Quem costuma frequentar a noite recifense certamente já se divertiu em alguma festa promovida por Paulo Braz nos últimos 30 anos. Mentor de festejos memoráveis, quando a capital pernambucana ainda sofria os tristes e duros anos de chumbo da ditadura militar, Braz também abriu casas noturnas que ficaram célebres. Foram mais de 30 festas. Nesta entrevista a Cláudia Santos, feita no seu negócio atual, a Mercearia do Braz, no bairro da Boa Vista, ele conta sua surpreendente trajetória como funcionário do Banco Central, psicólogo e promotor da boemia. E ainda divulga uma novidade: após 10 anos sem organizar festejos de ano novo, ele paneja montar um Réveillon no Bar Biruta, no bairro do Pina. Como um funcionário do Banco Central tornou-se o rei da noite recifense? Este ano lancei o livro Meu peito é feito de festa, onde conto essa história. Nasci no interior da Paraíba, cheguei no Recife, aos 15 anos, em 1969. Morava na casa de um tio que eu nem conhecia. Estudei no colégio interno dos padres franciscanos, que foi uma coisa muito boa para mim porque eu logo cedo desenvolvi o hábito da leitura, que foi minha tábua de salvação. Por que? Porque descobri a arte. Eu ia na biblioteca pegar livro emprestado e me preparei. Eu tinha uma bagagem cultural melhor do que a de meus primos daqui que já tinham 16, 17 anos. E o que me restava era fazer concursos. Passei na Embratel, no Banco do Brasil, na Faculdade de Psicologia e entrei no Banco Central, em 1976. Naquela época, você podia trabalhar seis horas, havia perda de salário, mas para mim era mais interessante, porque podia atender no consultório. O Banco Central era uma instituição muito séria, mas sabia que aquilo não ia me satisfazer, e comecei a participar da vida cultural da cidade. Acontece que surgiu o Congresso de Psicologia em Havana e, nessa época, o Brasil ainda nem tinha relações diplomáticas com Cuba. Fomos num grupo de 10 psicólogos do Recife, de um total de 300 da América Latina. Quando cheguei lá, fiquei encantado com o estilo de vida dos cubanos, com sua alegria, com a dança, com a soltura da pélvis dos homens cubanos, com a festa, com o rum, com o charuto, com toda essa festa tropical latina. Enquanto lá eles comemoravam a vida, a gente vivia uma ditadura, o Recife era uma cidade triste. Quando voltei, pensei em promover festas com a alegria cubana. Na época, a gente se encontrava na loja Allegro Cantante, que foi a primeira a fazer a passagem do vinil para o CD. Era frequentada por publicitários, jornalistas e o pessoal de música. Eu saia do Banco Central e ia pra lá. Um dia eu falei: tô querendo fazer umas festas temáticas, um negócio bacana mesmo. Daí, eu e um grande amigo, Wagner Nogueira, diretor de arte da Italo Bianchi, saímos da loja e fomos continuar a bebedeira na casa dele. Contei pra ele como queria a festa e ele começou a rabiscar o cartaz do evento. A partir desses encontros, desses brainstorms, surgiram as primeiras festas temáticas. Como eram os temas dessas festas? A primeira, O Baile, teve no cartaz de divulgação uma arte com Rita Hayworth e aconteceu no The Pernambuco British Town Club, antigo clube dos ingleses que ficava no Recife Antigo. Depois promovi Os incríveis anos 60, que tinha como cartaz uma arte lembrando o disco Sgt. Pepper's, dos Beatles. O estilo de música era o das big bands, ou jazz, ou salsa. Nos 200 anos da Revolução Francesa, fizemos uma festa inspirada em Coco Chanel e no filme O Baile, de Ettore Scola, e trouxemos ninguém menos que Bibi Ferreira para cantar as canções de Edith Piaf. A ditadura terminou em 1985/1986, mas as pessoas não costumavam frequentar as ruas à noite. Aí eu descobri o Forte das Cinco Pontas, a Torre Malakoff, a Rua do Bom Jesus, que estavam em ruínas. Comecei a promover festas temáticas nesses locais. Era uma forma de levar as pessoas para lá. Fiz mais de 20 festas temáticas, também promovi Réveillon, os festejos do bloco Siri na Lata. Depois eu evoluí para casas noturnas. Qual o perfil do público? O "público cabeça" da cidade. Abri a casa Calypso, junto com os sócios Murilo Cavalcanti e Mário Delli Colli, na Rua do Bom Jesus, que estava se descolando de ser uma ruína para ser o point da cidade, no Governo Jarbas. Eu já estava tão esperto que enxergava onde deveria abrir um negócio. Sabia que o local iria se transformar numa espécie de Bourbon Street, rua boêmia de Nova Orléans, que eu tinha acabado de visitar. Enquanto os outros empresários escolhiam casas já restauradas, preferi uma que estava em ruínas, mas tinha boa localização. Transformou-se num dancing. Quando a Rua do Bom Jesus foi totalmente restaurada, com grande número de frequentadores do Recife e turistas, todo mundo ficava bebendo nos bares e a minha casa era a única pra dançar. Por volta das 22h, o pessoal já estava alegrinho e vinha dançar no Calypso. Depois eu abri o Cuba do Capibaribe no Paço Alfândega, que também foi um grande sucesso. E esta foto de Chico Science (na parede do bar, há uma fotografia do artista com um caranguejo na mão apontando para a placa da Rua do Bom Jesus)? Foi do Réveillon do Bom Jesus, em 1995. Chico estava despontando e aí propus: Chico vamos fazer o Réveillon? O empresário dele não queria. Aí fiz pressão. Esperei, às 5 horas da manhã para que ele descesse do apartamento dele para convencê-lo de que aquela seria a melhor opção para ele se apresentar no Recife naquele fim de ano. Algumas outras pessoas ajudaram no convencimento. E foi um sucesso! Essa foto aí, é Chico na Rua do Bom Jesus, dizendo “olha, o Réveillon vai ser aqui”. E pretendo fazer o próximo Réveillon no bar Biruta, no Pina. Como você conciliava o emprego no BC e a administração das casas noturnas? Eu me afastei