"Fundamental é repovoar o Centro do Recife com moradores"
Washington Fajardo, ex-secretário municipal de Planejamento Urbano do Rio de Janeiro, aborda os desafios de atrair moradias para a região central da capital pernambucana, elogia as iniciativas do Recentro e defende ações como a instalação de instituições de ensino na área para cativar a juventude. Estimular a moradia no Centro do Recife tem sido uma estratégia defendida por estudiosos e até pela prefeitura para revitalizar a região. O arquiteto e urbanista Washington Fajardo é um desses especialistas que acreditam que nenhum processo de reabilitação urbana tem sustentabilidade se não tiver pessoas morando no espaço a ser revitalizado. Fajardo é ex-secretário municipal de Planejamento Urbano do Rio de Janeiro, responsável pelo projeto Reviver Centro elaborado para atrair moradores para a região central da Cidade Maravilhosa. O sucesso do programa o levou a ser convidado a ser consultor do planejamento estratégico do Centro do Recife - Recentro na Rota do Futuro. O urbanista ressalta, no entanto, que seduzir a população a morar no Centro é uma tarefa complexa. Nesta entrevista a Rafael Dantas, ele fala dessas dificuldades como, por exemplo, a percepção de segurança que as pessoas têm do Centro, a oferta de moradias no local e o fato de a região não ser mais vista como uma centralidade, onde os moradores resolviam coisas, estudavam, faziam compras e atividades culturais. Mas ressalva que a proposta de se ter uma governança local, a partir do Recentro, é um passo importante para a recuperação da região, assim como a decisão do gabinete de ouvir a população sobre o Centro, a partir de uma consulta pública. Quais as diretrizes para que o Recife possa promover uma recuperação do Centro da cidade? O ponto fundamental é repovoar o Centro do Recife com moradores. Ou seja, nenhum processo de reabilitação urbana tem sustentabilidade se não tiver pessoas morando. Esse é o princípio. É muito sintético e objetivo, mas implementar isso é muito complexo. Porque, assim como outras cidades brasileiras, o Recife cresceu horizontalmente nas últimas décadas, numa velocidade muito intensa. A gente está falando de um Centro Histórico de toda uma região metropolitana, que é onde as pessoas estão morando. Esse modelo de crescimento da cidade acabou criando uma economia imobiliária que sabe pegar terrenos e fazer prédios. Mas hoje temos essa tendência de investir em retrofits também. Esse é um fenômeno recente brasileiro. No Brasil desaprendemos a reocupar, reformar. A palavra hoje é o retrofit. É importante entender que essa área central está em direta competição com essas outras áreas, onde encontramos uma cultura técnica que passa pela economia, mas vai até a arquitetura e a engenharia. Os próprios órgãos públicos dos municípios aprenderam a criar uma normativa urbanística que favorece essa expansão da ocupação. O resultado disso é que as áreas centrais ganharam uma ociosidade do ponto de vista de moradia, mas conseguiram manter uma função comercial ou de centralidade dos empregos. Aí veio segundo um fenômeno, um pouco de nossa época, que tem a ver com digitalização da economia. Então, além do problema histórico de ocupação, a economia digital já está afetando os centros urbanos também? Tanto o emprego, quantos hábitos de consumo estão muito organizados em função das facilidades que a internet nos proporciona. Esses novos hábitos, que têm a ver com a digitalização da vida da cidade, também têm impactado diretamente a relevância do varejo. Por exemplo: comprar algo não significa mais a necessidade de ter que ir à rua. E isso tem tido um crescimento exponencial, especialmente a partir da pandemia da Covid-19. É um fenômeno que ganhou uma proporção planetária, quando fomos obrigados a aprender novos hábitos. Passamos a fazer reuniões online, pedir comida em casa, fazer compras pela internet. Algo que era incipiente ainda, ganhou relevância e está presente em diferentes gerações. Antes era mais concentrado na juventude, mas com pandemia mesmo as gerações mais maduras ganharam novos hábitos. Ou seja, os centros urbanos têm situação histórica, de longo prazo, muito brasileira. E tem também o contexto novo, um pouco mais global, que tem a ver com digitalização. Isso aumentou mais ainda os esvaziamentos das áreas centrais. Estão correndo certo risco de ficarem irrelevantes. Nesse contexto, como o senhor avalia a experiência do Recife? O Recife é um caso interessante. Teve uma posição de vanguarda, quando algumas décadas atrás tomou decisão de implantar o Porto Digital em sua área central. Observe que o Recife tomou uma decisão muito avançada para época, em dois sentidos: priorizar o Centro da cidade e priorizar a nova economia. Uma reflexão que trago é que apesar desse vanguardismo, não se constituiu, de fato, uma nova camada social morando no Centro. Apesar do sucesso do Porto Digital, a população continua a não morar na região. Isso mostra como essa produção habitacional nas áreas centrais é muito complexa. A prioridade é trazer pessoas para morar, mas não é simples. Como modificar esse cenário para incentivar a moradia no Centro do Recife? Temos que ter visão de mercado. Ou seja, a produção habitacional tem que acontecer com as próprias pernas. Ao mesmo tempo, é necessário ter estímulo público. Que tipo de estímulo? Incentivos fiscais e subsídios, com regulação urbanística própria. É fundamental também que as pessoas passem a desejar mais o Centro. Isso significa que as famílias que hoje estão tomando decisão de moradia deveriam considerar área central como opção. Para isso é fundamental que existam alternativas no Centro para incentivar a decisão de comprar ou alugar uma moradia. Será que a população pensa em morar no Centro? E se pensar, será que conseguirá encontrar algo? Essas questões precisam ser resolvidas. Opções para quem queira e ter o desejo de povoar os bairros centrais. É um desafio que está tanto na demanda como na oferta. Para ter desejo, a população precisa se sentir bem no Centro. Ser um lugar seguro, organizado. Um bom parâmetro é pensar a cidade tomando as crianças como referência. Você viveria com seus filhos no Centro do Recife? A população percebe na área central da cidade um lugar para educar seus filhos
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