Arquivos Raul Lody - Revista Algomais - A Revista De Pernambuco

Raul Lody

Raul Lody lança o livro infantil Kianda, a sereia de Angola

Em “Kianda, a sereia de Angola que veio visitar o Brasil” (Pallas Míni, selo infantil da Pallas Editora), escrito e ilustrado por Raul Lody, o antropólogo conta a história de Kianda, uma sereia que vive no Rio Kuanza, em Angola, e decide cruzar o Oceano Atlântico a fim de conhecer Iara, a sereia indígena do Rio Amazonas, e o Brasil tão semelhante culturalmente com a sua África natal, na culinária, na capoeira e na música. Em uma longa viagem com escalas, Kianda visita as entidades das águas Olokun e Iemanjá, reencontra peixes e pescadores amigos e se apaixona pelos tesouros naturais do fundo do Atlântico, até chegar ao seu destino: a morada de Iara, na paraense Ilha de Marajó. As duas sereias criam laços verdadeiros de amizade e traçam planos de preservação da Amazônia – um valioso tema a abordar com as crianças neste ano em que a maior floresta tropical do mundo mais ardeu em chamas na última década. “O livro infantil é uma preciosa ferramenta para a formação dos futuros cidadãos. Kianda, em especial, promove ludicidade e informações através dos desenhos que mostram cenários tropicais de Angola e do Brasil. E fazer as ilustrações foi muito gostoso. Foi viver um forte sentimento de expressão antropológica, numa narrativa formadora de respeito à diferença e à diversidade”, diz o autor. Com 48 páginas, “Kianda, a sereia de Angola que veio visitar o Brasil” é um livro sobre liberdade e ecologia, com direito a conselhos da árvore da vida, e ilustrações tão bonitas que dá vontade de emoldurar páginas inteiras. Custa R$ 43 nas livrarias e no site www.pallaseditora.com.br Raul Lody é autor de mais de 70 livros, três deles infantis e lançados pela Pallas (completam a trilogia “Seis pequenos contos africanos sobre a criação do mundo e do homem”, e “As Gueledés - a festa das máscaras”). Carioca radicado em Recife, antropólogo, museólogo e professor, é autoridade no que diz respeito às religiões afro-brasileiras. Lody escreveu algumas obras de referência, entre elas o “Dicionário de Arte Sacra e técnicas Afro-brasileiras”, além de “Danças de Matriz Africana”, “Xangô, o senhor da casa de fogo” e “Santo também come”, também do catálogo Pallas Editora.

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Comidas e Territórios - Para celebrar os 120 anos de Gilberto Freyre

Sem dúvida o açúcar e sua civilização fazem um importante território de interpretações sobre o Nordeste por Gilberto Freyre. Contudo o obra de Gilberto no âmbito da comida e do território é muito mais ampliada e quer entender outros sistemas alimentares para assim melhor entender o Nordeste. Diz Gilberto Freyre: “Venho há anos, tentando organizar um mapa culinário do Brasil em que se exprima uma geografia não da fome, mas da velha e autêntica glutoneria brasileira. Que entre nós existe glutoneria, sem deixar de haver fome. Existe a arte da boa cozinha, sem deixar de haver falta ou escassez de carne sangrenta, legume verde e até peixe fresco, para serem cozinhados de gostosas maneiras tradicionais e regionais”. (Mapa Culinário do Brasil in Diário de Pernambuco, anos 1950) Por um mapa que mostre a pluralidade de cozinhas, a biodiversidade entre tantos temas, de sentido e de valor patrimonial^. Do jornal Diário de Pernambuco diz Gilberto: “Um mapa do Brasil fixando as principais especializações regionais da cozinha nacional, começaria com o sarapatel de tartaruga do Amazonas e a sopa de castanha do Pará: o Pará do açaí. Mas não pararia no açaí. Não ficaria no Pará. Viria até o churrasco sangrento do Rio Grande do Sul acompanhado de mate amargo. Incluiria o “barreado” paranaense. O lombo de porco mineiro. O vatapá baiano. O cuscuz paulista. O sururu alagoano. A fritada de caranguejo paraibana. O arroz de cuxá maranhense. O quibebe do Rio Grande do Norte. A paçoca cearense. O pitu pernambucano”. . Gilberto vê a partir de Pernambuco uma diversidade, e busca por um verdadeiro mapa que seja tão complexo quanto possível mostrar as diferentes bases étnicas, que representam a variedade do que é a comida, ou o que é o “comer à brasileira”. Este desejo de Gilberto é atual, tem suas bases na história social e econômica ,e tudo isto se junta aos movimentos midiáticos do nosso século sobre a comida e sua glamourização O fenômeno globalizado da gastronomia no Brasil, e no mundo, aponta tendências, estilos, movimentos de consumo, e da moda que são dominantes no nosso século A comida possibilita reconhecer um povo, um território, pois ela reúne ingredientes identitários, e assim mostra o seu mais profundo sentimento de pertença a uma cultura. Nos anos 1950 Gilberto Freyre quer um mapa culinário do Brasil, para um entendimento de território, de meio-ambiente, de sistemas alimentares, de povos e de culturas. Com certeza, hoje, os conceitos de mapear são muito mais dinâmicos para preservar atualidades que possam acompanhar transformações do meio-ambiente; movimentos de populações, os refugiados das guerras; da intolerância religiosa entre outras expressões sociais globais. Assim, o entendimento de território, de “mapa” e de sistema alimentar deve ganhar uma leitura que possa traduzir os momentos contemporâneos da história e de um mundo globalizado.

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Xequetê: uma bebida tropical

As nossas bebidas artesanais integradas ao ideário latino americano estão, na sua grande maioria, nas receitas elaboradas a base de milho. Sem dúvida, esse magnífico cereal nativo remete ao imaginário do sol, e é tão presente na nossa mesa cotidiana quanto na nossa mesa de festa. Pois, a partir das memórias milenares, comer o milho é o mesmo que comer o sol. Assim, muitos pratos de milho possibilitam esse sentimento de pertença e de identidade. Certamente ao milho se une a mandioca, outro marcante símbolo e base alimentar das Américas. Há ainda a exuberância das batatas, milhares de tipos. A esses produtos que chamamos como “da terra” incluem-se muitos outros que trazem a Europa e o Oriente. E nessa mundialização de sabores e de imaginários estão as muitas e diferentes especiarias que marcam o intenso comércio entre o Ocidente e o Oriente. Novos sabores, novos usos culinários, novas representações do poder à mesa. As especiarias determinaram estilos das cozinhas do mundo a partir da Idade Média na Europa. Em destaque, a chegada triunfal do açúcar, do cravo, da canela, das pimentas, que juntos orientam a formação dos gostos e intercâmbios de paladares. Nesse tão diverso cenário, os produtos nativos como o milho, a mandioca, o caju, a goiaba, entre tantos outros símbolos tropicais,são combinados, interpretados, apropriados nas receitas, na geração de novos sabores, nos novos e dinâmicos saberes sobre a comida E assim são permanentemente experimentados os sentimentos históricos das cozinhas e dos sistemas alimentares. Pois, o conceito de memória é um conceito de processos dinâmicos e simbólicos. Como se sabe, a mesa brasileira além de ser globalizada e multicultural a partir das grandes navegações, e é profundamente africana. Africana do norte do continente – Magreb –; africana de muitos povos da costa ocidental, da costa centro-atlântica, e da costa oriental. Tudo isso se une as experiências das Américas, nas maneiras de juntar e criar comidas e bebidas, bebidas artesanais. Nesse cenário as manifestações religiosas de matriz africana explodem em identidades, patrimônios culturais e história. Para trazer esses encontros de povos e de culturas; um bom exemplo é o que está no Xangô pernambucano, confirmando que as religiões tradicionais que preservaram cozinhas com receitas especiais. São estilos de se fazer comida e bebida para usos litúrgicos e sociais. Assim, destaca-se o ‘xequetê’, uma bebida artesanal de festa, e própria do Xangô pernambucano. É uma bebida a base das especiarias do Oriente. Contudo, afirmando-se como uma bebida de matriz africana. O xequetê é preparado artesanalmente com cravo, canela, erva-doce, amendoim e castanha de caju; e, a esse conjunto de ingredientes é acrescida a cachaça com açúcar, limão e pitanga; na forma tradicional de se fazer o “bate-bate”. Todos esses ingredientes ficam em processo de maturação por um período de 03 dias, para apurar o gosto. Aí, está pronta a bebida de festa que é servida em pequenas doses, pois, tem a fama de ser uma bebida “forte” e “quente”, e justamente por isso é também chamada com o nome sugestivo de “levanta a saia”. Essa bebida conforme a maturação vai ficando mais gostosa, diga-se mais forte, mais concentrada. É, sem dúvida, uma bebida de celebração, para fortalecer os laços sociais, e para fazer viver os rituais de comensalidade. É consumida como se faz com a cachaça, com o rum, com o conhaque, entre tantas outras bebidas categorizadas como bebidas “espirituosas”. É uma bebida dita masculina e feminina, sendo também um tipo de “abrideira” para as refeições. Já provei! E, gostei do xequetê..

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A comida no 1º Congresso Afro-brasileiro, Recife, 1934

“(...) O afro-brasileiro que hoje se reúne, às 15 horas, com toda simplicidade, numa sala do Santa Izabel tal venha a ser o início de um movimento considerável de cultura e da acção social. A primeira tentativa seria de clarificação do ambiente brasileiro no sentido de separar o preto do escravo (como já queira Nabuco, que neste mesmo Santa Izabel fez a campanha da abolição) e de reconhecer no negro, assim rehabilitado, uma raça capaz e com contribuições já notáveis para o desenvolvimento nacional. Ao mesmo tempo que cheia de possibilidades e aptidões magnificas. Por muito tempo nos dominou, um arianismo-ridículo, ligado a preconceito de classe e de exploração econômica. (...) O afro-brasileiro representa reação necessária. O sangue negro no Brasil não deve ser vergonha para ninguém. Nem o sangue negro nem a influência africana, que alcança o todo brasileiro sincero o authentico como uma enorme ‘mancha mongólica’ que se tivesse alastrado a alma nacional”. (Jornal Diário de Pernambuco de 1934) Reunido no Teatro de Santa Izabel, de 11 a 16 de novembro de 1934, sob a organização de Gilberto Freyre, e tendo contado com a participação de notáveis da época como Cícero Dias, Di Cavalcanti, Mario de Andrade; e representantes de Maracatus, Xangôs, e outros segmentos populares e tradicionais, que buscavam diálogos e referências sobre as matrizes africanas, ocorreu o 1º Congresso Afro-brasileiro. E a perspectiva teórica que orientava este 1º Congresso encontrava-se num intervalo entre duas Grandes Guerras mundiais, e representava questões raciais, sociais, econômicas e culturais. Gilberto Freyre, já um culturalista notável, que acabara de publicar em 1933 “Casa-Grande & Senzala”, oferece um rico acervo de revelações e transgressões, à época, que privilegiava as relações multiétnicas. Gilberto também buscava uma igualdade de representações sobre as questões africanas e afrodescendentes, que já dominavam o seu interesse antropológico e humanista. Destaque para uma forte tendência de Gilberto Freyre para as questões da arte, e de uma valorização ainda em construção que se chamaria de patrimônio cultural. Estas questões uniam-se numa busca por um entendimento interrelacional para o respeito à alteridade do homem africano e do homem afro-brasileiro. Muito relevante, e conceitualmente orientador para o 1º Congresso Afro-brasileiro, foi a carta lida por Gilberto Freyre durante a abertura deste Congresso. “ O 1º Congresso Afro-brasileiro manifesta sua solidariedade a essas classes contra toda forma de opressão; louva a ação da Assistência Psicophatas em Pernambuco, reconhecendo nas seitas africanas de organização definida como cultos religiosos e resguardando-as das perseguições policiais; o 1º Congresso Afro-brasileiro protesta contra a atitude da Commissão de Censura Esthetica do Recife querendo fazer desta capital uma cidade de cores delicadas. O 1º Congresso Afro-brasileiro protesta contra toda espécie de descriminação contra negros ou mestiços, que ainda se verifique no Brasil. (...)”. Integrado a este amplo olhar de Gilberto Freyre para questões tão complexas e diversas da temática afro-brasileira, há um tema preferencial que é a comida nas suas múltiplas dimensões culinárias, técnicas e simbólicas. Assim, no dia 14 de novembro, na programação deste 1º Congresso, ocorreu um jantar afro-brasileiro que trazia o seguinte cardápio: acarajé; inhame com mel; farinha de mandioca; “beijo-de-mandioca”; e, cocada. Creio que o acarajé servido foi o frito no azeite de dendê, no formato convencional de uma colher de sopa, que é o que faz parte dos oferecimentos rituais dos Xangôs de Pernambuco. Outro ingrediente que fazia parte do jantar era o inhame, que até hoje, em muitas localidades do Recife e, em especial, nas feiras e mercados populares, é chamado de “inhame-da-costa”, uma referência que atesta a sua procedência africana. A farinha de mandioca, ingrediente tão popular na região, geralmente é servida como um acompanhamento ou no preparo de pirões ou farofas. Havia ainda dois preparos doces que era o “beijo-de-mandioca” e a cocada, como atestações da civilização do açúcar, dominante e fundamental na região.

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Mercado da Boa Vista: do queijo, da fava, do sarapatel

Um mercado tradicional é aquele que se apresenta com muitos anos de vida naquele território, naquela região; e, traz histórias; e é, sem dúvida, um lugar para se viver uma cidade, uma região, um povo. As relações sociais realizadas no mercado possibilitam introdução à cultura do território, e isto traz uma ampla e rica experiência para o consumidor. O mercado mostra um expressivo cenário social, mostra também um conjunto de ingredientes, de produtos, de pessoas, de ofícios quando juntos revelam a identidade do território. Trago o Mercado da Boa Vista, no bairro da Boa Vista, no Recife, um mercado que eu frequento, aonde vou buscar queijo de coalho, de manteiga, aonde também quero fava verde, feijão de corda, batata doce, inhame, cará, banana -da -terra e quero ainda encontrar identidade e peculiaridade de território. Também para viver um caldinho de feijão, caldinho de peixe, um prato de sarapatel acompanhado de limão, de muita farinha de mandioca_ um verdadeiro manjar_ que é ampliado com uma “talagada” da “branquinha”,da boa e generosa cachaça. As ofertas de comida são muitas, e mostram um verdadeiro memorial das receitas tradicionais pernambucanas que são ali experimentadas e oferecidas ao sabor e ao reconhecimento do público. Comer no mercado é um ritual especial, uma espécie de interação entre os ingredientes “in natura” e as interpretações dos cozinheiros e cozinheiras com seus temperos, com suas técnicas que se apresentam como verdadeiras assinaturas culinárias . O mercado da Boa Vista, do século XIX como também o mercado São José juntam-se a outros 24 mercados municipais do Recife e ainda 27 feiras livres, e assim fazem uma ampla oferta de produtos e de testemunho da biodiversidade. O mercado consagra-se enquanto um território para encontros, conversas, celebrações, e muitos outros rituais de sociabilidades. Nos mercados tradicionais é possível provar os produtos, escolhe-se não só visualmente o que se deseja, mas também se experimenta. Farinha, queijo, frutas, e tantos outros. No momento da prova acontecem vários diálogos, um verdadeiro ritual de aproximação entre o vendedor, o mercado e o cliente. Há uma interação com as possibilidades do produto que revela e orienta o consumo. A sensação de experimentar algo que só a biodiversidade do lugar pode oferecer é uma confirmação de terroir, de que se está num lugar, de que se está no território do mercado. As memórias estão nos mercados, e lá com os ingredientes, produtos e ofícios, contam as suas histórias e trazem um sentido de vida. O mercado tem uma função legitimadora de consumo, de ofertas de produtos da região, de poder exercer alteridade. E assim, há sempre uma maneira peculiar de unir o consumo com a afetividade, de viver os rituais da humanização no comércio interativo no mercado. O mercado não é apenas um conjunto de produtos, de pessoas, de processos tradicionais de comunicação ; o mercado é uma ampla possibilidade para se experimentar relações sociais. Para observar diversas representações do meio ambiente. Para valorizar um sentimento patrimonial de pertença e de soberania alimentar.

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“Bolo que te quero bolo”

Tão próximo do açúcar, das receitas das casas, dos doces de rua, dos mercados, das padarias, das “boleiras ”,Gilberto Freyre desenvolve um olhar afetivo que se junta ao método de traduzir as relações sociais pelos muitos preparos culinários com os doces do cotidiano e da festa, em especial destacando o bolo enquanto uma verdadeira comida- símbolo de Pernambuco. Gilberto Freyre no seu livro “Açúcar: em torno da etnografia, da história e da sociologia do doce no Nordeste canavieiro do Brasil” com numerosas receitas raras de doces e bolos da região e, para efeitos de comparação, algumas de outras áreas brasileiras e outras tantas de Goa (Índia Portuguesa), reunidas e selecionadas pelo autor ; afirma seu olhar e a sua plural leitura sobre uma multiculturalidade fundadora da civilização do açúcar, dos doces e na formação de paladares regionais que valorizam o que é doce. E Gilberto localiza e enfatiza a doçaria de Portugal, diga-se uma doçaria já mundializada a partir do século XVI, e destaca as muitas opções de receitas de bolos, sim muitos, variados, para as casas, para as festas, para as devoções religiosas. No caso do Nordeste os bolos identificam os engenhos de açúcar ,enquanto verdadeiros brasões construídos nas receitas particulares e autorais, que são essencialmente simbólicas de uma história e de uma família. Para Gilberto, cada bolo é muito mais do que uma receita. O bolo traz uma variedade de temas, de personagens, de localidades, de santos de devoção, entre tantos outros motivos. Cada bolo tem a sua individualidade, e marca, e assim mostra seus territórios de afetividade, de celebração, de religiosidade, de homenagem. Cada bolo é certamente uma realização gastronômica de estética e de sabor, e na sua maioria traz ingredientes nativos, “da terra”, mais uma maneira de atestar identidade. Assim, bolo São Bartolomeu, bolo Divino, bolo São João, bolo Souza Leão; bolo Souza Leão à moda da Noruega, bolo Souza Leão-Pontual, bolo de milho D. Sinhá; bolo de milho Pau-d’alho, bolo Guararapes, bolo Paraibano, bolos fritos do Piauí; bolo de bacia à moda de Pernambuco, bolo de rolo pernambucano, entre tantos. O bolo traz uma intenção, uma assinatura, uma receita; uma intenção pessoal ou coletiva, regional. Ele marca o terroir do doce em Pernambuco. Também o significado de um bolo é repleto de valores familiares, de festas, de ritos de passagem; dos prazeres de se viver o milho, a mandioca, o chocolate, as frutas, os cremes; as coberturas de açúcar e frutas cítricas com a técnica do “glacê mármore”, branco e compacto, uma verdadeira delicia de cobertura, e se o bolo for o de frutas mergulhadas no vinho do Porto ou Moscatel, com a estimada receita de “bolo de noiva”, uma releitura do bolo de frutas inglês, um bolo do tipo “bolo-presente” para festas e celebrações. Chegadas, permanências, sugestões, informações gerais, experiências pessoais, etnografias participativas; festas de santos, especialmente os de junho, com rica culinária a base de milho; festas em casa com a família; festas no tempo de carnaval com filhoses e suas caldas perfumadas; ou no Natal, pastéis de carne temperada e pulverizados de açúcar; num verdadeiro laboratório de gostos, de buscas, de descobertas pela boca e pela emoção. Contudo está no bolo, na sua variedade e nos seus estilos, onde o pernambucano encontra sua identidade, sua história e seu pertencimento cultural. RAUL LODY.

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Pirão: água, farinha, tempero & arte

“Nunca no Brasil se pintou um quadro nem se escreveu um poema que nem se plasmou uma estátua nem se compôs uma sinfonia que igualassem sugestões de beleza a um prato de pirão” . Gilberto Freyre in “O pirão glória do Brasil” jornal Diário de Pernambuco, anos 1920. Certamente o brasileiro se encontra e se reconhece na mandioca. São produtos para comer, e para outros usos na casa e no trabalho. O produto mais geral, comum, nacional, é a farinha, a farinha de mandioca de tantos tipos, nomes, texturas, cores, sabores, e principalmente no uso em receitas, cobrindo todo o nosso território. Farinha pura, farinha com água, um tipo de bebida engrossada, mata-fome geral, na Amazônia chamada de chibé ou caribé. Embucha, dá aquela sensação de barriga cheia, só sensação, pois o corpo necessita de mais nutrientes e de variedades de alimentos para funcionar. É essa fornalha, a barriga, que está sempre a processar, sempre a consumir comida. Contudo, as farinhas, desde a mais comum, seca, chamada afetivamente de farinha de pau ou de guerra é a do dia-a-dia, base para forrar o prato, cama do feijão, de molhos, assados, guisados, ou mesmo na tão celebrada farofa. Aliás, considero a farofa uma das mais notáveis invenções da mesa brasileira. Farofa que já vem pronta da cozinha, onde se pode misturar de um tudo ou aquela que nasce no prato, para engrossar e aumentar, naquele momento em que o gosto está mais apurado, quando a refeição está quase concluída e a comida começa, então, a ser mais ainda desejada. Aí se reescreve a farinha, num texto gastronômico cujo reconhecimento imediato é o Brasil. É o molho que ficou; um pedaço de carne; uma cebola que está encharcada de gordura; tudo é tema, motivo, inspiração, para ali no prato, na hora, fazer uma farofinha gloriosa, culminância, clímax que a boca tanto quer e o espírito também. O mesmo se dá com o pirão, outra fantástica descoberta gastronômica genialmente brasileira. Viva o pirão! Essa mistura mole, com mais água, caldo, ingredientes vários poderá se apresentar mais líquida ou mais sólida. Isso ocorre em função do acompanhamento, se é peixe, se é carne ou, então, se é o cozido. Se for cozido o pirão é variadíssimo em sabor, pois se misturam todos os caldos: legumes, carnes frescas, carne seca, embutidos, banana, carne de frango se a receita for mais lusitana. Travessas magníficas cobertas de folhas de couve, folhas protetoras dos muitos gostos ali guardados nesse prato plural que alimenta e principalmente é convite para os rituais de comensalidade. Pirão é para ser comido em prato fundo. Nasce de farinha de mandioca da bem fininha acrescida de generoso caldo, e pode também ser farinha grossa, granulada, exalando ainda o tucupi que muitas vezes também colore a matéria, tudo bem misturado, com ingredientes que vão do caldo do peixe, as pimentas, os cheiros verdes, e tanto mais que se queira adicionar. Deve ser comido com a colher de sopa, muito, sem medo, pois pirão e um bom incentivo à gula. Prepara-se então pirão a gosto, mais duro, mais mole, e se quiser, o mesmo caldo da mistura poderá ser servido junto com a abrideira da refeição, uma boa branquinha. Ainda, o azeite de oliva é um ótimo acréscimo a esse pirão que já se pode chamar de rico, ou seja, pirão com adubos especiais. Entre os muitos chamados de rico destaco o tradicionalíssimo feito de peixe. É pirão que acompanha a Peixada, e assim, o caldo do peixe e legumes faz a base desse complemento. O enriquecimento se dá com peixe desfiado, e recentemente comi um a base de Dourado. Realmente uma delícia. O ritual aconteceu vendo-se as pontes do Recife, suas Igrejas destacadas nas torres, lembrando minaretes, formando um cenário ungido no encontro do rio com o mar. Assim, fez-se mais essa experiência gastronômica. Aliás, antes da peixada, camarões bem escolhidos prepararam a boca e principalmente o espírito para comer tudo: cenário, cheiros, luminosidade, e o Recife.

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Curso sobre etnoarte africana na Galeria Arte Plural

A Galeria Arte Plural promove o curso “A Estética do Sagrado: etnoarte de matriz africana”, ministrada pelo antropólogo Raul Lody, especialista em culturas africanas e de matriz africana no Brasil, e com larga experiência em pesquisas dos povos africanos; autor de vasta publicação na área; e, curador de várias exposições sobre o tema. A estética, na sua dimensão sagrada, pode ser entendida de diferentes maneiras integradas à memória ancestral e na interpretação da natureza por meio de representações simbólicas, que aproximam as pessoas dos seus deuses e mitos. O curso “A Estética do Sagrado” apresenta a diversidade de manifestações artesanais e artísticas que fazem parte da produção material afrodescendente no Brasil, e como seu consumo está integrado à vida do brasileiro. Ainda, apresenta as muitas expressões visuais que fazem parte desse rico acervo patrimonial das matrizes africanas em repertórios exemplificados nas máscaras, nas comidas, nas esculturas, nos instrumentos musicais; nas indumentárias; nos adornos corporais, nos utensílios, entre outras manifestações de usos episódico e cotidiano.

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Raul Lody lança obra sobre pimentas e analisa seu papel na gastronomia

Vermelhas, amarelas, verdes, de várias formas e sabores, as pimentas são ingredientes muito presentes na gastronomia e detentoras de muito sabor, simbolismo e importância cultural. Características que sempre interessaram ao museólogo e antropólogo carioca e radicado no Recife, Raul Lody. Sua paixão por essa especiaria conhecida pela ardência o levou a publicar o livro Pimentas: histórias, cores, formas e sabores, em parceria com a Companhia Editora Nacional. “Há mais de 40 anos venho pesquisando sobre a alimentação e os ingredientes e os temperos culturais como a pimenta”, afirma o especialista, que é e curador do Museu da Gastronomia Baiana (MGBA) e colunista do site Algomais.com. A obra foi lançada no Senac Pelourinho, em Salvador (BA) e reúne 19 artigos sobre as mais variadas pimentas do Brasil e também de outras regiões do mundo. Trata-se de uma longa imersão sobre receitas, significados, tradições gastronômicas e até mesmo simbolismos que o ingrediente detém no imaginário brasileiro. Segundo Lody, as pimentas nativas do País são usadas há muito tempo. Povos indígenas já as utilizavam há milhares de anos, não apenas para o uso culinário, mas também para rituais espirituais. “Entre os muitos tipos que se usam em todo o mundo, as pimentas têm um destaque muito especial como ingrediente e tempero em várias culinárias. Buscamos mostrá-la sob diferentes aspectos, até mesmo como componente religioso”, revelou Lody. A classificação da pujança das ardidas aborda questões – até mesmo – de superstição e proteção. Quem nunca ouviu algum familiar mais antigo falar sobre o poder que a pimenta tem em afastar mau-olhado? “Em muitos países, por exemplo, o ingrediente surge como amuleto de defesa”, afirmou o escritor, indicando que a pimenta, em muitas culturas, tem representatividade mágica. “Temos os nossos símbolos subjetivos e pessoais, além dos símbolos culturais e religiosos. As pimentas têm uma ação muito imediata e a grande maioria delas tem uma forma fálica. Talvez por isso exista todo o imaginário por trás delas. Sua cor representa o sangue, a fertilidade e elementos interpretados como proteção”, explica o antropólogo. A pesquisa foi muito ampla e contou com olhares e conceitos de várias culturas do mundo. “Temos um retrato bastante contemporâneo. A gastronomia é sem dúvida um dos grandes temas do Século 21. É algo bem atual. Eu vejo que os ingredientes e os temperos estão cada vez mais valorizados em suas mais diversas variedades”, pontuou. MULHERES DE TEJUCUPAPO Na obra, Raul Lody apresenta de forma pontual o percurso histórico das pimentas. Inclusive, separando um capítulo especialmente para a Terra dos Altos Coqueiros, o qual leva o nome de Pernambuco: as mulheres de Tejucupapo. O conteúdo consiste em uma batalha entre as mulheres do município de Goiana, litoral do estado pernambucano, durante a invasão holandesa. Em 1646, os holandeses já haviam perdido quase que totalmente os domínios nas terras do Estado e resolveram ocupar o distrito goianense – área tradicional do cultivo de mandioca. Os invasores, então, escolheram um dia de domingo para penetrarem, durante a ausência da maioria dos homens do vilarejo. Os poucos que permanecerem foram alvo de balas, enquanto as mulheres phttp://portal.idireto.com/wp-content/uploads/2016/11/img_85201463.jpgam a água para ferver, acrescentando pimenta em tachos. Escondidas em trincheiras, atacavam os holandeses com a mistura. O resultado da ação foi a expulsão e até mesmo a morte de alguns deles. “A batalha de Tejucupapo é um exemplo muito interessante de como mulheres usaram a pimenta como forma de defesa”, acrescentou Lody. Serviço: Pimentas: histórias, cores, formas e sabores. Editora: Companhia Editora Nacional, 112 páginas. Por enquanto, as vendas estão sendo feitas online por meio da Amazon (www.amazon.com).

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Comida de matriz africana em Casa-Grande & Senzala

Na busca de uma “unidade” na formação colonial marcada pela cana sacarina no Nordeste, Gilberto recorre às bases étnicas, mantendo o pensamento dominante à época ( anos 1930) sobre a trilogia: europeu, africano e indígena. Gilberto em Casa-Grande & Senzala expõe o que é Europeu com ênfase no que é lusitano e ibérico; e ao que é “nativo”, indígena. Já aquilo que é africano assume um destaque intencional, e ganha na obra um desejo de maior aprofundamento. Gilberto olha para as relações da África Magreb e a sua civilização afro-islâmica na península ibérica atuando na formação das cozinhas da Espanha e de Portugal. Mostra o africano em condição escrava, e destaca os papéis sociais da mulher africana, entre eles o de fazer comida, e vender comida nos “ganhos”, e nas “quitandas”. Está na mulher o amplo repertório de sabedoria culinária e de memória cultural. A mulher como “yá bassê” ( básè, em Yorubá, significa assistente de cozinha) é a responsável pela cozinha sagrada dos terreiros da tradição Nagô, e assim mantém as receitas de uso religioso . Gilberto destaca a ação civilizadora da mulher africana nas casas dos engenhos, nos ofícios das cozinhas, na mistura das receitas de Portugal com os ingredientes da “terra” , e com os acréscimos que chegam das memórias africanas. São novos gostos, gostos em construção, gostos brasileiros. Ele olha para a cozinha no contexto das relações interafricanos, nos contexto dos africanos em condição escrava, no contexto da crueldade da vida na plantation dos engenhos de se fazer açúcar, sem mergulhar numa “cordialidade” idealizada. Embora o Nordeste seja exemplificado e aprofundado em Pernambuco, Gilberto mostra a Bahia como um território de força e de expressão africana, e ainda cita o Maranhão e o Rio de Janeiro. Porém está em Pernambuco o foco e a experiência etnográfica de Gilberto, que se inclui como um viajante da sua própria cidade, o Recife. Em outras obras, Gilberto destaca as comidas do terreiro Obá Ogunté, Seita Africana Obá Omim, do Recife, em Água Fria, e localiza o importante babalorixá Adão Costa. Relata experiências gastronômicas nesse terreiro de Xangô da tradição Nagô, tido como o mais antigo do Recife. Gilberto valoriza [e certamente gosta] as comidas afrodescendentes, e assim chama esses acervos culinários de “manjar africano”. Informa sobre o uso de folhas nos processos culinários africanos, e nesta verdadeira “fusion”, unem-se tecnologias de embalar e de produzir comida a partir de modelos milenares americanos dos “tamales”, com receitas que expõem uma cozinha de matriz africana onde se notabilizam o acaçá, o abará, e outras comidas embaladas em folha de bananeira. Casa-Grande & Senzala detalha a feitura do acaçá, uma comida de milho branco, milho de mungunzá; uma massa cozida sem temperos para acompanhar vatapá, caruru de quiabos, peixes no dendê. Destaca assim os processos culinários com o uso da “pedra”, do pilão lítico, para processar o milho e o feijão, bases do acaçá e do abará. Na Bahia se valoriza a “pedra do acarajé”, que é o pilão, pois se considera que ele dá a melhor textura para as massas do acarajé, do abará e do acaçá. Nestas comidas estão as assinaturas das “baianas”, notabilizando o acarajé mais crocante, o abará melhor recheado; são comidas autorais de tabuleiro. As comidas de “tabuleiro”, hoje identificadas pelos: acarajé, abará, cocada, bolinho de estudante; e também pela “passarinha”, estão nas ruas, praças, adros, no caso da cidade do São Salvador. Permanecem os imaginários dos ganhos. É um ofício, que hoje, na grande Salvador, reúne mais de três mil “baianas e baianos de acarajé” . Gilberto traz em Casa-Grande & Senzala os “bolos de tabuleiro”, certamente criando categorias para os bolos. Pois os bolos identificam um lugar especial da doçaria pernambucana. Receitas dos conventos de Portugal, outras da confeitaria popular, e outras das comidas de rua que se encontra com a mandioca, e outros ingredientes da “terra”. No Recife, em carrinhos de madeira, ainda hoje são vendidos bolos e biscoitos, próximos em forma e gosto das suas fontes portuguesas. Tortas enroladas que remetem as tortas do Azeitão (Portugal), bolos verdadeiramente ancestrais; base do tão querido “bolo de rolo”, na verdade “torta de rolo”. Ainda, tão do gosto e do cotidiano das mesas do Nordeste, estão as receitas de cuscuz. Tradição da África mediterrânea, da África Magreb, que ganha interpretações com a farinha de milho, com a massa da mandioca , com o leite de coco, e com muitos outros acréscimos nas receitas. Gilberto tem o desejo de marcar os territórios dessas matrizes do continente africano; ora afro-islâmica, ora das “Costas” – ocidental, austral, oriental –, e assim busca mostrar, preferencialmente pela comida, essas chegadas e essas formas de civilizar o Brasil.

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