Suely de Luna, historiadora e arqueóloga da UFRPE, conta como são realizados os trabalhos nas escavações da região do Pilar, no Recife, onde foram encontrados dois cemitérios, um da época da ocupação holandesa e outro do Século 19, os vestígios de um forte e várias peças e fragmentos de objetos. Desde março, a mídia tem noticiado a descoberta de verdadeiros tesouros arqueológicos na comunidade do Pilar, no Bairro do Recife. Na região está sendo construído um conjunto habitacional e durante as escavações foram revelados dois cemitérios, dos quais não havia registros, e vestígios do Forte de São Jorge, um dos primeiros da cidade. Também foram encontrados peças e mais de 40 mil fragmentos de objetos. Um verdadeiro quebra-cabeça que profissionais da Fundação Apolônio Salles de Desenvolvimento Educacional, da Universidade Federal Rural de Pernambuco, estão montando para entender melhor o nosso passado e sua influência no presente. Para explicar como é realizado esse trabalho, Cláudia Santos conversou com Suely de Luna, historiadora arqueóloga e coordenadora geral do programa de resgate arqueológico na Comunidade do Pilar. Ela fala da importância dessas descobertas e da possibilidade que proporcionam de transformar a região em ponto turístico, abrindo novas perspectivas de geração de renda entre os moradores locais. Como está sendo o trabalho das escavações no Pilar? Para realizar qualquer projeto de construção no Centro histórico do Recife é necessário que seja feito o trabalho arqueológico, por ser uma área histórica tombada. Uma outra equipe já atuou no local tempos atrás. Em 2015 a prefeitura fez uma licitação pública e a Fundação Apolônio Salles de Desenvolvimento Educacional, da Universidade Federal Rural de Pernambuco, ganhou e, no final daquele ano, começamos a escavação. Eles dividiram a área em quadras (ao todo são cinco quadras) e estipularam que a primeira a ser trabalhada seria onde havia uma parte de um habitacional construído. Concluímos o trabalho nessa área onde foram implantadas obras, como alguns edifícios, creche, escola e o posto de saúde. Essa parte já está entregue à comunidade. À medida em que foi sendo trabalhada cada quadra, tivemos vários achados. É muito material de praticamente todas as épocas, desde o final do Século 16 até o Século 21. Mas a concentração maior é do Século 19, quando houve uma expansão do Recife e aquela região foi mais ocupada por pessoas. Antes no período colonial, era uma área chamada de “fora de portas”, que era o limite do que seria a Vila do Recife, e que começou a expandir no final do Século 18. No Século 19 houve um boom. Foram construídas muitas casas. A Igreja do Pilar é do Século 18 e foi erguida com parte das pedras que eram de uma fortificação. Com as escavações conseguimos localizar uma parte da fundação dela. Era o Forte de São Jorge, que foi o primeiro do Recife. Existiam dois: um ao lado da barra e outro no istmo. Quando houve a invasão holandesa da Companhia das Índias Ocidentais, esse forte se transformou numa enfermaria. Depois que os holandeses foram embora (nós chamamos os holandeses, mas, na verdade, trata-se da Companhia das Índias Ocidentais, que era uma empresa privada) aquela região ficou quase abandonada, o forte ficou sem serventia e houve a doação daquele pedaço de terra para uma pessoa da época. Uma das cláusulas para a doação era que se construísse a igreja que foi a de Nossa Senhora do Pilar. E o que se sabe sobre os esqueletos encontrados? Ninguém sabia, mas no período da ocupação havia um cemitério próximo de onde hoje está a igreja e do antigo forte. Calculamos que que ele seja do final do Século 16 até, pelo menos, meados do Século 17, pelas datações que fizemos de carbono 14. O cemitério tem características bem peculiares, são esqueletos de pessoas de porte alto, que condizem mais com um tipo de europeu do centro da Europa, a região nórdica, do que da península. A maioria, 99% deles, são homens, jovens, de idade militar. Até agora, pelo menos o que a gente conseguiu identificar em campo, é que só há uma mulher e é uma menina relativamente nova, de uns 14 anos, que tinha cerca de 1,75 m de altura, portanto, mais alta do que a média normal das mulheres da colônia. A estrutura desse cemitério também é diferente, há sepulturas com um esqueleto, outras têm dois e existem sepulturas com três esqueletos. Geralmente quando se tem sepulturas duplas ou triplas significa que aquelas pessoas morreram no mesmo dia e que foram enterradas nessa coletividade. Por que eles foram enterrados assim? Qual a causa dessas mortes? São questões que vamos investigar em laboratório. Mas há duas possibilidades. Primeiro, é que foram mortos em enfrentamentos bélicos, talvez uma parte, não todos. Outra grande possibilidade é que morreram em decorrência de alguma epidemia, porque ter sepulturas com duas ou três pessoas significa que foram mortes sucessivas, em períodos extremamente curtos. Mas só os estudos de laboratório, que serão feitos por especialistas na área de bioantropologia humana, é que podem comprovar essa possibilidade. Existia alguma epidemia naquele período? Existiram vários surtos de epidemia desde o período colonial até o período imperial, na verdade, até o Século 20, de doenças como difteria, cólera, e muitas pessoas, na época inicial da ocupação, principalmente, sofriam de escorbuto. Não era uma epidemia, mas uma doença que se desenvolvia por falta de vitaminas. Eram comuns também febres e diarreias crônicas devido à qualidade de água ou de algum alimento contaminado, porque a água não era fácil de ser encontrada. Isso ocorria, principalmente, nos anos iniciais em que os holandeses estiveram no Recife. Eles ficaram ilhados, não tinham acesso a uma água boa, a frutas, a uma alimentação mais rica e isso deve ter causado grandes problemas de saúde. Lembrando que a área era pequena e o contingente de pessoas muito grande para o espaço. Isso a gente encontra nos relatos históricos, como a reclamação dos preços dos aluguéis no Recife, onde se amontoava muita gente, havia muitos soldados mercenários da companhia que não