"Com Trump, a Europa terá que se aproximar da China e do Brasil. Criamos um programa para abrir mercados via Portugal". - Revista Algomais - a revista de Pernambuco
"Com Trump, a Europa terá que se aproximar da China e do Brasil. Criamos um programa para abrir mercados via Portugal".

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Paulo Dalla Nora Macedo, economista e restaurateur, lançou, com o jornalista Guilherme Amado, o projeto Lisboa Connection, que estreia em junho um videocast e terá outros produtos com o intuito de fazer conexões do empresariado brasileiro com o mercado europeu a partir de Portugal. Ele afirma que a conjuntura atual, com os EUA se distanciando do Velho Continente, é propícia para esses negócios.

Quando o economista Paulo Dalla Nora Macedo abriu o restaurante Cícero, na capital portuguesa, além de surpreender na decoração – composta por várias obras de artistas modernistas, a maioria pernambucanos – ele também inovou ao promover no bistrô debates com personalidades da cena política, artística e econômica. Agora, em parceria com o jornalista Guilherme Amado, ele leva essas conversas, a partir de junho, para o YouTube no videocast Lisboa Connection.

Entretanto, ele inovou mais uma vez porque não se trata de um mero programa de entrevistas. “O videocast é a âncora do projeto”, distingue Macedo. Foram estruturados também outros produtos com objetivo de contribuir com negócios que desejam atuar na Europa. A ideia é fazer de Portugal uma conexão para o Velho Mundo. Haverá entrevistas mais curtas para o LinkedIn, abordando o ecossistema de inovação e, numa outra vertente, será realizado um seminário imersivo, para um grupo de empresários interessados em se posicionar no mercado europeu.

Antes mesmo de o videocast estrear, o projeto foi lançado na residência do advogado Kakay (Antônio Carlos de Almeida Castro) e contou com convidados estrelados, como os ministros do STF Gilmar Mendes e Dias Toffoli; o presidente da Câmara dos Deputados Hugo Mota; os ministros José Múcio e Ricardo Lewandowski; e o presidente da Embratur, Marcelo Freixo, entre outros. O Lisboa Connection chega num momento oportuno, quando o presidente Donald Trump se distancia da Europa, num movimento que, segundo Macedo, levará o continente a buscar novos parceiros. Nesta entrevista a Cláudia Santos o empresário explica o seu novo projeto e analisa a conjuntura internacional.

Qual a proposta do projeto Lisboa Connection?

Esse projeto surgiu a partir do restaurante que tenho em Lisboa, o Cícero, onde já organizamos debates com a participação da imprensa brasileira e portuguesa e convidados do meio político, cultural e empresarial de Portugal e do Brasil. Chegamos a fazer mais de 15 debates com convidados como José Manuel Durão Barroso, ex-presidente da Comunidade Europeia; Gilmar Mendes (juiz do STF), Antônio Grassi (ator), enfim, muitos artistas, políticos e empresários já participaram e isso foi ganhando maturidade.

Então, fui procurado por Guilherme Amado, jornalista de política brasileiro, que estava com a ideia de lançar um canal no YouTube, e eu disse a ele que já tinha um projeto desenhado e com nome registrado. Assim, surge o Lisboa Connection, que tem esse nome porque pensamos em Lisboa como um ponto de conexão para negócios do Brasil na Europa, mas não é o destino final, porque Portugal é uma economia muito pequena. O projeto não trata apenas das relações Brasil/Portugal.

Eu disse a Guilherme: “tem que ser um programa que faça conexão para abrir mercados via Portugal para a comunidade europeia, ainda mais porque, nos próximos dois anos, o presidente do Conselho da Europa (o segundo cargo mais importante da instituição) é o antigo primeiro-ministro de Portugal, o Antônio Costa”. Ele topou a ideia e fomos buscar patrocinador para o programa. Em dezembro, conseguimos o patrocínio da Embraer, que é empresa brasileira que mais exporta tecnologia e tem presença forte e crescente na Europa, principalmente com aviões na área de defesa e de carga. Anunciamos o videocast recentemente e ele vai ao ar em junho.

A âncora do projeto será o videocast que, na primeira temporada de um ano, terá 14 episódios, que são entrevistas de 25 minutos com personagens fundamentais da relação Brasil/Europa, não só políticos, mas também empresariais, culturais, etc. Além do videocast, haverá produtos específicos segmentados como entrevistas mais curtas para o LinkedIn, abordando negócios e o ecossistema de inovação, que tem uma conexão forte com a Europa, especialmente com Portugal, que virou um hub de inovação por causa do Web Summit, um dos maiores eventos de tecnologia do mundo que acontece em Lisboa há mais de 10 anos.

Teremos entrevistas, por exemplo, sobre desafios e oportunidades proporcionadas pela inteligência artificial. Na área de cultura, também teremos conteúdo para o Instagram, com novos serviços e produtos voltados para essa área, desde seminários e conversas no Brasil, como, por exemplo, para pessoas do setor de cultura e inovação que queiram vir para Portugal. Quando eu digo cultura é TIC (tecnologia, inovação, comunicação).

Outra vertente é um seminário imersivo em que montamos um roteiro de viagem para um grupo de empresários interessados em se posicionar no mercado da Europa. Isso será articulado com entidades, como Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimento) e Sebrae, e será setorizado, ou seja, empresários do segmento de moda e inovação, por exemplo, que possam investir numa viagem de cinco dias vão conhecer um pouco o ecossistema, conversar com interlocutores do setor público e futuros parceiros.

Como o projeto se encaixa neste momento de posicionamento unilateral do Governo Trump, com novas configurações geopolíticas com a Rússia e alijamento da Europa?

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Encaixa-se muito bem, porque a Europa está precisando fortalecer amizades. O Brasil já é amigo da Europa, mas precisa estar mais próximo ainda porque ela está numa fase de extrema solitude. Ela contava sempre com os Estados Unidos na defesa da soberania e da garantia de segurança e isso acabou. Agora, países europeus precisam urgentemente se aproximar mais de outros blocos. Isso é uma das coisas que ajudou, inclusive, a conclusão do acordo com o Mercosul. Vamos assistir a uma aproximação da China com a Europa porque a Europa está sozinha, neste momento, e não tem capacidade de bancar, por exemplo, a estrutura de defesa de que precisa porque passou 80 anos confiando nos Estados Unidos.

O único país que tem exército de verdade, na Europa, é a França, por incrível que pareça. Nos outros países, a estrutura militar de defesa é muito fraca porque se fiaram na estrutura norte-americana durante décadas, só que essa aliança com os EUA acabou, eles vão ter que reconstruir aproximações. Com Trump, a Europa terá que se aproximar da China e do Brasil, que é um componente importante no jogo político mundial do ponto de vista de defesa, pois tem alguma relevância na área de aviação. Só há cinco países do mundo que produzem avião: Brasil, China, França, Estados Unidos e Canadá. Então, a importância estratégica do Brasil já começa aí.

Por exemplo, se os EUA não quiserem mais vender avião para Europa, nem de carga, ela vai comprar do Brasil ou da China ou da França, que sozinha talvez não tenha capacidade de atender à demanda. O Brasil tem avançado também nas áreas de defesa, de sistema, de tecnologia, etc. Há também o braço de comércio que, diante das barreiras tributárias dos Estados Unidos com a Europa, terá que buscar vários produtos no Brasil, China e Índia. Se essa guerra dos EUA com a Europa esquentar – e eu acho que vai – vários produtos nos quais os Estados Unidos são líder de fornecimento, a Europa vai ter que buscar em outro lugar.

Até antes da eleição de Trump, o Brasil estava com algumas “rusgazinhas” com a Europa, devido ao seu posicionamento na guerra da Ucrânia. Assim como a China e a Índia, a posição do Brasil condenava a Rússia mas, ao mesmo tempo, tinha um tom de crítica à expansão da Otan. Não era como os Estados Unidos, que deu total apoio à Ucrânia. É engraçado como as coisas mudam. Agora, a Europa vai ter que se aproximar de China, Índia e Brasil, cuja posição de apoio crítico à Ucrânia é a melhor possível para a Europa, porque os Estados Unidos viraram um aliado desavergonhado da Rússia. A Europa está sendo pressionada pelos dois países. Recentemente Lula falou com Macron e confirmou que fará uma visita de Estado à França nos dias 6 e 7 de junho. Isso é totalmente efeito de Trump.

Como fica a relação com o Mercosul? O tratado de livre comércio com a União Europeia foi concluído em dezembro, mas ainda precisa de aprovação de pelo menos 15 estados membros, do aval do Parlamento Europeu e Macron está numa posição crítica em relação a esse acordo.

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Foto: Ricardo Stuckert / PR

Nesse cenário com os Estados Unidos, a chance de o acordo sair é muito grande. O problema da França é que tem um público interno com pouquíssima relevância econômica, mas com enorme relevância cultural e eleitoral, que é o agricultor, e criou-se um mito de que esse acordo estaria estimulando bandeiras contra o agricultor francês. Então, é algo muito delicado para o Macron porque ele está sendo atacado politicamente pela extrema direita, que usa esse acordo para dizer que vão acabar com a agricultura na França.

Mas, na verdade, o que há no acordo, por exemplo, é a exportação de carne sem taxa. Do ponto de vista objetivo, o que foi desenhado há 15 anos, não tem efeito. Isto porque o Brasil já exporta 75 mil toneladas de carne para a França e o acordo estabelece 60 mil toneladas. Então, a quantidade exportada não vai mudar porque hoje o País exporta mais do que está no acordo.

Mas, internamente, tem um efeito de dificuldade na França, porque ano que vem haverá eleição presidencial. Entretanto, a França sozinha não consegue barrar. Então, o acordo vai passar. Mas o Macron não vai poder dizer que o apoia. Eu não acredito que ele está chamando o Lula para fazer reunião em junho, se ele não estivesse achando que tem que se aproximar do Mercosul e do Brasil.

E é necessário, porque o cenário do mundo é muito ruim de uma forma geral. Segundo [José Manuel] Durão Barroso, que foi por 11 anos presidente da Comissão Europeia, a Europa vai ter que entrar na maioridade geopolítica. Isso é positivo porque ela ficou 80 anos sem se comportar muito como um adulto, porque não precisava fazer defesa política internacional, ficava sempre na sombra dos EUA, o que é negativo porque a Europa é um bloco de 700 milhões de pessoas, o PIB é de quase US$ 19 bilhões, o terceiro maior, e representa toda uma base dos valores civilizatórios. E isso não podia ficar só à mercê dos Estados Unidos. Então, tem esse lado positivo, porque se a Europa tivesse mais maturidade, por exemplo, no começo da guerra da Ucrânia, acho que a posição dela não teria sido tão intransigente.

A Europa, nas relações internacionais, era guiada pelos Estados Unidos, e a posição norte-americana era muito confortável porque a guerra da Ucrânia não incorre em nenhum risco para os EUA, que fornecem as armas. Então a guerra é uma fonte de crescimento econômico para eles e a Europa era subordinada a essa situação. Se a Europa estivesse em outra fase de independência, diria aos EUA: “Para você pode ser ótimo essa guerra longe do seu território, mas a guerra está aqui no meu quintal, o preço da comida e da energia mexem comigo, essa intransigência total é bom para você que está longe, mas não para mim que estou perto”. Então há esse fato positivo que é a Europa ter uma vida própria do ponto de vista de relações internacionais e, por isso, veremos cada vez mais, ela se aproximando da China e do Brasil, e haverá assinaturas de acordos multilaterais de comércio com esses países porque o susto que eles estão tomando com os Estados Unidos não é brincadeira.

O lançamento do videocast foi na residência do advogado Kakay (Antônio Carlos de Almeida Castro) no dia em que ele divulgou uma carta com críticas a Lula. Qual sua opinião sobre o governo?

Essa nova forma de política em que as redes sociais digitais têm um impacto muito grande é muito complicada. Lula está fazendo muito menos reuniões com bancadas. Isso porque parte da bancada da oposição não se reúne com ele por medo de Nicolas Ferreira, que fica na porta do Palácio gravando vídeos de 30 milhões de visualizações. Ele pode afirmar que a pessoa está indo se vender para o presidente. Lula fazia política, conversava com todos os partidos, recebia gente do PSDB, do Democratas, mas hoje, com as redes sociais, é diferente.

Há partidos como o PL ou Republicanos, por exemplo, em que parte dos integrantes até iria falar com o Lula, que não são os radicais bolsonaristas, mas não vão porque têm medo de vazar algo. Mesmo que o Republicanos tenha ministro, alguns membros, que são oposição, não vão conversar. Essa questão do digital faz com que Lula tenha dificuldade em exercer esse poder que ele tem na política porque os encontros só acontecem em eventos. Esse é o primeiro problema.

O segundo ponto é o poder que o Congresso tem hoje e que não existia, nunca existiu. O Congresso tem um orçamento que é metade do dinheiro disponível no Brasil com ordenação obrigatória. Então, o governo perde a capacidade de fazer política, porque fazer política é direcionar recurso para os projetos que estão no seu programa de governo. Não adianta oferecer dois ministérios para determinado partido dar seu apoio, porque esse partido, às vezes, nem precisa, por ter mais acesso a recursos no Congresso.

O senhor concorda que também há uma falta de comunicação entre o governo e os seus próprios eleitores?

O governo tem isso identificado e está agindo, mudou a Secretaria de Comunicação, colocando o Sidônio (Palmeira), que é mais profissional e já trabalhou em campanha, mas há um problema estrutural: o campo de jogo não é igual. A extrema direita consegue articular bem porque a regra do algoritmo é favorável à forma e aos temas que ela comunica. A extrema direita faz política com o ódio e medo, e isso é o que gera engajamento nas redes sociais através dos algoritmos. É o que os algoritmos aprenderam que as pessoas gostam de ver. É como se fosse um jogo de futebol, a camisa amarela da extrema direita tem uma chuteira que é a mais moderna do mundo, a progressista tem uma chuteira de 50 anos atrás, isso é o negócio do algoritmo.

Os dois estão no mesmo campo, mas só que a forma de jogar da extrema direita, que é em cima do ódio, do medo, é a que o algoritmo gosta e impulsiona muito mais. Outro exemplo: duas pessoas gravando a mesma mensagem com o mesmo tema, só que uma falando de medo e ódio e a outra falando de esperança. O ódio vai viralizar sete vezes mais do que a mensagem de esperança. Então, o governo mudou o chefe da Comunicação, mas eu não acho que isso vai equacionar o jogo porque é uma questão estrutural.

Você está há alguns anos em Portugal. Como é viver neste país?

Eu estou em Portugal há 2 anos e 11 meses. Cheguei em março de 2022. Há aspectos positivos como qualidade de vida e menos ostentação do ponto de vista de rede social. Claro que é uma sociedade muito mais igual do que o Brasil. Outro aspecto é que Portugal é um mercado muito menor. Então, se você abrir um jornal em São Paulo, vai ler debates muito mais globais, sobre os Estados Unidos, a China, a Europa, etc. Em Portugal, quando você abre um jornal nacional, percebe que o espaço dedicado a isso é menor. Claro que há, mas são assuntos do tamanho do país e da sua importância econômica. Eu não pensaria em abrir qualquer negócio em Portugal que não tivesse capacidade de ir para União Europeia, porque só o mercado português é muito pequeno, não tem capacidade de absorver grande quantidade de gente e por isso há uma certa proteção de querer que o mercado fique com os portugueses. No Brasil, o mercado “cabe todo mundo”.

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