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Açaí: a busca pelo saudável

Está na Amazônia, um exuberante cenário de povos nativos, civilizações milenares, que vivem e têm na floresta o encontro mais equilibrado; pois, ensinam as maneiras de interpretar e de simbolizar o território. É a união da mata com a água. É a união da mata com a água e com o mito. São escolhas, experiências. São formações de sistemas alimentares que vivem o lugar e suas tradições. Pois cada planta, ‘bicho’, tem um significado mitológico, um entendimento ritualizado que faz da floresta um território de vida e de preservação. Assim, frutas, caça e pesca, são as bases das comidas que integram os povos da floresta. É a pertença ao território. Euterpe oleana Mart, o nosso tão conhecido açaí, é uma fruta nativa, e que representa o imaginário da Amazônia. Faz parte dos hábitos alimentares de milhares de brasileiros da região, do Brasil, e também do exterior. Sem dúvida, o açaí é identidade da Amazônia. É uma identidade tão intensa quanto o gosto pela farinha de mandioca, e pelos seus muitos produtos que fazem a mesa tradicional da região. Do açaí se faz o “vinho”, uma bebida grossa que misturada à farinha de mandioca é uma comida que traz a Amazônia à boca. Ambos são ingredientes da “terra”, têm o gosto da floresta. A melhor farinha para se fazer a comida com o açaí é a farinha grossa, farinha d’água, mais granulada; e que pode ainda ter a cor amarelada quando é acrescida de tucupi. A essa comida ainda se pode misturar camarão seco e peixe. O melhor vinho açaí é aquele feito artesanalmente, quando o fruto está tuira – no ponto da maturação –; e, é neste ponto que retirando o ‘mosto’ – conhecido na região como “paro” ou “parau”. Esse néctar da Amazônia é também base para mingaus, sucos, vitaminas, sorvetes, cremes, recheios para tortas. É o crescente olhar para o que é “natural”, para o ingrediente que chega da floresta, como uma ação real onde se come a floresta e suas propriedades. O açaí representa esses valores. Vive-se no açaí uma espécie de idealização do que se entende por “natural”, por símbolo da natureza que alimenta, que dá energia, que é essencialmente saudável. O açaí é um notório energético com valor calórico superior ao leite vacum. É rico em fósforo, ferro e outros minerais. Contudo a colheita do açaí é artesanal e complexa, exigindo do coletador uma grande habilidade para se chegar aos cachos que estão nos longos e delicados troncos. Ainda, do açaizeiro é extraído um excelente palmito. Essa extração é ampla e indiscriminada, fazendo com que seja urgente a realização de um projeto para o manejo e preservação dessa espécie nativa.  Une-se ao açaí o guaraná, a granola, a banana, o mamão, o abacate; o leite de coco, a água de coco; e tudo mais que simbolize um produto natural, que é saudável. . Para se comer verdadeiramente o açaí deve-se ter uma cuia, dessas que se encontram no mercado do Ver-o-Peso, em Belém; colocar o “vinho” do açaí que foi processado artesanalmente; escolher uma boa farinha d’água, daquelas bem granuladas; e, com a mão misturar, misturar muito, para que aquele líquido da Amazônia possa embeber a farinha, encharcar a farinha; e se quiser acrescente alguns camarões secos; aí, então, senta-se no chão, olha-se um igarapé, respira-se fundo; e viva o seu melhor açaí à boca.

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Desmate de fragmento da Mata Atlântica eleva temperatura local

Elton Alisson  – Estudo feito por pesquisadores das universidades de São Paulo (USP) e Estadual de Campinas (Unicamp) revela que, se um fragmento de Mata Atlântica de aproximadamente um hectare tiver 25% de sua área desmatada, a temperatura local aumenta 1º C. Se todo o pequeno remanescente for desflorestado, portanto, o impacto na temperatura máxima local pode chegar a 4º C. Os dados foram divulgados na revista PLOS ONE. “Conseguimos detectar efeitos climáticos de aquecimento causado pelo desmatamento de florestas nessa escala de fragmentos da Mata Atlântica, muito comuns no Sudeste do país”, disse à Agência FAPESP Humberto Ribeiro da Rocha, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP e coordenador do trabalho. A investigação foi conduzida no âmbito de dois projetos: um vinculado ao Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG) e outro ligado ao Programa BIOTA-FAPESP. De acordo com Rocha, já havia evidências científicas de que o desmatamento de florestas tropicais promove o aquecimento do ar em escala local, mas baseadas em medidas de grandes áreas desmatadas, obtidas principalmente de estudos feitos na Amazônia. “Não havia uma informação detalhada sobre o efeito do desmatamento em pequenos fragmentos, nem estudos que levassem em conta diferentes níveis de antropização [mudanças por ação humana]”, disse Rocha, membro da coordenação do PFPMCG. A fim de suprir essa lacuna, os pesquisadores analisaram a relação entre o grau de desmatamento e o aquecimento da temperatura local em remanescentes da Mata Atlântica situados na Serra do Mar, no litoral norte de São Paulo, por meio de estimativas da temperatura da superfície terrestre (LST, na sigla em inglês). Essas estimativas da temperatura superficial são feitas a partir de dados de emissão de fluxos de calor (térmicos) em todo o globo, registrados continuamente por sensores ópticos no infravermelho, como os acoplados aos satélites do Programa Landsat, da agência espacial americana, a Nasa. Com base nesses dados, foi calculada uma média anual de temperatura superficial de dezenas de milhares de amostras de áreas da Mata Atlântica com aproximadamente um hectare e com cobertura florestal variável do nível total até o desmatamento integral. Os fragmentos florestais também apresentavam diferentes graus de antropização, com variação de 1%. Os cálculos, feitos durante o doutorado da pesquisadora Raianny Leite do Nascimento Wanderley, sob orientação de Rocha, indicaram que as áreas com menor cobertura florestal apresentam temperaturas mais altas. Cada aumento de 25% na retirada da cobertura vegetal nativa resultou no aquecimento de 1º C na temperatura local, chegando a 4º C no caso de desmatamento total. “Esse padrão detectado é interpretado como uma caracterização de impacto da perda de cobertura florestal no microclima do ambiente”, disse Rocha. Impactos na floresta Segundo os pesquisadores, os fragmentos de Mata Atlântica abrangidos pelo estudo, situados em maior altitude, têm proporcionalmente maior quantidade de carbono estocado no solo em comparação com áreas da Amazônia. Dessa forma, o desmatamento dessas áreas pode comprometer o balanço de carbono da floresta. “A Mata Atlântica, que hoje está em equilíbrio ou talvez esteja marginalmente absorvendo carbono da atmosfera, pode passar a ser uma fonte emissora”, ponderou Carlos Joly, professor da Unicamp e um dos autores do estudo. O aumento da temperatura nesses fragmentos de floresta afeta mais a respiração do que a fotossíntese das plantas. Esse efeito também contribui para a liberação de maiores quantidades de carbono da floresta para a atmosfera, afirmou Joly, que é membro da coordenação do BIOTA-FAPESP. “A combinação desses dois processos cria uma sinergia maléfica para aumentar as emissões de carbono da floresta para a atmosfera”, acrescentou. De acordo com Joly, ainda não se sabe se os efeitos do aumento da temperatura nos fragmentos de Mata Atlântica em razão do desmatamento são iguais em todas as espécies de árvores. Normalmente, são as espécies pioneiras – que sobrevivem em condições desfavoráveis devido à alta capacidade reprodutiva – que apresentam maior capacidade de resistir a mudanças de temperatura, explicou o pesquisador. “Ainda não temos condições de prever em quanto tempo, mas no longo prazo certamente o aumento da temperatura em fragmentos de Mata Atlântica causado pelo desmatamento pode influenciar, de forma diferenciada, a sobrevivência de espécies de árvores na floresta”, disse. “Pode ser que ocorra uma diminuição de espécies típicas de uma floresta madura e aumente a proporção de espécies de maior plasticidade, que, em geral, são as pioneiras ou secundárias iniciais.” Funções comprometidas Considerada uma das florestas mais ricas e ameaçadas do planeta, a Mata Atlântica ocupa hoje 15% do território brasileiro, em região que abrange 72% da população do país. Dados recentes do Atlas da Mata Atlântica indicam que foram perdidos 113 quilômetros quadrados (km2) do bioma entre 2017 e 2018. O monitoramento é feito de forma contínua pela Fundação SOS Mata Atlântica, em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Além dos impactos na biodiversidade, o desmatamento, ainda que em escala pequena, compromete importantes serviços ecossistêmicos prestados pela Mata Atlântica, entre eles a regulação térmica, ressaltam os autores. “A floresta é importantíssima para manter as temperaturas mais amenas em escalas local e regional. A mudança em seu funcionamento pode comprometer essa função”, disse Joly. O abastecimento de água também pode ser impactado. A Mata Atlântica abriga sete das nove maiores bacias hidrográficas do país, que são as cabeceiras de rios que abastecem reservatórios responsáveis por quase 60% da produção da energia hidrelétrica e fornecem água para 130 milhões de habitantes do país. “A Mata Atlântica não produz água, mas protege as nascentes e permite o armazenamento nos reservatórios para consumo, geração de energia, irrigação agrícola e pesca, entre outras atividades”, apontou Joly. Por estar situada em áreas extremamente íngremes, como as encostas, a floresta ajuda a evitar deslizamentos de terra, muito comuns em períodos de chuvas intensas. “A remoção ou a mudança no funcionamento desses fragmentos de floresta pode diminuir muito essa proteção”, afirmou Joly. Segundo o pesquisador, o Estado é o maior indutor do desmatamento na Mata Atlântica, hoje reduzida a 12,4% da área original, em razão da construção de obras de infraestrutura, como

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Aumento do desmatamento na Amazônia é incontestável, diz Carlos Nobre

Elton Alisson, de Campo Grande (MS) – Alvo de recente questionamento, o aumento no desmatamento na Amazônia nos últimos meses, em comparação com 2018, é incontestável. O aumento foi apontado pelo sistema de monitoramento por satélites Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e deverá ser confirmado antes de dezembro com o lançamento dos dados obtidos durante um ano completo por outro sistema de monitoramento da instituição, o Prodes. Nos próximos dias deverão ser divulgados os dados do Deter para o período de agosto de 2018 a julho de 2019. Entre outubro e novembro, sairão os dados do Prodes para o mesmo período, que são utilizados para verificação do Deter. O Prodes usa dados do satélite Landsat – sistema que existe desde 1989 – e apresenta os dados consolidados sobre o desmatamento total apenas uma vez por ano. A afirmação foi feita por Carlos Nobre, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), durante palestra na 71ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada de 21 a 27 de julho na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), em Campo Grande. “Os números da série anual do Prodes, que compreende o período de agosto de 2018 a julho de 2019, devem confirmar o que os dados dos últimos meses mostraram: que o desmatamento da Amazônia nos últimos 12 meses foi muito maior do que no período anterior”, disse Nobre, que é pesquisador aposentado do Inpe. “Temos que partir do princípio de que está realmente ocorrendo um aumento do desmatamento na Amazônia”, disse. Segundo ele, o questionamento dos dados sobre o desmatamento da Floresta Amazônica nos últimos três meses indicados pelo Deter é infundado. Isso porque a margem de incerteza do sistema varia de 10% a 12%. O sistema apontou que o desmatamento na Amazônia em quilômetros quadrados (km²) aumentou nos meses de maio, junho e nos primeiros 20 dias de julho, respectivamente, 34%, 91% e 125% em relação aos mesmos meses em 2018. “Esses percentuais de aumento estão muito além da margem de incerteza. A probabilidade de que o desmatamento da Amazônia está aumentando está acima de 99%”, disse Nobre. Os dados do Deter são disponibilizados desde o lançamento do sistema, em 2004, pelo Inpe. Já os do Prodes – que foi o primeiro sistema de monitoramento de desmatamento na Amazônia criado pelo órgão em 1989 – ficaram embargados no início e só passaram a ser disponibilizados em 2002. “Esses dados públicos permitiram um enorme entendimento das causas do desmatamento e municiaram as políticas de combate que tiveram grande sucesso durante vários anos”, disse Nobre. O eventual embargo dos números de desmatamento obtidos pelo Deter e o Prodes ou a descontinuação desses dois sistemas causariam enormes prejuízos para o país e fariam o Inpe perder o protagonismo mundial no desenvolvimento de sistemas de monitoramento florestal, afirmou. “Não divulgar os dados do desmatamento do Inpe não faria o problema desaparecer, porque hoje há muitos grupos em todo o mundo que fazem esse tipo de mapeamento. Mas o Inpe, que desenvolveu o melhor sistema de monitoramento de florestas tropicais do mundo ao longo dos últimos 30 anos, perderia sua liderança”, disse Nobre. De acordo com o pesquisador, o Brasil, por intermédio do Inpe, foi o primeiro país do mundo a fazer esse tipo de monitoramento florestal por satélite. Os sistemas desenvolvidos pelo instituto ajudaram a capacitar pesquisadores de 60 países e muitos países tropicais usam os algoritmos criados na instituição. Enquanto os sistemas de monitoramento desenvolvidos por outras instituições no mundo, baseados em big data e algoritmos automáticos de inteligência artificial, apresentam hoje uma margem de erro acima de 20%, a do Prodes é de 5 a 6%, comparou Nobre. “Isso representa um enorme aperfeiçoamento desse sistema de monitoramento, que é resultado de 30 anos de avanço científico”, disse. Confiança nos dados Em coletiva de imprensa no dia 26 de julho, na reunião da SBPC, o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes, disse que “não tem dúvidas de que os dados produzidos pelo Deter estão corretos e são confiáveis, mas foram usados com o objetivo incorreto”. “Os dados do Deter não são para medição do desmatamento, mas para alerta de desmatamento, para auxiliar o Ibama nas ações de fiscalização. Seria errado utilizá-los para indicar desmatamento”, disse Pontes à Agência FAPESP. “Os dados do Prodes é que têm a finalidade de medir desmatamento, mas demoram um certo tempo para ser compilados.” O ministro destacou que o Inpe é uma instituição conceituada, cujo trabalho é reconhecido internacionalmente, e que continuará a desempenhar suas funções como sempre fez. “O fato de perguntarmos sobre a variação de um dado é normal é já aconteceu anteriormente”, disse. O portal TerraBrasilis é uma plataforma web desenvolvida pelo Inpe para acesso, consulta, análise e disseminação de dados geográficos gerados pelos projetos de monitoramento da vegetação nativa do instituto, como o Prodes e o Deter: http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/. Agência FAPESP

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Descoberta na Amazônia enzima-chave para obtenção do etanol de segunda geração

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – A produção do etanol de segunda geração ou etanol celulósico, obtido a partir da palha e do bagaço da cana-de-açúcar, pode aumentar em até 50% a produção brasileira de álcool. Desnecessário enfatizar a importância econômica e ambiental dessa possibilidade, que transforma resíduo em recurso. Para tanto, o país possui a melhor biomassa do planeta, a capacidade industrial instalada, a engenharia especializada e a levedura adequada. Só falta completar a composição do coquetel enzimático capaz de viabilizar o processo de sacarificação, por meio do qual os açúcares complexos (polissacarídeos) são despolimerizados e decompostos em açúcares simples. Compor uma plataforma microbiana industrial para a produção do conjunto de enzimas necessárias é o alvo de pesquisas avançadas na área. Um importante resultado acaba de ser alcançado, com a descoberta, no lago Poraquê, na Amazônia, de microrganismos capazes de produzir uma enzima crítica para o êxito do empreendimento. Isolada, caracterizada e produzida, a enzima mostrou-se compatível com duas fases essenciais da produção do etanol de segunda geração: a fermentação e a sacarificação. A realização simultânea dessas duas etapas oferece a perspectiva de uma grande redução de custos para a indústria sucroalcooleira, uma vez que as reações podem ocorrer em um único reator e há economia de reagentes. O estudo mobilizou pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), da Petrobras, da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e contou com apoio da FAPESP. Artigo assinado pela equipe de pesquisadores foi publicado na Biochimica et Biophysica Acta (BBA) – Proteins and Proteomics. “A sacarificação é a etapa mais cara do processo. De 30% a 50% do custo do etanol celulósico é despendido com as enzimas necessárias para transformar os açúcares complexos em açúcares simples. E, atualmente, a eficiência da conversão realizada por essas enzimas está entre 50% e 65%. Isso significa que de 50% a 35% do açúcar disponível na biomassa é ‘perdido’ durante a sacarificação. O grande propósito do nosso estudo foi encontrar biocatalisadores capazes de contribuir para o aumento da eficiência”, disse Mario Tyago Murakami do CNPEM, um dos coordenadores da pesquisa, à Agência FAPESP. Segundo o pesquisador, no arsenal de enzimas necessárias, atuando de maneira sinérgica, as beta-glucosidases têm importância fundamental, porque respondem pela última fase da cascata de sacarificação da celulose. “Sabemos que, à medida que aumenta o percentual do produto da sacarificação, a taxa do processo de sacarificação cai. Porque a presença do produto inibe a atuação das enzimas. Isso é uma espécie de regra geral. No caso específico, a glicose gerada restringe a atuação das beta-glucosidases. Esse gargalo tecnológico tem sido objeto de estudos exaustivos. Para aumentar a eficiência da sacarificação, é preciso que as beta-glucosidases sejam altamente tolerantes à presença da glicose”, disse Murakami. Devido a especificidades genéticas, decorrentes de diferenças no processo evolutivo, enzimas homólogas podem apresentar variados graus de resistência à inibição pelo produto. E o alvo dos pesquisadores no estudo em pauta foi encontrar as beta-glucosidases mais adaptadas à biomassa existente no território brasileiro. Para isso, foram investigados os processos naturais que ocorrem em diferentes biomas do país, tanto na Floresta Amazônica como no Cerrado. Flavio Henrique da Silva, da UFSCar, outro coordenador do estudo, foi o responsável por esse processo de bioprospecção. E o achado mais promissor ocorreu no lago Poraquê, na Amazônia, onde amostras da comunidade microbiana não cultivável local apresentaram genes codificadores de beta-glucosidases com o potencial industrial procurado. “Em um habitat como o lago Poraquê os microrganismos adaptaram-se a uma alimentação muito rica em polissacarídeos, constituída por resíduos de madeira, folhas de plantas e etc. A enzima beta-glucosidase presente nesses microrganismos é distinta de enzimas homólogas resultantes de pressões evolutivas diferentes”, disse Murakami. Sacarificação simultânea à fermentação Em seus estudos enzimológicos, Silva verificou que a beta-glucosidase codificada pelos microrganismos do lago Poraquê apresentava eficiência catalítica para a sacarificação do bagaço de cana-de-açúcar e tolerância expressiva à inibição pela glicose. O passo seguinte foi dado pela equipe de Murakami, especializada em biologia estrutural mecanística, que elucidou, em nível molecular e atômico, as bases do funcionamento dessa enzima. “Foi um bom exemplo de trabalho em equipe, juntando grupos de prospecção, grupos de enzimologia, grupos de estudos mecanísticos, grupos de bioinformática e etc. Utilizamos equipamentos do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron e de outros laboratórios nacionais”, disse Murakami. Em relação à estrutura molecular, o estudo oligomérico evidenciou uma proteína diferente das demais de sua categoria, com uma arquitetura quaternária única. “Esse estudo corroborou pesquisas anteriores do grupo a respeito dos determinantes estruturais para a tolerância da enzima ao produto, validando nosso modelo mecanístico. Além disso, verificamos que essa beta-glucosidase atua em condições de temperatura e pH compatíveis com o processo de hidrólise”, disse Murakami. Essa informação é muito relevante, porque indica que a enzima encontrada pode vir a compor um processo chamado de SSF: sacarificação simultânea à fermentação. Pelo fato de poder atuar em condições de temperatura compatíveis com o crescimento da levedura, essa beta-glucosidase propicia que a disponibilização do carboidrato resultante da sacarificação e sua fermentação pela levedura possam ocorrer ao mesmo tempo. Tal estratégia ajuda a mitigar o efeito de inibição pelo produto, porque, à medida que o açúcar é produzido, ele também vai sendo consumido pela levedura, o que alivia a enzima da inibição por uma quantidade excessiva de glicose. O passo seguinte é fazer estudos de combinação dessa enzima com os coquetéis enzimáticos fúngicos já existentes, visando o ganho de eficiência no aumento da sacarificação. “Uma vez extraído o gene de interesse, a partir de bibliotecas gênicas de microrganismos não cultiváveis e de possíveis modificações racionais baseadas no conhecimento da estrutura para aumento de termoestabilidade, ele é transferido para outros hospedeiros por meio de técnicas de biologia molecular. O hospedeiro em questão é o trichoderma, um fungo filamentoso que já possui um arsenal de enzimas ativas sobre carboidratos. Com a adição da beta-glucosidase amazônica, ele terá seu potencial aumentado. Trata-se de potencializar uma plataforma microbiana industrial já existente”, disse Murakami. O objetivo

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