Colunistas - Página: 276 - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

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Meninos do Recife (por Joca Souza Leão)

O primeiro “serviço de extinção de incêndios” do Brasil surgiu aqui, no Recife. O do Rio de Janeiro foi inaugurado por Pedro II mais de 100 anos depois. Lembrei-me desse fato sem muita, ou nenhuma, importância – veja você como são as coisas do pensamento – porque me lembrei do poema Evocação do Recife, de Manuel Bandeira: (...) De repente nos longos da noite um sino Uma pessoa grande dizia: Fogo em Santo Antônio! Outra contrariava: São José! Eram os sinos das igrejas que chamavam os bombeiros e informavam ao povo o bairro que o fogo queimava. Sinos de São Pedro dos Clérigos, do Carmo e do Livramento? Incêndio em São José. Esse poema foi encomendado a Bandeira por Gilberto Freyre. “Encomendado como quem encomenda um pudim” – diria Gilberto em tom jocoso anos depois. Mas, pudim de quê? Ah! aí é que tá. Quem encomendou tinha outras receitas do Recife, mas não aquela. Pudim da infância cada um tem a sua. Única. E a de Bandeira, ainda menino, já era de poesia pura. Poesia nos nomes das pessoas e ruas (Como eram lindos os nomes das ruas da minha infância”); poesia nas casas; no Capibaribe; nos banheiros de palha de Caxangá. “Um dia eu vi uma moça nuinha no banho / Fiquei parado o coração batendo / Ela se riu / Foi o meu primeiro alumbramento.” Gilberto, por sua vez, planejava escrever um grande livro (já o imaginava grande) sobre a “História da Vida de Menino no Brasil” ou “À procura de um menino perdido”, esses os títulos provisórios escolhidos. Chegou a investir todas as suas economias na compra de livros para pesquisar a vida de crianças sob as mais diferentes culturas. Escreveu para Bandeira revelando o seu projeto e pedindo ajuda. Queria que o poeta investigasse o que havia sobre crianças no acervo da Biblioteca Nacional, o que havia de peças e brinquedos infantis no Museu Nacional, além de recorrer à sua cultura e memória musical: cantigas de ninar, de danças e de roda. “Esse estudo teria de começar pela vida de menino entre nossos índios. (...) Depois, sobre o background da criança dos colonizadores (brancos e negros) e os primeiros contatos das crianças de origem europeia com os bichos do Brasil, os papões e os mal-assombrados, os frutos, os pássaros etc...” Bandeira tinha ido de mudança com a família para o Rio aos 2 anos de idade. Voltou com 6 e aqui ficou até os 10 na casa do avô, na Rua da União. “Do Recife tenho quatro anos de existência consciente, mas ali está a raiz de toda a minha poesia” – disse ele em sua última longa entrevista, em ‘64. Veja só, amigo leitor. Do “Meninos do Brasil”, de Gilberto, cresceu e tomou corpo Casa Grande e Senzala; da encomenda atendida por Bandeira, com sua memória infantil e afetiva, nasceu Evocação do Recife. Obras-primas. Manu e Giba. Ah, esses meninos do Recife!

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O sonho de uma cidade-parque

No lançamento da Agenda TGI 2017, no final de novembro, tive a oportunidade de falar, pelo 18º ano seguido, sobre a retrospectiva do ano que está terminando e as perspectivas relativas ao ano que vai se iniciar para o mundo, o Brasil, Pernambuco e o Recife, conforme reportado na matéria de capa desta edição. No que diz respeito ao Recife, dei destaque aos avanços conseguidos em relação ao projeto Parque Capibaribe: o Jardim do Baobá, a Avenida Beira-Rio das Graças, Ativação da Capunga e o Cais do Imperador. Sobre o Jardim do Baobá, considerado o marco zero do Parque Capibaribe, mostrei como uma intervenção relativamente simples conseguiu derrubar os muros que emparedavam a árvore na beira do rio, o monumento vegetal que é o portentoso baobá, resgatando-o para a cidade e chamando tanto a atenção da população que passou a frequentar em massa o local. Em relação à avenida Beira-Rio das Graças, relatei a luta da associação de moradores do bairro pela adequação da via às diretrizes do Parque Capibaribe, a vitória conseguida e a aprovação pela prefeitura do novo projeto de uma via-parque prestes a ser licitada. Relativamente à Ativação da Capunga, destaquei a ação de urbanismo tático realizada no trecho da beira do rio que fica na frente da faculdade Uninassau e vai quase até os fundos do Quartel do Derby onde foram instalados equipamentos provisórios, mas dentro do espírito do Parque. Já no que diz respeito à recuperação do Cais do Imperador, mostrei as fotos do local onde desembarcou D. Pedro II em 1859, na frente do antigo Grande Hotel, agora reintegrado à cidade com uma cafeteria, do outro lado do Cais da Alfândega. Essas intervenções inserem-se na concepção do Parque Capibaribe que, por sua vez, insere-se na concepção do Plano Recife 500 Anos, uma abordagem consistente de planejamento de longo prazo para a cidade, pela primeira vez em muitas décadas, com um bônus adicional: o potencial (o sonho) de, pela extrapolação dos conceitos do Parque Capibaribe, transformar o Recife numa cidade-parque até 2037. No final da palestra, citei novamente Victor Hugo: “Nada como o sonho para criar o futuro. Utopia hoje, carne e osso amanhã”. É com ele que finalizo este último artigo de 2016 desejando aos leitores um ano novo de sonhos realizados, inclusive o de uma cidade com um futuro melhor. Que venha 2017!

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A morte é um dia que vale a pena viver

Vira e mexe meu irmão faz a mesma proposta, há anos: “Vamos jogar tudo pro alto, construir uma casinha numa praia deserta, levar toda a família e viver da caça e da pesca?” Romantismos, brincadeiras e devaneios à parte, no fundo no fundo, o desejo é real, não obstante pareça ser de praticidade utópica. Li um livro na última semana que me fez ligar para ele, assim, do nada: “E aí, Mamá? A proposta está de pé?” Expliquei-lhe que acabara de ler A Morte é um dia que vale a pena viver, da médica Ana Cláudia Quintana Arantes, pela editora Casa da Palavra. O livro, conquanto fale da morte, é, na verdade, uma lição de vida. Simplesmente impactou-me. Falamos pouquíssimo da morte, ou quase nada. Sendo essa a única certeza que temos, caro leitor, deveríamos conversar mais sobre o evento que se aproxima. Perdoe-me a franqueza, mas não há como negar. Ela vai chegar para ti também. Pensar na morte é um tabu. Mas Ana Cláudia é uma médica que especializou-se em cuidados paliativos e nos traz uma surpreendente reflexão sobre o assunto. A morte anunciada traz a possibilidade de um encontro veloz com o sentido da vida. Os cuidados paliativos não são apenas aqueles que aliviam o sofrimento físico e as sequelas do tratamento agressivo. Quando fecha-se o prognóstico de uma doença incurável e anuncia-se a proximidade da morte, a medicina costuma dizer que “não há mais o que fazer”. Cláudia prova no livro que a medicina sempre esteve errada. Sim, ainda há muito o que fazer. Porque muito embora não haja mais tratamento disponível para a doença, há muito mais a fazer pela pessoa que tem a doença. Sempre atrelei cuidado paliativo à sedação. Estava enganado. A narrativa nos convence que é possível ter uma morte natural, lúcida. Assim como existe o parto normal, pode existir a morte normal. Aquela que é sentida e vivenciada pela pessoa até o seu último suspiro, de forma consciente, digna. Existem meios adequados para que se alivie a dor, o sofrimento, permitindo à pessoa que vá embora despedindo-se de cada um dos seus, de forma serena, calma, tranquila, consciente. Cláudia especializou-se em ajudar as pessoas a morrer. A ter uma boa morte. A ter qualidade de vida na finitude humana. “A morte é um laboratório incrível”, diz ela. Especialmente porque, nesse corredor final, as pessoas costumam se despir de toda e qualquer vaidade, futilidade ou mentira. E, assim, as pessoas falam com a alma. Quer um conselho sábio sobre a vida? Peça a alguém que está morrendo. Esse sopro vital de sabedoria, bem perto da hora da saída, emerge para a consciência e ilumina os pensamentos com uma luz divina, uma lucidez absurda. E é neste ponto que Cláudia, através do seu trabalho, nos dá uma lição de vida ao falar dos arrependimentos dos seus pacientes. E eles são sempre os mesmos, amigo leitor. Seja qual for a sua situação financeira ou status social. Seja a pessoa um gari, médico, advogado, engenheiro, servente, carpinteiro ou psicólogo. O maior dos arrependimentos é sempre o de não ter realizado os seus próprios desejos. De não ter priorizado suas próprias escolhas e de ter feito escolhas para agradar os outros. Pode ser o mais poderoso ou o mais humilde dos seres humanos, ele estará arrependido no seu leito de morte se não fez aquilo que queria ter feito. O que deveria nos assustar não é a morte em si, mas a possibilidade de chegarmos ao fim da vida sem aproveitá-la. Sem fazê-la do nosso jeito. Não há motivo para temer a morte. Só há uma coisa a temer: não usar o nosso tempo da maneira que gostaríamos. O que estás a fazer com o tempo que tens? O que farás do tempo que te resta? Por sinal, quais são suas escolhas para 2017? Bom Natal e feliz Ano Novo!

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O abandono da Maciel Pinheiro

Não é possível que o prefeito desta cidade do Recife, Geraldo Julio, depois de reeleito com expressiva maioria de votos no último pleito municipal, continue de olhos vendados para o abandono da Praça Maciel Pinheiro no bairro da Boa Vista. De alguns anos para cá, na Praça Maciel Pinheiro, reina o completo abandono e o descaso, não havendo quem se atreva a sentar em seus bancos nas manhãs ou mesmos nos fins de tarde e, muito menos, nas noites amenas do bairro da Boa Vista. Antes belo e bucólico, esse recanto daquele bairro foi transformado em “teto” dos moradores de rua, que lá espalharam os seus andrajos e entulhos, misturados aos viciados no crack e outras drogas, o que torna impossível a frequência de quem quer que seja. Em meio a tal abandono, a secular fonte encontra-se relegada ao descaso, fissurada pelos pregos que vez em quando nela são introduzidos, num verdadeiro atentado a esta cidade que se diz civilizada. Com seus 7,85 metros de altura, a velha fonte portuguesa, esculpida em Lisboa pelo renomado artista Antônio Moreira Ratto (1818-1903), que tem sua assinatura em vários monumentos que ornam praças e passeios de Lisboa, de Évora e do Rio de Janeiro, resiste à incúria do tempo e a agressividade dos homens. Trata-se do mais belo monumento do Recife, erguido em comemoração ao término da Guerra do Paraguai (1864-1870), ali instalado por subvenção popular, em 31 de março de l875, assim descrito pelo Diario de Pernambuco, em sua edição de 1º de abril: O chafariz mede da base, que é em forma de cruz e assentada em granito, até o cimo do emblema representando a América – uma cabocla selvagem – que o coroa, 7,85 m; à base sobrepõem-se quatro leões curvados sobre as patas, olhando aos quatro pontos cardeais e sustentando com suas cabeças uma grande bacia de 3,18 m de diâmetro. Sobre esta bacia quatro ninfas em pé, simetricamente dispostas em atitude de se banharem, recebem a água que desborda da segunda bacia que lhes sobre fica e que é menor do que a primeira, pois só tem 2,11 m de diâmetro. Cada uma das ninfas conta de altura com 1,60 m. A terceira e última bacia mede 1,80 m de diâmetro. No singular bairro da Boa Vista, a partir do ano da Revolução Russa de 1917, vieram fixar residência centenas de famílias de judeus askenazins emigrados da Bessarábia (Moldávia), Polônia, Ucrânia, Iugoslávia e de outras regiões do Leste Europeu. Tipos ruivos que logo ocuparam seculares casas e sobrados existentes nas ruas Velha, da Glória, de Santa Cruz, Leão Coroado, da Alegria, Visconde de Goiana, Marques Amorim, Barão de São Borja, do Jasmim, do Aragão, dos Prazeres, Visconde de Suassuna, dentre outras. Nos finais de tarde homens dessa comunidade faziam da bucólica Praça Maciel Pinheiro o seu centro de convívio, onde em animadas conversas, ou acaloradas discussões, se comunicavam, na língua anasalada do dialeto ídiche, tratando de temas da vida diária ou de recordações de suas terras de origem. Descendente desta comunidade a futura escritora Clarice Lispector (Chechelnyk - Rússia, 10 de dezembro de 1920 — Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1977), viveu sua infância, na casa de esquina com a Rua do Veras; uma escultura em cimento da escritora lá se encontra em obra recente do artista Demétrio Albuquerque (2006). O bucolismo da praça é assinalado pelo poeta Eugênio Coimbra Júnior (1905-1972) em um dos seus mais belos sonetos, cujos versos iniciais lá se encontram transcritos no painel em cerâmica no meio de um de seus canteiros: Cidade velha: em meio à praça, a fonte/Todo o jardim cercado de gradis./Maciel Pinheiro, queres que te conte?/Nem mesmo criança fui jamais feliz. Senhor Prefeito! Vamos recuperar esta joia que o passado do legou!

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Estados fracassados?

À grave situação fiscal que afeta a União some-se agora a crise financeira que atinge o conjunto dos Estados brasileiros, embora haja substanciais diferenças quanto ao grau de dificuldade e de desempenho da gestão fiscal entre as unidades federadas. A crise financeira dos Estados brasileiros que assume colorações fortemente dramáticas no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, mas não em Pernambuco, é estrutural em sua essência. A recessão econômica só fez agravar e revelar com ênfase uma situação que vinha se deteriorando gradativamente ao longo do período 2007-2015. A perda de arrecadação própria e de transferências da União comprometeu as receitas dos Estados. Todavia, esta não foi a causa da crise. Apenas piorou o que já era ruim. O principal vilão da crise é o crescimento dos gastos com pessoal, especialmente com os inativos. As despesas com servidores públicos no conjunto dos Estados aumentaram 43% acima da inflação entre 2009 e 2015. E o déficit com inativos elevou-se 64% durante o mesmo período aumentando de R$ 47 para R$ 77 bilhões. Não houve aumento significativo no número de servidores públicos ativos para o conjunto do País. A elevação dos gastos com pessoal deveu-se mais ao aumento de inativos e do salário médio. Em 2015, oito Estados tiveram os limites globais de comprometimento da Receita Corrente Líquida com pessoal bem acima do teto de 60% estabelecida pela Lei de Responsabilidade Fiscal, destacando-se Minas Gerais (78%) e o Rio Grande do Sul (71%). Pernambuco comprometeu apenas 53% porque fez bem o dever de casa. Esse estouro ocorreu apesar da definição do que está contido ou não nos limites ter sido, em anos recentes, flexibilizada pelo Senado Federal e pela vista grossa dos Tribunais de Contas dos Estados. Houve também um aumento do endividamento financeiro dos Estados com bancos públicos e agências multilaterais, especialmente entre 2007 e 2014. Esses recursos foram captados para investimento, mas, de fato, substituíram receita própria que teria essa finalidade e que foi deslocada para aumentos de pessoal e custeio da máquina pública. Parte do investimento foi financiado por empréstimos e não por recursos próprios. A terceira causa da crise dos Estados repousa na substantiva renúncia fiscal incorrida para atrair ou manter empresas nos seus territórios, conhecida como guerra fiscal. Os benefícios fiscais incidem em sua maioria sobre o ICMS, o principal imposto de titularidade dos Estados. Há inúmeros benefícios que se caracterizam por isenções, redução da base de cálculo e créditos que drenam recursos dos cofres estaduais. Alguns desses benefícios foram concedidos à margem do Conselho de Política Fazendária (Confaz) que exige unanimidade dos Estados para serem aprovados. No caso do Rio de Janeiro, de longe o Estado com a situação fiscal mais crítica, houve o uso de rendas do petróleo (royalties), um recurso volátil e finito, para financiar despesas permanentes como o pagamento de aposentadorias e pensões dos servidores públicos. É um princípio saudável da política fiscal que gastos recorrentes não devam ser financiados por receitas extraordinárias ou incertas no seu valor e duração. Isso, no entanto, foi o que ocorreu no Rio de Janeiro onde as despesas com pessoal cresceram durante o período 2009-2015, sem descontar a inflação, 146,6%. Retirado o efeito da inflação (45,4%), o crescimento real da folha de pagamento dos servidores públicos, ativos e inativos, do Rio de Janeiro cresceu 101,2%, o que significa que os gastos com pessoal dobraram em termos reais em seis anos. Esse crescimento mostrou-se insustentável, revelando uma gestão fiscal temerária. Quais são as saídas? Reformar a previdência pública dos Estados; criar uma limitação constitucional para o crescimento dos gastos primários, ou seja, limitar o crescimento real do gasto público primário estadual com mecanismo, se não igual, semelhante à contida na PEC dos gastos do Governo Federal; acabar com o princípio do destino na cobrança interestadual do ICMS extinguindo a guerra fiscal; e, fortalecer e ampliar a Lei de Responsabilidade Fiscal para evitar alguns abusos como o uso de royalties para financiar despesas permanentes. As medidas são duras, mas é melhor encarar esses desafios do que ter de conviver com Estados fracassados onde há uma dissociação entre realidade jurídica e empírica, onde as estruturas de governança não funcionam e onde as instituições e as principais funções do Estado colapsam.

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Nos Passos de Fiszel Czeresnia (Por Paulo Caldas)

São incontáveis os livros que enfocam a trajetória do autor. Textos memorialistas familiares, autorreferentes, espécies de odisseia de uma vida bem sucedida, seja no universo dos negócios ou a narrativa de currículos vitoriosos de um magistrado ou profissionais outros, Narcisos sem espelho, que tecem arrazoados cabotinos publicados quase sempre com títulos de parca imaginação. Existe até quem prefira relatos turísticos com abordagens superficiais vistos pelos olhos da vaidade Todavia, quem tiver nas mãos “Nos passos de Fiszel Czeresnia”, vai encontrar um texto légua e meia distante desses exemplos citados. O livro, de autoria do pernambucano radicado no mundo Fernando Dourado Filho, não obstante conter narrativas de fatos vivenciados pelo autor, mostra pelo seu olhar arguto, como define a orelha assinada pelo cientista político Luiz Felipe D'Ávila, as experiências de um garoto que cumpriu temporadas de estudos na Europa e que, aos 20 anos, já visitara trinta países e falava cinco idiomas. As crônicas, narrados na perspectiva da primeira pessoa, técnica que seduz o leitor para o interior das cenas, acompanharam o amadurecimento do escritor e seu caminhar profissional por alguns dos 160 países visitados, aferindo usos, costumes, gostos e preferências, muitas dessas análises descritas em centenas de artigos sobre o tema. Fernando Dourado escreveu o que realmente vivenciou, passo a passo, até pisar nas pegadas do amigo-herói Fiszel Czeresnia, a partir de Stopnica na sofrida Polônia. Enumerar aqui os países, paisagens, fatos significativos, seria tirar do leitor o gosto de caminhar com o autor página por página, compartilhando particularidades de Angola ao Peru, do Paquistão ao Quénia, de Paris a Garanhuns, o berço, onde aceitou cumprir a saga das Letras. Do ponto de vista da estética, o livro mostra invejável riqueza vocabular, destreza no manejo das metáforas, alegorias e cuidados com as minúcias na descrição dos personagens, detalhes que passariam ao largo não fosse Fernando Dourado Filho possuidor de vastos recursos narrativos, sabedor que a literatura esconde as nuances para que o leitor sutilmente as descubra. O roteiro da obra faz das cenas espécie de estações de uma ferrovia imaginária, de paradas agradáveis, de peculiaridades exibidas naturalmente, trazendo de forma subliminar seus caracteres antroplógicos, sociológicos, de psicologia social e políticos. Cabe uma singela critica ao uso de palavras em idiomas menos conhecidos, o que aqui e ali impele prospectar dicionários. Outro pequenino reparo recai no emprego continuado de pronomes em pequenos trechos da narrativa, algo que por certo não tira o brilhantismo de uma obra bem feita, de conteúdo maduro e técnica requintada.

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Tá calor? 5 cervejas pra matar a sede (por Rivaldo Neto)

Com esse forte calor que hoje está fazendo nada melhor que uma boa cerveja para que possamos matar a sede e bater um papo em uma roda de amigos. Temos por costumes tomarmos cerveja quase sempre estupidamente gelada. Com cervejas artesanais e bebidas que contém insumos de melhor qualidade, essa necessidade do “estupidamente” não é tão necessária assim. Como sabemos, uma bebida muito gelada impede de sentirmos alguns sabores que esses rótulos proporcionam. Lógico que vez por outra cai muito bem, mas se existem possibilidades mais interessantes de fazer com que seu happy-hour, praia, churrasco ou confraternização no final de ano seja regado a novas experiências. Quais tipos de cervejas podemos implementar nessa época do ano, cheia de comemorações e sol a pino? Existem alguns rótulos artesanais que podem proporcionar o mesmo frescor de uma ‘loira gelada’ só que com muito mais sabor e complexidade. Neles, a sensação de frescor vem dos aromas cítricos, baixo corpo e teor alcoólico, uma acidez mais elevada e, no caso das cervejas secas, ausência de doçura. Estilos como witbier, bohemian e german pilsener, as weiss e lambics frutadas, sessions são boas apostas. Vamos listar 5 cervejas para essa época. Uma cerveja que é uma autêntica German Pilsner é a tradicional Bitburguer. Corpo leve e com 4,8%Vol. A bebida segue rigorosamente a lei de pureza alemã onde são insumos principais água, lúpulo, malte e levedura. Ela é frutada e com um certo aroma de biscoito. Amargor leve e ideal para se comer com um bom joelho e porco ou alguma linguiça mais apimentada. Me surpreendi com a Júpiter Tânger, da cervejaria Paulistana. Tem um estilo belga, frutada, com aroma de tangerina e cominho. Cerveja extremamente interessante, uma witbeer bem leve, contendo 4,0%Vol, com uma espuma consistente e liquido na cor amarelo palha e um pouco turva. Realmente um bela cerveja! Em homenagem ao eterno Antônio Carlos Bernardes Gomes, mais conhecido como Mussum, Sandro gomes, filho do comediante e sócio da cervejaria Ampolis, produziu a Biritis. Uma Vienna Lager muito refrescante e ideal para dias quentes. Tem a cor viva a alaranjada, um malte delicioso, com aromas e maltes muito bem “equilibradis” e com 4,8%Vol. A cervejaria Wals produz a melhor Pilsen do mercado brasileiro. Com 5,0%Vol, bem ao estilo Bohemian Pilsener, com um gosto acentuado de malte e uma boa dose do lúpulo Saaz. Resultou em uma cerveja com muito equilíbrio fazendo jus a tradição desta cervejaria que vem ganhando cada vez mais destaque e arrebatando prêmios com toda justiça. E pra finalizar uma cerveja Sour Ale muito interessante. Não se assustem com o nome, a Way Sour Me Not Acerola é muito leve, refrescante com 3,5%Vol, leve amargor e um frutado de acerola em destaque, bem cítrica e modernamente ácida. Se o chegou o verão beba com mais qualidade sempre que possível, seu paladar agradece com toda certeza! *Rivaldo Neto (rivaldoneto@outlook.com) é designer e cervejeiro gourmet nas horas vagas

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Experimente uma cerveja híbrida!

No meio dos variados estilos de cervejas onde estão as Lagers e as Ale, cervejas de baixa a alta fermentação respectivamente, existe um estilo híbrido, onde seus ingredientes e processos de produção divergem dos estilos mais tradicionais. São as cervejas que chamamos de Light Hybrid Beer, e se dividem em 4 estilos: Cream Ale, Blonde Ale, Kölsch e American Wheat / Rye Beer. A Cream Ale por exemplo é uma cerveja que nasceu nos EUA e do encontro do estilo American Pale Ale com a soma de adjuntos de cereais não maltados (milho ou arroz), além de leveduras de cervejas da grande família Lager. As Cream Ale têm, predominantemente, aquele delicioso aspecto claro e límpido, e um corpo muito leve. No geral é uma cerveja que possui um equilíbrio é verdade, mas com sabor no qual o lúpulo e o malte não são predominantes. Um exemplo é a Wexford Irish Cream Ale que contém a mesma cápsula de nitrogênio dentro da lata, com a Guiness. Cor marrom clara e 5,0%vol e possui um sabor suave de frutas com um toque sutil de lúpulo. É levemente caramelizada e com uma bela espuma consistente. Já as Blode Ale são naturais da Bélgica, e foram criadas a partir das cervejas de Abadia que são mais robustas, intensas com toques fortes dos insumos presentes na sua produção. Dessa variação criou-se este estilo, pois trata-se de uma cerveja mais clara e menos amargas. Há uma grande harmonia entre seu teor alcoólico, sua presença de lúpulo e de malte. Elas têm a cor variando do amarelo palha ao dourado, com espuma branca, densa e duradoura. A Leffe define bem esse estilo é seca e bem frutada. Bastante encorpada e cremosa, com um aroma bem sutil e um pouco doce no final, tem uma cor amarelo ouro e 7,0%Vol. Uma curiosidade é que ela foi criada em 1240 por clérigos da abadia de Leffe, a marca teve sua produção interrompida após a Revolução Francesa, até que, na década de 1950, Abbot Nys e Albert Lootvoet reativaram a receita original. A cultura alemã em relação as suas cervejas é de puro orgulho, nota-se isso claramente quando as cervejas produzidas numa referida cidade ou região dá nome a um determinado estilo. Esse é o caso da Kölsch Bier, produzida em Colônia, na Alemanha. O estilo Kölsch segue uma tradição que remonta ao século 14 e tem como principais características a coloração clara, alta carbonata ção, leveza e refrescância. A cerveja Früh Kölsch , com 4,8%Vol, tem cor dourada clara com uma espuma fina de curta duração. Aroma leve e límpido com notas adocicadas de malte tipo pão, bom lúpulo floral com um amargor médio. Carbonatação na medida certa. Uma clássica cerveja bem ao estilo. E pra finalizar temos o estilo American Wheat. Cervejas de trigo geralmente são associadas aos principais estilos como o Weizenbier ou Hefeweizen (Weiss), ambas de origem alemã, e as Witbier, produzidas na Bélgica e na Holanda. A Weizen são mais intensas com sabores de cravo e aWitbers são mais cítricas e mais leves também. Aí onde entra as Americans Wheat, estilo que surgiu nos EUA em meados da década de 1980. Digamos que é uma cerveja de trigo “reduzida”, pois não tem as fortes características das alemãs. São mais leves, claras e refrescantes e com pouca espuma. A diferença entre os dois estilos também está na origem e na quantidade de maltes e lúpulos. Enquanto as Weizen alemãs quase não levam lúpulo, as Wheat são mais amargas e utilizam maltes e lúpulos americanos em suas receitas, o que pode trazer um sabor mais cítrico e de especiarias. A excelente cervejaria americana Anchor produz uma ótima American Wheat. A Anchor Summer Ale é clara e leve. Uma autêntica cerveja de trigo ao estilo americano: filtrada para ficar mais leve e refrescante. Ela é de amargor médio, com 4,5%Vol, dourada e um boa dose de lúpulos herbais. Excelente cerveja! Então se quiser sair do comum e variar em tipos mais soltos sem regras e que flutuam entre os estilos, as Light Hybrid Beer é a sua melhor opção. *Rivaldo Neto (rivaldoneto@outlook.com) é designer e cervejeiro gourmet nas horas vagas

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As cervejas Tchecas, tradição secular (Por Rivaldo Neto)

O país do Leste Europeu é o maior consumidor de cerveja por habitante no mundo. Com uma média de cerca de 143 litros de cervejas por ano. No Brasil, o consumo da bebida por habitante é de 62 litros, os Tchecos mais que o dobro. Com essa tradição e esse enorme consumo per capita, a República Tcheca é um dos países mais importantes na fabricação da bebida, sempre inovando com excelentes receitas tradicionais. Mas vamos dar uma rápida passada em algumas de suas tradições para entendermos essa paixão pela bebida. A República Tcheca, em 1265 fazia parte da região da Boêmia, do então Rei Otakar II, sendo assim, a cidade de Ceske Budejovice recebeu o direito de ter e produzir a sua própria cerveja. Em 1895 foi formalizada como produtora de cerveja oficial a Budejovice Pivovar, que hoje fabrica a conhecida Pilsen Czechvar (ver abaixo), uma das mais tradicionais Pilsens do mundo. Os cervejeiros da cidade de Pilsen, na Boêmia, em meados de 1840, produziam em sua maioria cervejas de alta fermentação, as chamadas ALE, com cores mais escuras e teor alcoólico mais robusto. Então os produtores locais se reuniram para criar uma um outro tipo de cerveja e que essencialmente permitisse utilizar insumos da região, e com isso permitindo a elaboração de sabores e aromas diferentes. O “start” foi dado quando em 1842 foi lançada a primeira receita da Pilsner Urquell (ver abaixo), bebida essa que se caracterizou como leve e refrescante e totalmente diferente do que era encontrado no país na época. Foi um sucesso entre os produtores e pela população. Depois dessa rápida introdução, vamos conhecer alguns dos rótulos que os cervejeiros de plantão não podem deixar de conferir. Vamos começar pela Cerveja Bernard Celebration Lager, uma legítima representante das excelentes Pilsens da Boêmia. A Bernard realmente surpreende. Uma cerveja com redondos 5,0%Vol, é muito leve, refrescante e cristalina, um amargor bem na medida certa, tem um bom malte e um destaque no processo é que a mesma não utiliza a pasteurização e sim uma microfiltragem e refermentação feitas na própria garrafa. Uma dica é tomá-la com uma tábua de frios com queijos e salames. A tradicional Czechvar Cerveja classificada como uma Pilsen tradicional, com os mesmos 5,0%Vol e produzida com lúpulos especiais e, por esse motivo, apresenta um discreto amargor suave. A sua produção leva lúpulos inteiros da variedade Saaz e maturada por pelo menos 90 dias, o resultado é uma babida dourada, clara, cristalina com boa formação de espuma. Traços florais (característicos do lúpulo Saaz no aroma) e paladar seco de malte abiscoitado, dão uma ótima sensação e com o final levemente malteado. Outra dica de destaque é a Cerveja Primator Premium. Ela é uma Pilsen feita pela cervejaria Nachód, que foi eleita a melhor do país em 2007. Possui coloração dourada, aroma de lúpulo, espuma branca, densa e persistente e de média carbonatação e com 5,0% Vol e bem equilibrada. A cerveja Lobkowicz, é outra Pilsen com 4,7%Vol. É feita com uma pura água dos poços artesianos da cervejaria e cevada da Boêmia que é transformada em malte. Tem uma coloração mais acobreada e com uma generosa porção de lúpulo Saaz, conhecido pelo seu aroma. A adição desse insumo, segundo o fabricante e feita com as mãos. Finalizando com a Pilsner Urquell, uma cerveja dourada, saborosa e com teor alcoólico mais baixo 4,4%Vol, o que permite que ela seja considerada mais leve e refrescante. Outra Boêmia Pilsen que harmoniza perfeitamente com frutos do mar fazendo um contraponto delicioso. E como dizem os Tchecos “Dej Bůh Štěstí” (Deus conceda alegria e sorte). *Rivaldo Neto (rivaldoneto@outlook.com) é designer e cervejeiro gourmet nas horas vagas

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Legião Anônima: uma degustação do texto (Por Paulo Caldas)

Campo fértil à criação artística, Pernambuco sempre se destacou em todas as formas de expressão. No campo da literatura, por exemplo, a cada ano surge uma safra de bons frutos nesta “Roma de bravos guerreiros”: uns amadurecem no pomar da prosa, outros no dos versos, e até aqueles que frutificam dos dois lados, caso do escritor João Paulo Parísio. Este é um que pratica uma escrita nascida madura. No seu "Legião anônima" (Cepe Editora, 2014), está explícita tal constatação. Como bem observado pelo escritor Raimundo de Moraes, na orelha do livro, “Ao atender o convite de João Paulo Parísio, o leitor vai entrar nessa legião anônima de anjos que rastejam em sarjetas. Mulheres mortas que deslizam num rio igualmente cadáver, outras que se afogam no próprio desamor e homens de barro que podem desmanchar-se no rolar de uma lágrima”. No texto do livro é visível a destreza de Parísio no manejo de um vocabulário amplo, na aposição exata de cada palavra em seu lugar e até minúcias da técnica ficcional. Quanto ao apelo do conteúdo, recorro ao “Monólogo da camélia”, página 51, conto escolhido para a análise, o autor adere à narrativa na primeira pessoa, o que traz o leitor para o interior da cena, está dito: "toda puta tem algo de sacerdotisa, de sibila, de pitonisa, que as paisanas não têm; menos ainda agora que perderam o fascínio das vestais: a castidade", e arremata: "é por essas e outras que a nossa classe sobrevive, como certas espécies epidêmicas: a adversidade é o nosso bioma. Somos gratas às moças de família - essas sim,  vias de extinção," e fecha a ideia: "Somos parte da mesma dieta, mas não nos comemos". Mais adiante, de braços com a ironia, a personagem sacramenta. "Bem- aventurado as freiras que nos renegam cheias de inveja e as carolas que despertam a curiosidade sobre nós na cabeça dos meninos tenros, tornando-nos proibidas, irresistíveis ainda que proibitivas”. “É certo, pois que através de nós a sociedade elimina suas impurezas”..., “Somos a válvula de escape, a abertura do esfíncter”, afirma a personagem. É possível, prazeroso até, citar outros trechos elogiáveis do conto, mas seria maximizar a degustação. Contudo façamos este mimo extra ao leitor: “a nossa dignidade está escrita na testa, com a marca da besta. Por isso os egípcios nos veneravam e os japoneses, tão assépticos na vida e na morte, cultivam camélias”. E finalizando a personagem adverte: “Humanidade devora-me ou eu decifro-te”. Para não dizer que omitimos pequeninas imperfeições, há uma observação sobre a voz da protagonista, uma vez que ela faz uso dos pronomes oblíquos, refinando o discurso, não obstante ocupar um espaço inferior na estratificação social. No universo da poesia, Parísio tem publicado “Esculturas fluidas” (Cepe Editora, 2014) com uma primorosa apresentação gráfica, apresentado por Laura Moosburger, professora da USP que se dedica à interface entre a Filosofia, Literatura e Poesia.    

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