*Por Cláudia Santos O modelo de desenvolvimento que até então impulsionou a economia pernambucana não atende mais as complexas demandas contemporâneas. A conclusão é dos participantes da Rede Gestão que realizaram, na semana passada, uma reunião em que discutiram o desafio de formular uma nova visão de longo prazo para Pernambuco. Durante o evento, o consultor da TGI Francisco Cunha destacou que ainda hoje vivenciamos um modelo criado, com muito sucesso, nos anos 1950, quando foi formado um órgão especializado em planejamento, a Codepe (Comissão de Desenvolvimento de Pernambuco), e o projeto visionário elaborado pelo padre dominicano francês Louis-Joseph Lebret (veja o artigo de Francisco Cunha na edição 247). “As evidências levam a crer que esse modelo de desenvolvimento simplesmente esgotou-se, sem que se saiba ainda como será substituído”, constatou o consultor. São evidências como a projetada mudança da matriz energética. A refinaria, prevista pelo Padre Lebret, ainda hoje é um projeto estruturador importante, mas o futuro, sob a ameaças das mudanças climáticas, exige um planeta isento de combustíveis fósseis. E aí? Assim como a crise climática, a transformação digital é outro importante vetor de tendências e a mais radical delas é a inteligência artificial, que já está promovendo disrupções, em especial no mercado de trabalho. “Diversas profissões, já enfrentam a concorrência do ChatGPT. Vamos perder para ele? Essa revolução tecnológica, com certeza, vai tirar o emprego de muita gente”, adverte Francisco Cunha. Para Roberto Montezuma, professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFPE, a atual geração vive uma mudança de milênio que, naturalmente, exige uma transição de paradigmas que não podem ser os mesmos do século passado. “Temos que trabalhar com novos paradigmas ambiental, social (da inclusão e redução das desigualdades) e econômicos (um mercado que leve em conta o meio ambiente)". Soma-se ao desafio de encontrar alternativas para essas tendências, o fato de Pernambuco ter um território exíguo, sem muitos recursos naturais, com boa parte da sua extensão situada no semiárido. Uma região que, além de populosa, corre o risco de acentuar ainda mais seus problemas de escassez hídrica com as mudanças climáticas. Essa é uma situação cujas causas remontam ao passado, quando o Estado foi penalizado por suas lutas libertárias. “Pernambuco foi vítima de uma mutilação territorial sem similar na história do Brasil. Perdeu a Comarca das Alagoas, em razão da Revolução de 1817 e, depois, a Comarca de São Francisco, devido à Confederação do Equador em 1824, que foi uma retaliação do Império”, informou Francisco. Também existem estudos que defendem a tese de que Pernambuco foi prejudicado por uma visão centralizadora da industrialização no Brasil. Na verdade, a partir do Século 19, florescem no Estado as primeiras unidades fabris originadas da transformação dos engenhos em usinas e do beneficiamento pelas tecelagens do algodão cultivado no interior. Na reunião da Rede Gestão, Roberto Montezuma mencionou a tese de doutorado de Aspásia Camargo, professora de sociologia e ciências políticas das UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). Ela defende que no início do Século 20 existiam todas as condições emergentes para a criação de duas centralidades industriais nacionais: Pernambuco e São Paulo. “Mas Getúlio Vargas, segundo estudo de Aspásia Camargo, não acreditava nessa dualidade e escolheu um único centro e, com isso, a Região Metropolitana de São Paulo concentra ainda hoje quase 50% da riqueza nacional”, explicou Montezuma. A industrialização começa a ser retomada com o planejamento da Codepe e do Padre Lebret. Mas o avanço desse processo foi estancado, a partir do momento em que planejar o desenvolvimento deixa de ser prioridade, nos anos 1980, comprometendo o futuro do Estado. “O desmonte dessa cultura do planejamento é, de fato, um processo suicida”, sentencia o arquiteto. Um cenário que preocupa o economista Sérgio Buarque, ao destacar que atualmente Pernambuco já enfrenta problemas relativos à sua produtividade. Na reunião da Rede Gestão, ele mostrou os dados do ranking de competitividade dos Estados do CLP (Centro de Liderança Pública). “A nossa situação é muito ruim. Os 10 primeiros colocados são todos do Sul, Sudeste e Centro-Oeste. O Ceará é o 11º e Pernambuco o 16º. Na versão anterior estávamos em 15º”, lamenta o economista. “Podemos afirmar com alguma segurança que se não melhorarmos a competitividade sistêmica no Estado, não melhoraremos os outros indicadores, a começar pelo PIB per capita”, afirmou acrescentando que a competitividade é um fator importante para atrair investimentos. É POSSÍVEL REINVENTAR Apesar dessa conjuntura desfavorável, Montezuma afirma ser possível reverter esse cenário e baseia seu otimismo em dados da ONU (Organização das Nações Unidas) que confirmam ser factível, no tempo de uma geração, transformar uma cidade, um estado, uma região e um país, com uma visão redentora impulsionando o planejamento de longo prazo. Foi o que aconteceu com Medellín, Barcelona, Lisboa, Singapura, Bogotá, Índia e China. “Um caso emblemático foi Medellín que, nos anos 1990, foi considerada a cidade mais violenta do mundo e em menos de uma geração deu uma virada, transformando-se na cidade mais criativa do planeta. Isso é uma evidência da possibilidade que o território tem de se transformar”, assegura. Para dar essa “volta por cima”, Montezuma recomenda adotar um pensamento inovador e decolonizado. “Decolonizar, como explica a pedagoga Nilma Lino Gomes, diz respeito a um projeto de transgressão histórica da colonialidade, a partir da noção de que não é possível desfazer ou reverter a estrutura de poder colonial. Mas é preciso encontrar meios para desafiá-la continuamente e romper com ela”, conceitua o arquiteto. Ele exemplifica essa ideia ao comentar como se deu a concepção do Projeto Parque Capibaribe, durante o workshop Recife Exchange Amsterdam (RXA), em 2012. O evento reuniu estudiosos e estudantes universitários holandeses e brasileiros para pensar alguns espaços do Recife. A participação de pesquisadores da Holanda ocorreu porque o país já colonizou a capital pernambucana no Século 17 e desenvolveu o seu primeiro plano de urbanização (que aliás é pioneiro no Brasil). Além disso, seu território guarda semelhanças com a cidade. Montezuma conta, porém, que os estudiosos estrangeiros vieram com uma solução pronta, recomendando uma série de ações