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O que houve com a pátria da democracia?

*Por Francisco Cunha Considero-me, desde que me entendo por gente, um cinéfilo, especialmente admirador dos filmes norte-americanos pela qualidade de suas produções no famoso padrão “hollyhoodiano”. E uma coisa que sempre me chamou a atenção foi que, filme sim, filme não, aparece uma sala de audiência de justiça, com um juiz (ou juíza) no alto, réu e advogados, de um lado, e acusação e operadores do direito, do outro, não raro na presença de um júri popular. Existem até filmes cujo enredo é, justamente, o desenrolar de um julgamento, como é o caso do extraordinário 12 Homens e uma Sentença (de 1957, dirigido por Sidney Lumet e protagonizado por Henry Fonda, Lee J. Cobb e Martin Balsam) que, aliás, teve uma boa refilmagem em 1997 com a participação do grande Jack Lemmon. Essa super exposição da Justiça para mim sempre foi, além de objeto de admiração, uma evidência do valor que os norte-americanos davam à democracia, ao princípio de que todos são iguais perante à lei e de que, em última análise, a justiça se fará, doa em quem doer. A propósito, uma coisa que também sempre me admirou foi que não lembro de ter visto nenhum caso de filme que colocasse qualquer sombra de dúvida sobre a idoneidade dos juízes. Lembro de muitos enredos em que aparecem advogados e, até, procuradores corruptos mas juízes, nunca! Pois bem, qual não foi minha surpresa e, porque não dizer, profunda decepção, ao constatar que toda essa magna exaltação da justiça e da defesa dos valores democráticos vai por água abaixo quando todo o aparato judiciário e institucional dos EUA não consegue colocar um freio nas pretensões e ações francamente antidemocráticas de Donald Trump e seus celerados apoiadores. Meu real espanto grandemente acentuou-se quando não se conseguiu fazer com que Trump fosse responsabilizado e devidamente punido pelo incentivo e comando da invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, com o objetivo declarado de impedir a promulgação da eleição da qual tinha saído vitorioso Joe Biden. Uma invasão que colocou sob risco de vida não só os congressistas mas o próprio então vice-presidente da República, Mike Pence, presidente do Congresso e, em última análise, responsável final pela promulgação que Trump queria impedir sob a falsa alegação de que a eleição havia sido fraudada. As provas da reponsabilidade direta de Trump são cabais com filmagem exaustiva do seu discurso incentivador durante o qual chega a apontar a direção do Capitólio para a turba alucinada. E, mesmo assim, quatro anos depois, nada. E, olhe, que não estou falando da multidão de outros crimes de que ele é acusado. Restrinjo-me àquele que me parece crucial para o futuro da democracia norte-americana, a invasão e depredação do local que mais se identifica fisicamente no mundo com a representação popular e, ao fim e ao cabo, com a democracia, talvez secundado apenas pelo edifício do Congresso Nacional em Brasília, pelas imagens pictóricas, imponentes e representativas que têm. Certamente, não por acaso ambos tenham sido objeto de ataque e depredação planejada… E mais estupefato fiquei quando, ato contínuo após tomar posse do seu segundo mandato, Trump, cumprindo promessa de campanha, anistia os marginais que já haviam sido condenados pela invasão e depredação do Capitólio, colocando livres na rua, inclusive, elementos perigosíssimos acusados de crimes ainda piores. Isso, sem falar na enxurrada de decretos teatralmente assinados no salão oval da Casa Branca, uma boa parte deles flagrantemente inconstitucionais, na terra em que a Constituição, promulgada pelos famosos “pais da pátria” em 1787, é considerada sagrada e praticamente “imexível”, tendo passado praticamente incólume, inclusive, pelo trauma supremo de uma guerra civil fraticida. Diante desses absurdos que vemos se desenrolarem no chamado “grande irmão do norte” minha questão é justamente a do título: o que houve com a pátria da democracia? Ninguém vai se rebelar contra todos esses absurdos? O sujeito vai solapar os princípios democráticos norte-americanos à vista de todos sem que ninguém se oponha? Onde foi parar o grande apreço norte-americano pela justiça e pela democracia? Será que estamos vendo finalmente o tão propalado “declínio do império americano” (nome, aliás, de um filme canadense de 1987, esse apenas razoável)? Espero que esse tempo sombrio e alucinado seja um interregno entre tempos de sensatez e bem aventurança e nos salvemos da loucura e das bravatas. Espero que tudo isso seja um apagão restaurável, evidência de fraqueza momentânea de princípios. E que esteja certa a avó do amigo Anselmo Alves: “muita farinha é sinal de pouca carne”. Oremos! *Francisco Cunha é consultor e sócio da TGI

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“A cúpula militar da ativa tem se mostrado preocupada com a forma de ação de Bolsonaro.”

A democracia brasileira corre perigo? Declarações de duas figuras próximas ao presidente Jair Bolsonaro, feitas na semana passada, levaram muitos brasileiros a fazer essa pergunta. O deputado Daniel Silveira divulgou um vídeo defendo o fechamento do Superior Tribunal Federal e fez apologias ao AI-5. Já o general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas lançou um livro no qual conta em detalhes o tuíte que fez em nome do Exército pressionando o Supremo, às vésperas do julgamento de um pedido para evitar a prisão do ex-presidente Lula. Para Ricardo Sennes, economista e doutor em ciência política, porém, não há sinais de um alinhamento dos oficiais da ativa das Forças Armadas com intenções golpistas. Nesta entrevista a Cláudia Santos, ele analisa as consequências dessas declarações, o posicionamento de Bolsonaro e as ações do STF. A prisão de Daniel Silveira pode ser uma limitação da imunidade parlamentar e do uso das mídias digitais pelos políticos? Aqui é necessário separar conteúdo/mérito e forma/procedimento. No conteúdo acho que é bastante defensável que o deputado cruzou a linha do aceitável em termos de atentado contra a ordem democrática. Se sua fala fosse isolada e em tempos de menos tensão institucional, acho que não teria o tratamento que teve. Porém, no contexto atual, foi claramente um chamado à ação dos grupos políticos mais radicais do País contra as instituições. Ademais, ele não é um cidadão qualquer. Ele é um deputado federal, uma autoridade constituída, portanto, com responsabilidades públicas evidentes. Nesse sentido, acho que claramente cometeu um crime contra a ordem democrática e a paz social. No que tange à forma, aos procedimentos, acho que novamente o STF errou. Acho que existem instituições com funções precípuas para abrir inquéritos, fazer acusações e investigações. Acho que seria função dessas instituições, com destaque para a PGR, que poderia iniciar esse processo investigativo e mesmo solicitar prisão preventiva. Acho bastante preocupante a forma pela qual o STF chamou a si esse tipo de autoridade que constitucionalmente não tem. A omissão de instituições como o Congresso em outros casos de ataques ao STF e a apologia à volta do AI 5 – alguns vindos do próprio clã Bolsonaro – incentivam outras pessoas a seguirem esse comportamento? Creio que o deputado cometeu um crime, portanto, não cabe ao Congresso agir no campo criminal ou judicial. Cabe às instâncias judiciais. Ao Congresso caberia tratar de forma exemplar esse tipo de ação. A essência do parlamento é a tolerância, o respeito à Constituição e ao jogo democrático. Todas as ações de membros que atentam contra isso estão fora do decoro e do juramento que seus membros estão obrigados a seguir. O deputado Daniel Silveira claramente atentou contra esses fundamentos e me parece óbvio que deveria ter seu mandato cassado. Declarações como as de Daniel Silveira e do general Villas Bôas – sobre o posicionamento do Alto Comando do Exército em favor da prisão de Lula – colocam em xeque a democracia brasileira? Acho que esses eventos são de ordem bastante distintas. Obviamente nenhuma das declarações contribue para a normalidade democrática no País. Mas são eventos que correm em raias diferentes. As posturas dos militares na ativa e os da reserva têm sido muito diferentes. Até onde acompanho, a postura da cúpula militar da ativa tem se mostrado bastante preocupada com a forma de ação do presidente Bolsonaro e seu grupo. Já deram recados sobre isso. Talvez menos enfáticos do que gostaríamos, mas têm sido dados. O histórico do deputado Daniel é completamente em outro sentido. É uma pessoa claramente perturbada. Sua passagem pela PM do Rio de Janeiro foi completamente atribulada. Recebeu centenas de punições, processos, foi preso várias vezes. Vejo-o como uma figura menor buscando achar um espaço dentro dos grupos mais radicais da base bolsonarista. É grave, mas faz parte de outra dinâmica política que, infelizmente, está presente no País. LEIA A ENTREVISTA COMPLETA NA EDIÇÃO 179.4 DA REVISTA ALGOMAIS: assine.algomais.com

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Iniciativas diminuem as desigualdades e fortalecem a democracia a partir das periferias brasileiras

Pesquisa "Emergência Política Periferias" mapeou 100 iniciativas que reduzem a distância entre o cidadão e o governo e apresentam soluções inovadoras a partir das periferias para os problemas socioeconômicos do País. A 30 quilômetros do Plano Piloto, região "nobre" de Brasília em que vivem à margem do poder quase meio milhão de pessoas, é editado o Ceilândia em Foco – jornal comunitário com tiragem de 10 mil exemplares mês. Democratizar o acesso à comunicação nas periferias, mostrar a Ceilândia através de notícias mais humanas e construtivas e evidenciar a cidade viva e pulsante com seus projetos sociais, culturais e empreendedores locais são as diretrizes do jornal produzido por moradores e colaboradores da comunidade. O periódico é uma entre as 100 iniciativas que integra a pesquisa "Emergência Política Periferias", levantamento do Instituto Update, com patrocínio da Fundação Ford e Fundação Tide Setubal, que mapeou inovações políticas nas periferias de 5 regiões metropolitanas do país: Belo Horizonte, Brasília, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. A pesquisa foi produzida entre fevereiro e agosto deste ano e será lançada na próxima terça-feira, 28 de agosto, durante evento na Galeria Olido, no Centro de São Paulo, às 9h30. "Começamos as entrevistas nos territórios no dia 13 de março, véspera do assassinato de Marielle, fato que, por se tratar de uma liderança representativa do público entrevistado, permeou toda a pesquisa", comenta Beatriz Pedreira, cofundadora e diretora do núcleo de Inteligência do Instituto Update. No decorrer do estudo, temas críticos para a implementação de políticas públicas de redução das desigualdades e para o desenvolvimento sustentável das periferias urbanas foram abordados. São exemplos a representatividade política, redução das violências, uso de tecnologias, Constituição Federal, democracia, racismo estrutural, machismo na sociedade, acesso a direitos, disputa de narrativas, fake news, entre outros. Uma perspectiva marcante da pesquisa é a percepção não apenas da necessidade de transformação política do Estado, mas a relevância de fazê-lo conjuntamente com a população das periferias, uma vez que os governos, de forma geral, desconhecem ou desvalorizam a profundidade dos problemas vividos nestes territórios. Realizado por pesquisadores que atuam nas próprias regiões mapeadas, a iniciativa se divide entre as pautas de Participação Política, Redes de Colaboração, Movimentos Sociais e Culturais, Meio Ambiente, Empreendedorismo Social e Mídia Independente e Alternativa. São realizadas por ONGs, coletivos informais, indivíduos ou estão ligadas à política institucional. E emergem a partir de cinco principais gatilhos: a dor, o mentor, coletivos de cultura, ONGS e políticas sociais. "Ao optar por uma equipe que tem sua origem nos territórios periféricos e produz comunicação e conhecimento a partir deles, a pesquisa enfatiza o direito que cada um tem de contar e revelar a sua própria história", observa Fernanda Nobre, coordenadora de Comunicação da Fundação Tide Setubal. Segundo Nobre, a escuta permanente, o diálogo e o fazer com as comunidades são princípios que geram um conjunto de experiências e de conhecimentos determinantes para o exercício da cidadania e estimulam as forças locais para uma atuação mais democrática. "A busca interpretativa é de que os territórios periféricos sejam reconhecidos como ‘cidade’ carregada de memórias, inventividade e potencialidade, distanciando-a meramente de uma perspectiva de fragilidade". Jessica Cerqueira, pesquisadora do Instituto Update, explica que a partir da gestão das urgências, do direito à existência, memória, ancestralidade, cultura, economia, bem viver e participação, fazedoras e fazedores revelam a emergência de práticas que transformam os territórios periféricos em laboratórios de soluções para os problemas do país. "Eles buscam, em essência, a garantia de direitos já previstos na Constituição brasileira. E são espaços de criação, experimentação e modelos de ações e iniciativas para reduzir as desigualdades presentes no dia a dia. Uma política feita a partir dos problemas reais e por vozes que foram sistematicamente silenciadas pelo Estado. Se as instituições olhassem para as soluções propostas por essas iniciativas, as políticas públicas teriam muito mais impacto e seriam mais efetivas", avalia. Os Laboratórios de Direitos foram classificados em: Direito à Existência: defender os direitos humanos básicos para garantir a vida. Exemplos: Fala Roça (Rio de Janeiro),  Assessoria Popular Maria Felipa (Belo Horizonte), Santuário dos Pajés (Brasília) e Quilombo Manzo (Recife). Direito à Memória, Educação e Cultura: defender os direitos conquistados  para garantir a dignidade e identidade. Exemplos: Casa Frida (Brasília) e Beth de Oxum (Recife). Direito à Economia e Bem Viver: defender o acesso ao capital e recursos naturais para garantir a qualidade de vida. Exemplos: Vela (Rio de Janeiro) Saladorama (Recife), Reciclação (Rio de Janeiro) e Desenrola e Não me Enrola (São Paulo). Direito à Participação Social: defender e criar espaços para influenciar políticas públicas, garantir voz nos espaços de decisão e incidência. Exemplos: DUCA (Brasília), Cursinho Popular Transformação (São Paulo), Centro de Comunicação e Juventude (Recife), Iniciativa Negra por Uma Nova Política sobre Drogas (São Paulo) e Jovem de Expressão (Brasília). Direito à Ocupação do Poder: defender o direito a legislar, ocupar e  pautar a política nacional para garantir a continuidade e institucionalidade. Exemplos: Nós, Mulheres da Periferia (São Paulo), Marcelo Rocha (SP), Pretas em Movimento (Belo Horizonte) e Frente Autônoma LGBTQ (Belo Horizonte). "Os laboratórios são processos contínuos e simultâneos. Quem ocupa os espaços de poder, por exemplo, passa a garantir o direito à existência, como Marielle Franco, que ao se tornar vereadora atuava para que todos os outros direitos fossem garantidos pelo Estado", explica Well Amorim, também pesquisador do Instituto Update. Confira o relatório e a lista completa das iniciativas mapeadas em: www.emergenciapolitica.org

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