grande vazio, eles procuram essa tradição e talvez a busquem no resto do País. Quando você chegou ao Recife? Aos 18 anos. Vim por conta própria. Já morava em Aracaju nessa época, mas era uma cidade muito pequena. Eu era um jovem que queria ir para uma cidade maior, tinha a ambição de estudar outras coisas. Estudei design na UFPE, comecei a trabalhar nessa área. Daí larguei o design para fazer animação na TV Viva, uma produtora, que era uma ONG , com uma das melhores estruturas. Isso foi em 1989. A partir da animação comecei a escrever pequenos roteiros de vídeo, aprendi a editar, e logo depois, numa outra produtora tive a oportunidade de dirigir documentários. Passei um tempão fazendo documentários e viajando pelo Brasil para a TV Cultura. Nessa época surgiu em paralelo o manguebeat. Nunca deixei de ser DJ, de fazer música, mas a minha profissão a essa altura era escrever e dirigir documentários. Já tinha largado o design. Mas fazia trabalhos como capa de disco de amigos, junto com Hilton Lacerda (cineasta do filme Tatuagem), como da Lama ao Caos, de Chico Science, e a do Mestre Ambrósio, que foi premiada. Como surgiu a cena mangue? Todo mundo era muito jovem, tinha muitas ideias e acho que alguns tinham muito talento. O que eu sentia em Aracaju, sentia no Recife: não havia muitas coisas acontecendo. Por isso, a gente começou a fazer festas para nós mesmos. O sentimento era criar algum tipo de diversão para livrar a gente do tédio. Essas festas cresceram, talvez porque fossem uma demanda, um sentimento compartilhado na cidade. De repente outras pessoas estavam fazendo festa. E aí, saímos da ambição de fazer uma festa e começamos a ter ambição de fazer uma banda, de produzir show e foi desse jeito que aconteceu. Eu já era DJ dessas festas. O mangue começa a ganhar características bem mais importantes quando as bandas surgem. Começa a apresentar uma obra própria e essa obra pede intervenções de outras disciplinas. Era aí que a gente entrava, pensando como seria a imagem, como era o palco, como poderia transformar aquilo num vídeo. Começamos a trabalhar com linguagens mais complexas, criando uma estética e um discurso. Quando você começou a trabalhar como músico? Trabalhei durante muito tempo como documentarista, até que em 1999 eu estava em São Paulo, mas não aguentava morar lá. Resolvi voltar pro Recife. Aqui não tinha trabalhos interessantes. Resolvi arriscar e fazer música. Montei minha primeira banda que se chamava DJ Dolores. Estreamos no Abril pro Rock daquele ano, a repercussão foi incrível. No outro dia saímos nas capas de revistas de música e jornais. Isso permitiu dar outro passo que foi montar uma banda fixa, a Santa Massa. Em 2002 a gente fez a primeira turnê no exterior. Como foi recepção? Boa. Em 2003 a gente lançou um disco na Europa através de um selo inglês e fizemos uma turnê que foram quase 40 shows em dois meses. Foi tipo um recorde. E não era fazendo circuito de bar, mas de festivais importantes da Europa, com direito a ir a Nova Iorque no meio dessa turnê com shows no Lincoln Center. Foi um feito muito grande, mas na época não havia Facebook e as pessoas não ficaram sabendo (risos). Por que Dolores? Por que o nome do escritório de design que eu tinha com Hilton se chamava Dolores e Morales. Como eu gostava muito de Dolores fiquei com o nome, que já me deu muitos problemas. Uma vez, na Cidade do México, uma jornalista ficou brava porque dizia que esse era um nome de mulher (risos). Com a morte de Chico Science, o manguebeat arrefeceu. Como você vê o desenrolar desse movimento? Acho que o que a gente costuma chamar de manguebeat foi uma cena, e uma cena tem um começo, um auge e um fim natural. O mangue explode num momento que tem muita gente em várias áreas – da moda, da música, da dança, das artes plásticas – com algum tipo de inquietude para liberar. O mangue catalisa
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