Tombos amorosos e o poder da amizade

*Por Beatriz Braga

Há dez anos, em uma aula de francês, aprendi que a tradução para “se apaixonar” é “tomber amoureux”, sendo “tomber” o mais próximo possível do bom e velho ‘tombar’ em português. Amar é, pois, segundo o país mais romântico do mundo, um inevitável tombo.

As personagens das séries que indico aqui provavelmente concordam com os franceses. A primeira é Midge, protagonista de The Marvelous Mrs Maisel (A Maravilhosa Senhora Maisel, em português, disponível na Amazon Prime Video) e Frankie e Grace, personagens centrais da produção da Netflix cujo título leva seus nomes.

Cena da série The Marvelous Mrs Maisel

Midge é uma dona de casa na Nova York de 1958. Jovem, submissa e vive para o marido e filhos. Até que sofre uma desilusão amorosa e acaba se descobrindo uma talentosa comediante. A série narra sua jornada até o palco, onde usa seu papel de esposa de forma irônica e divertida. A premiada Mrs Maisel – da mesma criadora de Gilmore Girls – é a melhor dica que você vai receber nos últimos tempos.

Frankie e Grace recentemente estreou sua quarta temporada. Jane Fonda e Lily Tomlin interpretam duas septuagenárias cujos maridos se revelam um par romântico e juntas vão se reerguendo.

Cena da série Frankie e Grace

As duas séries trazem épocas emblemáticas na vida das mulheres comuns.

A primeira vive os quase trinta, quando já é “obrigatório” se ter uma vida amorosa bem resolvida. O divórcio é um fracasso para Midge. Ela vive a época retratada por Betty Friedan, num dos livros precursores do movimento feminista –  A mística feminina – no qual relata o descontentamento das mulheres brancas e classe média dos anos 1950, que se descobriam infelizes dentro dos seus casamentos. As mulheres atuais podem se conectar com as angústias de Midge, afinal, o machismo não ficou preso ao passado.

Já Frankie e Grace estão na idade não permitida. Envelhecer é um pecado num mundo antirrugas. Nada é bem-vindo: surpresas, amores, sexo, prazer e independência. E aqui estão elas fazendo vibradores desenhados especialmente para idosas.

O que os dois roteiros têm em comum é a reinvenção após o tombo. Somos ensinadas a esperar de um relacionamento mais do que ele pode nos dar. Dizem, quando pequenas, que somos metades incompletas, panelas destampadas a procura da tampa perfeita. O outro se torna, então, nossa completude.

Deve ser algo construído nas narrativas da nossa infância, quando as mocinhas e princesas tinham no centro das suas histórias a grande ambição de encontrar um amor. Enquanto o seu par lutava, corria atrás de dragões e vencia lutas impossíveis, ela esperava o seu final feliz ser conquistado por outra pessoa.

O encontro era o fim e nunca o começo. Era ali, mocinha e mocinho, com os créditos subindo na tela, que a felicidade congelada simulava eternidade.

E o depois? O que acontece quando o relacionamento se desgasta, falha ou não nos faz tão feliz como sonhávamos? Nos sentimos como a metade podre da laranja, muitas vezes incapazes de nos desfazer de um caso que já não dá mais certo. Lembro da linguagem amorosa francesa ao observar a rede feminina da qual faço parte.

Das mulheres ao meu redor, as mais solitárias são aquelas que estão presas em relacionamentos tão desgastados e opressores que não sentem mais o peso do tombo. Como se o relacionamento fosse um contrato social com a garantia de um futuro bom, muitas vezes as promessas de “final feliz” se transformam em estagnação. O fim da busca da felicidade, do autoconhecimento, da liberdade, da independência e o pior de todos: o fim do amor próprio.

Midge, Frankie e Grace são levadas ao recomeço.

O outro delicioso ponto em comum das séries é que o combustível das protagonistas está em um elemento especial: a amizade com outra mulher. Enquanto a comediante em aspiração encontra força na parceria com uma funcionária de um bar de stand up comedy, Frankie e Grace tornam-se, uma para outra, a melhor das companhias. Dois novos casamentos que jamais significam o fim.

A Maravilhosa Senhora Maisel e Frankie Gracie são daquelas séries que nos fazem sutilmente um carinho no coração. Nos sentimos bem ao ver a dupla de senhoras testando vibradores, dizendo não aos filhos e se libertando das pressões de uma juventude que já passou. Assim como quando assistimos Midge se descobrindo mais talentosa e inteligente que o marido, se permitindo rir da humilhação enquanto esposa traída, arrasando no palco e incomodando os machões.

Deixemos que essas histórias sejam um incentivo para nós também. Sejamos velhas. Sejamos falhas. Sejamos desquitadas se for preciso. Tenhamos relacionamentos que signifiquem sempre parte do caminho e não o destino final. Tenhamos a audácia de querer mais da vida do que os planos que fizemos no passado. Tenhamos amigas-combustíveis. Tenhamos coragem de abandonar os nossos roteiros e inventar novos começos. A qualquer idade e status social.

*Beatriz Braga é jornalista e empresária

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