10 anos de Junho de 2013: o mês que não acabou
*Por Rafael Dantas As emblemáticas Jornadas de Junho de 2013 completam 10 anos neste mês. A diversidade de cartazes, bandeiras e de manifestantes da época parecem refletir também as leituras traçadas hoje daquela ocupação das ruas. Afinal, há uma relação sobre aquele episódio, que começou contra o aumento de R$ 0,20 das passagens de ônibus, com o cenário político posterior ao impeachment, a ascensão de Bolsonaro e a polarização do País? Os analistas divergem sobre a compreensão daquele momento, mas concordam que ele marcou uma ruptura do processo político vivido no Brasil. Sob a gestão da presidente Dilma Rousseff, o Brasil de 2013 começava a atravessar o fim tardio de um ciclo econômico global que entrou em colapso anos antes nas principais economias do mundo. O País vivia também o clima pré-Copa do Mundo de 2014 e a realização da Copa das Confederações 2013, com muitas contestações dos gastos públicos nesse evento. No âmbito tecnológico, a popularização das redes sociais era um fenômeno que contribuiu para a convocação das manifestações, infladas com uma extensa cobertura midiática dos veículos tradicionais de comunicação. “Essas mobilizações começam com o MPL (Movimento Passe Livre), que teve início em Porto Alegre e foi até São Paulo. Ele enfrentou forte violência policial, o que fez ganhar uma dimensão muito maior a partir dos questionamentos sobre a repressão. Ele reivindicava não só uma tarifa menor, mas era uma contestação da mercantilização da mobilidade urbana. Esse movimento se diferencia dos anteriores, quando vários grupos e indivíduos vão ocupar as ruas, atingindo uma abrangência impressionante. Havia tanto manifestantes com uma gama de outras contestações, como muitos sem saber ao certo o caráter ideológico do que estavam protestando”, explica a professora da UPE (Universidade de Pernambuco) e doutora em história, Susan Lewis. Os demais movimentos sociais só embarcam mais tardiamente nessas manifestações, mas não como protagonistas. Para quem tem uma análise negativa dos protestos de Junho de 2013, estava formada ali uma tempestade perfeita, que foi um impulso para o crescimento da extrema direita no Brasil. Para quem avalia de forma mais positiva esse fenômeno, as massas nas ruas representaram um ponto de ruptura de um sistema que já não dava conta dos anseios sociais e que seria marcado por uma atuação mais intensa da população na vida política do País. Seja uma visão ou outra, as jornadas colocaram no mesmo espaço – as ruas – desde os manifestantes que defendiam a redução ou a gratuidade do transporte público (Movimento Passe Livre) aos que bradavam contra a corrupção, pelos serviços públicos “padrão Fifa” entre outras centenas de pautas. Diferente de anos anteriores, em que esses movimentos de rua eram dominados pela esquerda, o Brasil assistiu à erupção de novos grupos de direita nos protestos. Os representantes políticos eleitos na época e os partidos políticos foram hostilizados em diversas manifestações. MOBILIZAÇÃO PELAS REDES O cientista político André Régis, professor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), era vereador do Recife em junho de 2013. Ele conta que a classe política foi apanhada de surpresa com as massas nas ruas. “Eu tinha mandato de vereador e recordo bem dos debates que se sucederam na Câmara Municipal. Todos estavam surpresos. Não sabiam exatamente do que se tratava aquilo. Na minha concepção, as pessoas foram às ruas sem serem chamadas por um partido. Os partidos e sindicatos começaram a perder relevância em 2013”. Na leitura do ex-vereador, as novas tecnologias permitiram a mobilização nas ruas de grupos que não estavam ligados aos sindicatos que tinham know-how de promover as mobilizações populares. “Eram manifestações acéfalas, que não tinham um comando, uma cabeça. Isso dificulta a nossa análise sobre quem foi o responsável por levar as pessoas para a rua. Como não tinha quem capitaneasse, ninguém conseguiu capitalizar. Não se gerou energia para pavimentar a Presidência da República em 2014”. André Regis acredita que o caráter heterogêneo de quem estava nas passeatas e a falta de lideranças são alguns dos motivos pelos quais as Jornadas de Junho não tiveram continuidade e de suas inúmeras pautas nunca terem sido atendidas. Ele considera que há uma grande diferença entre esse movimento — muito marcado pela presença da juventude e de pautas mais sociais — e as mobilizações dos anos seguintes, integradas por muitos saudosistas da ditadura militar do País. “Não vejo aquilo como sendo responsável por nada que veio depois. Um raio que caiu. Depois a vida seguiu. Fatos sucederam que não têm relação com o que ali foi gerado”. O cientista político analisa que apesar de não ser um movimento que gerou frutos, ele foi o primeiro de uma sequência que as plataformas digitais permitiram, a partir da capacidade de mobilização, como no impeachment de Dilma e nas manifestações anos após contra o Supremo Tribunal Federal. As mudanças tecnológicas, associadas à pressão política do Governo de Dilma Rousseff sobre os gastos da Copa do Mundo, na avaliação de Régis, beneficiaram mais o eleitorado à direita, que não tinha a mesma capacidade de mobilização dos partidos de esquerda. Apesar do valor que as redes sociais tiveram nas mobilizações, a imprensa tradicional também teve um papel forte no episódio, segundo Susan Lewis. Diferente do histórico de criminalização dos movimentos sociais nas coberturas jornalísticas, as manifestações de junho foram impulsionadas pelos veículos de comunicação. “Naquele momento havia um impasse, diante de um movimento muito grande, com várias propostas e reivindicações, também elitistas. A mídia teve que não mais apenas criminalizar, mas mostrar o que acontecia. Embora muito seletivamente. Em setembro daquele ano, por exemplo, as emissoras não mostraram o Grito dos Excluídos”, afirma Lewis. Em paralelo, essa imprensa que também está sendo questionada em cartazes nas ruas, passa a conviver com a efervescência das redes sociais que disputam o controle das narrativas e criam o ambiente para novos atores políticos. “Vemos um processo de declínio da TV, que tem que se adaptar a essas novas formas de mídia, com um alcance significativo, que privilegia a rapidez em detrimento do conteúdo”. É dentro desse contexto de popularização dos discursos políticos na
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