Jornalista, romancista, autor de peças teatrais, de biografias e de obras infantis, Cícero Belmar Siqueira Rodrigues apresenta seu mais novo trabalho: O livro das personagens esquecidas. A publicação reúne 25 contos e será lançada pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) quinta-feira, 17 de março, às 19h, na sede da Academia Pernambucana de Letras, localizada no Recife e onde ele ocupa a cadeira de nº 33. Com um jogo equilibrado entre realidade e ficção, o livro retrata as múltiplas faces do Brasil e nas personagens esquecidas caberiam muitos brasileiros. Cícero Belmar explorou sua experiência profissional para escrever os contos, que passeiam por questões de natureza política, social, religiosa e urbanística. “Como sou jornalista, tenho um defeito de fábrica, de não criar as histórias a partir de uma ficção. Todas elas têm um pé na realidade. Até mesmo aquela cujo título é Esquecidos por deus. Essa, eu criei a partir de um caso jornalístico. De um recorte de jornal. Eu invento a partir de elementos do fato jornalístico. Digamos que em cada conto eu usei 50% de realidade. É a minha ‘técnica’ de criação”, declara o escritor. As histórias narradas nas 144 páginas do livro foram escritas ao longo de vários anos, diz ele, entrelaçadas pelo tema do esquecimento e da memória. “Eu levo isso às últimas consequências, como se o fazer literário dependesse da própria memória para ser contada. A memória é prima-irmã da literatura, na minha opinião”, destaca. Nesse cenário, nascem a mulher que vai se desligando da vida por causa de uma doença neurodegenerativa, o comunista que esquece para continuar vivo e um velho casarão derrubado em nome da modernidade. “Quero apenas contar histórias que se pareçam com a vida real”, afirma Belmar, pernambucano de Bodocó, no Sertão. Não à toa, muitos leitores, ao fechar o livro, poderão ficar com a impressão de que já viram alguns desses personagens, como a criança que engraxa sapatos em bares numa presença quase invisível. O livro leva a reflexões sobre a vida e o tempo. E como diz o protagonista do conto Dente de Ouro: “Eternidade é uma coisa que ninguém tem prova de que existe. O que existe é um lugar nas nossas lembranças para a gente guardar a história das almas.” Os contos selecionados para compor O livro das personagens esquecidas passaram pelo crivo de Raimundo de Moraes, Cleyton Cabral, Gerusa Leal e Lúcia Moura (falecida em 2021 por complicações da covid), escritores do grupo de oficina permanente Autoajuda Literária, do qual Belmar também faz parte. Cleyton, Gerusa e Raimundo participarão da solenidade de lançamento da publicação e vão dividir a mesa com o autor num bate-papo sobre o livro. “O título, inclusive, nasceu a partir de uma sugestão de Cleyton”, acrescenta o jornalista. Entrevista com o autor O Livro das personagens esquecidas sugere (ou pode sugerir) que se trata de pessoas que fizeram algo extraordinário e não tiveram o devido reconhecimento. Mas não é isso. São pessoas comuns com histórias marcadas pelo esquecimento. Sua fonte de inspiração para escrever os contos é a vida como ela é? Cícero Belmar - Gosto muito de retirar o sentido das coisas vividas. A literatura, assim como a vida, depende do nosso olhar. Da maneira como vemos as coisas. Uma cena do cotidiano pode estar repleta de sentido, de poesia, de beleza, dependendo da maneira como a vimos. Dependendo da nossa capacidade de ver a simbologia das coisas, os detalhes. Há literatura no dia a dia, nas coisas que fazemos, nas coisas mínimas do cotidiano. A diferença da vida para a literatura é que a primeira é mais objetiva. A vida é a terceira dimensão e, a literatura, a quinta. Nós a retiramos da quinta e a colocamos no plano da leitura, que seria uma quarta dimensão de nossa existência. No caso desse livro, eu procurei ver as histórias pelo prisma de memória, do esquecimento. Eu escolhi contar as histórias a partir desse prisma. A memória é fio condutor da literatura e de nossas vidas? O esquecimento é uma ameaça para a literatura e para nossas vidas? Pelo sim, pelo não, ambos, assim como as lacunas do tempo, são aliados do fazer literário quando o filtro da fantasia é quem recria o passado. Você aborda o esquecimento em suas formas mais variadas, desde aqueles que se esquecem, pela necessidade de viver, passando pelos que são esquecidos. Qual é o pior dos esquecimentos para você? Belmar - O esquecimento, em geral, é ruim quando botamos panos quentes sobre fatos históricos traumáticos. O esquecimento é ruim quando ele se camufla e faz com que esses fatos possam voltar a acontecer. A memória é nossa história, somos nós mesmos e nossos aprendizados. Não podemos esquecer aquilo que nos serve de exemplo, para buscarmos o progresso. O esquecimento é ruim quando ele é o avesso da emancipação e das lutas. Quando ele é aliado do comodismo. Mas, às vezes, nós somos obrigados a esquecer para seguirmos em paz. Nós temos o direito de esquecer. Há contos, neste livro, que tocam nessas questões. Ao falar de esquecimento, enquanto memória e tempo, o livro levanta questões sociais, políticas, religiosas, urbanísticas e o negacionismo tão característico do atual governo federal. Ele é um recorte do Brasil? Belmar - O livro tem um fundo político muito grande. Eu tinha numerosos contos, sei lá quantos, e os submeti ao grupo literário de que participo chamado Autoajuda Literária. Os amigos e amigas que fazem parte deste grupo me ajudaram a selecionar as narrativas. E essa seleção ocorreu logo depois do golpe de que foi vítima a presidente Dilma. Outros, foram escolhidos um pouco mais adiante, mas eu acredito que todos estávamos igualmente indignados com o resultado das eleições de 2018. Acho que aquele ambiente político e social que vivíamos influenciou na seleção. Infelizmente, as coisas pioram de lá para cá e o livro tem muito a ver com essa realidade. Os contos têm um viés político, com certeza. Quem quiser pode dizer que é um trabalho um tanto quanto engajado. Sem problemas.