A Pós-Graduação Brasileira é Necessária?

*Por Dante Augusto Couto Barone (coordenador do Programa de Pós-Graduação em Informática na Educação da UFRGS) e Maria do Carmo F. Soares (Secretária Regional da SBPC-PE/UFRPE)

No atual contexto onde o obvio precisa ser reafirmado será importante lembrar que a pós-graduação brasileira é necessária, afinal como se faz ciência? Será que dá para fazer ciência sem a pós-graduação? É importante destacar ainda onde se tem programas de pós-graduação, pois eles existem particularmente e, em maior número, nas universidades públicas brasileiras. O sistema de pós-graduação e pesquisa foi sendo construído e consolidando-se ao longo do tempo. Após a segunda guerra mundial, em meados do século XX, ficou evidente que qualquer estado soberano precisaria investir e dar peso maior ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia.
SCHWARTZMAN (2001), em seu livro Um espaço para ciência: a formação da comunidade científica no Brasil, citou a lenda de Sísifo (personagem da mitologia grega) como a metáfora apropriada para a história da ciência moderna no Brasil. Temos tido avanços e retrocessos sucessivos, principalmente no que diz respeito ao financiamento. O contingenciamento dos fundos destinados à CT&I, como por exemplo, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), oriundo dos nossos impostos, é real. As agências de fomento como a CAPES, o CNPq e a FINEP, têm missões distintas e papéis importantes no sistema de financiamento da pós-graduação e estão sob ataques com cortes de recursos na atual conjuntura. A incompreensão do papel da ciência, da tecnologia e da educação no país é algo estruturante. Trata-se de problema persistente.
Atualmente, estamos no período pós-conclusão da validade do Plano Nacional de Pós- Graduação (PNPG) que teve vigência de 2011 a 2020. Os programas de pós-graduação em todo país, cerca de 4.062, estão em fase adiantada de elaboração, demandando alta carga de trabalho a coordenadores, orientadores e secretários de cursos. O Sistema Nacional de Pós-Graduação no Brasil está consolidado há várias décadas e se constitui em exemplo do sucesso na formação de recursos humanos ao nível de pós-graduação. Evidentemente, a robustez do sistema decorre de investimentos consistentes, os quais estão desde 2015 em declínio. As bolsas de Mestrado e Doutorado estão com seus valores congelados há cerca de 8 anos, tornando a atratividade nas carreiras científica e acadêmica prejudicadas. Continuamos ainda, com forte assimetria geográfica inter-regional e intra-regional na distribuição dos programas de pós-graduação. Isto é problema histórico e questão importante para ser avaliada.
A qualidade da pós-graduação no Brasil se dá muito pela importante participação da comunidade científica na elaboração de novos rumos e no trabalho criterioso como membros de comissões de avaliação. Nesse aspecto, deve-se mencionar o papel da atual Comissão Especial de Acompanhamento do PNPG (Plano Nacional de Pós-Graduação), que em 2017-2018 apontou importantes modificações nos critérios desta avaliação, tornando a dimensão qualitativa tão importante quanto a meramente quantitativa, cumprida pelos programas e presentes nos últimos 6 planos de avaliação. Espera-se que a cultura do “publish or perish” dê lugar a discussão e a busca das soluções para os problemas da sociedade, especialmente a brasileira, e sejam considerados como prioritários.
O aprimoramento do sistema de avaliação perpassa por contribuições e propostas de setores e entidades que enxergam a necessidade de mudanças no modelo atual de avaliação da PG (stricto sensu) e num total de 14 entidades: ABC, ANDIFES, ABRUEM, ABRUC, CNE, CONFAP, CONSECTI, CNPq, CTC-ES, FINEP, FOPROP, MCTIC, MIDIC e SBPC apresentaram propostas por meio dos seus grupos de trabalho. A comunidade científica valoriza o processo avaliativo da CAPES e reconhece seus méritos, mas também posiciona-se criticamente sobre o mesmo visando repensar o modelo vigente. Dentre as propostas de aprimoramento aprovadas no Conselho Superior da CAPES em 2018, encontram-se: auto avaliação institucional; impacto no desenvolvimento econômico e social, regional e nacional; modelo único de avaliação (multifuncional); produções indicadas mais relevantes; relevância social; acompanhamento de egressos (formação RH-qualificados); balanço entre indicadores quantitativos e qualitativos; mudanças no Qualis; internacionalização e inovação. Diante da situação atual parece ser consenso da comissão que o próximo ciclo não poderá iniciar em 2021, encontrando-se a mesma focada no relatório do PNPG 2011-2020, para ampla divulgação e apropriação pelas diversas áreas e programas. Será fundamental o debate, inclusive encontrar o contraditório para que o novo surja e a própria sociedade externa também possa ser envolvida no processo avaliativo, afinal a pós-graduação é ação coletiva em todos os níveis.
Recentemente, com a pandemia do vírus Sars-Cov 2 grassando em todo planeta, e atacando fortemente o Brasil, onde mais de 520.000 vidas foram ceifadas, a sociedade constatou não só a grande importância da ciência e da indústria nacional, do SUS, do Butantan e da Fiocruz enquanto instituições públicas que se anteciparam na aquisição das vacinas e do IFA (Insumo Farmacêutico Ativo) para produzir doses da coronavac, imunizante do Laboratório Sinovac em parceria com o Butantan. Evidentemente, não se pode falar do desenvolvimento adequado da ciência para salvar vidas, se as condições para os pesquisadores em solo nacional estão cada vez mais difíceis. Vive-se movimento de fuga de cérebros, justamente quando pessoas bem formadas e capacitadas tornam-se cada vez mais necessárias para o enfrentamento dos graves problemas pelos quais passamos, muitos deles agravados pela pandemia e seu enfrentamento, longe do ideal, pelo governo brasileiro. O negacionismo da ciência se transformou numa característica de política de estado, além do ataque da autonomia da pesquisa e das universidades.
E então, voltamos a considerar a importância da alocação de recursos públicos na formação de pessoas capacitadas. Estudo recente constatou que as universidades paulistas (portadoras de mais recursos para a investigação científica no país) têm dispêndio médio de 50.000 dólares americanos por ano, enquanto nas universidades de ponta nos Estados Unidos e Reino Unido o dispêndio é cerca de 8 a 12 vezes superior. Assim vemos que as exigências sobre o Sistema Nacional de Pós-Graduação, cada vez mais crescentes, embora apontando caminhos interessantes como maior internacionalização, maior interdisciplinaridade e maior especificidade de acordo com as características únicas de cada programa, necessitam de investimentos cada vez mais robustos, continuados e persistentes.
Afinal, como bem afirmou a infectologista Luana Araújo, em sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado da República, não se pode associar a ciência a diferentes matizes políticos. Só há uma ciência: a que tem qualidade. Para desenvolvê-la e promover a saúde e o bem-estar dos cidadãos brasileiros, há necessidade de se fazer concertação de agentes públicos e privados em todos os níveis, visando a promoção de condições dignas, justas e a diminuição das desigualdades sociais no país. O Brasil tem potencial para resolver seus problemas e o Sistema Nacional de Pós-Graduação, devidamente acompanhado e avaliado por parâmetros condizentes com os recursos aportados ao sistema, poderá contribuir para isto, agregando a ciência à humanidade.

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