"Transformar a doação de sangue num comércio seria péssimo"
Entre meados de setembro e outubro, está prevista a inauguração da unidade da fábrica da Hemobrás que vai produzir o Fator VIII Recombinante, obtido por meio de biotecnologia e destinado ao tratamento da hemofilia. Um investimento de R$ 1,2 bilhão. Será o primeiro medicamento a ser fabricado na estatal, que em 2016 teve sua construção interrompida em razão de irregularidades no contrato com a empreiteira responsável pelas obras. “A notícia boa é que esse passado ficou para trás. É passado”, garante a diretora de administração e finanças da empresa Luciana Souza da Silveira. Realmente a evolução da obra é uma notícia alvissareira em razão da importância da Hemobrás para os usuários do SUS, que terão mais acesso não só ao Fator VIII Recombinante mas, também, aos hemoderivados, produzidos a partir do plasma sanguíneo que hoje são importados. A previsão é de que em 2025, a estatal comece a fabricar esses medicamentos. A unidade terá a capacidade máxima de fracionar 500 mil litros de plasma por ano. Pernambuco também sai beneficiado, devido à geração de emprego, à entrada de fornecedores locais na cadeia produtiva da Hemobrás e à formação de capital humano com alto nível de capacitação para atuar na empresa. A única nota dissonante é a PEC 10/2022 que visa alterar a Constituição para autorizar a coleta e o processamento de plasma humano pela iniciativa privada. “A Hemobrás já se manifestou totalmente contrária a isso porque mudaria a lógica da saúde pública”, rechaça Luciana. Nesta entrevista a Cláudia Santos, a diretora da estatal fala sobre o andamento das obras da fábrica em Goiana, do impacto da empresa em Pernambuco e dos potenciais danos causados pela PEC. Qual a importância de a Hemobrás ter recebido o selo de Empresa Estratégica de Defesa, concedido pelo Ministério da Defesa? Isso significa muito para nós. Esse selo contribui para o fortalecimento da imagem da Hemobrás como uma empresa fundamental para a soberania nacional. Ela vai permitir que o Brasil se torne autossuficiente na produção de medicamentos importantíssimos. E o que isso tem a ver com a Defesa? Esses medicamentos são muito preciosos no caso de guerras e pandemias. Para você ter uma ideia, na época da Covid-19 faltou imunoglobulina no mundo inteiro. Se tivéssemos, naquela época, produzindo esse hemoderivado, não teríamos tanta dificuldade em conseguir esse medicamento porque, quando há uma pandemia ou uma guerra, os produtores se fecham e começam a vender apenas para o mercado interno deles e nós ficamos reféns do mercado internacional. Vamos produzir esses medicamentos e ampliar o acesso para pacientes do SUS, porque no nosso conceito de empresa nós temos que atendê-los prioritariamente. O Ministério da Defesa reconheceu isso e nos transformou em empresa estratégica. Um ponto a esclarecer é que somos a primeira e única empresa farmacêutica credenciada com esse selo no rol de empresas estratégicas. Isso é importante para Pernambuco e é importante para o País. Existem apenas 10 empresas no mundo que produzem hemoderivados como a imunoglobulina; seremos a décima primeira do mundo a produzi-los. E, dessas empresas, somos a única da América Latina pois elas só existem em países de primeiro mundo. Então, é muito importante para nós esse título. Em termos econômicos, qual a economia com importação de hemoderivados que a Hemobrás permitirá quando estiver produzindo? Quais os benefícios para a economia pernambucana? É possível desenvolver-se no Estado uma cadeia produtiva da Hemobrás? Em relação a quanto a gente vai economizar, nós temos uma estimativa hoje de que, quando a fábrica estiver pronta, teremos uma economia em torno de 30% do que se gasta hoje com esses medicamentos, porque hoje todos são importados. Isso representa em torno de R$ 400 milhões é muito dinheiro. Quanto a Pernambuco, a Hemobrás paga impostos para o município de Goiana e para o Estado. Esses impostos são oriundos da operação, dos investimentos e das importações que são realizadas pelo Porto de Suape e pelo Aeroporto do Recife. O outro ponto da pergunta foi sobre a cadeia produtiva. Fazemos parte do polo industrial em Goiana, onde antes havia canaviais e hoje está repleto de empresas. Fazemos parte da associação do polo de Pernambuco e da Paraíba porque fica bem na divisa de ambos os Estados. Há a geração de empregos indiretos na região para sustentar nossas operações nas áreas de transporte, logística, manutenção fabril, segurança, serviços gerais, obras, dentre outros serviços necessários. Isso porque recorremos aos fornecedores locais. A lavagem das roupas dos funcionários (que chamamos de EPI), por exemplo, é feita por uma lavanderia local. Então aquela lavanderia cresce porque ela vai ter mais demanda. Sem contar que há uma coisa importantíssima: essa tecnologia não existe no País. Estamos investindo no capital intelectual, teremos empregados trabalhando na nossa fábrica com conhecimento que não há em nenhum lugar do Brasil, ou seja, pessoas de Pernambuco que terão conhecimento que pessoas de São Paulo, por exemplo, que tem uma capacidade econômica enorme, não possuem. Estamos desenvolvendo a região empregando pessoas para atuar em uma fábrica com alta tecnologia, o que exige capacitação, incentivando as universidades e escolas técnicas do Estado. Como a empresa tem realizado a transferência tecnológica? Temos dois transferidores de tecnologia porque são dois projetos distintos. A Hemobrás é uma Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologias, então temos um projeto para hemoderivados e outro para biotecnologia. No que diz respeito a hemoderivados temos os parceiros LFB, uma empresa francesa, e a Octapharma, empresa suíça, que faz toda a parte de fracionamento. O que é esse fracionamento? Ao obtermos do sangue o plasma humano (que é o insumo bruto), ele é fracionado, dividido em frações para ser transformado em medicamento. O outro produto que é o medicamento Fator VIII Recombinante, que é biotecnológico, não é oriundo do plasma humano, ele é feito por modificação genética. A empresa parceira que está realizando a transferência de tecnologia é a Takeda, com sede no Japão. A transferência de tecnologia está em curso tanto na unidade de Fator VIII Recombinante quanto na de hemoderivados. Existem comissões multidisciplinares de incorporação de processos
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