“A sociedade está mais acelerada”
Se você acha que 2017 passou voando, não é uma mera sensação. Nesta entrevista do professor de sociologia da UFPE Jonatas Ferreira a Cláudia Santos, ele explica como as novas tecnologias aceleraram nossa relação com o tempo. Doutor pela Universidade de Lancaster (Reino Unido), Ferreira analisa como essa realidade afeta as relações pessoais e a incidência dos casos de depressão. Ele também comenta sobre a influência das fake news no debate político. Por que temos a sensação que o tempo está passando mais rápido? Vivemos numa sociedade mais acelerada. Tempo é um conceito com implicações políticas, culturais e existenciais. Aristóteles dizia que ele é a medida do movimento das coisas. O mundo, a vida se transformam e as pessoas precisavam de alguma medida para se orientar. Numa sociedade tradicional, como era a de Aristóteles, essas medidas podiam ser a lua, ao circular em todas as suas fases ela completa um mês, o sol circulando em torno da Terra – era assim que eles pensavam – formava um dia. As pessoas se orientavam através de fenômenos externos e concretos, como o movimento da lua, do sol, o tempo que existe entre plantar e colher. Com na sociedade moderna, com o surgimento do tempo de relógio, não nos referenciamos mais em fenômenos exteriores e por isso os dispositivos modernos são basicamente aceleradores. Costumo dizer, como exemplo, para meus alunos, que hoje não se espera mais a galinha pôr os ovos no tempo dela. Na sociedade tradicional você deixa a galinha ciscar, comer minhocas e quando ela cresce, são aproveitados seus ovos e carne. Na sociedade moderna, como não nos orientamos mais por um tempo externo, não somos mais passivos em relação ao tempo, intensificamos o ritmo de desenvolvimento da galinha através de hormônios, dieta etc. O que acontece com a galinha acontece com toda a natureza. A gente vive numa sociedade de intensificação dos ritmos naturais. As tecnologias digitais aceleram mais as nossas vidas do que as surgidas em outras épocas? No tempo da primeira Revolução Industrial a vida já se tornou acelerada com o surgimento de invenções como o trem, a máquina a vapor. Mas, o sociólogo Hermínio Martins dizia que não vivemos mais no período da aceleração, mas da aceleração da aceleração. Um vetor importante da competição da sociedade contemporânea é potencialização da aceleração, a produção em tempo real, a implosão do espaço. Isso pode significar um estilhaçamento das relações sociais por proximidade física. Eu moro num conjunto de apartamentos e não sei muita coisa sobre meus vizinhos. Mas sei muita coisa que está acontecendo com pessoas que eu desconheço e tem a sua vida aberta por meio das mídias digitais. Isso é negativo? Nem sempre. Minha filha mora na Alemanha e é bom poder conversar com ela regularmente pela internet. Dadas as circunstâncias a gente tem vantagens e desvantagens. As tecnologias são benéficas ou atrapalham a sociabilidade? Acho que elas exigem que a gente recalibre o que chamamos de sociabilidade. Muita coisa que acontece de mais decisivo na sua vida pode acontecer por intermédio de um meio que você pode chamar de frio, mas que você aquece com sua experiência humana. Por exemplo, é comum hoje as pessoas começarem relações amorosas a partir de plataformas como o Facebook. O que a gente pode dizer é que as relações humanas se tornaram mais complexas com o enorme entrelaçamento de elementos virtuais e presenciais. Mas as relações não se estabelecem num vazio. O Facebook tem uma arquitetura que propõe às pessoas uma certa emotividade, por exemplo. Ali as pessoas não são contatos, são amigas, ali você curte ou odeia, faz carinhas de amor, coraçãozinho. Você é estimulado a dizer o que gosta e o que não gosta e a expandir o número de amigos constantemente, porque isso interessa a essa rede. Quem controla um dispositivo com uma arquitetura como essa não pode deixar de o ver como bem econômico. E aí você começa a receber no seu perfil propaganda de coisas muito específicas que têm relação com o que você curtiu. O dispositivo parece que lhe conhece. Uma pessoa que paga uma fortuna por isso pode interferir na prioridade com que você recebe mensagens. Não é à toa que essa é uma plataforma política das mais importantes hoje. Quando um candidato como Trump, com sua falta de qualidade política e humana, ganha uma eleição utilizando-se dessa plataforma, inclusive com notícias falsas, você percebe que quem controla esses aparatos controla algo muito importante. No Brasil a gente não pode pensar em política sem pensar em quem controla essa arquitetura e as discussões nas redes sociais. Mas os movimentos sociais mais recentes também usam as redes sociais. Sem dúvida. A mobilização pode acontecer por esse lado. Mas, o que eu quero dizer é que quem tem a possibilidade de controlar o algoritmo que decide as coisas que você vai ler primeiro quando você abre seu Facebook tem poder político muito grande. E aí não se trata de saber se esse dispositivo atrapalha ou beneficia a sociabilidade, mas entender que tipo de sociabilidade promove. Como você analisa as fake news (notícias falsas)? Há pessoas que começam a falar em pós- -verdade. O critério de realidade das coisas que Trump disse a respeito de Hilary Clinton não é se é verdade o que ela fez, o que ele diz que fez, mas o impacto que aquilo criou na opinião pública. E você tem isso de forma categórica na política brasileira: você sabe que existe circulação de fake news as mais grosseiras por parte de segmentos da esquerda e da direita. São notícias falsas que não politizam nada, que vivem do escândalo. Escândalo não alimenta a reflexão, é aquilo que entorpece, a gente fica agindo nessa lógica da emotividade exacerbada. Toda experiência humana deve se dar na dimensão de emotividade, mas tem gente ou há contextos em que a emotividade é usada como forma de aprisionamento. Qual a relação do aumento dos casos de depressão e a realidade em que vivemos? Esse é o tema
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