Por que Pernambuco não pode perder a ferrovia de Suape ao Sertão? – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

Por que Pernambuco não pode perder a ferrovia de Suape ao Sertão?

Série Era uma vez uma ferrovia explica porque a construção do Ramal Suape – Salgueiro é fundamental para o desenvolvimento do Estado.

*Por Rafael Dantas

A ferrovia até Suape é apontada como um dos empreendimentos estratégicos para o desenvolvimento do Estado no documento Pernambuco Além da Crise, que foi elaborado pela TGI e pelo INTG e apresentado aos candidatos ao Governo nas Eleições de 2022. Além do investimento direto nas obras, que ativa a indústria da construção, a conexão do principal porto pernambucano até o Sertão teria um impacto em série nos diversos polos econômicos distribuídos pelo interior, como o gesseiro, o avícola e o frutivinicultor. Apesar dos benefícios transversais na competitividade das empresas locais, o projeto está sob ameaça, desde que a TLSA (Transnordestina S.A.) assinou um aditivo ao contrato de concessão do empreendimento que excluiu o ramal pernambucano, no apagar das luzes de 2022.

A operação do modal ferroviário tem como principal efeito a redução do custo do frete. O deslocamento das cargas de insumos até as indústrias ou às atividades agrárias fica mais barato, como também o transporte via trens dos produtos até os portos ou mercados consumidores. Os combustíveis também poderiam ainda ser transportados por trens, beneficiando empresas e os consumidores finais.

A logística mais eficiente aumenta a competitividade dos polos produtivos, incentivando a chegada de novos players. Um ciclo benéfico para dinamizar a economia que vem de uma estagnação após as seguidas crises dos últimos anos. O sepultamento do trecho pernambucano da Transnordestina, no entanto, representa um duro golpe na competitividade do Estado, além de um prejuízo ao próprio empreendimento, que perderia parte dessas cargas dos municípios com grandes empresas ou clusters no Agreste e Zona da Mata.

“Pernambuco terá impactos significativos com uma ferrovia, ampliados em suas diversas cadeias produtivas. Há algumas décadas o Estado dependia basicamente da cana-de-açúcar. Hoje, o processo de industrialização avançou em direção ao interior, com indústrias na Zona da Mata e Agreste. Há toda essa atividade econômica, quer seja primária ou secundária, que poderá se beneficiar de um modal ferroviário, cujos custos de transporte são significativamente menores do que o rodoviário”, afirmou Francisco Martins, ex-presidente de Suape.

O engenheiro lembrou ainda que a disponibilidade de uma ferrovia reduz a necessidade de circulação de caminhões. Isso acarretaria uma menor pressão sobre as rodovias e reduziria a necessidade de investimentos em conservação de estradas, que custam milhões por ano aos cofres do Governo do Estado.

A operação da ferrovia terá um impacto transversal nas diversas atividades produtivas pernambucanas, na avaliação do economista da Fiepe Cézar Andrade. “Todos os setores produtivos que necessitam escoar seus produtos para o grande centro até Suape serão beneficiados, a exemplo dos polos têxtil do Agreste, de fruticultura e vitivinicultura do Sertão do São Francisco e do gesseiro, no Araripe”.

Além da redução de custo para as empresas, Cézar destaca que há outros benefícios do uso do transporte ferroviário em relação ao rodoviário. “O tempo e as perdas que acontecem no trajeto serão minimizados e, naturalmente, isso será um ponto positivo para o setor industrial”, avalia.

VAGÃO DO POLO SUCROENERGÉTICO

No passado muitas cargas do setor sucroenergético eram transportadas pela antiga ferrovia que entrou em falência. Com a perspectiva de retomada do modal ferroviário, o tradicional polo, que se concentra na Zona da Mata, poderia transportar açúcar e etanol até o porto ou para o interior, bem como receber fertilizantes, como o gesso agrícola, usados nas suas lavouras. As movimentações dessas commodities não são pequenas.

“O modal ferroviário é estratégico e a indústria da cana-de-açúcar contaria com alternativas de transporte que fomentariam mais racionalidade de custos do transporte inter-regional de gesso agrícola, comércio de açúcar, etanol carburante e outras mercadorias que poderiam ter produção mais dinamizadas para serem mais consumidas no Litoral e Sertão”, afirma Renato Cunha, presidente do Sindaçúcar.

O presidente do Sindaçúcar conta que o setor sucroenergético movimenta e produz mais de 900 mil toneladas de açúcar por ano. Destas, pelo menos 400 mil toneladas circulam no ambiente dos portos do Recife e de Suape. “Esses produtos vêm das duas Zonas da Mata onde há produção. Existe essa parte portuária e as 500 mil toneladas do mercado interno, que atinge Estados como Ceará e Maranhão, que compram o açúcar de Pernambuco. O mercado do etanol envolve 350 milhões de litros, boa parte se destina a outros Estados do Nordeste, principalmente o Ceará”.

Se o ramal ferroviário parar em Salgueiro, há algumas centenas de quilômetros da Zona da Mata, toda essa produção açucareira e de etanol permanecerá sendo feita por via rodoviária, tanto em direção aos portos, como ao interior.

VAGÃO DO POLO AVÍCOLA

Com sua base instalada em municípios como Carpina e Paudalho (na Zona da Mata), São Bento do Una, Belo Jardim e Garanhuns (no Agreste) e mesmo em algumas cidades do Sertão da Pajeú, a exemplo de Tabira, São José do Egito e Tuparetama, o polo avícola seria um dos beneficiados pela ferrovia. A expectativa do setor concentra-se principalmente na diminuição do preço dos grãos que chegam às suas empresas.

“Os custos do frete rodoviário, com longas distâncias, pesam bastante nos preços de milho e soja. O frete ferroviário custa em média um terço do rodoviário. Essa redução vai melhorar a nossa competitividade, beneficiando o consumidor brasileiro e tornando nosso custo competitivo em relação a outras regiões e outros países. Isso favorece inclusive a possibilidade de exportação”, afirma o vice-presidente da Avipe e presidente do Instituto Ovos Brasil, Edival Veras. A redução de custos para o setor, na avaliação do economista e professor do Unit-PE (Centro Universitário Tiradentes) Werson Kaval é até mais expressiva, na ordem de seis vezes menos.

Veras explica que o polo tem um consumo mensal com avicultura na ordem de 150 mil toneladas de milho e 70 mil toneladas de soja, além de demandar produtos também para outras atividades como bovinocultura de leite e corte e a suinocultura. Apesar da força do setor avícola (que produz 14 milhões de frangos por mês e 14 milhões de ovos por dia), a operação de uma ferrovia seria fundamental para reduzir o impacto inflacionário dos seus principais insumos. O vice-presidente da Avipe afirma que os preços de milho e soja praticamente triplicaram desde o início da pandemia, trazendo grandes impactos nos custos das empresas.

VAGÃO DO POLO GESSEIRO

O polo gesseiro de Pernambuco, que fica no Sertão do Araripe, será também um dos grandes beneficiados com a operação de uma ferrovia conectando o Sertão até os portos. Embora o setor tenha outros graves problemas para sua maior competitividade, como a ausência de gás e de mão de obra, a logística é um dos grandes desafios da região que concentra 95% da gipsita do Brasil.

“Este polo, especialmente, depende bastante do modal rodoviário para escoar sua produção nos mercados interno e externo. Como seu maior custo da produção é o logístico, se isso for solucionado, o produto vai chegar mais competitivo até o consumidor, interno ou externo, logo a indústria será mais competitiva”, avalia o economista da Fiepe, Cézar Andrade.

O economista e professor do Unit-PE, Werson Kaval, ressalta ainda a possibilidade de incentivo ao beneficiamento da gipsita em Pernambuco, com a redução do custo de transporte dessa matéria-prima até o Complexo de Suape. “Pensamos sempre a ferrovia pela capacidade de transporte e custo envolvido, pois termina sendo modal mais viável para commodities, matérias-primas e insumo. Com a Transnordestina, a gipsita poderia ser transportada e beneficiada em Suape, onde há uma disponibilidade de gás natural e maior controle da informalidade”, avalia Kaval.

De acordo com a pesquisa do engenheiro Fabiano Fernandes sobre o polo, o maior impulso para desenvolvimento do setor será na ampliação da extração e do transporte do minério bruto para outros polos. “Com as linhas férreas ligando as minas até os portos de Suape e Pecém, e oferecendo um frete bem mais barato para executar esse transporte, a expectativa é de que principalmente as exportações da gipsita sejam alavancadas. E para suprir essa nova demanda, as empresas exportadoras deverão contratar mais funcionários, expandir suas instalações e assim injetar mais dinheiro na economia dos municípios que compõem o arranjo produtivo local do gesso”.

VAGÃO DA FRUTICULTURA IRRIGADA

O carro-chefe da economia do Vale do São Francisco, o polo frutivinicultor, exporta frutas para o mundo, utilizando rodovias até os portos de Salvador (em torno de 500 quilômetros de distância) e Pecém (mais de 800 quilômetros de distância). Mesmo que a Transnordestina não siga até Petrolina, a possibilidade de levar as frutas até o entroncamento em Salgueiro (cerca de 250 quilômetros) poderia economizar bastante o transporte até os portos.

“Em 2021, nós exportamos do Vale do São Francisco cerca de 13 mil contêineres. Se a Transnordestina acontecer, mesmo não passando por Petrolina, ela passa por Salgueiro. Ao invés de rodarmos 900 km para Pecém ou para Suape, só vamos rodar de rodoviário 250 quilômetros para Salgueiro. Isso vai nos ajudar bastante”, afirma o presidente do Sindfrutas, Guilherme Coelho.

O empresário destacou que o setor também usa muitos fertilizantes, que poderiam ser transportados também pelo modal, reduzindo o custo geral da operação. “Precisamos diminuir o custo da porteira para fora da fazenda, o custo Brasil. Nos países desenvolvidos se transporta tudo por ferrovia e hidrovia. Precisamos dar esse avanço com a Transnordestina, que é uma obra que se arrasta há mais de uma década. Será um marco do desenvolvimento de Pernambuco, do Piauí e do Ceará”.

POLO INDUSTRIAL DE SUAPE

O atual diretor-presidente do Complexo Industrial-Portuário de Suape, Márcio Guiot, destaca que a vinda da ferrovia viabiliza a instalação do Terminal de Granéis Sólidos Minerais de Suape numa área de 51,8 hectares na Ilha de Cocaia. O empreendimento é estratégico para o polo e já está previsto no Plano Diretor de Suape 2035.

“O investimento para implantação do Terminal de Granéis Sólidos Minerais de Suape é de R$ 1,5 bilhão, prevendo a criação de 3 mil empregos durante a execução das obras. Durante a operação, vão ser ofertados 400 postos de trabalho. O megaempreendimento fica localizado na Zona Industrial Portuária e fora da poligonal do Porto Organizado”, afirma Guiot.

A movimentação de Suape de 2018 a 2022 oscilou entre 22 milhões de toneladas (2021) e 25,7 milhões de toneladas (2020). Com o novo terminal, a expectativa do presidente é de que seja movimentado em torno de 13 milhões de toneladas apenas com o transporte do minério. Além disso, o complexo se posiciona para atrair novas cargas, desde o grão de Matopiba (fronteira agrícola entre os Estados do Tocantins, Bahia, Piauí e Maranhão), até a produção de frutas do Sertão do São Francisco e a gipsita do Sertão do Araripe.

“Temos chances reais de dobrar a movimentação do Porto de Suape com a implementação da ferrovia, o que demandará ainda mais investimentos com a implantação de novos terminais especializados no atracadouro pernambucano”, afirma Guiot.

OUTRAS CONEXÕES NO NORDESTE

Em Pernambuco, Salgueiro, que é o local de entroncamento da Transnordestina, é uma das cidades sertanejas com maior expectativa da operação da ferrovia. “Salgueiro passa a ser cidade-polo. Uma cidade que vai comportar um comércio satélite que virá ao encontro de produções dos municípios de vários Estados. Terá maior distribuição de mercadorias e com possibilidade de ver nascer novos entrepostos”, afirma Werson Kaval.

O engenheiro Francisco Martins ressalta também que a operação do ramal ferroviário Salgueiro-Suape cria novas possibilidades de conexão com os Estados da região de Pernambuco, em importantes polos econômicos. “A exemplo de São Mamede, na Paraíba, e em Jucurutu, no Rio Grande do Norte, existem também jazidas de ferro que poderão fazer o tombamento pelo modal rodoviário ou, dependendo do volume, inclusive, construírem ramais ferroviários que se interligam ao ramal até Suape em algum ponto. Essa é uma alternativa que tem que ser estudada e tem potencial também para engrossar o volume de minério de ferro a ser despachado no terminal de minérios que será instalado na ilha de Cocaia”.

Com diversos polos produtivos distribuídos ao longo do território pernambucano, a construção do ramal Salgueiro-Suape é uma locomotiva que Pernambuco não pode perder. Deixar o trem passar representaria uma perda histórica da oportunidade de garantir maior competitividade às empresas do Estado e a abertura de muitos postos de trabalho aos pernambucanos na construção e operação da esperada ferrovia.

*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Gente & Negócios e Pernambuco Antigamente (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)


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