Arquivos Entrevistas - Página 27 de 28 - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

Entrevistas

O manguebeat contribuiu para o cinema descobrir o Recife

Com a mesma desenvoltura que circula entre diferentes ritmos para criar sua música, DJ Dolores transita com desembaraço em papéis distintos como o de documentarista, designer ou autor de trilha sonora. Misturar, ousar experimentalismos e se lançar em novos campos da arte sempre fascinou o sergipano Helder Aragão, que se tornou recifense, desde que aportou por aqui aos 18 anos. Nesta conversa, ele fala da cena mangue e sua influência, da relação com Kleber Mendonça Filho, dos planos na música e das investidas em produções para a TV. Por Cláudia Santos e Rafael Dantas Como foi ser criança em Sergipe? Nasci em Propriá, à beira do Rio São Francisco. Essa experiência ribeirinha foi importante pra mim porque a gente tinha muito contato com a natureza. Também tínhamos um certo culto à educação. A gente lia muito desde criança. A ideia de ler sempre foi muito presente na minha vida e dos meus primos. Quando se ouve os poetas do interior, os repentistas, percebe-se que os caras sabem de tudo: da mitologia grega às naves espaciais. Esse tipo de curiosidade é muito interiorana e o conhecimento é sempre um jeito de você romper sua condição geográfica e social. Havia alguém artista na família? Na minha família existem muitos músicos, meu pai também era músico, chegou a gravar disco e tocava vários instrumentos de corda e sopro. Mas ninguém transformou essa veia artística em profissão, fui o primeiro. A cultura da região do São Francisco o influenciou? Quando criança, eu acompanhava as festas de boi e as marujadas, que conviviam lado a lado com a igreja católica e a jovem guarda. Foi desse mix que surgiu seu gosto por misturar ritmos? Acho que todo mundo que mora no Nordeste está submetido à ideia de que você pertence a uma tradição e que ao mesmo tempo você quer outras coisas. A gente é muito mais aberto do que a cultura do Sudeste, que têm um grande vazio, eles procuram essa tradição e talvez a busquem no resto do País. Quando você chegou ao Recife? Aos 18 anos. Vim por conta própria. Já morava em Aracaju nessa época, mas era uma cidade muito pequena. Eu era um jovem que queria ir para uma cidade maior, tinha a ambição de estudar outras coisas. Estudei design na UFPE, comecei a trabalhar nessa área. Daí larguei o design para fazer animação na TV Viva, uma produtora, que era uma ONG , com uma das melhores estruturas. Isso foi em 1989. A partir da animação comecei a escrever pequenos roteiros de vídeo, aprendi a editar, e logo depois, numa outra produtora tive a oportunidade de dirigir documentários. Passei um tempão fazendo documentários e viajando pelo Brasil para a TV Cultura. Nessa época surgiu em paralelo o manguebeat. Nunca deixei de ser DJ, de fazer música, mas a minha profissão a essa altura era escrever e dirigir documentários. Já tinha largado o design. Mas fazia trabalhos como capa de disco de amigos, junto com Hilton Lacerda (cineasta do filme Tatuagem), como da Lama ao Caos, de Chico Science, e a do Mestre Ambrósio, que foi premiada. Como surgiu a cena mangue? Todo mundo era muito jovem, tinha muitas ideias e acho que alguns tinham muito talento. O que eu sentia em Aracaju, sentia no Recife: não havia muitas coisas acontecendo. Por isso, a gente começou a fazer festas para nós mesmos. O sentimento era criar algum tipo de diversão para livrar a gente do tédio. Essas festas cresceram, talvez porque fossem uma demanda, um sentimento compartilhado na cidade. De repente outras pessoas estavam fazendo festa. E aí, saímos da ambição de fazer uma festa e começamos a ter ambição de fazer uma banda, de produzir show e foi desse jeito que aconteceu. Eu já era DJ dessas festas. O mangue começa a ganhar características bem mais importantes quando as bandas surgem. Começa a apresentar uma obra própria e essa obra pede intervenções de outras disciplinas. Era aí que a gente entrava, pensando como seria a imagem, como era o palco, como poderia transformar aquilo num vídeo. Começamos a trabalhar com linguagens mais complexas, criando uma estética e um discurso. Quando você começou a trabalhar como músico? Trabalhei durante muito tempo como documentarista, até que em 1999 eu estava em São Paulo, mas não aguentava morar lá. Resolvi voltar pro Recife. Aqui não tinha trabalhos interessantes. Resolvi arriscar e fazer música. Montei minha primeira banda que se chamava DJ Dolores. Estreamos no Abril pro Rock daquele ano, a repercussão foi incrível. No outro dia saímos nas capas de revistas de música e jornais. Isso permitiu dar outro passo que foi montar uma banda fixa, a Santa Massa. Em 2002 a gente fez a primeira turnê no exterior. Como foi recepção? Boa. Em 2003 a gente lançou um disco na Europa através de um selo inglês e fizemos uma turnê que foram quase 40 shows em dois meses. Foi tipo um recorde. E não era fazendo circuito de bar, mas de festivais importantes da Europa, com direito a ir a Nova Iorque no meio dessa turnê com shows no Lincoln Center. Foi um feito muito grande, mas na época não havia Facebook e as pessoas não ficaram sabendo (risos). Por que Dolores? Por que o nome do escritório de design que eu tinha com Hilton se chamava Dolores e Morales. Como eu gostava muito de Dolores fiquei com o nome, que já me deu muitos problemas. Uma vez, na Cidade do México, uma jornalista ficou brava porque dizia que esse era um nome de mulher (risos). Com a morte de Chico Science, o manguebeat arrefeceu. Como você vê o desenrolar desse movimento? Acho que o que a gente costuma chamar de manguebeat foi uma cena, e uma cena tem um começo, um auge e um fim natural. O mangue explode num momento que tem muita gente em várias áreas – da moda, da música, da dança, das artes plásticas – com algum tipo de inquietude para liberar. O mangue catalisa

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"O mundo é mais inteligente por causa do digital"

Gustavo Maia é um recifense apaixonado por política e um empreendedor incansável. Embora jovem, já teve vários negócios. O Colab, aplicativo que criou com amigos, recebeu o prêmio AppMyCity de melhor app urbano do mundo. Inquieto, disse nesta conversa com Algomais, que planeja introduzir mudanças no produto para ser ago como o Pokemon Go da cidadania. Confira mais na entrevista. Você passou a infância no Recife? Sou recifense, mas aos 5 anos me mudei para São Paulo, com minha família. Meu pai é executivo da PWC e foi transferido para lá. Aos 6, ele foi transferido para os Estados Unidos, Indianápolis. Depois, voltamos para São Paulo, em seguida para o Recife. Foram dois anos fora. Em 1999 fomos para Campinas. Passei um ano e meio e fui fazer intercambio no Canadá. Depois voltei para o Recife para fazer faculdade, publicidade. Entrei na faculdade aos 17 e aos 18 montei um escritório pequeno de design, com amigos, para oferecer pequenos serviços de agência de publicidade. Você nunca pensou em ser um assalariado? Eu cheguei a estagiar, fui diretor de artes, de criação em agência, ainda durante a universidade. Daí fui chamado por amigos da faculdade para ser sócio deles na agência Massapê em 2006. Na época era uma sala em cima de um estacionamento da clínica da mãe de um dos sócios. Reformamos e começamos a crescer. Mas, quando estava no fim da faculdade, não queria mais a publicidade. Fui ser sócio, menos como publicitário, mais como empreendedor. Passei um tempo na agência, depois saí e montei uma agência de marketing digital, a Quick Site, em 2008. Era um modelo para desenvolver sites rápidos para pequenos e médios empresários em 48 horas. Nessa época, 2008, ou você contratava o sobrinho de alguém para fazer o site ou uma agência, o que saía muito caro. A gente entrava com preços baratíssimos, 12 vezes, no cartão. Era legal, mas tivemos dificuldade em escalar. Mas vendemos mais de mil sites. Depois abrimos paralelamente a Quick Solution, que era o braço para fazer portais maiores. Ainda nesse ano, criamos o Quick Político, para desenvolver site para candidatos. Sempre fui apaixonado por política. Fizemos o site de João da Costa, no Recife, e de Elias, em Jaboatão. Em 2008 pegamos o desafio de desenvolver o portal nacional do PSDB, que era algo grande. Nós atendemos bem. Éramos novinhos, mas conversávamos com os ex-ministros de FHC. Foi uma experiência bem legal. Nessa época criamos também um site de compra coletiva o “Gentes Finas”, que faturou R$ 300 mil em 3 meses e fechamos porque houve o pico da compra coletiva, mas em seguida caiu rápido. Foi um negócio bem-sucedido para nós. Nesse meio tempo, montamos um empreendimento em Tamandaré. Nós estávamos sem dinheiro, mas vimos um terreno legal, fizemos um projeto arquitetônico e dividimos o imóvel em flats. Fomos buscar investidores, que foram comprar como investimento para vender depois. Tiramos isso do papel e hoje exitem 10 flats e outras coisas. Quando nasce a ideia do Colab? Em 2010 fizemos várias campanhas para governador, senador, deputados, basicamente em Pernambuco. Em 2011, a Quick recebe um pequeno investimento e montamos um escritório em São Paulo. Aqui fazíamos mais desenvolvimento e lá a parte comercial. Em 2012 voltamos a fazer eleição. Era pré-campanha de Raul Henry, que nem chegou a ser candidato. Ele queria fazer um programa de governo colaborativo, perguntando à população, através das redes sociais, o que ela queria. Fazíamos enquetes no Facebook de Raul, toda semana, com 30 mil a 50 mil pessoas respondendo sobre algum tema da cidade. Na época surge o Ocupe Estelita e os Direitos Urbanos. Estávamos trabalhando para um candidato e construímos esse diálogo entre as pessoas através da rede social. Nessa época Eduardo Campos indicou Geraldo e Raul o apoiou. Aí fomos trabalhar na campanha de Geraldo. Acabado o pleito, começamos a formatar o Colab. Colocamos no papel e o lançamos em março de 2013. Explique o que é o Colab? É uma rede social da cidadania. Conectamos o cidadão com o governo. Víamos o povo cada vez mais na rua querendo uma interlocução maior. E nós conhecíamos os políticos. Trabalhei com muita gente boa, séria, comprometida. Mas o governo é uma máquina gigante, ineficiente, difícil. Ajudamos a construir essa relação de forma estruturada para levar o desejo das pessoas até o governo, de forma que ele possa revolver. Não é uma ferramenta da prefeitura ou do governo, mas da sociedade civil, que disponibilizamos uma estrutura para trazer o governo para dentro. Basicamente é um aplicativo de celular – mas é disponível também em site – no qual você vê um problema na rua, identifica isso com foto e localização. Essa informação vai para um sistema em que a gente coloca a prefeitura para fazer o atendimento. A primeira prefeitura que trabalhamos foi a de Curitiba. A resposta da prefeitura é rápida? Assim que uma pessoa faz uma publicação, a mensagem chega na prefeitura imediatamente. A primeira coisa que a prefeitura faz é dizer que recebeu a demanda, que identificou ser verdadeira, pois tem gente que publica informações falsas. Daí comunica que está mandando para um técnico responsável. Em 95% dos casos, essa primeira resposta é em menos de cinco horas. A prefeitura também pode consultar a população em situações como: Qual a banda que você quer que toque no show que será aberto ao público? Ou onde colocar R$ 1 milhão entre cinco projetos previstos? No passado eram 80 ou 90 pessoas nas assembleias do Orçamento Participativo. Com o Colab, fizemos com 10 mil pessoas participando este ano em Santos (SP). Vocês estão em quantas cidades? Hoje a Colab é uma das ferramentas sociais de relacionamento com o cidadão de Curitiba, Porto Alegre, Teresina, Natal, Recife, Campinas, Pelotas, Santos. São 150 prefeituras no País que utilizam a plataforma oficialmente. Temos pouco mais de 150 mil usuários e uma taxa de resolução muito superior a qualquer tipo de programa. Em algumas prefeituras em que se usa telefone para solicitar serviços,

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Me interesso mais por literatura do que por pintura

Todos os dias, nos mesmos horários, João Câmara labuta no seu ateliê. Ele brinca dizendo que a rotina de expediente de trabalho é um hábito herdado do pai, funcionário público. Talvez isso explique o volume de sua produção tão grande quanto o tamanho dos painéis que caracterizam sua obra. Quadros, aliás, que podem ser apreciados e adquiridos no casarão nas Graças que pertenceu a José Antonio Gonsalves de Mello (autor do clássico No tempo dos Flamengos). Lá o artista recebeu a equipe da Algomais para uma conversa sobre suas influências artísticas, o mercado de arte e a paixão por textos “pedreiras”, como os de James Joyce. Você nasceu na Paraíba e veio para o Recife. Conte um pouco dessa trajetória. Nasci em João Pessoa, em 1944. Quando era menino ainda, nos mudamos para o Rio. Meu pai trabalhava nos Correios e foi transferido para lá. Passamos dois anos e meio no Rio, depois meu pai foi retransferido para o Recife, em 1957. Meu pai é pernambucano e minha mãe, paraibana. Estudei no Salesiano, Nóbrega e fiz Faculdade Católica para psicologia. Por que o interesse pela psicologia? Não sei. Ia fazer medicina, mas achava que requeria muita matemática. Terminei fazendo psicologia, mas nunca exerci porque nesse meio tempo eu também fazia curso livre de belas artes. A medicina escapou de mim (risos). Essa inclinação pela artes plásticas veio desde a infância? Eu desenhava um pouquinho melhor que os outros meninos, mas não exageradamente bem. No Salesiano havia um colega que desenhava bem direitinho e disse que ia fazer o curso na Escola de Belas Artes. Ele perguntou se eu não queria fazer também. Fui, sem muita pretensão. Fiz o exame para desenhar modelos de gesso e fiquei lá três anos. Como eu tinha outras atividades, não dava para cumprir os horários. Fiz algumas cadeiras: paisagem, natureza morta, figura e história da arte. Você faz arte por dois motivos: uma vocação irresistível (porque ninguém é obrigado a fazer isso), ou porque você quer se profissionalizar. Comecei a fazer pintura porque achava bonitinho e depois me profissionalizei. Minha única atividade é a de artista plástico. Algum artista o influenciou? Na época da Escola de Belas Artes convivi muito com Vicente do Rego Monteiro. Fui aluno dele durante pouco tempo na cadeira que ele regia de natureza morta. Mas Vicente viajava muito para a Europa. Com ele teve uma coisa muito boa: os alunos mais jovens levavam as obras para ele dar a sua opinião, era uma espécie de aula informal. Depois tive um bom professor que era Laerte Baldini, um iberoargentino. Conhecia muito a arte e com ele aprendi muita coisa de cultura. Minha formação foi mais ou menos essa. Então o que aprendi foi vendo, olhando, fazendo, experimentando, errando. As pessoas ocupam um espaço privilegiado no seus quadros. A única coisa que sei fazer é figura. Quando eu era estudante de Belas Artes a voga era a pintura abstrata por causa das bienais nos anos 60 e de artistas como Pollock. Todos nós, jovens da Escola de Belas Artes, queríamos ser mais modernos do que o que era ensinado lá. Uma vez peguei uma tela muito grande e gastei uma fortuna das minhas pobres tintas para fazer um quadro abstrato, que resultou num desastre (risos). O professor Baldini quando viu disse: “volta a fazer suas figuras porque você não é muito bom na arte abstrata”. O homem era sensato (risos). Você é conhecido por suas séries de pinturas. Uma delas é Cenas da Vida Brasileira, em que você se inspira na Era Vargas. Por que Vargas? A partir dos anos 70 comecei a trabalhar em conjuntos mais fechados que são séries. A mais volumosa foi a Cenas da Vida Brasileira, que começou em 1974 e concluí em 1976. São 10 painéis de pintura muito grandes que estão no Mamam e 100 litografias. Vargas porque, quando eu era menino, em 1954, estava no Rio quando ele se suicidou. Tenho uma lembrança infantil do acontecimento. É uma série com personagens e eventos políticos, tentei fazer uma espécie de rememoração da minha infância política. Nessa época o País estava sob ditadura. Ainda estava. Era 1974, mas estava em curva descendente, porque aí veio o Geisel e a abertura. Tive alguns problemas, com obras apreendidas, a exposição de Cenas da Vida Brasileira foi monitorada pelo Dops, foi filmada, fotografavam quem ia visitar. Essas coisas. Mas nada muito heroico, viu? E a série Dez Casos de Amor? Enquanto a série sobre Vargas é um discurso visual sobre o estado político e da rememoração, Dez Casos de Amor é uma espécie de teorema em quarto fechado, porque são temas amorosos, sobre a pintura tomada como uma relação amorosa. Depois passei 14 anos desenvolvendo uma série chamada As Duas Cidades, onde retratei o ambiente externo de novo, mas dessa vez, quase sem figuras. São paisagens, o ambiente, os emblemas das cidades de Olinda e Recife. Como é a sua relação com as duas cidades? Tive um ateliê em Olinda em 1965, depois, quando me casei em 1971 comprei uma casa lá. Depois fiz a reforma da casa que virou também um ateliê. Em seguida comprei outra que virou só residência. Esta casa (Casarão que pertenceu a Gonsalves de Mello) veio depois porque estava ficando muito incômodo mostrar minhas obras. Olinda é uma cidade que tem muito turismo. É um aborrecimento, as pessoas batem na porta pra ver os quadros. Transferi as obras para cá para poder ficar mais trancado dentro das minhas coisas. Qual a importância da Oficina Guaianases de Gravura? A experiência na Oficina Guaianases foi importante para nós - um grupo de artistas de diversas orientações estéticas - exercermos a administração e a gerência do trabalho coletivo, darmos perfil profissional e negocial à editora de gravura, trabalhar de forma cooperativa com impressores e colaboradores não artistas. (Conheça a história da oficina Guaianases no site da Algomais http://migre.me/vcrVH) Você publicou livros e tem um texto interessante. Você gosta de literatura? Eu me interesso mais por literatura do

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Dois livros do escritor vão virar séries de Tv

Comissão da Verdade, consultor da Unesco, José Paulo Cavalcanti Filho conta sempre boas histórias dos lugares onde passou. O talento para perceber o inusitado no cotidiano talvez tenha sido um dos motivos que o levou a ser escritor. Nesta conversa, ele conta sobre sua trajetória e a experiência de transpor seus livros para a telinha, um deles é a biografia de Fernando Pessoa. Qual a lembrança que senhor tem da infância no Recife? A vida não é estrada reta, onde você anda sempre em frente sabendo aonde vai chegar. É um cordão sem ponta, em que você, em algum momento, volta para a raiz. No começo você quer conhecer lugares, depois quer só voltar aos lugares que mais gostou. No começo você quer conhecer sons, no fim quer só ouvir a música que gosta. Por exemplo, uma vez por ano faço com minha mulher uma viagem culinária com pelo interior da França. Mas, num determinado momento da vida começo a gostar de tanajura, de bode guisado. Isso não é comida da minha infância, porque sou urbano, mas da infância de meu pai e do meu avó, que são de Ipojuca. Para falar do começo você tem que falar da raiz que está antes, que você herda. Mas passei uma infância como a de qualquer pessoa que nasceu no Recife. Sempre morei em Boa Viagem. Tenho uma irmã que foi campeã sul-americana de natação. Nadávamos mar adentro, até não vermos a praia, só os cocurutos dos edifícios. Hoje apenas doidos fariam isso. Você vai e volta sem uma perna por causa dos tubarões. Sempre quis ser advogado? Queria ser maestro na infância, depois decidi ser diplomata. Aí aprendi várias línguas. Aos 15 anos – idade em que você é um idiota absoluto - queria ser filósofo. Mas com 15 anos você quer ser o maior filósofo do Ocidente de todos os tempos. Eu só lia filosofia. Aí começaram a aparecer textos em grego antigo, aí eu me danei a estudar grego antigo. Fiz vestibular para filosofia, passei, assisti a uma aula. Em seguida, levantei-me, me despedi da classe, avisei que não ia voltar. Fiz vestibular para Direito na Católica, porque meu pai havia ensinado lá. Depois fui proibido de estudar pelo regime militar, porque eu era presidente do diretório acadêmico. Em seguida ganhei uma bolsa para Harvard, mas não passei muito tempo lá porque, no ano seguinte, me deixaram estudar e voltei para cá. Quando o senhor voltou? Em 1970. Fui para a Universidade Federal, me formei e queria ensinar. Foram abertos oito concursos para a Federal, eu me inscrevi em todos. Mas aí o SNI (Serviço Nacional de Informação) cancelou os concursos. Virei advogado por acaso, porque queria ser acadêmico. Trinta anos depois, em 1985, Fernando Lyra (ministro da Justiça do governo Sarney), que eu não conhecia, me convidou para ser seu secretário geral. Ele disse: “não entendo nada de direito, vou fazer política. Meu secretário geral tem que entender de direito e me prometer não se meter em política. E vai ser você”. Aí eu disse: Fernando, eu não quero. Ele respondeu: “se quisesse, eu não lhe convidava”. Insisti: eu não tenho tempo. Ele retrucou: “se você fosse um desocupado, eu não lhe convidava”. Em seguida falei: rapaz, vou perder muito dinheiro. E ele devolveu: “o problema são os que entram aqui querendo ganhar muito dinheiro”. Então coloquei: você fala muito grosso e eu não levo carão nem de meu pai. Se você falar grosso comigo eu lhe dou uma bolacha e vou-me embora. Ele respondeu: “Não. Você me dá uma banana e diz que me dá uma semana para escolher seu sucessor”. Achei engraçado e pensei: não vou brigar com esse homem nunca! (risos) E como foi? Fui ministro da Justiça por uns meses, entre 1985 e 1986. Prometi nunca me meter em política. Não me meti. Ele prometeu não se meter no meu trabalho, não se meteu. O que tenhamos feito de bom e ruim é obra coletiva. Foi um momento único participar do desabrochar da democracia. Liberamos livros, filmes e músicas censurados. Uma vez entrou uma baixinha com cara de japonesa na minha sala. Sem pedir licença. E disse: “o que o senhor tem contra o meu filho da puta?” Assustado, eu disse que não tinha nada. Ela continuou: “o senhor sabe a diferença entre o meu filme passar às 21h30 e às 23h30 na Globo?” Não, respondi. E aí ela explicou: “às 21h30 eu ganho dinheiro, às 23h30 vou à falência. Eu preciso mutilar a obra para tirar esse palavrão para passar o filme às 21h30. Não quero mutilar, mas não quero ir à falência”. Era Tizuka Yamasaki e o filme era Gaijin. Liguei para a censura e pedi liberar o “filho da puta” da Tizuka. (risos). Como foi participar da Comissão da Verdade? Não deveria ter participado. Estava em Gravatá e me liga um cidadão da Casa Civil e pergunta se eu gostaria de participar da Comissão da Verdade. Eu disse não. Ele insistiu: “Mas tem tanta gente que quer”. Eu disse: ótimo. Tem 500 petistas querendo entrar, coloque qualquer um. Ele respondeu: “O que é que eu digo para a senhora presidente?” Respondi: Diga que eu não quero. No outro dia ele ligou: “Ela mandou trocar a pergunta: se ela lhe nomear você renuncia?” Eu disse que não renunciaria. Por que não quis participar? Houve 41 países que fizeram comissão. Nenhum deles fez um relatório além de um ano e meio da transição. Nós fizemos 30 anos depois. E bem ou mal, a transição estava feita, negociada por Tancredo Neves. Há especialistas defensores de que crimes de tortura são imprescritíveis. A critica mais recorrente é que a Lei de Anistia foi feita por um Congresso garroteado, que atendeu a pressão dos militares. Só que existem duas Leis de Anistia, uma de 1979 e outra de 1985, quando já estávamos no governo de Tancredo, que acabou sendo de Sarney. Quem votou foi o Congresso que derrotou Maluf e elegeu Tancredo. Não tinha nenhum

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Tenho projeto de escrever um livro

Conhecido pelo virtuosismo com que interpreta desde frevos, MPB até o Hino de Pernambuco, o músico Cláudio Almeida nem sempre dedicou-se à arte. Durante muito tempo eram os números e não as notas musicais que faziam parte do seu trabalho como economista. Nesta conversa com a Revista Algomais, ele conta como fez essa virada na carreira, suas parcerias com artistas como Spok , Zeca Baleiro e Alceu Valença e até a participação que teve no cinema. Como foi ser criança em Pesqueira? Muito bom. Meu pai, Osvaldo de Almeida, era músico. Tocava clarinete, saxofone e trombone. Mas não queria que a gente estudasse música. Acabei tocando guitarra em conjuntos de iê-iê-iê. Eu gostava de bateria, ele ainda comprou uma para mim. Toquei bateria, um tempo depois. A arte de minha mãe era com as mãos, tudo o que for de bordado, doces, culinária ela fazia. Foi uma das pioneiras que vendeu renda renascença. Chegou a vender uma toalha para a rainha Elizabeth, quando veio ao Brasil. Tive três irmãos. Só o mais velho toca piano, conhece muito música erudita. Seu pai era profissional de música? Não. Ele trabalhava e tocava nas horas vagas, tocava também num programa de rádio famoso. Era muito respeitado. Nunca quis vir para o Recife. A felicidade dele era tocar em Pesqueira. No rádio era líder de audiência por 13 anos. Era solista, tocava clarinete ou saxofone no rádio e trombone no Carnaval. Quando você veio para o Recife e o que mais o marcou? Tinha 18 anos, vim fazer cursinho. Meu pai faleceu em junho do mesmo ano. O que me marcou musicalmente foram as músicas que eu ouvia. A Rádio Jornal do Commercio já era muito boa. Tinha muito status. Ainda está lá um auditório grande. Iam muitos cantores daqui ou mesmo de fora. Tínhamos facilidade de ouvir tudo, de Tom Jobim a Elis Regina e Luiz Gonzaga. Como foi a formação musical? Meu pai sempre me passava as músicas. Eu ia ouvindo, assimilando, sendo influenciado. Ele gostava até de música erudita, mas tocava também músicas populares. Meu primeiro instrumento foi a bateria e eu ensaiava com os meninos da cidade, com uns 16 anos. Mas não tocava em público. Não tive professor de violão, meu irmão começou a aprender, não dava muito para a coisa. Mas eu aprendi muito rápido. Meu pai se admirava como eu estava avançando. Ele vibrava muito no fundo. Ele chorava, quando me ouvia já mais velho. Vim para o Recife estudar economia na UFPE. Passei também na Unicap. Nem esperava, pois não tinha cabeça. Meu pai estava recém-falecido, mas minha mãe me deu força para enfrentar a vida. No Recife, passei 10 anos sem pegar em instrumentos, entre 1969 a 1979, quando comprei meu primeiro violão. Nem o de Pesqueira era meu. Mandei comprar em São Paulo, com o meu salário, e fui buscar no aeroporto. Já estava tocando choro uns amigos.Trabalhei muito tempo em empresa privada, depois em 1985 comecei a compor mais. Por que ficou 10 anos sem tocar? Algo em relação à morte de seu pai? Só se for inconsciente. Mas acho que quando viemos para cá foi para estudar. Estudando e trabalhando não dava para ficar tocando violão. Eu não tinha instrumento, morava em casa de estudante. Não tinha nem clima para tocar. Sempre fui muito dedicado em colégio e faculdade. Ao me formar, logo fui empregado. Trabalhei fazendo projetos para Sudene, BNDES. Por que a opção por economia? Acho que tinha influencia do meu tio, que foi chefe do IBGE em Pesqueira. Era uma pessoa muito culta, apesar de ter apenas o primeiro grau. Teve influência de pesquisas dele. E também tinha jeito para matemática e projetos. Como foi a carreira em economia? Foi boa, trabalhei uns 12 anos em empresa privada. Depois atuei no Condepe e me aposentei no Estado. Ao chegar no Estado, tive facilidade para desenvolver a minha carreira musical. Compus o primeiro frevo de bloco. Após 10 anos sem pegar no violão, lancei no primeiro disco, um compacto, as três músicas que meu pai tinha deixado escritas e fiz um choro, em 1979. Investi também no Carnaval e, como solista de violão, só depois. Meu primeiro disco solo no violão só aconteceu em 1998. Tem algum momento na carreira que deu uma virada? Quando comecei a fazer solos em shows. Quando ninguém falava no Hino de Pernambuco, toquei para 10 mil pessoas no Festival da Seresta, só com o violão. Depois no Teatro Guararapes da mesma forma. Daí nasceu o projeto Pernambuco Imortal, que era para gravar o hino. Aquela história toda começou comigo. Em todos os meus shows eu terminava com um solo do hino. Muito antes daquele projeto que divulgou bastante o hino no Estado. Após assumir esse lado solista, acredito que minha carreira virou. Apesar de não ter estudado, faço arranjos por intuição. Faço em partitura também. O computador me ajudou. Quando tenho dúvida, falo com algum maestro. No meu último disco, uma homenagem a Zé Dantas, todos os arranjos são meus. Entre os cantores com que você tocou, quais o marcaram mais? Cauby Peixoto. Fiz a música Dançando na rua. Fiz o instrumental, um amigo fez a letra, Fernando Azevedo, que é pediatra, autor daquela música do Galo: Acorda, Recife. Acorda. Ele fazia muitos shows comigo. Cauby disse que foi uma das músicas mais bonitas que ele ouviu. Entrou nos supersucessos dele. Isso foi em 1997. Gravei também com Alceu Valença. Geraldo Azevedo também gravou música minha. Zeca Baleiro gravou o primeiro frevo dele através de mim. Escrevi a harmonia e Spok fez um arranjo para sopro. Sugeri ainda colocar uma gaita, e Zeca adorou. É uma música de Nelson Ferreira que ele gosta muito. Tentamos modernizar, trazer uma linguagem nova para o frevo. Como foi a experiência com o Carnaval? Papai já tocava Carnaval, era considerado um dos melhores trombonistas de Pernambuco. Ele tocava nos quatro dias e levava muitos frevos em casa para ensaiar. Meu primeiro frevo, aliás, nunca foi gravado. Cheguei

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As campanhas políticas são machistas

A conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, Teresa Duere, fala à equipe da Algomais sobre sua trajetória social e política. Sua amizade com Dom Helder e a sua experiência de viver no Chile, em anos de ditadura militar no Brasil também entraram na conversa. Recifense, ela foi uma das deputadas estaduais de maior destaque na Assembléia Legislativa de Pernambuco. Como foi a sua infância? A minha infância foi muito boa. Sou recifense com muito orgulho. A cidade ainda era pacífica. As crianças podiam brincar na rua, podiam viver e ser criança. Tinha o Parque 13 de maio, tinha a festa da mocidade... Morei na Av. Visconde de Suassuna. Meu pai era empresário e depois foi político. O único trabalho da minha mãe foi ser voluntária no Banco da Providência com Dom Helder Camara. A senhora teve contato com Dom Helder? Trabalhei nove anos com ele. Eu fui fazer parte de um movimento chamado "Bandeirantismo" que, à época, era uma forma de você dar formação. Quem foi minha chefe foi Zezita Cavalcanti, secretária de Dom Helder. Fui uma das selecionadas para estagiar e lá fiquei trabalhando em uma área que Dom Helder chamou de "Operação Esperança", que era um movimento de formação de grupos para discutir as questões de direitos sociais, principalmente nas periferias. Depois ele ganhou um prêmio do exterior e quis mostrar que a reforma agrária era possível. Com esse prêmio comprou três engenhos e a partir daí fui trabalhar na zona rural, na questão da reforma agrária, no Cabo. Eu devia ter uns 20 e poucos anos. Como era esse trabalho? Reunião com associações. Trabalhava com eles para a formação da comunidade do engenho, formávamos escola, tínhamos uma área coletiva onde todos tinham que dar uma contribuição. Todo um trabalho de educação social. Esse trabalho influenciou sua carreira? Eu acho que não influenciou. Eu sempre gostei. Eu tenho um compromisso muito grande com a questão social, popular. Achei que o curso de Serviço Social seria o caminho a seguir, e foi. Foi um caminho que me deu muito conhecimento de instrumentos para essa questão. Depois, houve o golpe militar e consideraram que essa área rural de Dom Helder era guerrilha e aí tivemos - eu e Zezita - que sair. Eu fui para o Chile e ela para o México. Eu passei cinco anos fora, de 68 até 73. Como foi essa experiência? Eu trabalhava em uma fábrica de móveis que tinha sido tomada pelos trabalhadores e, à tarde, trabalhava em um projeto de pesquisa e estudo sobre as questões que estavam ocorrendo naquele momento. Era um grupo de intelectuais e eu ajudava como um apoio administrativo. Como era a atmosfera na época? A gente tinha muito receio, porque o governo brasileiro tinha profissionais para ficar nos acompanhando. Não podíamos formar grupos, a não ser que você conhecesse. Havia um isolamento grande pelo medo que tínhamos de se relacionar porque essas pessoas poderiam ser informantes. Não que fizéssemos grandes coisas, mas, por exemplo, íamos para as marchas de Salvador Allende. Sábados e domingos colhíamos vinhas que tinham sido tomadas pelos agricultores. Os estudantes eram convocados e nós íamos, pois não havia máquinas. Nunca me arrependi. Foi uma experiência válida. Como foi a queda de Allende? Eu saí 24 horas antes dele cair. Tinha uma pessoa muito amiga de Dom Helder, que era ministro, e ele me disse: "Vá embora enquanto é tempo. Tem um avião saindo para Buenos Aires, pegue e vá embora". Pegamos o avião e fomos. Ficamos em Buenos Aires para de lá voltarmos para o Brasil. Mas só pude voltar para o Recife na Anistia, em 79. Enquanto o processo corria, fiquei no Rio de Janeiro. Ainda quando cheguei lá quiseram me prender. Nesse período que fiquei no Rio. Tive apoio do pessoal de Dom Helder para trabalhar, mas sempre quis voltar para Recife. Quando pude voltar, fui falar com velhos companheiros de luta e as pessoas sempre diziam que não podiam fazer nada. A vida é muito interessante mesmo, porque quem me telefonou convidando para voltar foi Gustavo Krause. Ele me disse: "Olhe, sou prefeito do Recife, mas quero dizer a você que se você quiser voltar para o Recife, tenho um lugar". Eu respondi que não me filiaria ao partido dele, mas ele me deixou à vontade. Até que chegou uma época em que se falava muito dos "Tupamaros de Krause" (risos), que era aquele pessoal mais de esquerda que ele chamou para fazer o trabalho social. Eu era um desses. Construímos várias ruas, fizemos os barracões, grupos de ações comunitárias, feirinhas típicas... Teve um trabalho social muito intenso naquela época. Ele dava autonomia completa. Qual foi a emoção de ter voltado para Recife depois de tanto tempo? Recife é meu lugar, eu amo essa cidade, gosto de Pernambuco. Às vezes as pessoas dizem que se tivessem mais novas iriam embora por causa dos problemas. Se eu fosse mais nova ficaria aqui e não tenho nenhuma vontade sair, a não ser para passear. Tenho que lutar por isso, é minha raiz e meu povo. Voltar para o Recife foi um recomeço de muita coisa e foi interessante porque voltei dessa forma. Depois Krause foi ser vice de Roberto Magalhães. Como você entrou para a vida político partidária? Depois de trabalhar na área de habitação no governo, fui convidada por Marcos Vilaça para a Legião Brasileira de Assistência (LBA). Fui posteriormente ser diretora nacional da LBA no Rio de Janeiro. A intermediação para a carreira política veio através de Marcos Vilaça, que era muito amigo. Ele ficou forçando para que eu me candidatasse e fui a Dom Helder, que me encorajou. Fiquei preocupada com a ligação com o partido de José Mendonça, mas Dom Helder disse que isso não valia de nada. O importante eram meus princípios, convicções e o trabalho que eu iria fazer. Fui e fiquei na suplência de José Mendonça. Sempre ficava desconfiada porque todos diziam que ele era coronel, mas hoje digo que foi um grande

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Houve um empobrecimento da imprensa

Jornalista desde adolescente, Geneton Moraes Neto ficou conhecido na tv por suas entrevistas, nas quais sempre conseguia retirar declarações surpreendentes de personalidades. Egresso do movimento Super 8, enveredou para a produção de documentários abordando temas como o exílio de artistas brasileiros na ditadura ou a visão política de Glauber Rocha. Nesta entrevista ele fala de sua infância em Pernambuco, da carreira e do jornalismo na era da web. Como foi sua infância no Recife? Nasci no Recife, minha família inteira por parte de pai era de agrônomos, veterinários. Não tinha nenhuma relação com o jornalismo. Até hoje eu não sei como fui parar nesse negócio. Todos os filhos dos meus pais, que são cinco, nasceram no Recife e até quando eu tinha os 6 anos, moramos em uma escola de São Bento, que fica em um lugar que foi inundado depois para a construção de Tapacurá. Meu pai era professor da escola, que pertencia aos irmãos beneditinos. Tudo na infância parece maior do que realmente é, mas era uma casa bem grande, tinha uma igreja que, aliás, foi a única coisa que sobrou. Fui filmar lá e a igreja fica submersa a maior parte do tempo. Aos 6 anos, nos mudamos para a Torre, onde minha mãe mora até hoje. Como era o bairro da Torre? Quando a gente chegou lá, a rua não era nem calçada. Muitos pais dos meus amigos trabalhavam na fábrica da Torre. Mas minhas melhores lembranças são do Cinema da Torre. Assisti aos filmes de Elvis Presley, dos Beatles, um faroeste chamado O homem que matou o fascínora, que é um clássico. Um filme que me marcou pelo resto da vida foi um de guerra Fugindo do inferno, com Steve Mcqueen. Lembro que a plateia inteira estava torcendo por ele escapar do campo de concentração. Cinema de bairro naquela época era uma presença muito forte. Era um programa obrigatório ir ao cinema e, às vezes, ficar próximo à cabine para conseguir um frame do filme para ficar olhando na luz e levar para casa uma foto do artista. Também jogava futebol na rua e futebol de botão com os amigos. Tinha um campeonato na rua que era uma sensação, era super organizado. Eu estudava no São Luís e lembro que em 1969, quando eu estava no 3° ano, marcávamos para estudar lá em casa, fechávamos a porta do quarto, tirava os livros de cima da mesa, colocávamos os times de futebol de botão. Meu pai me deu uma bronca histórica. A primeira providência que tomei foi esconder meus times de botão. A primeira vez que fui em um estádio de futebol foi para ver Pelé. Foi na Ilha do Retiro, em um Náutico x Santos, que acabou 2 x 0 para o Santos. Meu pai era torcedor fanático do Sport, mas como era Pelé fomos assistir. Vi Pelé três vezes. Três ou quatro anos depois teve outro jogo contra o Náutico que, na época, disputava os grandes campeonatos. Em 1969, quando a Seleção Brasileira, que viria a ser campeã na Copa de 1970, veio participar de um amistoso contra a seleção pernambucana, fui ao treino no estádio dos Aflitos. Eram meus ídolos da infância. Quando o ônibus chegou, todos corremos atrás. A organização acabou liberando a entrada no estádio e teve uma cena de um vão que dava para ver o vestiário. O pessoal meio que fez uma fila para olhar os jogadores lá dentro. Na minha vez de olhar, Pelé estava nu tomando banho. Essa foi a cena que eu vi: Pelé ensaboado tomando banho (risos). Na infância o jornalismo já o instigava? Não tenho a menor ideia do que me instigou. Acho que é de vocação mesmo. Complicado pra mim seria estudar medicina, engenharia, física, química. Naquele tempo você terminava o ginásio e escolhia o curso científico para quem ia fazer medicina, engenharia, e e o clássico para quem fazia humanas. Por algum motivo achei que devia fazer o clássico. Eu não tinha muita vocação pra a carreira da família, um caminho normal era ser agrônomo ou veterinário, mas eu sempre preferi a cidade. No terceiro ano estava na dúvida entre história e jornalismo. Aí optei por jornalismo . Quatro anos antes, em 1970, quando tinha 13 anos, escrevi umas coisas em casa sem a menor pretensão. Aí uma prima do meu pai era jornalista e conhecia Fernando Spencer, do Diario de Pernambuco e perguntou se eu não queria escrever alguma coisa para o suplemento infantil chamado Júnior. Era feito com colaboração das crianças. Mandei e ela levou pro jornal e foi publicado. Depois eu fiz outras coisas com assuntos como a conquista da lua, a transamazônica. Uma vez fui para o treino do Náutico e tinha Bita que era um jogador super famoso na época e saiu a entrevista com ele. Dois anos jornalistas perguntar para Spencer quem era que escrevia. Disseram: deve ser o pai dele que escreve. Aí me chamaram. Fui pela primeira vez numa redação morrendo de vergonha. Uma das primeiras matérias que fiz o diretor do jornal Antonio Camelo disse você vai fazer uma matéria sobre as condições do Hospital da Tamarineira. Fui, o fotógrafo ficou do lado de fora, eu entrei sozinho. Os pacientes ficavam andando e eu fiquei no meio dos pacientes – e eu até brinco dizendo que ninguém notou que eu não era pacientes – aí perguntei como era a comida eles disseram que era horrível, vem pedra dentro da comida, que é sem gosto. Depois falei com a direção do hospital com o fotógrafo, me apresentei como jornalista, mas a deram outra versão, dizendo que o cardápio era muito bem preparado por uma nutricionista. Aí você já aprende que tem duas versões: a oficial e a dos fatos. A partir dali fiquei fazendo matérias. Não era brincadeira não. Eu era repórter como se dizia da editoria geral, chegava às 14h, o chefe de reportagem te dava uma pauta datilografada com quatro matérias em locais diferentes. Você pegava a kombi do jornal que ia distribuindo a gente. A

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Por causa da rádio me arranjei por toda a vida

Consagrado pelo talento musical, o maestro Clóvis Pereira deixou seu nome marcado na história das rádios, clubes, universidades e conservatórios de Pernambuco e de outros Estados do Nordeste. Nesta entrevista à Revista Algomais ele lembra dos seus primeiros passos, quando ainda tocava gaita e revela bastidores do Movimento Armorial e do seu tempo de estudante na Berklee College of Music, na cidade de Boston. O amor pela música vem da infância? Eu sou natural de Caruaru. Meu pai era músico da Sociedade Musical Nova Euterpe, uma banda. E minha mãe era cantora de um bloco, nos anos 20, quando era jovem. Meu pai nessa época tocava violão. Depois que ele casou, ele melhorou o gosto pela música, se aproximou da banda musical e passou a tocar clarinete. Eu sempre o acompanhava desde que eu tinha uns 9 anos. Até que de uma hora para outra ele saiu da banda e conseguiu um trabalho muito bom no Cine Caruaru. Passou a ser operador dos projetores cinematográficos e também pintava os cartazes, pois ele também era pintor. A partir daí passei a acompanhá-lo no cinema. Essa aproximação com a sétima arte aguçou seu interesse pela cultura? Uns dois anos após a inauguração do cinema, eu já estava com uns 13 anos e passei a trabalhar com ele como ajudante de operador. Por força de obrigação assistia também aos filmes musicais naquela época, nos anos 40. Aí aumentei o meu gosto pela música. Algum filme marcante da época? Um dia apareceu o filme A noite sonhamos, que relatava a vida de Frederic Chopin, compositor polonês. Fiquei impressionado não só pela música, mas com o processo de aprendizado e o progresso dele. E menos de um mês depois disse: papai que quero tocar o piano. Mamãe, eu quero tocar o piano. Foi aí que o senhor começou a tocar instrumentos musicais? Não. Antes, quando eu tinha 12 anos, comecei a tocar gaita de boca. Comecei a tocar de ouvido aquelas marchinhas brasileiras... Mas quando decidi pelo piano meu pai disse: "Como você vai aprender se não temos piano em casa?" Eu disse: "Não tem problema, eu me viro". Meus pais se entusiasmaram e me matricularam com uma senhora muito famosa na época, Djanira Barbalho. Ela achou que eu já tinha um talento musical, pelo que eu acompanhava meu pai desde a infância. Meu pai me levava aos consertos. Ainda hoje me lembro do maestro Severino Ramos reclamando com ele: "Luizinho, leva esse menino para casa não vês que ele está dormindo". Mas meu pai me deixava quietinho no banco, dormindo. Como foi a experiência de começar a tocar? No mesmo ano em que comecei a estudar a professora achou que eu já poderia tocar na audição, que naquele semestre aconteceu no Clube Internacional de Caruaru. Com dois anos apenas de estudo eu já tocava algumas coisinhas de ouvido também no piano. A professora não gostava, mas eu tocava escondido nas casas de Caruaru. Em 1946, na sociedade musical da Nova Euterpe, onde meu pai trabalhou, eles queriam fazer uma orquestra de jazz, mas não era jazz, era uma orquestra popular. Me chamaram para tocar. Em junho daquele ano, a orquestra foi contratada para tocar no São João e São Pedro, num tempo que não tinham ainda descoberto o forró. Fomos tocar numa noite de São João como se fosse uma festa, não no estilo junino. Deu certo. O pessoal ficou satisfeito, pois não atrapalhei. Em 1947 houve em Caruaru a festa da Primavera. Eles, para mostrar a grandiosidade e luxo, contrataram o Bando Acadêmico do Recife, que era uma orquestra espetacular. Eu tinha acabado de sair de uma pneumonia, mas para ver esse bando insisti para meu pai deixar eu ir. Tinha 17 anos. Fui assistir ao baile. Quando o bando acadêmico fez o primeiro intervalo, passei a conversar com os músicos. Disse que estava começando. E perguntei: "Cadê o pianista?" Eles disseram que infelizmente não veio. Eu disse que estudava piano e eles perguntaram se eu não gostaria de acompanhá-los. Eu disse: posso dar um treininho, discreto. Eles concordaram. Conheci então os músicos dessa orquestra. Isso foi no mês de setembro. Ainda toquei com eles no Revéillon, em Caruaru. Em janeiro do ano seguinte, até o primeiro semestre toquei com essa orquestra. No segundo semestre meu pai veio trabalhar no Recife. Ele passou a ser projetista do cinema da Base Aérea, uma ótima colocação na época. Eu vim para aqui terminar o curso ginasial. De um músico jovem de Caruaru, como o senhor conseguiu se destacar no circuito musical do Recife? Eu estava sem fazer nada pelo Recife, sem muito a tocar. Até que a Rádio Clube anunciou o concurso musical chamado Céu ou Inferno. Me inscrevi para tocar gaita. Em paralelo ao piano, nunca tinha deixado de tocar a gaita. Levei para o programa, que era apresentado por Fernando Castelão a música Dança do Fogo, de Manuel de Falla, que era muito difícil. Quando acabei de tocar foi palma para todo lugar. A próxima candidata era uma menina chamada Creusa, tocando no cavaquinho o maior sucesso da época, um baião chamado Delicado. Quando acabou foram muitos aplausos também. Foi apertado, mas ela ganhou. Mas como Fernando Castelão estava torcendo por mim, ele me convidou para ser o mais novo artista do programa dele. Assim entrei na rádio. Em 1948 comecei a ouvir a Rádio Jornal do Comércio, que tinha inaugurado. Eles criaram o concurso “A hora da Gaita", num patrocínio da Hering, que era um produtora de gaitas da época. Toquei a mesma peça. Nesse programa o julgamento era técnico e terminei como vencedor. Eles gostaram de mim na rádio e passaram a me chamar para tocar. O cachê já era melhor. Quais seus passos para chegar a ser maestro na rádio? Depois de uns três meses nesse novo ambiente, consegui autorização para treinar no piano da rádio. O diretor artistico me permitiu tocar na sala de ensaios. Foi ali onde conheci vários músicos que estavam entre os melhores do Brasil.

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Nesta eleição o discurso político vai prevalecer

O pensamento dialético e o talento para escrever levaram José Nivaldo Júnior a uma vida agitada: ainda muito jovem foi diretor do jornal Região, em Surubim, e chegou a ser detido no fórum da cidade por uma matéria publicada; participou de ações da luta armada, conheceu a ira dos homens de Fleury no Dops, realizou campanhas para candidatos de diferentes ideologias e hoje é membro da Academia Pernambucana de Letras. Veja mais detalhes desse irrequieto jornalista, publicitário e escritor na entrevista que segue. Você nasceu em Surubim? Eu fui feito em Surubim, criado em Surubim, mas nasci no Recife. O meu pai e minha mãe foram para Surubim. Ambos eram médicos. Como não havia maternidade e meu pai para não ficar com a responsabilidade do parto, decidiu levar minha mãe para o Recife. Era julho, inverno, as estradas ficavam intransitáveis. Fica-se oito dias sem ter condições de passar um carro. Aí minha mãe veio um pouco antes e nasci no Recife. Pouco tempo depois, voltei para Surubim. Eu me considero - apesar de ter nascido no Recife, amar esta cidade e ter escolhido viver aqui - surubinense porque minha infância foi lá. Como foi sua infância? Até meus 10 anos de idade, não tinha luz elétrica em Surubim. O que tinha era um motor de luz, que era ligado às 5 horas da tarde e desligado às 10 da noite, o resto do tempo era sem energia. Não tinha água encanada, além de não ter estrada asfaltada. Às vezes para irmos ao Recife ou a Limoeiro era uma aventura. Atravessávamos riachos cheios, parávamos para esperar a cheia do riacho descer. Usando uma expressão antiga de Aldemar Paiva, "no inverno as estradas eram muito lamurientas e no verão eram muito pueris". (risos) É verdade que você iniciou no jornalismo aos 10 anos? Sempre tive uma inclinação para de escrever. A minha casa era de intelectuais. Minha mãe era poetisa, nunca publicou, mas sempre escreveu. Meu pai não era tão refinado, mas era algo mais popular. Ele sempre estudou muito e leu muito. Então, minha casa era uma verdadeira biblioteca. Tínhamos toda literatura do Brasil atualizada, toda a obra de Eça de Queiroz, por exemplo. Eu vivia naquele ambiente convivendo com dois mundos. O primeiro era intelectual, não digo sofisticado, mas muito regionalista. Depois ia para a cozinha ouvir a conversa dos empregados ou ia para a rua ou para a fazenda ouvir a conversa dos vaqueiros. Ao mesmo tempo que eu tive uma formação cultural e intelectual, também tive um aprendizado das ruas. À época, as diferenças sociais em Surubim existiam, eram marcantes, mas se diluam na hora que sentava no banco da escola. Era uma proximidade muito grande. Um dos meus grandes amigos era um empregado lá de casa. Ano passado, entrei para a Academia Pernambucana de Letras e fiz um lançamento de um livro em Surubim. Lá apareceram Seu Caloreto, que era vaqueiro, Dona Nena, mulher dele, e três dos seis filhos e duas netas. Eu vivia em um casarão e era proibido de conviver com moleques de rua. No sábado, porém,, não tinha quem me controlasse. Ia para a feira. Lá convivia com todas as pessoas. Quando cheguei no ginásio, ia para o futebol. Quem não viveu no interior, não sabe a alma de um país. O que forma a personalidade de um país é o seu interior. O que dá o perfil aos Estados Unidos? Não é Nova York. É o Kentucky, são os Estados do Sul. Nova York é aquela coisa universal. A alma do Brasil não está em São Paulo, está no interior de São Paulo. Não está no executivo, está no caipira, no vaqueiro, no caboclo da Amazônia, no gaúcho. E o jornalismo? Inventei um jornal quando criança, que falava das notícias da minha própria casa. Minha casa era um centro de ebulição. Meu pai era médico e participava da política. Era de um dos grupos políticos de Surubim. Ele raramente ia na casa de alguém, as outras pessoas que iam lá em casa. Minha casa era um centro de convergência. Meu pai era da direita. Os aliados dele eram os conservadores e os coronéis. Em 1962, na campanha de Miguel Arraes contra João Cleofas, chega Arraes na cidade e vai lá em casa, porque as personalidades que ele precisava cumprimentar estavam na casa de José Nivaldo. Tinha notícia o dia todo lá em casa. Tinha no terraço, na sala e até nas dependências dos empregados. As famílias dos empregados iam para minha casa, então era uma confusão de gente. Eu datilografava as notícias, distribuía entre as pessoas e depois recolhia. Não sei se fazia sucesso, mas todos os visitantes achavam lindo e se divertiam com aquilo, mas eles eram suspeitos (risos). No ginásio (no colégio dos jesuítas), já com 12 anos, aprendi a fazer jornal mural, que os padres levaram a técnica. Aí inventei um jornal falado no grêmio. Depois, um grupo fundou um jornal chamado Região. Para a época e por ser feito em Surubim, tinha muita qualidade. Era algo realmente inacreditável. Em 1978, teve uma eleição municipal e o Região colocou a seguinte manchete "Em quem você aposta: Gentil ou Monsenhor?" Nossa glória é que o The New York Times botou uma manchete igual a nossa, mas com candidatos diferentes, claro. O The New York Times copiou o Região! Tinha terminado o ginasial e fui estudar no Nóbrega, no Recife. Saí dos jesuítas para ir à Universidade e saí de lá ateu. Já estava no Recife quando entrei no Região. Pouco tempo depois, virei diretor do jornal, o que não quer dizer muita coisa porque não era exatamente uma promoção. Antes do Região, fui correspondente, com 16 anos, do Diario de Pernambuco em Surubim e região. Ia passar o final de semana lá e fazia o apanhando de notícias da semana. Produzia uma matéria e trazia. Emplaquei várias manchetes. Dei um furo fantástico, que foi a queda de um avião americano, acho que até meio clandestino, que até hoje não foi

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“A vida toda serei um adolescente"

    Irrequieto, eloquente e bem-humorado, Alceu Valença esbanja uma vitalidade que nem parece que fará 70 anos em julho. Nesta conversa com Algomais ele fala do filme que está lançando, inspirado nas conversas sobre Lampião que ouvia na infância, das traquinagens de criança, de como Jean-Paul Bemondo o ajudou a conquistar garotas e da política das gravadoras. Como foi ser menino em São Bento do Una? Muito bom. Eu jogava pião, corria atrás de bezerros na fazenda, via os cavalos com os vaqueiros aboiando, via na feira os emboladores, os cegos que tocavam, os cordelistas cantando seus cordéis, as mentiras que contavam dos cangaceiros, dos circos que passavam, da discussão se Lampião era bandido ou herói. São Bento para mim é um mito em tudo: o mito da música, do Agreste, dos forrós. Isso tudo está no meu filme chamado A Luneta do Tempo, que vai ser passado, finalmente, no dia 24 de março no circuito comercial. Por que fazer cinema? Meu pai morreu, eu fui enterrá-lo e me lembrei muito do papo dele comigo sobre grupos como o de Lampião. Lembro de vovô que fez o folheto Patativa e Azulão com tio Lucilo. Por isso, talvez eu tenha feito um folheto chamado A Luneta do Tempo, que primeiro era cordel virtual, não um filme. A mitologia segura a gente. Lampião, Corisco são mitos, entre outras dezenas de mitos brasileiros. Meu filme é bem-feito, mas não tem estouros, essa coisa chata da indústria do entretenimento. Não suporto efeitos especiais. Verdade que você começou a cantar aos 4 anos? Foi no Cine Teatro Rex em São Bento do Una. O prêmio era uma caixa de sabonetes. Eu concorri mas perdi a caixa de sabonetes! Um outro menino cantou Granada e ganhou porque cantava melhor do que eu. Mamãe conta que eu não entendia o que era palco o que era plateia e quando o menino vencedor começou a cantar fiquei na frente rebolando, e fazendo o que se chama de bunda canastra (cambalhotas). Aí o público ficou louco por mim naquele momento e eu sem entender muito bem, porque eu queria me amostrar pra mamãe. Como foi o início nos estudos? Tia Bebete foi minha professora. Na primeira aula, achei chato demais, pedi para sair da aula para poder cuspir. Ela deixou e aí corri para casa. Fiquei embaixo de uma cama. De repente, Miau, meu gato, me viu chegou perto de mim e fiquei com ele horas e horas debaixo da cama. Depois fui morar em Garanhuns e estudar no Colégio Diocesano de Padre Adeumar da Mota Valença, que era o diretor do colégio. Depois vim para cá e fui morar na rua dos Palmares, onde eu via passar os frevos, os caboclinhos. Essa rua eu denominei num poema de “carnavalódroma”. O maestro Nelson Ferreira morava ao lado da minha casa e na frente morava o poeta Carlos Pena Filho, que era casado com Tânia Carneiro Leão, mulher muito bonita. Olhava o belo casal passeando na rua e pensei que se fosse poeta também poderia arranjar uma gata para mim. Ao lado esquerdo da minha casa morava Maria Parísio, cantora lírica. Nesse momento eu estudava no Colégio Nóbrega e fui expulso. Por que? Eu precisava de um ponto para poder passar em francês. O professor estava com marcação comigo. Eu tirei 10, 10, 10, mas depois eu não estudei muito, porque jogava basquete na seleção pernambucana infantil e juvenil e tive que viajar para o Paraná para jogar. Ele botou zero, zero, zero. Acontece que eu tinha sido escolhido para fazer um concurso para ir para França e ainda ia ganhar um dinheirinho. Mas não podia tirar nota baixa. Precisava de um ponto só. Pedi ao professor, bote um, preciso viajar. Ele não quis, aí disse: quer saber de uma coisa? Soque no cu! (risos) Fui expulso. E foi para onde? Para o colégio do professor Rodolfo Aureliano, um desembargador que era colega de meu pai, que era procurador. Nessa época eu ia para os carnavais no Clube Português, chegava perto das moças, mas elas me davam um chute. Comecei a me achar feio. Até que um dia surgem filmes da nouvelle vague e um deles era À bout de souffle (Acossado) , com Jean-Paul Belmondo. Era o novo galã, a nova estética. Eu era parecido com ele, só que mais bonito, porque na época em tinha um nariz direitinho e ele havia levado um murro e tinha um nariz quebrado. Eu ia para o cinema São Luiz e ali aprendi a fumar por causa dele – a pior coisa que fiz na minha vida. Eu fazia assim: (coloca a mão como se estivesse com cigarro entre os dedos e toca os lábios). As meninas diziam: “meu Deus do Céu ele é igual ao artista!”. Aí namorei muito por causa de Belmondo. Nessa época eu era muito botado para fora das salas de aula, de castigo. Mas eu devo muito a Dr. Aureliano porque ele me colocava na sala dele e ficava até duas horas da tarde tendo que ler. Ele me apresentou a livros de Jorge Amado, Graciliano Ramos. Ele mandava bilhetes para papai dizendo que eu tinha sido expulso da classe. Eu levava e falsificava a assinatura de papai e entregava no colégio. Até que um dia ele desconfiou e mandou a caderneta lá pra casa por um cara que trabalhava no colégio. Aí eu corri para casa, botei uns óculos, penteei o cabelo para trás para fingir que eu era meu irmão. Quando ele chegou ficou olhando pra mim e disse: sou do colégio Padre Félix. Perguntei: aconteceu alguma coisa com Alceu? Aí ele disse “é que Dr. Aureliano mandou isso aqui”. Eu assinei e ninguém soube, aliás papai soube algum tempo atrás (risos). Você se formou? Em direito, mas trabalhava como estagiário em jornalismo. Trabalhei na redação da Bloch e do Jornal do Brasil, onde falei muito bem de São Bento. Mas eu mentia muito. Para eu reescrever uma reportagem do Diario de Pernambuco

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