Uma das áreas que mais enfrentou revezes na pandemia, a cultura também amarga uma certa invisibilidade dos benefícios econômicos que proporciona e das riquezas que gera. Essa visão, segundo o produtor João Vieira Júnior, sócio da Carnaval Filmes, começa a se modificar. Para demonstrar o tamanho do setor cultural, ele se baseia num estudo da Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro), que revelou um contingente de 935 mil profissionais criativos empregados formalmente e uma participação de 2,5% no PIB nacional. “O que é muito mais significativo do que a contribuição da indústria farmacêutica ou automobilística”, ressalta. João Vieira Júnior tem trabalhado com vários nomes que deram ao cinema pernambucano e brasileiro um destaque internacional, como Cláudio Assis, Hilton Lacerda e Karim Aïnouz, e participado de produções como Tatuagem, Céu de Suely, Estou me Guardando pra Quando o Carnaval Chegar. Nesta semana foi lançado Paloma, filme que a Carnaval produziu, dirigido pelo diretor Marcelo Gomes (o mesmo de Cinema, Aspirinas e Urubus) e ganhador do Festival do Rio. Nesta conversa com Cláudia Santos, ele analisa o impacto no audiovisual da pandemia e das fake news sobre as leis de incentivo à cultura, e aponta as perspectivas do setor. Quais as dificuldades enfrentadas pelas produtoras do audiovisual no País? Antes de responder, gostaria de colocar algumas coisas interessantes que aconteceram este ano, como esta entrevista para a Algomais, revista que é uma antena dos negócios do nosso Estado. O fato de que eu, um produtor de cinema, esteja conversando hoje com a Algomais, é uma mudança que se operou lentamente. Ou seja, começa a haver a percepção dos gestores, das pessoas que geram riquezas, dos pensadores, dos economistas sobre o impacto econômico do setor cultural, a chamada economia criativa. Talvez, a pandemia tenha contribuído para isso. Existem estudos da ONU (Organização das Nações Unidas) apontando que a participação do setor cultural no PIB mundial chega de ser 7% e isso é uma coisa muito expressiva. No Brasil, enfrentamos a ausência de dados porque não aconteceu o Censo mas a Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) revela que, no País, o impacto da cultura sobre o PIB é de 2,5%. O que é muito mais significativo do que a contribuição da indústria farmacêutica ou automobilística, por exemplo. Sem contar que a distribuição dessa riqueza produzida pelo setor cultural é muito mais pulverizada por todos os Estados. Os estudos da Firjan, de 2021, revelaram que 935 mil profissionais criativos estavam formalmente empregados no setor cultural, o que equivale a 70% de toda a mão de obra que atua na indústria metalmecânica brasileira. Nos créditos finais de Bacurau, obra premiada de Kleber Mendonça, há uma frase informando que aquele filme gerou 800 empregos diretos e indiretos. Trata-se de um setor importante que produz riqueza material mas, também, riqueza simbólica que é incalculável porque inclui a nossa língua, o nosso jeito de pensar, o nosso jeito de vestir, de comer, de sonhar, de desejar. É a cultura que dá ao brasileiro a singularidade dele em relação ao resto do mundo. Então, o setor tem que ser tratado de forma estratégica, dentro de qualquer plano de governo, porque a cultura emprega, faz sonhar e é a indústria mais limpa também. Como produtor, sou o responsável pelo financiamento e pela realização de uma obra, tenho de analisar as condições, a partir do tamanho da minha empresa e do conhecimento da minha participação dentro do mercado. Devo analisar se posso empreender o tamanho daquela obra, se ela vai custar R$ 2 milhões, R$ 3 milhões, R$ 5 milhões. Uma obra cinematográfica, mesmo quando é de baixo orçamento, ela é muito cara, mas tem alto índice de empregabilidade: o ator tem que estar vestido e são necessários costureiras, figurinistas, maquiador, material de consumo para produzir essas roupas. Os atores estão dentro de um cenário que pode ser natural mas, também, pode ser uma casa numa zona rural que você alugou de uma pessoa, ou um sítio, material como tintas foram comprados, você trouxe pessoas de diferentes lugares, contratou alimentação, alugou veículos, comprou combustível, consumiu hospedagem para 70 pessoas. O ideal de uma empresa produtora de filmes é que, enquanto está desenvolvendo um projeto, ela possa estar filmando outro ou cuidando do lançamento de um terceiro para que tenha sempre um volume, uma capacidade para operar no mercado. Às vezes, você pode conseguir algum recurso público estadual mas, geralmente, os filmes de longa-metragem captam dinheiro federal, às vezes internacional, por meio das coproduções. Acima de tudo os empreendedores culturais, especialmente os do cinema, são investidores do Estado. Por exemplo, quando faço uma coprodução com um filme, cujo orçamento pode chegar a R$ 5 milhões – e ele não tem nenhum investimento local do Funcultura – posso dizer que essas empresas que estão envolvidas nesse filme, estão naquele momento sendo investidoras porque estão atraindo negócios para o Estado. Como você encara as críticas às leis de incentivo à cultura? Recentemente, fui convidado por um grupo de advogados para conversar com eles sobre a legislação audiovisual brasileira, porque eu me sinto numa missão constante e ininterrupta de desfazer a enxurrada de fake news a que os agentes culturais brasileiros foram submetidos nos últimos anos. Por exemplo, a Lei Rouanet é muito equilibrada, exige prestação de contas rigorosíssima, possibilita o acesso ao patrocínio dos agentes culturais no País inteiro. Um segmento da população criou distorções sobre essa lei e a força da fake news chegou a criminalizar de alguma forma os artistas. E aí, aparece a pandemia, as pessoas ficam presas em casa consumindo os produtos criativos, audiovisuais, fonográficos, o tempo inteiro. Houve uma alta demanda, mas uma produção muito baixa, porque foi o setor mais afetado, já que a cultura é um trabalho muito coletivo, que reúne muitas pessoas, além de ser um dos setores mais penalizados em investimento público dos últimos quatro anos. É um setor que foi criminalizado e perseguido. Qual o impacto da pandemia no setor? Houve um aquecimento com o streaming, com a Netflix,