Longe da elite: especialistas falam sobre futuro do futebol pernambucano

*Por Rafael Dantas

O futebol pernambucano inicia a temporada com mais desafios do que motivos para comemorar. Sem nenhum clube na elite do Campeonato Brasileiro e com o Santa Cruz sem classificação para nenhuma divisão e fora da Copa do Nordeste, o ano de 2024 começa com um retrato da perda de protagonismo do Estado na região. Além dos eternos rivais baianos e cearenses, os clubes alagoanos também estão melhor posicionados na principal competição nacional neste ano. Uma crise com impactos que vão além das quatro linhas do campo, segundo especialistas. Apesar da dificuldade em encontrar saídas neste breu de problemas, há algumas luzes no fim desse túnel.

Com impacto no comércio, no turismo e em uma série de serviços conectados ao esporte, o futebol brasileiro movimenta muito dinheiro todos os anos. Uma pesquisa encomendada em 2019 pela Confederação Brasileira de Futebol indicou que a modalidade movimenta 0,72% do PIB nacional. Na cadeia impulsionada pela indústria do chamado esporte bretão estão a transmissão de jogos, a comercialização de produtos esportivos, todo o trabalho de formação de atletas, de marketing, entre outros.

“O futebol brasileiro é também uma indústria que movimenta bilhões de reais, gera milhares de empregos e contribui de forma significativa para a economia do Brasil. Para entender a dimensão do setor, é preciso analisar a cadeia produtiva do futebol, seus atores, interações e movimentação financeira”, informou o estudo Impacto do Futebol Brasileiro, produzido pela consultoria EY.

As repercussões sociais e econômicas que impressionam o mundo e o País também têm efeitos em solo pernambucano, segundo o secretário-executivo de esportes do Governo do Estado, Luciano Leonídio, “o futebol é um mercado que tem um grande volume de recursos, em que a economia gira em diversos segmentos e isso impacta em qualquer lugar do planeta. Não seria diferente aqui no nosso Estado. Não só em relação ao turismo, mas na relação com o transporte, alimentos, dentre outras questões. Certamente o impacto é extremamente positivo”.

O afastamento das grandes competições nacionais e a perda de protagonismo nos torneios regionais, no entanto, podem fazer o Estado perder parte desse potencial que não é apenas esportivo. O futebol pernambucano era um dos únicos do País que mantinha os três grandes clubes locais com as maiores torcidas dentro do Estado. Isto é, ao contrário do que ocorre em outros estados nordestinos, o pernambucano torce para times de Pernambuco. Clubes nacionais, como o Flamengo e o Corinthians, tinham torcidas menores que o Sport, o Santa Cruz e o Náutico. O mais recente estudo publicado pelo Instituto Múltipla, porém, já posicionou o Flamengo à frente do Timbu entre os torcedores locais. A pesquisa sinalizou também uma redução do número de tricolores.

“O enfraquecimento do futebol pernambucano pode gerar a consequente perda da reserva de mercado que nossos clubes ainda têm no Estado. Aliás, o fato de os clubes do interior não terem condições financeiras para serem competitivos a nível estadual, somado aos problemas estruturais do desenvolvimento desigual do nosso País, já tem como consequência direta a influência cada vez maior de clubes do Rio de Janeiro e de São Paulo, como algumas pesquisas evidenciam. Pernambuco ainda é um bastião de resistência, em que pese a disputa cada vez mais dura no interior”, afirmou Emanuel Leite Júnior, pesquisador pernambucano associado à Faculdade Internacional de Futebol da Universidade em Tongji, na China.

Além da concorrência com os clubes do eixo Sul-Sudeste, as novas gerações também estão consumindo cada vez mais o futebol europeu. “O fenômeno de ver crianças falando em “meu City”, “meu PSG”, “meu Real”, “meu Barça” é preocupante. Nossos clubes, que já competiam pela atenção e atração de consumidores com os maiores clubes do Rio de Janeiro e de São Paulo, agora competem com os clubes mais ricos da Europa. Portanto, a decadência do futebol pernambucano pode fazer com que nos tornemos meros consumidores (massificado pela alta exposição midiática, fruto da hegemonia cultural) ao invés de produtores da indústria futebolística”, alertou.

CRISE DO FUTEBOL LOCAL

Para os especialistas, existem tanto fatores internos (da gestão dos nossos clubes), como externos (do cenário nacional da modalidade) que explicam o insucesso que o futebol pernambucano atravessa há alguns anos. Antes do apito inicial de qualquer campeonato no País, há uma diferença abissal de receitas entre os clubes do Sudeste e Sul, em relação ao Norte e Nordeste. Para Emanuel Leite Júnior, esse é um dos motivos que está na raiz da crise.

Ele avalia que o insucesso dos clubes pernambucanos é resultado de uma combinação de fatores, sendo o primeiro grande obstáculo estrutural relacionado às desigualdades regionais no Brasil. O modelo de acumulação de capital, influenciado pela falta de um projeto nacional de desenvolvimento, criou assimetrias que afetam diversas áreas, incluindo o futebol. A estrutura do Campeonato Brasileiro, especialmente após o surgimento do Clube dos 13 (que privilegiou poucos clubes com cotas mais robustas dos direitos de transmissão), agravou as desigualdades, refletindo no desempenho esportivo pífio dos clubes nordestinos.

“A primeira medida para reverter essa crise deve ser estrutural, algo que ultrapassa a questão exclusiva do futebol pernambucano. O futebol brasileiro é desigual, refletindo as assimetrias regionais do desenvolvimento concentrado em poucos estados do Brasil. Um país com a dimensão do nosso não pode ter um Campeonato Brasileiro restrito a apenas 20 clubes”, afirmou Emanuel.

O pesquisador sugere que o modelo de disputa brasileiro deveria se inspirar no adotado pela NBA (basquete) ou NHL (hóquei no gelo) da América do Norte. As competições seriam divididas em quatro conferências regionais e os campeões de cada conferência já estariam classificados para a Copa Libertadores e fariam as semifinais e finais do Brasileirão, para definirem o Campeão Nacional. “Com isso, garantir-se-ia o acesso de clubes de outras regiões ao elevado faturamento que uma competição como a Libertadores proporciona. E não me refiro apenas aos direitos de transmissão, mas ao aumento do poder de barganha e atração para negociar com patrocinadores”.

Ainda para atacar as desigualdades futebolísticas do Brasil, Emanuel sugere que para o desenvolvimento mais justo, a modalidade deveria migrar para uma divisão equânime dos direitos de transmissão. Modelos de distribuição das receitas adotados pelas ligas norte-americanas e pelas principais ligas de futebol na Europa são alguns paradigmas a serem analisados como exemplos para o futebol brasileiro.

O mesmo problema que afeta os clubes do Nordeste também é observado nos torneios estaduais. A divisão dos direitos de transmissão dos times do Recife são bem superiores a qualquer equipe do interior do Estado. Isso reflete tanto na competitividade que, em mais de 100 anos do Campeonato Pernambucano, apenas uma equipe furou a bolha dos vencedores da capital, que foi o Salgueiro, em 2020. Apesar do título, em crise financeira, o conhecido Carcará nem disputa o estadual neste ano, tendo desistido da vaga.

FATORES INTERNOS

Enquanto a briga por uma melhor distribuição das receitas tem um peso nacional, há um conjunto de fatores mais locais a serem enfrentados pelos times e pela federação de futebol no Estado. A profissionalização dos clubes e o maior investimento nas categorias de base são algumas das apostas sugeridas pelos especialistas na modalidade e na gestão do esporte.

“A gente tem um desafio grande. Não é uma particularidade só de Pernambuco, mas algo nacional. Cada vez mais se pressupõe um trato profissional para o futebol. Isso até há pouco tempo era questionável se era interessante, se era importante. Hoje não se tem nenhuma dúvida quanto à importância disso. Isso perpassa a gestão do clube como todo. A figura do CEO, do marketing comercial, da comunicação, das categorias de base, do patrimônio, enfim, tantas outras situações que demandam uma profissionalização mais ativa. Isso certamente repercute na logística do clube como um todo”, afirma o secretário executivo de esportes do Governo de Pernambuco, Luciano Leonidio.

“Cada vez mais se pressupõe um trato profissional para o futebol. A figura do CEO, do marketing comercial, da comunicação, das categorias de base, do patrimônio, enfim, tantas outras situações que demandam uma profissionalização mais ativa”, afirma Luciano Leonidio

No livro Teoria de Ação Comunicativa Sistêmica em Gestão de Projetos – Estudo de Caso da Recuperação do Futebol do Nordeste do Brasil, publicado pela editora da UFPE em 2012, ainda antes da Copa do Mundo do Brasil de 2014, vários diagnósticos e insights foram destacados para a profissionalização dos clubes nordestinos.

A publicação elencava que a geração de oportunidades de negócios agregados ao futebol poderia estimular “investimentos em infraestrutura”, que por sua vez potencializaria a “expansão e manutenção de receitas fixas” e o “fortalecimento das marcas” dos nossos clubes. A gestão amadora, mais tradicional, tem um efeito inverso, implicando em maior endividamento, má administração financeira e um maior retardo no uso de tecnologias no clube e nos negócios associados ao futebol.

O Sport, que é o clube pernambucano que mais avançou na profissionalização da gestão, por exemplo, não é por acaso que se mantém à frente dos rivais há muitos anos. Único representante pernambucano na Série B possui receitas bem superiores às do Náutico, Retrô e Santa Cruz.

MUDANÇA NA GESTÃO

“Gerir de forma profissional implica em compreender toda a complexidade de um clube de futebol no contexto contemporâneo no qual está inserido. Um clube profissional é aquele que se organiza e se estrutura para gerir de forma eficaz e eficiente, em que há a reunião dos recursos – as pessoas, o dinheiro, o equipamento – necessários para tornar o trabalho e os trabalhadores mais produtivos. Mas, no que diz respeito ao futebol, é necessário ter em conta que a sua gestão também pressupõe a responsabilidade pelo desempenho não apenas financeiro do clube, mas desportivo”, destaca Emanuel.

O pesquisador indica que para atingir o desempenho esportivo projetado pela direção e almejado pelos torcedores é preciso combinar e coordenar recursos humanos, tecnológicos e financeiros. “Esta compreensão complexa de um clube de futebol nos obriga a visualizar esse organismo como uma estrutura que precisa gerir desde a formação de atletas nas categorias de base até o time profissional, o que implica na reunião de profissionais como treinadores, psicólogos, nutricionistas, médicos, fisioterapeutas, massagistas, cozinheiros, etc; passando pela gestão do marketing, que envolve tanto a captação de recursos, por meio de patrocinadores, até a comercialização de produtos que não se limitam mais às camisas e equipamentos esportivos, mas toda uma parafernália com a marca do clube; chegando à gestão da comunicação”.

A fragilidade das categorias de base dos clubes locais é a maior crítica do ex-jogador tricolor Ramón. Hoje ele é o presidente do Sindicato dos Atletas Profissionais do Futebol de Pernambuco e lamenta a situação dessa modalidade esportiva no Estado, especialmente do Santa Cruz. Quando na ativa, ele foi artilheiro do Campeonato Brasileiro de 1973 e integrou o grupo que ficou em quarto lugar no Brasileirão em 1975.

“Os clubes deveriam valorizar mais o trabalho de base. Nessa que foi a época de ouro do futebol de Pernambuco, principalmente do Santa Cruz, nos cinco anos que nós conquistamos o pentacampeonato, o clube também estava numa dificuldade financeira muito grande e valorizou o trabalho da base. No passado, deram força para os atletas da casa e o clube chegou à conquista de um pentacampeonato estadual, um quarto lugar no Campeonato Brasileiro. Eu consegui ser artilheiro do Campeonato Brasileiro de 1973 com 21 gols, e o Santa Cruz onde chegava era respeitado”, recorda com saudades o ex-atleta, lembrando do apelido do time coral de Terror do Nordeste.

Ramón também atuou nas categorias de base do time coral, numa geração que revelou entre outros atletas o craque Rivaldo. Após o Santinha, ele fez história na seleção brasileira e no futebol mundial.

“É preciso investir mais na base, ter um olheiro viajando, trazendo jogadores do interior, jogadores de outros estados. Tem muito menino que está voltando agora para as drogas porque não tem oportunidade. É possível trazer esse atleta para trabalhar, dar assistência médica, estudo. Tem que ser assim. Infelizmente, no meu modo de ver, é isso aí que está faltando. Valorizar a base e contratar jogadores experientes para formar um clube forte junto com esses jovens é o caminho para que o clube conquiste os seus objetivos”, propõe Ramón.

O secretário executivo de esportes de Pernambuco afirma que está nos planos da pasta utilizar a Arena Pernambuco para estimular várias modalidades no aspecto educacional, de participação e de alto rendimento.

“A gente tem construído alguns projetos que certamente vão repercutir no âmbito do futebol. Em parceria com a Secretaria de Turismo e Lazer, estamos desenvolvendo o núcleo de alto rendimento na Arena Pernambuco, um espaço onde os treinadores e as equipes podem usufruir da mais alta tecnologia para o desenvolvimento da formação, não só das categorias de base, mas também do futebol profissional. Não apenas do futebol, mas para outras modalidades também”, afirmou Leonidio.

Um dos temas atuais no futebol brasileiro é a constituição das SAFs (sigla para Sociedade Anônima de Futebol). Esse é o caminho que foi aberto para que os clubes pudessem ser transformados em empresas. Emanuel ressalva, no entanto, que ele não é o único meio de profissionalizar o esporte. Além disso, alguns desses clubes-empresas também não alcançaram bons resultados com esse modelo e chegaram a falir no cenário internacional.

OPORTUNIDADES NO EXTERIOR

Como pesquisador do futebol chinês, Emanuel destaca que os clubes pernambucanos com estrutura para formação de atletas poderiam aproveitar as oportunidades que o País de Xi Jinping está gerando para avançar na modalidade.

“Os clubes pernambucanos podem contribuir com o fomento da prática do futebol na China buscando parcerias não apenas com clubes chineses mas, principalmente, com municípios e províncias e até mesmo faculdades. Náutico, Retrô e Sport têm o certificado de clube formador da CBF e possuem, os três, boas infraestruturas para o desenvolvimento de jovens atletas, com seus centros de treinamentos. Estes clubes podem, por exemplo, oferecer suas estruturas para receberem jovens chineses por períodos de seis meses, um ano ou até mais e estabelecerem contratualmente como podem dividir os frutos de eventuais talentos que se firmem no futebol profissional”, sugere.

O pesquisador disse que os clubes e profissionais locais do futebol podem, também, ir à China para realizar seminários, cursos de curto e médio prazo, promovendo um intercâmbio com os chineses. “Dentro da lógica eurocêntrica do mercado futebolístico global, dificilmente os clubes pernambucanos conseguiriam, a curto prazo, competir com os ricos clubes europeus. No mercado chinês, porém, têm a possibilidade de, com paciência, iniciarem um trabalho de construção de imagem se associarem a sua marca e sua expertise na formação de atletas na ajuda ao fomento de jovens talentos chineses”, propôs Emanuel.

Com impacto na economia e na autoestima dos pernambucanos, a recuperação do futebol local é um desafio que tem como grande combustível a paixão dos torcedores pelos clubes. Para reverter o placar contrário atual, a tática passa por uma revisão do modelo das competições e divisão de recursos nacionais, pela profissionalização das nossas equipes e, talvez, por aproveitar as oportunidades que estão na nova geopolítica global, puxada pela China.

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