Leonardo Dantas Silva – Página: 5 – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

Leonardo Dantas Silva

Instituto Ricardo Brennand, o sonho completou 15 anos

O Instituto Ricardo Brennand, entregue ao público em 12 de setembro de 2002 pelo industrial Ricardo Brennand, inscreve-se hoje como um dos mais importantes museus da América do Sul, registrando nos últimos 15 anos uma frequência de 2.546.930 visitantes. O conjunto encontra-se implantado em uma área de 77.680 m², encravada em terras do engenho São João da Várzea, que no século 17 fora propriedade de João Fernandes Vieira, um dos principais líderes da Restauração Pernambucana de 1654. Ostenta em sua entrada uma aleia de 1.400 metros de palmeiras imperiais, finalizada por uma imponente portada em cantaria, originária de um castelo francês, ladeada por dois monumentais leões esculpidos em pedra, procedentes do Palácio Monroe (Rio de Janeiro). Nos seus jardins o visitante encontrará, além de uma grande escultura do colombiano Fernando Botero (A Mulher no cavalo), uma réplica em mármore de Carrara da estátua do David de Michelangelo (1504), cujo original encontra-se na cidade italiana de Florença, com 7,15 metros de altura, sete toneladas, apoiada numa base do mesmo material. O Instituto Ricardo Brennand é formado por um conjunto de prédios reunindo Castelo de São João, Pinacoteca, Biblioteca, Galeria, Capela e Restaurante. No primeiro edifício vamos encontrar uma das mais importantes coleções particulares de armas brancas, formando um conjunto de cerca de 3.500 peças de diversas procedências. Lanças, facas, alabardas, espadas, adagas, canivetes, estiletes e 50 armaduras (duas delas para criança e uma para cachorro) completas, com destaque para os raríssimos conjuntos em tamanho natural cavalo-cavaleiro-com-armadura, no estilo italiano do século 16, estão a despertar a atenção de leigos e estudiosos, juntamente com curiosidades outras dos Séculos 15 ao 21. A Pinacoteca encontra-se inserida, juntamente com sua torre em três pavimentos, em um edifício de 4.884 m² e conta com equipamentos de alta tecnologia para preservação de umidade, temperatura e luminosidade. O instituto dispõe atualmente do maior acervo já reunido em um só local de obras atribuídas ao pintor Frans Post (1612-1680); o primeiro artista europeu a registrar a paisagem das três Américas no Século 17, que trabalhou em Pernambuco entre 1637 a 1644 integrando a comitiva do Conde João Maurício de Nassau-Siegen (1604-1679). Ainda no prédio da Pinacoteca encontram-se importantes quadros formadores da Coleção do Oitocentos, reunindo a produção de 57 pintores e viajantes do século 19, em sua maioria chegados ao Brasil após a Abertura dos Portos (1808). Inaugurada no ano 2011, a Galeria é o terceiro módulo do instituto que ocupa uma área total estimada em 1.607 m², destinada a realização de grandes eventos, exposições itinerantes e exposição de quadros de vários autores conservadas na Reserva Técnica. A Biblioteca José Antônio Gonsalves de Mello, localizada na torre do prédio da Pinacoteca, possui pouco mais de 51 mil itens catalogados, com especial enfoque para a história colonial brasileira, destacando-se o período Brasil-Holandês (1630-1654) e coleções outras do instituto.

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A escultura que virou tema de ficção (por Leonardo Dantas Silva)

O Instituto Ricardo Brennand completou, em setembro passado, 15 anos dentro de nossa paisagem, transformando-se em um dos museus mais consagrados da América do Sul. Criado pelo industrial pernambucano Ricardo Brennand, aquele centro cultural é em nossos dias o maior local de congraçamento de público devendo atingir, no ano do seus 15 anos, a invejável frequência de 2.550.000 visitantes neste quarto de século. Como todo museu do mundo, existem nele peças que causam maior impacto em seus visitantes, como a última escultura do artista italiano Antonio Frilli, A Mulher na Rede ou Doces Sonhos, adquirida em 2009. Esta obra de arte, que tanto agrada aos visitantes, veio a inspirar recentemente uma novela, escrita nos Estados Unidos e publicada no ano passado do escritor Gary Rinehart, Nude Sleeping in Hammock. O italiano Antonio Frilli, que em 1860 fundara o seu ateliê em Florença (Via del Fossi), foi um dedicado escultor de grandes estátuas em mármore de Carrara e alabastro, destinadas a famosos cemitérios, bem como para galerias conhecidas na Europa, nos Estados Unidos e na Austrália. Em 1904, dois anos após a sua morte, seu filho Umberto apresentou na Louisiana Purchase Exposition em Saint Louis, Missouri a última obra do seu pai: “uma escultura que descrevia uma mulher nua em uma rede (Nude Sleeping in a Hammock) No mármore branco de Carrara, ganhou o Grande Prêmio e seis medalhas de ouro”. Já fazendo parte do acervo do Instituto Ricardo Brennand, eis que uma nova faceta vem ao encontro à história da escultura da “Mulher na rede”, como é conhecida entre nós: um visitante a vendo em nosso acervo fez presente à Biblioteca do Instituto Brennand do catálogo original da Louisiana Purchase Exposition em St. Louis (1904), onde a escultura de Antonio Frilli foi pela primeira vez apresentada com o título de Sweet dreams (Doces sonhos); revelando assim um passado até então desconhecido. Voltando ao histórico da obra, consta ter ele esculpido-a em 1892, sob o título de Doces Sonhos, representando uma bela mulher em tamanho real dormindo despida numa rede. Em 1915 foi a escultura enviada de Florença para São Francisco da Califórnia, onde ficaria exposta na Panama Pacific Exhibition. Nesta exposição, foi a escultura adquirida para decoração de um jardim residencial em Piedemonte (Itália). Agora chega ao nosso conhecimento que, em 1998, após mudanças na posse da primitiva casa, o advogado e pianista John Hayden, juntamente com sua mulher Sarah tornaram-se seus novos proprietários, passando a denominá-la de Eva. O acontecimento veio inspirar a novela publicada em 2016, escrito por Gary Rinehart, Nude-Sleeping-Hammock (Nu dormindo numa rede), que coloca a obra de Antonio Frilli como o centro da trama ficcional dos diversos proprietário, a partir do seu surgimento, em 1892, e como a escultura afetou suas vidas. O autor da novela só não revela, talvez por total desconhecimento, que a “Eva” de sua novela, hoje repousa em terras da nossa Várzea do Capibaribe.

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Judeus do Recife em Nova York (por Leonardo Dantas Silva)

No mês de setembro, os judeus de Nova York estarão comemorando 363 anos da chegada dos primeiros 23 à ilha de Manhattan, que, saídos do Recife após a rendição dos holandeses em janeiro de 1654, vieram estabelecer a primeira comunidade judaica da América do Norte. A saga desse grupo originário da atual Rua do Bom Jesus, no Recife, foi descrita na época pelo rabino de Amsterdã, Saul Levi Mortera, pouco antes do seu falecimento em 1660, no manuscrito intitulado Providencia de Dios con Israel. Conta ele que judeus do Recife, passageiros do navio Valk, que empreendiam viagem com destino ao porto de Amsterdã, tiveram o seu barco tomado por espanhóis que ameaçavam de os entregar à Inquisição. Na Jamaica, porém, foram esses judeus libertados pelos franceses e, com eles, rumaram em direção à Nova Amsterdã a bordo do barco Sainte Catherine. Desse grupo de refugiados, 23 judeus, entre homens, mulheres e crianças, chegaram ao porto da Nova Amsterdã em setembro de 1654, estabelecendo assim a primeira comunidade judaica daquela que veio a ser a cidade de Nova Iorque. No Brasil Holandês (1630-1654), a comunidade de emigrantes judeus de Portugal floresceu, fundando a primeira sinagoga das Américas, a Kahal Kadosh Tzur Israel (Comunidade Rochedo de Israel), na atual Rua do Bom Jesus, em 1636. A 26 de Janeiro de 1654 as tropas portuguesas reconquistam o Recife com um ataque de proporções épicas, comandadas pelo general português Francisco Barreto de Menezes – que a partir de então ficaria conhecido como “o Restaurador de Pernambuco” –, pondo fim ao domínio holandês naquela região do Brasil. Nos termos da rendição, assinados na Campina do Taborda, local hoje ocupado pelo Bairro de São José, os vitoriosos são generosos para com os derrotados, dando aos holandeses um prazo de três meses (que seria prorrogado por mais três) para se retirarem do território recém conquistado, período durante o qual, segundo os mesmos termos, “anão serão molestados ou vexados e serão tratados com respeito e cortesia.” Segundo fonte judaica: “Surpreendentemente, o general Barreto de Menezes mostra uma tolerância muito pouco habitual ao permitir igualmente (ajudando até) a saída dos judeus portugueses, apesar destes terem passado a ficar sob a alçada da Inquisição, o que lhe teria à partida vedada qualquer possibilidade de clemência. A lei exigia a deportação imediata dos judeus para Portugal”. Acrescentando na narrativa: “Corsários, piratas e a intolerância religiosa ibérica tornariam ainda mais complicada a já difícil viagem de alguns desses judeus. Em Amsterdã, o rabino português Saul Levi Mortera – professor de Baruch Spinoza e mais tarde seu “excomungador” – deu conta dos percalços sofridos por uma destas embarcações no livro acima citado, um manuscrito não publicado do qual apenas restam seis cópias: “O navio foi capturado pelos espanhóis, que queriam entregar os pobres judeus à Inquisição. Ainda assim, antes de poderem cumprir os seus ímpios desígnios, o Senhor fez aparecer um navio francês que libertou os judeus dos espanhóis, levando-os depois para África, posto o que chegaram salvos e em paz à Holanda.” Um outro navio, atacado por piratas ao largo do cabo de Santo António, em Cuba, seria também resgatado por um barco francês – o Sainte Catherine, comandado pelo capitão Jacques de la Motthe. A 7 de Setembro de 1654, com 23 judeus portugueses a bordo, o Sainte Catherine aporta a Nieuw Amsterdam, na ilha holandesa de Manhattan, a cidade que mais tarde passaria a ser conhecida como Nova Iorque. Dessas 23 – homens, mulheres e crianças – sabe-se hoje muito pouco. São seis famílias, encabeçadas por quatro homens e duas viúvas. Só os seus nomes são mencionados nos registos oficiais. Mesmo assim é fácil adivinhar-lhes a proveniência: Abraão Israel Dias, Moisés Lumbroso, David Israel Faro, Asher Levy, Enrica Nunes e Judite Mercado. Entre esses adultos, foram identificados três homens citados no relatório da cidade como pessoas que assinaram o livro de atas da Congregação Zur Israel do Recife, no ano de 1648: Abraham Israel, David Israel e Mose Lumbroso. Em 1664, Nieuw Amsterdam passa para a coroa britânica e muda seu nome para New York. “Por volta de 1695, apesar de algumas restrições, os judeus tinham a sua primeira sinagoga improvisada, e a 8 de Abril de 1730 era dedicada a primeira sinagoga de raiz da comunidade que, logo à chegada, em 1654, escolhera o nome de Shearith Israel (Remanescente de Israel). Até ao final do século 19 tiveram duas línguas “sagradas”, ditadas pelos genes, pela fé e pelo apelo da memória: Faziam-se as orações em hebraico. Em português escreviam-se os documentos”. *Leonardo Dantas Silva é jornalista e assina a coluna Arruando por Pernambuco

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Navegando com o poeta João Cabral (por Leonardo Dantas)

Arruando pelo Recife, iremos ao Parque da Jaqueira a fim de sentir todo o bucolismo do Rio Capibaribe, recordando os tempos dos velhos engenhos de açúcar neste curioso passeio, embalado pelos versos do poeta João Cabral de Melo Neto (1920-1999). Tomando-se um barco a remo, na passagem de Ponte D’Uchoa, na Avenida Rui Barbosa, poderemos nos transportar para outra margem, em terras do antigo Engenho da Torre, ou, dependendo de um acerto com o barqueiro, subir o rio em direção ao Poço da Panela e outros “portos” existentes ao longo do seu leito: Porto dos Cavalos, do Vintém, do Cemitério, de Sant’Ana, do Bom Gosto, do Poço da Panela, do Caldeireiro, do Monteiro, da Porta d’Água e tantos que se perderam na memória do tempo. Neste singular passeio, logo teremos a memória aguçada para os versos do poeta que manteve esta paisagem nas retinas da memória. Agora vou entrando no Recife pitoresco, sentimental, histórico, de Apipucos e do Monteiro: do Poço da Panela, da Casa Forte e do Caldeireiro, onde há poças de tempo estagnadas sob as mangueiras; de Sant’Ana de Dentro, das muitas olarias, rasas, se agachando do vento. E mais sentimental, histórico e pitoresco vai ficando o caminho a caminho da Madalena. A navegação no Rio Capibaribe continua presente em nossos dias, não somente a utilizada por pescadores e batelões areeiros, mas também pelos que cultuam os prazeres do rio. Neste nosso itinerário sentiremos de perto a poesia de João Cabral que, nascido em Sant’Ana de Dentro, hoje Rua Leonardo Cavalcanti, tão bem soube descrever a paisagem e os tipos ribeirinhos do seu tempo de menino – A roda dos expostos da Jaqueira; O jardim de minha avó; Lembrança do Porto dos Cavalos; O Capibaribe e a leitura; Sinhá Maria boca de flor, dentre outros poemas. O Capibaribe é uma eterna presença em sua obra, como demonstra as estrofes do seu poema O Rio: Um velho cais roído e uma fila de oitizeiros há na curva mais lenta do caminho pela Jaqueira, onde (não mais está) um menino bastante guenzo de tarde olhava o rio como se filme de cinema; via-me, rio, passar com meu variado cortejo de coisas vivas, mortas, coisas de lixo e de despejo; vi o mesmo boi morto que Manuel viu numa cheia, viu ilhas navegando

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Capibaribe, espelho do meu sonhar… (por Leonardo Dantas Silva)

“Capibaribe, meu rio, espelho do meu sonhar, quero fazer-te o elogio, mas penso: Se te elogio, é a mim que estou a elogiar… – Austro Costa. O rio Capibaribe tem o seu nascedouro nos contrafortes da serra do Jacarará, no planalto da Borborema, recebendo o nome de Canhoto. Reunindo as poucas águas da vertente sul-oriental da serra, no Sítio Araçá, em terras do município de Jataúba, ganha as caatingas das Duas Barras, unindo-se ao rio da Cachoeira, iniciando o seu caminho em direção à planície do Recife através dos municípios de Santa Cruz do Capibaribe, Toritama, Salgadinho e Limoeiro, como um rio temporário de leito pedregoso. Ingressando na zona da Mata, passa por Carpina, Paudalho, Tiúma, São Lourenço e outras localidades, recebendo como afluentes 79 rios e outros riachos de menor porte até vir entregar suas águas ao Oceano Atlântico. No seu caminho de viajante preguiçoso, sem qualquer pressa do chegar, dormitando pelos remansos e barreiros, entrando pelo canavial e açudes, em contato direto com engenhos de fogo morto e usinas de açúcar, o Capibaribe chega ao Recife por entre as barreiras dos engenhos São João e São Cosmo, na Várzea, fazendo uma grande curva, cheia de meandros pelo Sertãozinho de Caxangá, onde provocou o primeiro alumbramento do poeta Manuel Bandeira e as observações do poeta João Cabral: Ao entrar no Recife, / não pensem que entro só. / Entra comigo a gente / que comigo baixou / por essa velha estrada / que vem do interior; / entram comigo rios / a quem o mar chamou, / entra comigo a gente / que com o mar sonhou, / e também retirantes / em quem só o suor não secou; / e entra essa gente triste, / a mais triste que já baixou, / a gente que a usina, / depois de mastigar, largou. Preguiçosamente, em longas curvas, ainda sem qualquer pressa, o “cão sem plumas” passa por Dois Irmãos, Santo Antônio de Apipucos – onde o sociólogo Gilberto Freyre produziu grande parte de sua obra –, seguindo em direção ao Monteiro, Barbalho, Bom Gosto, Caldeireiro e Poço da Panela, de onde tantas vezes transportou os escravos que buscavam a liberdade em barcaças de capim, cuidadosamente fretadas por José Mariano Carneiro da Cunha e tripuladas pelos destemidos “cupins”. No embarque de 23 de abril de 1888 foram levados 119 “ingleses” (como eram apelidados os escravos), em batelões capitaneados por Guilherme Pinto, destinados à barcaça Flor de Jardim que os levou ao Ceará. As moças nuas do Capibaribe… O rio prossegue o seu caminho, falando pela boca do poeta João Cabral: Sou um rio de várzea, / não posso ir tão ligeiro. / Mesmo que o mar os chame, / os rios, como os bois, são ronceiros.” . . . E depois de comparar sua viagem com a do trem, que tomou caminho diverso ao entrar no Recife, o rio novamente se explica pela boca do poeta:. . . “Diversa da dos trens / é a viagem que fazem os rios: / convivem com as coisas / entre as quais vão fluindo; / demoram nos remansos / para descansar e dormir;/ convivem com a gente / sem se apressar em fugir . . . Sem qualquer pressa, chega às terras dos antigos engenhos Cordeiro e Torre, deixando Casa Forte e Santana em sua margem esquerda, iniciando-se, assim, através da parte poética da cidade: Cais do Vintém, Porto dos Cavalos, Porto do Cemitério, Forno do Chapéu de Sol, Taquari, Jaqueira, Ponte D’Uchoa, Graças, Porto Jacobina, Cais Ligeiro, Capunga, até chegar a Passagem da Madalena, em sua margem direita, olhando para o Paissandu do outro lado. Estas localidades, de Apipucos a Madalena, foram outrora destinadas aos “passadores de festas”, apreciadores dos “banhos medicinais”, frequentadores dos banheiros de palha, assim descritos por Louis François de Tollenare, em suas Notas Dominicais, escritas em 1817: É nas margens do Capibaribe que cumpre ver famílias inteiras mergulhando no rio e nele passando parte do dia, abrigadas do sol sob pequenos telheiros de folhas de palmeira; cada casa tem o seu, perto do qual há um pequeno biombo de folhagem para se vestir e despir. As senhoras da classe mais elevada banham-se nuas, assim como as mulheres de cor e os homens. À aproximação de alguma canoa mergulham até o queixo, por decência; mas o véu é demasiado transparente! Vi neste banho a mãe amamentando o filho, a avó mergulhando ao lado dos netos, e as moças da casa, traquinando no meio dos seus negros, lançarem-se com presteza e atravessar o rio a nado. A posição do corpo requerida por este exercício não deixa ver a quem passa, nem o seio nem parte alguma da frente do corpo, de sorte que elas consideram o pudor resguardado; mas, há outras formas não menos sedutoras que o olhar pode contemplar à vontade. Confesso que fiquei tão surpreendido quanto encantado ao encontrar um dia, neste estado de náiade sem véus, as senhoritas N., filhas de um dos primeiros negociantes da praça. . . É raro encontrar margens mais risonhas do que as do Capibaribe, quando se sobe em canoa até o povoado do Povoado do Poço da Panela. O rio, na época dos nossos avós, não este que conhecemos e de que nos fala o poeta João Cabral ou seu “cão sem plumas” –. . . “o outro rio/ de aquoso pano sujo/ dos olhos de um cão” –, era o rio das águas límpidas, que permitia ver o fundo de areia branca, cercado de árvores, “cujos ramos superiores se encontravam ou estão ligados por cipós floridos, pendentes em guirlandas”, habitadas por “mil pássaros adornados de brilhantes plumagens”. Era o rio das capivaras, como bem deduz o seu próprio nome, habitado por peixes das mais variadas espécies e moluscos diversos, em nada se parecendo ao rio que conhecemos e estamos a legar aos nossos netos. Para nossa lembrança, restamos versos do poeta Austro Costa: Capibaribe, meu rio, que vida levamos nós! Tu corres: eu rodopio. . . E há quarenta

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A cidade dos sonhos de Ricardo Brennand (por Leonardo Dantas)

Em 27 de maio passado, o industrial Ricardo Coimbra de Almeida Brennand, completou 90 anos de existência, notabilizando-se não somente como um construtor de fábricas (19 projetadas e modernizadas), mas também como grande criador do Instituto Ricardo Brennand, a Cidade dos Sonhos, que hoje se destaca em um dos mais importantes museus do Brasil. Tudo começa quando ele, ainda muito jovem, inicia a sua coleção de armas brancas. Durante toda a sua vida e em todas as suas viagens aos mais diferentes países, foi ele formando a sua própria coleção, reunindo espadas, facas, alabardas, lanças, escudos, punhais, adagas, armaduras (para cavalos e cavaleiros), balestras, elmos, arcabuzes, espingardas, mosquetes, carabinas, pistolas de duelo, milhares de canivetes, uma singular armadura para cachorro, quadros e esculturas de procedências diversas, além de curiosidades outras como as espadas de cerimonial do Rei Faruk I do Egito, estas últimas folheadas a ouro e cravejadas por brilhantes. Antes da criação do instituto, armas brancas não só da Europa, mas do Oriente, como as procedentes da China, Japão, Índia (verdadeiras joias da cutelaria mongol), do Nepal, da Oceania, integravam um pandemônio de peças que se espalhava pelos diversos cômodos de sua residência em São João da Várzea. No início do século 21, capitalizado com a venda de três fábricas de cimento do Grupo Brennand, Ricardo Brennand pensou em tornar realidade um antigo sonho: o de reunir no mesmo local todas as peças de sua monumental coleção. Através de traços rabiscados com uma caneta vermelha, ele ia criando algo semelhante a um castelo medieval, como aqueles que despertaram a sua atenção quando de suas visitas ao Vale de Loire (Vallé de la Loire), na França. Desejava Ricardo Brennand tão somente um cenário medieval que servisse de fundo para exposição e guarda de suas peças centenárias. Um castelo construído no estilo Tudor; o mesmo estilo que dominou a arquitetura inglesa entre 1585 a 1603, tão presente nos prédios das Universidades Cambridge e Oxford, que remonta aos primeiros tempos do neogótico. Não mais pensamentos ou hipóteses, mas um castelo medieval na Várzea do Capibaribe, com todas as suas nuances, particularidades e mistérios, que pudesse abrigar a sua incomparável coleção de armas brancas, grande parte delas verdadeiras joias da cutelaria universal. A tarefa de transformar o sonho em realidade foi entregue à firma Augusto Reinaldo Arquitetura e Desenho, cujo titular entregou-se de corpo e alma à ideia. Para isso, viajou ele à Europa numa temporada de observação aos monumentos do Vale de Loire, bem como de outros recantos da França, a fim de adquirir restos de demolição de antigos castelos a serem aplicados na construção do novo Castelo de São João. Concluída a sua viagem de observação, Augusto Reinaldo vai ao encontro de Ricardo Brennand, no Hotel Ritz de Paris, levando em mãos uma coletânea de fotografias documentando 23 castelos do Vale do Loire, com detalhes que ele gostaria de repetir no Castelo de São João; inclusive a portada de entrada esculpida em pedra, originária de um castelo francês. *Artigo da coluna Arruando por Pernambuco, assinada pelo jornalista e historiador Leonardo Dantas

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Monumento aos Mártires de 1710, 1817 e 1824 (Por Leonardo Dantas Silva)

Das antigas províncias formadoras do território nacional, nenhuma contribuiu com o maior número de mártires em favor da causa da liberdade do que Pernambuco, haja visto a imensa lista de condenados à pena capital nos movimentos emancipacionistas de 1710, 1817 e 1824. Numa consulta à História de Pernambuco, veremos que todos os movimentos emancipacionistas aqui originários estavam inspirados no orgulho nativista dos Restauradores de 1654. Uma mesma ideologia, a de que os antepassados pernambucanos conquistaram esta terra aos holandeses e que doaram a El-Rei de Portugal debaixo de certas condições, se repete ao longo de todas as revoluções e vem explicar o ideal republicano da gente de Pernambuco. Esse comportamento é uma constante em quase todos os movimentos revolucionários como bem observou Evaldo Cabral de Mello, “uma espécie de doutrina das relações entre a Capitania e a Coroa”. Falta a essa legião de mártires o reconhecimento da gente pernambucana que, até o momento, em que pesem às comemorações pelo transcurso do segundo centenário da Revolução de 1817, ainda não tiveram os seus nomes gravados em um grande bloco de granito a ser colocado na Praça da República. Assim sendo, estamos propondo a construção deste Monumentos aos Mártires da Pátria, constituído de um bloco de granito de cinco metros, inclinado sobre o jardim central da Praça da República, no qual, em sua face polida, sejam talhados os respectivos nomes dos que deram a vida pela causa da liberdade, de modo a ser conhecidos e reverenciados pelas gerações do presente e do futuro. O IDEÁRIO PERNAMBUCANO O sentimento de pernambucanidade que nos move ao longo dos séculos é derivado da doutrina formadora do sentimento nativista presente nas guerras que antecederam a Restauração Pernambucana de 1654: A gente da terra deveria à Coroa não a vassalagem ‘natural’ a que estariam obrigados os habitantes do Reino e os demais povoadores da América Portuguesa, mas uma vassalagem de cunho contratual, de vez que restaurada a capitania do domínio dos Países Baixos, haviam-na espontaneamente restituído à shttp://portal.idireto.com/wp-content/uploads/2016/11/img_85201463.jpgania portuguesa (Evaldo Cabral de Mello in Rubro Veio) Quando da revolta dos habitantes de Olinda contra os do Recife, em que se falou na criação de uma república nos moldes venezianos, proclamada em 7 de novembro de 1710, surgiu que veio a ser consagrada pela expressão do escritor José de Alencar (1829-1877) de Guerra dos Mascates; título inspirado na da publicação do romance publicado em 1873. Tratava-se pois de um movimento com um ideário separatista, defendido por alguns dos seus líderes de sentimentos antimonárquicos, falando-se em transformar Pernambuco em uma república, “ad instar a de Veneza”, ou em um governo autônomo “sob a proteção do Rei de França”. No dizer do conselheiro Antônio Rodrigues da Costa, em pronunciamento perante o Conselho Ultramarino (Lisboa), “uma sublevação formal e abominável, de que não há exemplo na Nação Portuguesa, sempre fiel e obediente aos seus legítimos Príncipes”. Temendo pela sua segurança o governador português Sebastião de Castro Caldas foge para Bahia, deixando no governo da capitania o bispo dom Manuel Álvares da Costa, que vem governar Pernambuco até 10 de outubro de 1711, quando é substituído por Felix José Machado de Mendonça Eça Castro e Vasconcelos. Este, nomeado pela Coroa portuguesa, aqui permanece até 1º de junho de 1715, quando retorna à Lisboa (Loreto Couto). No período do seu governo, Felix Machado, a propósito de um suposto plano para assassinar o governador, mandou prender e enviar ao Reino os principais responsáveis pelo primeiro levante, ao arrepio do perdão régio que lhes fora anteriormente concedido por D. João V, segundo bem esclarece Evaldo Cabral de Mello: “Pela portaria de 16 de fevereiro de 1712, o novo governador ordenou a João Marques Bacalhau que, com o auxílio dos oficiais da justiça e da milícia, procedesse à detenção de quinze indivíduos. A lista compreendia Leonardo Bezerra Cavalcanti; seus filhos Cosme e Manuel Bezerra Cavalcanti; seus irmãos Cosme Bezerra Monteiro, Manuel e Pedro Cavalcanti Bezerra; André Dias de Figueiredo e José Tavares de Holanda; João de Barros Rego; Bernardo Vieira de Melo e seu filho André; Matias Vidal de Negreiros; João de Barros Correia; Matias Coelho Barbosa; e Sebastião de Carvalho Andrade.” Recolhidos à cadeia do Limoeiro, em Lisboa, pouco se sabe do final do processo desses pernambucanos, mas tão somente o que nos informa Rocha Pitta, concluindo pela absolvição dos acusados, “fazendo embarcar só dois para a Índia em degredo perpétuo”. Ocorre, segundo pondera Evaldo Cabral de Mello (Fronda dos Mazombos; 1995), que quando a sentença absolutória vem a ser prolatada, “já havia poucos a perdoar, pois nada menos de oito presos haviam falecido no Limoeiro”. Graças às certidões de óbito fornecidas pelo vigário da paróquia de São Martinho, freguesia da Alfama, na qual localizava a cadeia do Limoeiro, “pode-se reconstituir esta intrigante sucessão de mortes”: Manuel Cavalcanti Bezerra (8.1.1714); Bernardo Vieira de Melo (10.1.1714); André Vieira de Melo (10.4.1715); Cosme Bezerra Monteiro (10.5.1715); João Luís Correia (9.6.1715); Matias Coelho Barbosa (13.4.1716); Manuel Bezerra Cavalcanti (11.9.1717); André Dias de Figueiredo (27.11.1718). Conclui José Antônio Gonsalves de Mello, que, pela interligação de um ideário de liberdade dos pernambucanos que remonta “à vitória sobre os holandeses e se renova não só em 1710, aqui referido, como ainda em 1817, 1824 e 1848. Dentro dessa linha de reivindicações, aqueles que pagaram então com a vida, nas celas do Limoeiro, seu ideal político de participação no governo de sua terra, estão na companhia de outros mártires pernambucanos como o padre João Ribeiro, frei Caneca e Nunes Machado”. Por conta da proclamação das República de 1817, treze presos foram condenados à morte. Quatro foram fuzilados em Salvador e nove foram enforcados no Recife, sendo depois seus corpos esquartejados, com as cabeças e mãos expostas em diferentes locais públicos de Pernambuco e da Paraíba, e os troncos amarrados e arrastados por cavalos até o cemitério. Morreram como consequência direta no envolvimento da revolução em 1817: No Largo do Erário (atual Praça da República), depois denominado de Campo da Honra, em 8 de julho de 1817, os capitães Domingos Teotônio Jorge Martins

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Cais do Imperador, novo ponto de encontro da cidade

Uma novidade surgiu recentemente no centro do Recife e vem atraindo um público romântico, ávido por um ponto de encontro para congraçamento de amigos e curtição da brisa, contemplando o entardecer refletido nas águas da bacia do Capibaribe. Assim surgiu, o Cais do Imperador, situado em frente à Praça Dezessete onde, em 22 de novembro de 1859, desembarcou o imperador D. Pedro II, acompanhado da imperatriz Tereza Cristina, em sua visita oficial a Pernambuco. O local, no passado denominado Cais do Colégio, foi hoje transformado em ponto de convívio, com a construção de uma esplanada, na qual se abriga um café com suas mesas, que, se devidamente explorada, poderá se transformar numa grande atração turística da cidade do Recife: Bastaria tão somente um barquinho, com um saxofonista da categoria de um Edson Rodrigues, para em um recital de meia hora, nos pôr em contato com as mais belas páginas musicais de exaltação de nossa cidade, compostas por Capiba, Nelson Ferreira, Luiz Bandeira, dentre outros autores, congregando assim os românticos frequentadores dos finais de semana. Neste local, quando de sua chegada ao Recife, teria Dom Pedro II exclamado: “Pernambuco é um céu aberto”. Ao que o redator do Diario de Pernambuco acresceu “na realidade, a Veneza Americana seduzia e encantava, pois, como mágica sereia estava deslumbrante de esplendores”. (DP 23.11.1859). No mesmo Cais do Imperador gozaremos da visão do entardecer do Bairro do Recife, destacando-se o Cais da Alfândega, as pontes Giratória e Maurício de Nassau, como se encantar nas águas do Capibaribe no seu caminhar em busca do oceano. Na mesma avenida, voltado para o nascente, ergue-se o grande monumento em mármore construído em honra aos aviadores portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, que, saídos de Lisboa a bordo do aeroplano Lusitânia, em 3 de março, aqui amerissaram nas águas Capibaribe, em 5 de junho de 1922, realizando assim a primeira travessia do Atlântico Sul em hidroavião. O monumento, esculpido por Santos & Simões – estatuários, foi ofertado pelos portugueses residentes em Pernambuco no ano de 1927. No outro extremo da Praça Dezessete (1817), iremos conhecer a igreja do Divino Espírito Santo próxima de uma fonte com uma estátua de uma índia, esculpida em mármore, representa a nação brasileira. Trata-se de uma oferta feita pela Companhia do Beberibe em 1846, em cujo pedestal foram posteriormente fixadas quatro datas ligadas à história de Pernambuco: 1654, Restauração Pernambucana; 1817, Revolução Republicana; 1824, Confederação do Equador; e 1889, Proclamação da República. No edifício da atual Igreja do Divino Espírito Santo funcionou, durante a dominação holandesa, o templo dos calvinistas franceses – o único templo religioso levantado pelos holandeses no Recife –, construído obedecendo ao traço do arquiteto Pieter Post e concluído em 1642. Em suas imediações ficava a Porta Sul da cidade Maurícia, chamada de Porta de Santo Antônio, por onde entraram as tropas luso-brasileiras quando da Restauração Pernambucana, ao meio-dia de 28 de janeiro de 1654. A primitiva igreja dos calvinistas franceses, construída em forma de cruz latina nos moldes da igreja reformada de Haarlem (Holanda), foi, após a rendição dos holandeses, entregue aos padres da Companhia de Jesus. Entre 1686 e 1689, o templo sofreu reformas, confiadas ao mestre-pedreiro Antônio Fernandes de Matos, que acresceu no seu lado direito o edifício do colégio (demolido para dar lugar ao último trecho da Rua do Imperador). Sob a direção dos padres jesuítas, o templo recebeu a invocação de Nossa Senhora do Ó. Em seu lado esquerdo, foi construída a Capela das Congregações Marianas, fundadas em 1687, que ostenta em sua fachada a data de 1708 e em seu altar-mor a imagem de São João Batista, trasladada em 1839 da igreja olindense daquela invocação, pertencente à irmandade dos militares de Olinda, e nunca mais devolvida. O Colégio dos Padres Jesuítas do Recife, demolido quando do prolongamento da atual Rua do Imperador, esteve em atividades até 1760, ano da extinção da ordem pelo Marquês do Pombal. Após à expulsão dos Jesuítas de Pernambuco, o edifício do antigo colégio teve várias destinações, inclusive como Palácio do Governo da Capitania e Tribunal da Relação, este último instalado em 13 de agosto de 1822. A sua igreja voltou ao culto católico em 1855, sob a invocação do Divino Espírito Santo e hoje permanece, escondida entre as árvores da praça, compondo a nova paisagem do Cais do Imperador, ponto de encontro dos finais de semana da cidade do Recife. *Por Leonardo Dantas

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O’linda! O teu nome bem diz…

Aos olhos de quem a contempla pela primeira vez, Olinda se apresenta povoada de sonhos e tomada pela claridade a ofuscar as retinas de quem chega: De limpeza e claridade é a paisagem defronte. Tão limpa que se dissolve a linha do horizonte. Carlos Pena Filho Aquele conjunto de colinas, que pouco interessou aos indígenas habitantes de suas redondezas antes da chegada do colonizador, fascinou o português que nele viu o local ideal para a construção de uma vila. Segundo a tradição recolhida pelo frei Vicente do Salvador, registrada na sua História do Brasil (1627), a denominação Olinda vem de um galego criado de Duarte Coelho, porque, andando com outros por entre o mato, buscando um sítio em que se edificasse [a vila], e achando este, que em um monte bem alto, disse com exclamação e alegria: O’ linda!. A versão já fora antes relatada pelo cristão-novo Ambrósio Fernandes Brandão, autor dos Diálogos das grandezas do Brasil (1618), que residiu em Olinda na segunda metade do século XVI, sendo repetida pelo franciscano frei Antônio de Santa Maria Jaboatão (1695-1779) e pelo beneditino dom Domingos do Loreto Couto (c.1696-c.1762), chegando o historiador inglês Robert Southey (1810) a atribuir a exclamação ao próprio Duarte Coelho: Oh! linda situação para se fundar uma vila!. Com a versão de frei Vicente do Salvador, que também residiu no convento franciscano de Olinda e começou a recolher anotações para sua História em 1587, não concorda o historiador Adolpho de Varnhagen que, meticuloso em suas conclusões, lembra que a denominação teria origem em Portugal: Nada mais natural que aquele nome fosse de alguma quinta, ou casa, ou burgo, por qualquer título caro ao donatário na sua pátria, e que ele no Brasil quisesse perpetuar […] Sabe-se também que Olinda era o nome de uma das belas damas na novela do “Amadis de Gaula”, cuja leitura estava então muito em voga, não faltando leitores que lhe davam fé, como em nossos dias se dá à história. Alfredo de Carvalho, em Frases e palavras (1906), ao concordar com Varnhagen, chama a atenção para a existência, nas cercanias de Lisboa, das freguesias de Linda-a-Pastora e Linda-a-Velha. A versão do frei Vicente do Salvador, corroborada por Ambrósio Fernandes Brandão, é a mais aceita para explicar o nascimento da primitiva capital de Pernambuco, cujo núcleo urbano parece delineado na carta de doação, assinada por Duarte Coelho, de 12 de março de 1537. Naquele documento, impropriamente chamado de Foral de Olinda, a nascente vila recebe do primeiro donatário as terras de serventia, para uso comum dos seus habitantes. Nele se faz menção à existência da Câmara, da Rua Nova (Bispo Azeredo Coutinho), das fontes de água potável, do Varadouro Galeota (onde aquela embarcação sofreu reparos) e do Arrecife dos Navios, porto da vila que veio a dar origem à cidade do Recife. Nome poético, surgido de uma leitura de novela; ou denominação saudosista, a relembrar um sítio perdido na toponímia portuguesa; ou ainda, exclamação de um criado de Duarte Coelho, oriundo da Galícia, perdido entre as matas de cajueiros que se espalhavam na planície arenosa, hoje ocupada pelos bairros do Rio Doce e Rio Tapado, tudo serve para explicar o que há no nome: Olinda. Os olindenses, porém, a exemplo dos seus avós, têm uma explicação própria para todo esse feitiço que toma conta de quem a conhece: Quem não viu Olinda, não amou ainda! Os cronistas que descrevem a Vila de Olinda no final da segunda metade do século XVI e nos anos que antecederam ao incêndio provocado pelos holandeses, na noite de 25 de novembro de 1631, são unânimes em proclamar as suas belezas naturais e a imponência do seu casario, dominados por ricos conventos, belas igrejas, a grandiosidade do seu colégio e o ambiente acolhedor de suas residências. Em sua narrativa, assinala o capelão holandês Johannes Baers, além das construções religiosas e do Colégio dos Jesuítas, alguns aspectos importantes da casa urbana olindense: As casas não são baldas, mas, cômodas e bem feitas, arejadas por grandes janelas, que estão ao nível do sótão ou celeiro, mas sem vidros, com belas e cômodas subidas todas com largas escadarias de pedra, porque as pessoas de qualidade moram todas no alto. Os umbrais de todas as portas e janelas são de pedra dura e pesada. Na visão romântica do oficial inglês Cuthbert Pudsey, que esteve a serviço da Companhia das Índias Ocidentais de 1629 a 1640, era Olinda uma cidade formosa, situada numa curiosa situação, de prazerosa perspectiva, com edifícios suntuosos, acompanhados por raros jardins com frutos e prazeres, fontes de uma água pura e maravilhosa. Uma visão de Olinda, no início do século XVII, nos é dada por Ambrósio Fernandes Brandão, em Diálogos das grandezas do Brasil (16l8): Dentro na Vila de Olinda habitam inumeráveis mercadores com suas lojas abertas, colmadas de mercadorias de muito preço, de toda a sorte em tanta quantidade que semelha uma Lisboa pequena. A barra do seu porto é excelentíssima, guardada de duas fortalezas bem providas de artilharia e soldados, que as defendem; os navios estão surtos da banda de dentro, seguríssimos de qualquer tempo que se levante, posto que muito furioso, porque têm para sua defensão grandíssimos arrecifes, a onde o mar quebra. Sempre se acham nele ancorados, em qualquer tempo do ano, mais de trinta navios, porque lança de si, em cada um ano, passante de 120 carregados de açúcares, pau-brasil e algodão. A vila é assaz grande, povoada de muitos e bons edifícios e famosos templos, porque nela há o dos Padres da Companhia de Jesus [1551], o dos Padres de São Francisco da Ordem Capucha de Santo Antônio [1585], o Mosteiro dos Carmelitas [1588], e o Mosteiro de São Bento [1592], com religiosos da mesma ordem. Na primeira metade do século XVII, a riqueza da capitania de Pernambuco, bem conhecida em todos os portos da Europa, veio a despertar a cobiça dos Países Baixos. A produção de 121 engenhos de açúcar, correntes e moentes, no dizer de van der Dussen, viria a

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O abandono da Maciel Pinheiro

Não é possível que o prefeito desta cidade do Recife, Geraldo Julio, depois de reeleito com expressiva maioria de votos no último pleito municipal, continue de olhos vendados para o abandono da Praça Maciel Pinheiro no bairro da Boa Vista. De alguns anos para cá, na Praça Maciel Pinheiro, reina o completo abandono e o descaso, não havendo quem se atreva a sentar em seus bancos nas manhãs ou mesmos nos fins de tarde e, muito menos, nas noites amenas do bairro da Boa Vista. Antes belo e bucólico, esse recanto daquele bairro foi transformado em “teto” dos moradores de rua, que lá espalharam os seus andrajos e entulhos, misturados aos viciados no crack e outras drogas, o que torna impossível a frequência de quem quer que seja. Em meio a tal abandono, a secular fonte encontra-se relegada ao descaso, fissurada pelos pregos que vez em quando nela são introduzidos, num verdadeiro atentado a esta cidade que se diz civilizada. Com seus 7,85 metros de altura, a velha fonte portuguesa, esculpida em Lisboa pelo renomado artista Antônio Moreira Ratto (1818-1903), que tem sua assinatura em vários monumentos que ornam praças e passeios de Lisboa, de Évora e do Rio de Janeiro, resiste à incúria do tempo e a agressividade dos homens. Trata-se do mais belo monumento do Recife, erguido em comemoração ao término da Guerra do Paraguai (1864-1870), ali instalado por subvenção popular, em 31 de março de l875, assim descrito pelo Diario de Pernambuco, em sua edição de 1º de abril: O chafariz mede da base, que é em forma de cruz e assentada em granito, até o cimo do emblema representando a América – uma cabocla selvagem – que o coroa, 7,85 m; à base sobrepõem-se quatro leões curvados sobre as patas, olhando aos quatro pontos cardeais e sustentando com suas cabeças uma grande bacia de 3,18 m de diâmetro. Sobre esta bacia quatro ninfas em pé, simetricamente dispostas em atitude de se banharem, recebem a água que desborda da segunda bacia que lhes sobre fica e que é menor do que a primeira, pois só tem 2,11 m de diâmetro. Cada uma das ninfas conta de altura com 1,60 m. A terceira e última bacia mede 1,80 m de diâmetro. No singular bairro da Boa Vista, a partir do ano da Revolução Russa de 1917, vieram fixar residência centenas de famílias de judeus askenazins emigrados da Bessarábia (Moldávia), Polônia, Ucrânia, Iugoslávia e de outras regiões do Leste Europeu. Tipos ruivos que logo ocuparam seculares casas e sobrados existentes nas ruas Velha, da Glória, de Santa Cruz, Leão Coroado, da Alegria, Visconde de Goiana, Marques Amorim, Barão de São Borja, do Jasmim, do Aragão, dos Prazeres, Visconde de Suassuna, dentre outras. Nos finais de tarde homens dessa comunidade faziam da bucólica Praça Maciel Pinheiro o seu centro de convívio, onde em animadas conversas, ou acaloradas discussões, se comunicavam, na língua anasalada do dialeto ídiche, tratando de temas da vida diária ou de recordações de suas terras de origem. Descendente desta comunidade a futura escritora Clarice Lispector (Chechelnyk – Rússia, 10 de dezembro de 1920 — Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1977), viveu sua infância, na casa de esquina com a Rua do Veras; uma escultura em cimento da escritora lá se encontra em obra recente do artista Demétrio Albuquerque (2006). O bucolismo da praça é assinalado pelo poeta Eugênio Coimbra Júnior (1905-1972) em um dos seus mais belos sonetos, cujos versos iniciais lá se encontram transcritos no painel em cerâmica no meio de um de seus canteiros: Cidade velha: em meio à praça, a fonte/Todo o jardim cercado de gradis./Maciel Pinheiro, queres que te conte?/Nem mesmo criança fui jamais feliz. Senhor Prefeito! Vamos recuperar esta joia que o passado do legou!

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