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Entrevista: Odete Liber

“A violência contra a mulher é também uma violência política”. Mestre em Teologia pelas Faculdades EST (2003), graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Londrina (2006), bacharel em Direito pela Faculdade Pitágoras (2010) e bacharel em Teologia pela Faculdade Metodista (1998). A diretora conselheira da Diaconia, Odete Liber, acumula formações acadêmicas e experiências profissionais em áreas distintas. Em todas, no entanto, teve sua trajetória inspirada e marcada por uma temática específica: a Justiça de Gênero. Nesta entrevista, a 2ª Tesoureira conta um pouco da sua ligação enquanto profissional, mulher e pastora com as questões de Gênero e faz uma breve avaliação do cenário brasileiro, incluindo a abertura das igrejas evangélicas para o diálogo sobre a temática.

Como a temática Gênero chegou até você?

A inquietação começou na época faculdade de Teologia, nos idos de 1996/97, quando comecei a ver e ouvir coisas sobre o tema, com disciplinas que trabalhavam o que é violência, o que é ser mulher… Até então, não tinha muita noção sobre o assunto. Anos depois, passei a dar aulas no curso de Teologia da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (IPIB), em Londrina, e, em 2003, veio a proposta de abordar a temática de forma específica. A IPI tinha acabado iniciar a ordenação de mulheres, era algo muito novo. Como eu era a única mulher a dar aula, veio a sugestão: por que você não começa uma disciplina para tratar da questão de mulher? Então, vamos falar religião e gênero, gênero e religião. Foi aí que comecei a me preparar mais para poder trabalhar esta temática. Fui pioneira em uma disciplina específica para tratar do assunto, tanto que os alunos, no início, ficaram relutantes para discutir tema. A turma era formada em sua maioria por homens e eles achavam que não precisavam estudar aquilo.

Que mudanças foram mais perceptíveis ao final desse curso? Ele ainda existe?

A maior mudança foi de comportamento. Não só dos homens, mas também das mulheres, na forma de se perceberem no ministério pastoral, além do fato de serem mulheres e de construir um jeito seu de realizar seu ministério, não como uma cópia do que sempre existiu, do ministério pastoral do homem. A mulher tem um olhar diferente que deve ser valorizado. E isso não prejudica ninguém, muito menos o ministério. Os homens têm hoje, apesar dos pesares, uma visão bem diferente, ainda com as fragilidades que a gente tem de olhar para o outro, em especial a mulher, mas melhorou. Foram dois anos de ensino, duas turmas. Depois, o tema passou a ser trabalhado de forma transversal em outras disciplinas.

E você levou a abordagem de gênero para outros espaços?

Depois da IPI, trabalhei mais na área de Educação, sou teóloga, pedagoga, e juntei com o Direito, na parte legal. Fui trabalhar em um instituto socioeducativo e no CRAS (Centro de Referência em Assistência Social), onde a questão de gênero está muito presente. Ali, é uma porta onde você deve trabalhar a prevenção da violência contra a mulher, contra a criança e o adolescente, contra o idoso… é um espaço em que, na vivência do dia a dia, é possível e se deve trabalhar o empoderamento da mulher. Atualmente, trabalho como professora/tutora EAD/IFES e como assessora de projetos do Serviço Anglicano de Diaconia (SAD), da Igreja Episcopal Anglicana do BrasilI (IEAB), no qual a temática violência contra a mulher e qualquer outra violência é o tema principal.

A violência de gênero ainda é um dos principais problemas enfrentados pelas brasileiras. Qual a sua avaliação diante dos altos índices de feminicídios registrados no País?

Às vezes, quando olho para esses dados, parece que vivemos um retrocesso, pois os números só aumentam. O Espírito Santo, estado onde moro, sempre aparece em primeiro ou segundo lugar no ranking de violência contra a mulher. Este ano, está em segundo. Acredito que é preciso trabalhar mais na base, trabalhar com os homens a visão de masculinidade, acompanhar aqueles que praticam a violência e na prevenção contra a violência. Instituições públicas e privadas também precisam discutir o assunto, ter momentos para abordá-lo. Vamos falar sobre família? Então, vamos tocar no assunto da violência… porque posso não estar sofrendo violência, mas um amigo, vizinho ou alguém da igreja pode. Então, ali você cria espaços de diálogo e de laços afetivos… e nesses laços afetivos acaba reconhecendo os problemas e encontrando formas de solução.

As igrejas, hoje, estão mais abertas ao diálogo sobre gênero?

Sou de origem Metodista, mas desde 2009 estou na IEAB. Posso dizer que a Igreja Anglicana tem trabalhado muito esse tema nas igrejas/paróquias, nas dioceses. Nessa caminhada de luta, mesmo que morosamente temos contribuído com alguma coisa. Não só na realização de encontros e colóquios, mas também na capacitação e produção de materiais para que as igrejas locais possam trabalhar o tema nas comunidades. A nossa primeira cartilha, que já teve várias edições, trata sobre violência contra mulher e tem sido usada em outros espaços fora da Igreja. Isso me faz acreditar que estamos no caminho certo nessa luta. De certa forma, é algo pioneiro ter essa visão, a preocupação por parte das igrejas locais de formar lideranças para trabalhar o tema, inclusive levando o diálogo para outros espaços, como os locais de trabalho, instituições publicas e privadas. A Igreja olha para si, mas deve olhar também para fora, para o que está à sua volta.

Como ter acesso às publicações da Igreja Anglicana?

A cartilha Violência Contra a Mulher pode ser adquirida na Livraria Anglicana, em São Paulo. Outra forma é falar com os reverendos nas catedrais e paróquias mais próximas. Também temos o CD, que contém o mesmo conteúdo na revista, mas é uma forma mais fácil de multiplicação do material. Temos uma nova publicação, que é uma revista com artigos acadêmicos escritos por psicólogos, reverendos e outros autores anglicanos, mas em linguagem bem acessível. Ela abre espaço para outros recortes, tratando, por exemplo, da violência contra as meninas transexuais, da violência que os homossexuais sofrem. A Igreja Anglicana começa, a partir desses artigos, a trabalhar com foco em outras violências. A publicação foi lançada em São Paulo, em maio, e também pode ser acessada pela Livraria Anglicana.

Que mensagem gostaria de deixar ao final desta entrevista?

Acho importante destacar que a violência contra a mulher é considerada também uma violência política, pois ela afirma a questão social e cultural de dominação dos homens sobre a mulher. Geralmente, a gente não fala sobre essa questão… que é algo político, que é poder. Isso é importante para a gente lembrar e não perder de vista. A história é marcada por essa dominação, esse poder sobre as mulheres, que é sempre político, social, econômico e religioso.

Clara Cavalcanti é assessora de comunidação da Diaconia

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